RESPOSTA A UM AMIGO ( CINEMA )

Não existe cinema medíocre ou cinema de classe. O que existe é filme chato e filme bom.
Querer fazer um filme "inteligente" me obriga a cobrar desse filme tudo o que signifique "inteligência", ou seja : criatividade, originalidade e sinceridade. Nolan ( que é um cineasta tipo " Quando Nietzsche chorou", não se iluda, ele é totalmente best-seller ), sempre falha nas duas últimas. Sua pretensa originalidade é sempre citação de algum filme que poucos viram e sua sinceridade é a sinceridade de quem se superestima. Inácio Araújo e André Barcinski o definem bem: um engodo.
Um filme banal pode ser divertido. Desde que seja feito com alegria e paixão. E por conseguir divertir ele se torna inteligente. Rodriguez é um dos mais interessantes diretores, e o melhor nele é que, apesar de saber tudo, ele não posa de "artista". Assim como Tarantino ( e ao contrário de Fincher, Von Trier e tantos outros ) ele não sente a obrigação de provar a ninguém sua "cultura superior" ou sua "originalidade". Como fazia Howard Hawks, eles apenas filmam.
Com a idade a gente percebe o valor de Joseph Conrad ou de Mark Twain. E a tola pretensão de Pound e Mallarmée. Que muito mais nobre é ser simples. Um bom filme de piratas é superior ao melhor Renoir, um lindo musical sobrevive melhor que um Cassavettes, e uma porradaria bem feita é muito melhor que um chinês metido a chic. Não é porque adoro Bergman e Mizoguchi que vou tolerar toda "arte" nas telas. Para se fazer arte é preciso ter algo de novo para se dizer. A palavra chave é : entretenimento.
Abraço.

CINEMA DE AVENTURA E QUE TAIS

Os filmes sobre os quais escrevo aqui, caso voce não saiba, são aqueles que assisti na semana. Tenho sempre uma pilha de dvds que nunca vi e às vezes revejo o que me dá vontade. Nunca escrevo sobre filmes que vi muito tempo atrás, é sempre o que é assistido na hora.
Escrevo isso porque lamento não ter tido blog em 2006/2008 que foi a época em que montei minha coleção de filmes. Foi o período em que descobri aquilo que o cinema pode ser. Primeiro contato com o cinema dos anos 30, os clássicos silenciosos e tudo de Bergman, Dreyer, Bresson, Godard, Melville e que tais. Foi um tempo bom demais! As comédias dos anos 30, os noir dos 40, Carné e Clair.
Ainda existe um monte de clássicos que não vi, mas o tempo do descabaçamento já se foi. Até 2005 eu achava que conhecia cinema, não sabia nada! ( E sei que ainda sei pouco ).
Escrevo isto porque os filmes que vi esta semana são de nivel bem baixo.... talvez seja a mais fraca semana que já tive. Aí vai :

ERA UMA VEZ NO MÉXICO de Robert Rodriguez com Antonio Banderas, Johnny Depp, Salma Hayek, William Dafoe e Mickey Rourke
Rodriguez homenageia Leone e seu The Good, The Bad and The Ugly ( talvez seja o filme mais homenageado dos anos 90/2000 ). Mas se perde. As 3 histórias não mantèm seu interesse. Depp seria o mau, Antonio o bom e Dafoe o feio. A fotografia e a música são ótimas, mas os personagens não sustentam o filme. Apenas um curioso filme pop. Nota 6.
VELOZES E FURIOSOS 4 de Justin Lin com Vin Diesel, Paul Walker, Michelle Rodriguez
Quer saber ? As cenas de ação são muito boas. É o melhor dos 4 filmes. Tem alguma história e os carros são demais! Lógico que é um filme bobo, mas dá uma certa adrenalina ( se voce desligar o senso crítico ). Nota 6.
CARGA EXPLOSIVA 3 de Olivier Megaton com Jason Statham e Natalya Rudakova
Um excelente filme de ação ( do tipo atual ). Ou seja: é completamente inverossimel. Esqueça os diálogos, esqueça a construção de personagens. É movimento todo o tempo. Filme feito para criar sensações, nunca emoções. Jason nasceu para esse tipo de durão com voz rouca ( à Clint ) e Natalya é linda de doer. A trama não faz o menor sentido. Nota 7.
O GRANDE MESTRE de Yip Wai-Shun
É a história de grande mestre de artes marciais da China dos anos 30. O filme começa maravilhosamente bem. Acompanhamos o cotidiano do mestre, seus desafios, a vida entre valentões. Mas vem a guerra. O Japão invade a China, o mestre conhece a fome e o filme se torna tão patrioteiro que chega a irritar. Para quem pensa que americanos fazem filmes patriotas, bem... veja este. Os americanos são neutros perto disto. Os japoneses são mostrados como bestas sanguinárias, agentes de maldade infinita, sádicos e sub-humanos. E no fim ainda é dito que o Japão foi derrotado " graças a valentia do povo chinês ". E Hiroshima ???? Mas mesmo com essa baboseirada o filme é legal. As lutas, coreografadas por Sammo Hung, são de tirar o fôlego e os atores são muito bons. Belo filme. Nota 7.
O GRANDE TRUQUE de Christopher Nolan com Hugh Jackman, Christian Bale e David Bowie
O estilo Nolan de cinema: ele pega uma coisa banal e a complica ao máximo. Tome flash-back, tome divagações vazias, tome um monte de frases ruins. É um enganador. Fake até o osso. Nada de novo tem a dizer, mas como se acha muito intelectual para fazer filmes simples, enche tudo com truques que enganam aqueles que pensam que o cinema nasceu em 1998 com Matrix. Hugh é legal, Bale é outro chato. O filme fala de mágicos e truques. Uma chatice. Nota 1.
PAIXÃO SEM LIMITE de Alan Shapiro com Cary Elwes e Alicia Silverstone
Lolita para tvmaníacos. Tiraram todo o humor de Nabokov e toda a malícia. O que restou? Uma tolice sobre ninfeta fatal. E ainda termina tudo em loucura e crime ( claro! Ela tinha de ser louca! Afinal, ela gosta de sexo! ). Desprezível. Nota Zeríssimo!
DIA DE OUTONO de Ozu
Em se tratando do hiper-original Ozu, eis aqui um de seus filmes mais fracos. O que, em seus melhores filmes, é humanismo nobre e refinado, aqui se torna preguiçosa contemplação. O mestre não conseguiu criar personagens marcantes e o filme fica a deriva. Mas as composições de cena são lindas e sempre é bacana ver a forma como Ozu filma. Ninguém se parece com ele. Cinquenta anos após sua morte ele é ainda original. Nota 6.
SANGUE EM SONORA de Sidney J. Furie com Marlon Brando e John Saxon
Western passado na fronteira sul. Pó e mexicanos. Marlon tem seu cavalo roubado. Vai o recuperar. O filme é simples, as imagens são ótimas, mas ele consegue não emocionar. Porque? Falta um motivo mais forte para a vingança. O bandido não é mal o bastante e o herói parece flácido. Dá pra ver, mas é um western que anuncia a decadência do gênero. Nota 6.
KELLY'S HEROES de Brian G. Hutton com Clint Eastwood, Telly Savallas e Donald Sutherland
É um dos primeiros filmes de Clint como estrela ( 1968 ). Mas é principalmente um show do muit jovem Donald Sutherland. Do que trata o filme? Na segunda guerra, um bando de soldados americanos tenta roubar ouro nazista. O filme é uma comedia ácida: vê a guerra como farsa sem sentido. Nesse gênero, MASH dá de mil a zero. A loucura aqui é tanta que chega a enjoar. Clint é um muito cool comandante que só quer se dar bem, Savallas é um brutamontes histérico e Sutherland cria um tipo genial : um hippie perdido em 1943 ! Seu cabelo, sua roupa, seu modo de falar é de alguém que acabou de tomar um ácido em show do Grateful Dead. A guerra pra ele é uma viagem e tudo deve ser feito com good vibrations. Criação de gênio, a gente sente um imenso prazer em vê-lo atuar. Tipo de ensaio para o que ele faria em MASH dois anos mais tarde. Os Black Grapes têm uma música ( ótima ) que cita este filme cult. Mas é histérico demais!!!! Nota 6.

SEX,DRUGS & ROCK'N'ROLL (E MAIS NADA)

Não é um escrito sobre rock. É sobre o artigo de Pondé na Folha de ontem. E sobre umas coisitas mais.
Todo pseudo-MODERNO precisa de um símbolo de poder para ser contra. Aquele bode velho, aquele boneco em que ele pode bater e ser aplaudido por sua "rebeldia" pelos outros pseudos. E de preferência esse bode velho deve ser completamente MAL ENTENDIDO, não analisado, deve ser vítima de absoluto preconceito. Sim, os pseudos se acham seres isentos de todo preconceito. Mas revelam seu preconceito absoluto no ódio ao bode velho.
Hoje esses pseudos não têm mais um rei para odiar. Não têm mais tiranos ( neste nosso mundo do ocidente ). Estão livres da repressão sexual de pais e professores. E não conseguem ser contra a ciência ou o mundo como ele é. Pois isso exigiria deles aquilo que não possuem: coragem. Então eles batem em bode beeem velho, a igreja.
Eu não falo de energia nuclear ou de ópera. Não sei nada sobre átomos e sobre canto lírico. Admito isso. Poderia palpitar, mas sei que só falaria bobagens. Eis porque não tem o menor sentido o que os pseudos fazem. Eles nada sabem sobre aquilo que atacam. A igreja não tem mais nenhum peso em nossa politica, não dita mais regra alguma, não exerce mais nenhuma opressão, mas os ateus e bem-resolvidos pseudos continuam a tecer suas lorotas sobre o papa e a fé. Filho juvenil falando sobre seu coroa.
Pondé fala coisa que sinto na carne: amor é muito caro, sexo é barato.
Há uma pista que a igreja dá: a vulgarização do sexo e essa coisa modeninha de se confundir sexo com amor, de se pensar que amor é carne, leva ao tédio, ao não-amor, ao eu absoluto.
O papa não é um idiota. Ele é um grande teólogo e não se iluda, ele dá pistas sobre onde devemos ir. O que não significa que lá irei. Somos todos livres, não é?
Pondé diz algo genial: NADA HOJE É MENOS ACEITO QUE SER CONTRA O MUNDO BALADEIRO. Vivemos a ditadura da balada e do sexo casual. VOCE TEM DE SAIR E SE JOGAR, VOCE TEM DE TRANSAR MUITO. Se não for assim, voce tem um grave problema.
Bullshit!
Temos à vontade sexo, drogas e rocknroll, e mais nada. O mundo se tornou só isso.
A infelicidade, ao contrário do que os libertários do século XIX pregavam, não vem da repressão sexual. A doença é não conseguir amar. O amor cura tudo, por mais ridiculo que isso pareça hoje. E amor não é pau no buraco. Amor não é beijar vinte na balada. Amor não é viajar junto. Amor é encontrar alguém que é parte de voce. Alma irmã que tem face que te remete a sua origem. Paz absoluta. Sexo só não é ginástica quando vem como sinal de amor.
Drogas e rocknroll idem. Só tinham sentido quando eram sinal de algo além de si-mesmos. Ficar louco para fazer loucura ou ouvir rock para pular não tem nada de transcendente. Apenas carne e osso. O lema sexdrugsrocknroll significava tentativa de extase. Hoje é lata vazia.
Jesus Cristo foi revolucionário por ser o primeiro homem a colocar o amor ao outro como bem supremo. Buda ou Confúcio não tocavam nesse tema. O tema da igreja ocidental é a compaixão. Nada a ver com o egoísmo do sexo. Sexo é posse, amor é se dar. Inteiro.
Em mundo de azaração, ficação, vale tudo, valor de bunda, malhação vitrinesca, botox, tudo se torna vendável, tudo se torna carne, tudo envelhece e perde o valor. O amor não faz parte de nada disso. Ele vive no eterno, no que nunca envelhece, no etéreo, na alma ( seja alma um símbolo, uma fé ou um vazio ), na religião. Quem ama de verdade está sempre perto da religião, seja ela qual for. Saiba disso ou não, seja ateu ou crente.

CARPE DIEM/ MEMENTO MORI

Leio um texto sobre o barroco. Diz que o Brasil é barroco. Que é o país do torto. Das pernas tortas de Garrincha à barriga de Ronaldo, é nação que ama as curvas e abomina a reta. Para nós, ir de um ponto A até um ponto B é caminho curvo e tortuoso. E tem o carnaval, mixórdia de formas, cores e intenções. É um país sensual e conservador.
Voce sabe o que é barroco? Eu descubro que não sabia. E surpresa, descubro que eu sou barroco.
Porque barroco é o cara que fica no conflito. Ele ama os anjos e sabe ser um diabo. Luta por ser religioso, mas sabe que sua carne é finita. Sempre cai na tentação, sempre aspira ao Divino. Vive no fogo olhando o éter.
Detesta a linha reta. Tudo o que é limpo, pragmático, sem treva. O sol é amado, mas a Lua também. Idolatra a razão e o controle, mas é apaixonado pela magia. Sabe que a verdade nunca tem nome. Complica o que parecia simples. Tortura-se. É barroco.
Carpe Diem é um lema barroco. Aproveite o dia. E aproveitar o dia é ir ao fundo de toda curva. Por detrás de cada verdade sua mentira, por detrás de toda aparência, sua alma. Rir e chorar, amar odiando.
Memento Mori é o outro lema. Lembre-se, tudo morre. E se tudo morre, todo saber é ilusório, pois toda afirmação morrerá em sua negação. Todo sim carrega seu não.
Roger Bastide veio ao Brasil para dar um curso e foi ficando ficando.... ele dizia que a mata atlântica era a última catedral barroca do mundo. Caceta! É isso!
Naquela exuberância de curvas e arabescos, aquele monte de verdes que se movem, insetos e cheiros e cobras e macacos, e montes e águas e quedas... Penso em Deus ao ver a Serra e sua mata. Penso em anjos e em humanos. Mas também vejo a morte e o escuro. O calor do inferno e a eternidade do paraíso. E sinto minha carne em festa sensual na visão daquela mata que apela a meu espírito. Minha catedral, lugar de paz celeste e de dúvida cruel.
Não existe um amor simples e não me interessa essa arte reta. Linhas me sufocam, música tem de ser sangue e alma, pecado e remissão. Prédios me aprisionam. Quero ruínas, curvas, cantos secretos, porões e alpendres. Poços, minas, escadas. Seios, bundas, mas também corações e prantos sufocados. Flores.
País barroco, eu barroco. Anjos de pedra e duendes de ácido. Minhas mãos em oração manchadas de tinta e da seiva de seu sexo. Dilacerado homem.
Iluminismo? Certezas? Ismos vários? Á mierda com tudo isso!
Um canto de mata humilha seu aço e seu atomismo. Uma lua na madrugada destrói todo seu raquitismo. A curva de uma mulher entorpece toda certeza. A alma é grande, a dúvida, imensa.
Entre as ramas e a espuma, eis onde estou.

DE ANJOS E DE DEMÔNIOS

Como diz Nick Hornby, a música que voce escuta define sua vida.
Terminado o show de Paul a sensação é a de ter voltado de uma bela festa de natal. É tudo lindo, mas mesmo em Helter Skelter, nada fede ou sangra. Etéreo. Paul é um anjo e representa em seu mais alto grau o rock de apolo, o rock que é espírito. Dele ( e dos Beatles ) com seus discos absolutamente perfeitos, nascerá todo o rock progressivo ( de Yes à Floyd, chegando até o Radiohead ), todos os baladeiros puros ( Van Morrison, Kinks, Elton John, Coldplay ) e os cultores do pop grudento ( Robbie Willians, Rod Stewart, Oasis, Stereophonics, Roxy ).
Nos EUA a coisa é outra....lá tudo é tão misturado, que é dificil dizer se Dylan é anjo ou demonio, se ele é pop ou pagão. Mas os Beach Boys são os apolozinhos do som perfeito e todo o som negro da Motown seria apolo, enquanto o pessoal da Stax/Atlantic teria uma cara vermelha e dois chifrinhos na testa. Dionisio.
Em 1964 ( quem quiser que veja no you tube ). Nome da música: Little red Rooster : eu sou um galo de briga/ muito tarde para fugir de mim/ as galinhas no galinheiro/ cuidado com minha espora
Quem canta é um fresquíssimo afetado de lábios de borracha. Usa cabelo de mulher e blusa preta. Atrás dele, um louro detonado rí e um moleque feio cheio de espinhas mostra os dentes. Todos os anjos estão expulsos do palco. Aqueles demÕnios, aqueles duendes, aqueles dionisios jamais falariam em paz, jamais tocariam para as vítimas da guerra ou da fome, jamais participariam de movimento ou de grupo qualquer. Seriam individualistas, arrogantes, antipáticos, sujos, maloqueiros e muuuuuito sexys. E irritariam todos os anjos da Terra: eis a chegada do reino do Kaos: the rolling stones.
Deles brotaria a turma anárquica, o povo que não quer nada mais que fuck stars. Pretos, vermelhos, sanguineos, cheios de sexo ( e se há um defeito nos Beatles é sua completa brancura assexuada ). Mesmo hoje, destruídos por shows burocráticos ( Paul consegue ser bem mais convincente, talvez por ter sido desde sempre etéreo, ou seja, sem idade ), a turma de Mick continua sendo profundamente sexual. Se parecem com bando de velhos pervertidos.
Na América esse mundo dionisiaco foi desde sempre presente. Estava no blues, no jazz, e depois em James Brown e no funk de Sly Stone. Mas na pudica Inglaterra de 1964, nascer uma banda como a de Keith e Brian foi um verdadeiro milagre. A erupção de energias satanicas que vinham cozinhando desde Byron e Shelley passando por Oscar Wilde e Lawrence explode na bichice de Jagger e na sujeira de Brian e Keith. .. Se os Stones não tivessem existido todo o rock inglês se resumiria a canções bonitas e discos perfeitos.
É surpreendente eu ter reafirmado meu compromisso dionisiaco pelos Stones em show do mais anti-stoniano dos caras: Paul. Talvez porque a beleza em Paul ( e nos Beatles ) seja tamanha que meu diabinho, meu duende, começa a se arrepiar, e em meio as lágrimas que derramo pela genialidade de Blackbird me vem uma necessidade sexual de cantar STREET FIGHTING MAN!!!!!!!
Mal posso esperar pela volta dos Stones no Brasil.....

EU VI UM ANJO EM FORMA DE MÚSICO

E quando termina, fica em todos uma sensação de orfandade. Não vá embora, Paul.
No palco, Paul no palco, é como festa de família. São as velhas canções de nossos amores, dores, dos aniversários, das formaturas, dos natais. Os consolos e os presentes em forma de música.
Fique mais um pouco...
E há uma tristeza profunda em ver um show de MacCartney.
Porque é como ver um tigre branco. Sabemos intuitivamente que ele é o último dos últimos. Nosso mundo não produzirá um jovem Paul. Uma aristocracia da alma, é isso que ele representa.
Nós todos vimos uma criança no palco. As rugas se tornaram supérfluas. Ele é a confirmação de que para o verdadeiro artista, a juventude é para sempre ( e devemos desculpar e adorar suas infantilices ). Seu olhar é o mesmo de Liverpool. Seus murmúrios de músico country ainda são os do jovem fã de Buddy Holly e de Roy Orbinson. O modo como ele se comunica e respeita a platéia ainda é o de Elvis Presley e de Johnny Cash.
Em 1965 Yesterday fez com que os caras que ainda desconfiavam do rock passassem a respeitar os Beatles. ( E fez com que os mais radicais passassem a desconfiar de Paul ). Em 2010 eu constato que Yesterday é linda. Uma melancólica ode às coisas perdidas. Mas Blackbird é melhor. Eu juro que enquanto Paul canta Blackbird o mundo me pareceu lugar perfeito. A arte apolínea é feita para isso. ( E são os Beatles, na Inglaterra, que criam o rock de Apolo. )
Penso que seria lindo ter visto John Lennon no Morumbi. É uma sacanagem não termos tido a chance de o homenagear. Instant Karma e Jealous Guy seriam de matar.
Eu choraria ao ver George tocar While my Guitar com Eric Clapton.
Mas Paul é melhor que os dois.
E quando ele toca Let it Be, sei que há uma verdade na vida:
QUE NO FINAL, O AMOR QUE VOCE RECEBE É O AMOR QUE VOCE DÁ.
i love paul ( mas eu sou apaixonado por Mick e Keith, e há aí toda a diferença da minha vida ).

MITOS: PAUL E LOU IN BRAZIL

....e Paul merce cada aplauso recebido e toda homenagem. Pois ele é um sobrevivente, um cara ( raro entre os loucos anos 60/70 ) que nunca perdeu o rumo e que nunca precisou de escândalo para fazer sucesso. Seu êxito se deve a seu talento. Imenso dom de melodista e de arranjador.
Mas há algo que me arrepia em tudo isso. Mrs Vandebilt é minha canção favorita de 1974 ! Eu ficava escutando a rádio Difusora AM esperando entre canções de Bad Company e Elton John, Stylistics e Stevie Wonder, que logo tocasse Mrs Vandebilt. Isso foi no tempo do Corcel e do Opala, da tv a válvula e do compacto simples. É tempo demais !!!!
Assim como eu cantava Hey Jude aos 6 anos de idade, enquanto minhas primas me admiravam, pensando que eu seria um tipo de Mozart do Caxingui. Caceta !!!! E hoje, em meio ao buraco de ozônio, a mocinhas de chapinha e celulares, no burburinho de fãs que choram e não páram de tirar fotos, ele, Paul, continua aqui, cantando Mrs Vandebilt e Hey Jude.
Quem mais ?
Os 60 tiveram um poder absurdo em produzir mitos. De Lennon à Hendrix, de Dylan à Jagger. Pelé e Garrincha, Beckembauer e George Best. Muhammad Ali e Jim Clarck, Rod Laver e Gerry Lopez. Luther King e Malcolm X, Kennedy e Che Guevara. James Brown e Michael Jackson. Andy Warhol e Kubrick, Panteras Negras e Baader Meinhoff, Brigitte Bardot e James Bond.
Mitos. Não digo que sejam os melhores, mas sim que se cristalizaram como símbolos.
E se Paul chama multidões, Lou Reed canta ( canta ? ) discretamente, como foi subterrâneo o Velvet Undeground. E se os Beatles foram ( são ) a mais amada e famosa banda do mundo, é ( será sempre ) o Velvet Underground a banda guia de todo grupo que quiz e quer ser maldito. Se os Stones ou o Led foram melhores, o Velvet é bem mais perene, afiado, e deu muito mais cria. Porque desde 1969, não nasceu um só nome no rock dito alternativo, que não tenha um pé no Velvet. Microfonia com baladas de mel, vídeos chics e doidos com postura extra-cool. No mundo do rock-arte, tudo é V.U.
Portanto toda a adoração é devida a Lou. ( Além do que, foi ele, com Mick Ronson, que fez o meu disco favorito: Transformer. )
A gente acaba nisso: Paul, Dylan, Jagger e Richards e mais o que ( falo dos vivos ).....Bowie ? Led ?
Quem desde a década de 80 pode lotar um Morumbi e ser chamado de mito ? Madonna lota. Mas é um mito ? Morrissey não lotaria a Vila Belmiro e o REM idem. Oasis, Blur, Radiohead, Pearl Jam, bandas que têm ou tiveram o fanatismo de seus fãs. Mas são mitos ? Fora dos meios roqueiros, quem os conhece ? Seus pais já ouviram falar ? O garotinho de 10 anos já os escutou ?
Porque mito é o artista que define uma época FORA DE SEU MEIO DE ORIGEM.
Paul saiu do meio rock inglês e se tornou ícone global ( em era pré-tv mundial ). Coisa que nem Led ou Bowie ou Lou fizeram. Que só Michael Jackson ou Madonna conseguiram ( em era de MTV ) e que Dylan fez ( saindo do meio pop para as altas esferas da arte e da politica ).
Não haverá outro Paul. E nem mesmo outro Velvet Undeground. Todo aplauso é justo.
Estive lá. E vou de novo.
Na rua suja e de buracos novos, carros aos montes estacionados de frente à calçada. Fuscas de capô transparente, Opalas laranjas de rodas que brilham e parecem de brinquedo. Ômegas pretos exalando fedor e novos modelos orientais ( Kia, Hyundai ou Honda, quem sabe ? ).
Cada passo que dou é um barulho ensurdecedor. Caixas de som que fazem o carro e a rua balançar. Rap, eletro e funk. Meu amigo me guia nessa coisa dantesca, é meu Virgilio em inferno de paraísos insuspeitos. Não vejo droga nenhuma, mas sei que tem. Muita.
Já assisti Velozes e Furiosos, todos os quatro, várias vezes, e sei que este mundo está imitando aquele mundo. Tem bandanas, tem correntes de prata, tem tatoos. E meninas. Mas talvez Fast and Furious seja tão imitado aqui quanto o povinho dos jardins tenta imitar Johnny Depp e o mundinho de brilhinho de algum super diretor playboy tipo Nolan. Eu me penso em alguma tosqueira de Robert Rodriguez ou nalguma coisa ebuliente de Tarantino.
Mas não é nada disso. Quando noto um casal transando no carro acordo e sinto que ali é pra valer e que Vin Diesel não é o modelo, ele é a cópia. A menina de short que encosta a mão e passa a unha pelas minhas costas é real. Não é Michelle Rodriguez ou Fergie. O mundo dela é este mundo sem nenhuma noção de passado. Ou futuro. O molde é uma junção daquilo que se pode ser com aquilo que nunca se foi. Buracos.
Percebo que muita gente me encara. Nunca me viram por lá e algo no meu jeito diz que não sou dali. Mas Virgilio é respeitado e ele me guia e me apresenta. Maicon, Zé do Fumo, Monique, Bia... Os caras nada têm a dizer, tudo se resume a : Aí, Bacana, Diz ou Certo? Mas ela me segue.
Virgilio tem um Ford Turbo qualquer coisa azul metálico. Ele não faz racha. E eu sou contra rachas. Não é por isso que estou aqui. Eu procuro a minha Beatriz.
Se ela nunca foi encontrada nos enfumaçados bares onde doidinhas de marijuana dançam reggae em copos de sexonthebeach, e se ela não deu o ar de sua graça em sons eletrônicos onde todos vão para seduzir e não ser seduzidos, se ela nunca se materializou em poltronas de escolas ou salas de livrarias, onde o que vejo são sufocadas moças sem rumo procurando o mesmo que eu; bem, então é hora de ir onde eu sempre desejei ir e jamais fui: ao mundo de verdade. Onde se pensa pouco e se faz tudo.
Mas dá para se achar uma Beatriz em meio a minissaias que rebolam e calças justas de plástico?
Olho no fundo dos olhos dela e vejo que lá mora algo que me anima. Por detrás do rimel que é espesso e no além dos ensaiados olhares ferinos vive a moça que procuro. Se no mundo que conheço estilo é sexo, aqui o sexo é o estilo. Ele está escancarado em cada gesto e em todo diálogo. A intenção não é a de se encontrar um amor ou a de se mostrar resolvida, não existe intenção a não ser a de se existir. Sem saber, neste mundo ninguém é alguma coisa, eles estão lá.
Eu poderia continuar usando meu passado e falar dos trovadores e de que estou na idade média. Poderia ainda falar de Jung e mais uma vez falar que Freud ficou passée. Ou começar a dizer odes aos corpos à Whitman. ( Pois elas sabem atirar, cavalgar e lutar, como o poeta queria ). E é exatamente por poder falar tudo isso que meu mundo jamais será o deles. É exatamente por isso que o máximo que poderei ser é um Pedro Juan Gutierrez de SP ou um Henry Miller do Taboão. Pensar sobre eles e nunca poder experimentar o que é ser um entre aqueles.
Há um abismo entre eu e ela. ( Penso em Joyce e sua esposa garçonete. Que ele amou profundamente, ela que dizia que seus livros eram uma merda. Ela que tinha o rabo que ele queria. Sorry pelo "rabo", são palavras do irlandês ). E o fato de eu pensar em Joyce e ter de capturar esse salvo conduto já demonstra meu esnobismo, minha aridez óssea, meu complexo de arrastador de canetas, minha terrível condição de estar entre os 0.000001% do mundo.
Os entediados. Os carneiros, os covardes, os bolhas de sabão.
Nos botecos se vende whisky assumidamente paraguaio e uma menina mostra os seios numa pick-up que voa. Quando amanhece sinto que meu fogo vai alto e que meus espíritos ancestrais estiveram comigo. Ciganos, plantadores de vinhas e árabes em exílio. O céu está cinza chumbo e Virgilio está completamente burracho. Sua ex voltou para um ex ex. A alma procura viver. E tudo que nosso corpo faz é morrer.
Quando acordo, sei lá quando, penso feliz:
Maravilha é não se amputar e se posso unir vidas e mundos, farei.
Se consigo pressentir o erro básico em toda ciência, pressentirei.
Mergulhando na contradição e não querendo encontrar a saída, me perderei.
Porque estes mundos nada mais são que um leve passatempo, mas são jogo que permite vislumbrar a VERDADE. E em meio as rodas zunindo e os seios erguidos posso encontrar um segredo e um prazer. Sexo é fácil, religião é dificil. Reprimimos a alma, não a carne.
Meu carro tem um crucifixo no retrovisor e ela tatuou uma Cruz na perna.
Eu adoro ser chicano!!!!!!!!

ELA ME ENSINA

Nada do que escrevo faz sentido para 99,99999% das pessoas. Este mundinho de livros filosóficos, filmes profundos ( ou charmosos ) não diz mais nada ao espírito que move a vida agora. Todos nós nos masturbamos na crença de que estes prazeres têm alguma importância: pois são bolhas da sabão, bonitas e sem peso algum, ilusões.
Esses ínfimos seres que discutem a bienal e fazem fila na mostra são como doces carneirinhos, estão fadados aos lobos. O povinho fashion que finca pé nos lugares IN, com suas menininhas de pernas de cegonha são como tolos babys johnsson, talcudos e deslumbrados mocinhos que querem crer em sua especial beleza. Carne para açougue, todos eles são fáceis vítimas de qualquer violência, seja a guerra pela grana, seja a sedução da moda, ou pior: a lenta morte pelo tédio.
O mundo é outro e nós dele nada mais sabemos. E quem dele poderia saber não o define, pois ser do mundo de agora é não pensá-lo e jamais falar sobre o que ele seja. Se voce parar e filosofar sobre o agora voce já estará perdendo o momento. Porque este mundo é mais veloz que seu pensar. E nós, minoria mimada, ainda na pressa de carros possantes e de aviões a jato, não queremos notar que nossos valores nada mais têm de valor e que nossa fé na mente humana é de uma antiguidade vagabunda.
Porque se uma empresa é transnacional, nada em Marx faz mais sentido e se uma pílula me deixa livre de tristeza e angústia, Freud deixa de ter relevância. Uma menina transa com o namorado e com a irmã ao mesmo tempo, e no dia seguinte não sente a menor culpa; uma outra sai de casa e rouba uma velha na esquina, ao mesmo tempo em que salva um amigo de um assalto... como iremos colocar essas pessoas em nossas categorias século XIX ? Voce pensa que elas querem amor, liberdade, ou paz ? Para elas tudo isso já foi testado ( muito cedo ) elas querem dinheiro e dinheiro e dinheiro e são muito mais honestas sobre isso que eu e que todos nós. Para 99.99999% das pessoas do mundo, viver é tentar ganhar uma grana, e todo o resto é futilidade ( sexo, amor e liberdade inclusos ).
E vou falar de maio de 68, de Henry James e o dandysmo, de Lacan ou de Lou Reed ? Que relevância tem isso, a não ser para as borboletas protegidas em sua estufa irreal onde tudo é uma brincadeira para mofar o tempo......
A vida acontece em bailes da periferia, em festas nos arredores de Ciudad Juarez, em Nairobi e em Gaza. O destino do mundo está sendo escrito nos esgotos de Pequim, nas últimas florestas da India, entre os traficantes de Bogotá e no tráfico de armas pelas fronteiras da Russia. Esses são os lobos e os cães de rua que fazem o caminho da Terra, enquanto os cordeirinhos dançam em clubinhos de vidro pensando que eleger Serra ou Dilma significa alguma coisa. E que cheirar uma carreirinha na mesa da sala significa ser rebelde e viver em perigo. Viver.
A vida vive entre aqueles que correm em fuga ou correm em caça. A vida é dos predadores e dos bacilos em cólera. O resto pasta.
Ela esfrega na minha cara, toda noite, que essa vidinha de Freud, Nietzsche, Joyce é masturbação. Que viver é a porrada na cara, o sangue nas costas , a fome e a sede. A vida é muito maior que o caderno cultural da Folha. E ela não se resume ao novo disco dos Strokes, ao show de um simpático senhor ou ao filme bem louco de um diretor da moda.
Ela acontece sem que a gente pense sobre. É um ralo. Uma unha afiada e um pé descalço.
E enquanto isso a gente engorda.

TARZAN/ ROBERT MITCHUM/ JANE FONDA/ KUROSAWA/ JOLIE

TARZAN de WS Van Dyke com Johnny Weissmuller e Maureen O'Sullivan
Este é o grande exemplo de filme B dos anos 30. Muito crítico diz que agora o que era B se tornou A, e o que seria filme classe A é tratado como filme B. Isso ocorreu porque o público de cinema se tornou B. Explico. Filme B eram os filmes de produção barata, geralmente dirigidos por novatos e feitos às pressas. O que definia o filme B era o roteiro mal cuidado, inverossímil, dirigido aos adolescentes e ao povão do centro dos EUA. Filmes baseados em HQ, em ficção científica ou terror, mas também os westerns e filmes de pirata. Em meio a essa enorme produção, é claro, filmes excelentes podiam surgir ( este Tarzan, King Kong, Drácula ) mas em sua maioria eles eram constrangedores. O western mesmo em grande produção ( John Ford por exemplo ) sempre seria visto como um primo brega. O filme A era o filme sério, geralmente baseado em best-seller, mas também a produção vistosa, o filme de grandes estrelas, o drama adulto, o filme sobre a vida "real". Nesses filmes trabalhavam os melhores escritores e os maiores atores. Eram esses filmes que tinham o lançamento de luxo, a atenção do estúdio. Pois bem, Tarzan hoje seria o lançamento classe A. É um agradável e tolo filme de aventuras, onde Jane, feita pela lindíssima mãe de Mia Farrow, Maureen, aparece mais que o Tarzan magnífico de Johnny Weissmuller. Nota 6.
JOHNAH HEX de Jimmy Hayward com Josh Brolin, John Malkovich e Megan Fox
Talvez seja o pior filme que já ví. Não é cinema. Tudo é tão artificial, os diálogos são tão idiotas, as atuações tão estereotipadas, que me recuso a imaginar que isto seja cinema. Toda cena é digitalizada e colorida até a saturação, os rostos se parecem com modelos de cera e a ação entedia e é sempre óbvia. Detestável filme que simboliza a nulidade absoluta, uma tentativa nojenta de se modernizar o oeste, de se glamurizar a violência, de emocionar reprisando tudo o que já foi feito um trilhão de vezes. Lixo, absoluto lixo, um vácuo. Nota Zero absoluto ( -280 F )
SALT de Philip Noyce com Angelina Jolie
Alguns criticos chamaram este filme de aventura de primeira. O nível de exigência deve ter caído muito. Ou eles resolveram fazer RP. É um chatíssimo filminho de espionagem, vingança e toda aquela ação "nervosa" que voce já viu. Jolie está magra como um caniço e sua decantada sensualidade é a mesma dessas meninas bambú que infestam os bairros bacanas de SP. Eu quase adormeci vendo esta chatice. Nota 1.
POLICE STORY de Jackie Chan com Jackie Chan
Quem sabe Jackie me dê alguma aventura classe A ? Este é um de seus filmes mais famosos. E tem uma perseguição de carros em uma favela muito legal. Eles dirigem por dentro dos barracos, descendo morro abaixo. O filme, no resto, não é ruim, tem boas lutas e Jackie Chan tem simpatia e carisma de verdadeira estrela. Dá pra se assistir. Nota 5.
A LEI DA MONTANHA de Arthur Ripley com Robert Mitchum
Mitchum, já ator famoso, em 1958 escreveu este roteiro, fez a canção tema e colocu seu filho, James Mitchum para atuar neste muuuuuuito estranho filme. Adiante de seu tempo em dez anos, fala de grupo de famílias sulistas que vivem da fabricação de whisky ilegal. Mitchum é um motorista fascinado por velocidade que foge da policia e de chefão que deseja tomar conta de todo o contrabando. A trilha sonora já é country e os atores se parecem com gente de verdade, há algo de contra-cultura neste filme, movimento que seria filmado só a partir de 67. Mas o filme tem uma falha central: não nos emociona. Admiramos as intenções, mas elas não se realizam. Falta melhor direção, falta um estilo. É como um diretor de 1940 dirigindo um filme de 1970, o estilo de direção briga com o tema e o roteiro. Uma pena.... Mitchum deve ter amado muito este projeto. Sabemos que sua origem é a deste sul atrasado. Ele, como sempre, nos ensina o que é ser cool. Foi o cara que inventou o estilo, McQueen e os outros vieram depois. Nota 5.
ADIVINHE QUEM VEM PARA ROUBAR de Ted Kotcheff com Jane Fonda e George Segal
Esta comédia subversiva foi refilmada recentemente. Não recordo se foi com Jim Carrey e se o diretor era Johnathan Demme... talvez. Sei que não deu certo, principalmente porque domesticaram a história. Trata de casal bem-sucedido que perde tudo quando o marido é demitido. Para manter as aparências começam a roubar. Os primeiros dez minutos não são grande coisa, mas o filme começa a crescer e voce acaba por se divertir muito com esse casal amoral e muito perdido. O filme exibe a América do jeitinho, do seguro social, dos golpes, do cada um por si. Segal rouba o filme, está soberbamente engraçado ( sem apelar ) e Jane voltou ao estrelato com este filme. Ela havia destruído sua reputação ao se tornar ativista politica e passar a ser persona non grata para a CIA. Aqui ela está bonita, numa atuação leve e charmosa. Uma bela diversão. Nota 7.
10000 AC de Roland Emmerich
Bando de curtidores de reggae saem do frio atrás de amigos que foram escravizados por árabes do mal. Dá pra contar assim esta história muito ridicula e ferinamente preconceituosa. É um filme intolerante. A heroína o é por possuir olhos azuis. Toda tribo do bem tem valores do ocidente e todo o mal vem dos árabes narigudos que escravizam gente e dos religiosos orientais que querem fazer pirãmides. Alguém notou o quanto este lixo é racista? Mas eu até o perdoaria se não fosse tão chato. Os homens primitivos nada mais são que hippies sujos de Arembepe, os africanos são figurantes de Tarzan e os bandidos são seguidores de Bin Laden. Os atores têm carisma zero, a ação não comove ou excita e as falas são de um vazio que dá sono. Esse é o filme B que virou filme A. Exemplo da tal inversão de valores de produção. Milhões para produzir lixo. Se voce quer ver a aurora do homem vá de A Guerra do Fogo, ou reassista os primeiros minutos de 2001. Nota Zero.
UM DOMINGO MARAVILHOSO de Akira Kurosawa
E após tanto lixo eu apelo. Chamo mestre Akira para me devolver a fé no cinema. E o milagre acontece! Ele pega um casal e os filma vinte e quatro horas na Tokyo de 1947, uma ruína pós-guerra. Ainda não é o gênio que fez Rahomon e Ran, mas já dá para perceber a genialidade em botão. Kurosawa ama as pessoas que filma, se enamora delas, as homenageia. Pode ter existido diretor melhor que ele, mas nem mesmo Ford é tão nobre. Neste filme barato e simples, o namorado é pessimista, a moça tenta ver o lado bom de tudo. Eles têm apenas uns poucos ienes para passar o domingo, e o filme é a crônica de sua miséria. A cidade é toda ruína e gente com fome. Faz frio e chove e tudo aquilo que os dois tentam fazer dá errado. Mas a moça ainda acredita nele, tenta convencê-lo a sonhar com ela e ele termina por ceder à sua namorada. O final é de beleza sublime. O filme é muito criticado por ter cena em que a atriz se dirige a platéia pedindo aplausos aos dois. Acho a cena piegas, porém necessária ( e corajosa ! ). Toda a longa cena do concerto imaginário é coisa de mestre e o cenário noturno lembra o melhor do cinema expressionista. Vemos no filme o futuro do Japão, a força de se reerguer do absoluto vazio. Como comparar isto aos lixos vistos acima? O filme tem ainda uma cena de corrida pelas ruas com câmera os seguindo que lembra a nouvelle-vague. Mas é no neo-realismo italiano que Kurosawa busca sua inspiração. E ele consegue. O filme é para sempre. Nota 9.

A DIVINA COMÉDIA ( INFERNO )- DANTE ALIGHIERI

Todas as grandes obras, aquelas que dão medo de ler, não me decepcionaram. Precisei de duas décadas para criar vergonha e ler o Dom Quixote. Instigado por um amigo que o adorou, resolvi lhe dar uma chance. E eis que descubro estar diante do melhor romance já escrito. Engraçado, picante, poético, realista e ao mesmo tempo onírico. E foi assim com Proust, com Tolstoi e com Shakespeare. Os gigantes nunca me deram frustração, sempre cumpriram o esperado ( há uma única excessão: Goethe. Mas talvez ele seja intraduzível. )
E agora, instigado pelo amor que Yeats tinha por ele, abro meu velho Dante e mãos à obra, o leio. Cheio de ilustrações de Gustave Doré, sua primeira parte, O Inferno, é, sem ironia, uma delícia. Na tradução de Ernani Donato, a poesia do fiorentino se torna prosa poética, um quase rap. Sim, voce leu direito, um rap de gênio. E digo o porque....
Quando li Chretien de Troyes já havia percebido isso. O modo como Chretien discorre sobre seu rei ( "Meu rei é maior que o seu" ) a maneira como ele está sempre se gabando, inflando a força do bem, aumentando tudo o que significa poder; é um modo rap de pensar, de ser e de se expressar. O mesmo acontece com Bocaccio. Sexo e dinheiro é seu único interesse e melhor é aquele que transa todas e que tem algum ouro. E muito melhor ainda é o que consegue enganar a todos com sua lábia. Vejo então no mundo medieval o mundo das gangues, da rua, do bairro, do poder da língua afiada.
Dante joga todos os seus inimigos nos círculos do inferno. São queimados, são espetados, sofrem torturas sem esperança de fim. Sentem sede sem poder a saciar, sentem ódio sem poder dele se livrar, sentem dor sem alivio nenhum. Pior, tudo será sempre como é agora. Dante tem um prazer homérico em fazê-los sofrer, e mesmo os brilhantes Platão e Sócrates sofrem por lá, pois não foram batizados. É mundo de limites, de trancafiamento, de desejo sem fim, de carne que continua a apodrecer, de espírito sem leveza.
Voce lê tudo isso com um estranho prazer. As frases fluem, voam, se encaixam como tijolos de catedral. As imagens nascem, crescem e vivem, cada palavra respira, fala. Carnaval de sentidos. Tudo no mundo em que Dante viveu é política, tem sentido, cada homem era parte de um todo gigantesco. E o poeta discorre seu ódio, seu rancor, sua vingança como um amaldiçoante abutre, como um monge mundano, cospe palavras metralhadas como o mestre do rap.
Dizer que o gênio de Alighieri ainda assombra é absurdo. Todo gênio é sempre contemporâneo. Aquilo que ele diz e sente é para sempre de hoje e de agora, e toda imagem que ele nos faz ver será eternamente viva. Mas o principal é: em sua arte sempre irá morar o prazer, a alegria em se ler a frase certa, a rima correta, o fato inesperado, o não-chavão, a fonte da criação e do símbolo. Destilando ódio, Dante fermentou o vinho da poesia.

O MAIOR NOME DO POP, ROCK, FUNK, SOUL E ESCAMBAU

Eu sou branco.
E no pop rola muito de identificação. Quando estamos começando a ouvir música, fechamos os olhos e nos imaginamos tocando aquela guitarra e cantando aquela letra. Nos vemos naquele cara. Mas porque estou falando isso? Ora, por mais que a gente não seja racista, acabamos pensando em brancos quando listamos os maiorais. Elvis, Dylan, Lennon, Bowie, Lou, Jagger.... E até quando falamos de grandes vozes esquecemos que antes de Van Morrison ou Bruce, existem 50 vozes negras beeeem melhores.
Leio um artigo de Peter Shapiro sobre o maior gênio da história do pop.
" Pop music não é voz, pop music é som. Desde quando Little Richard fez o piano soar como bateria, desde quando Elvis fez o country soar como uma banda de blues, quando o Velvet Undeground fez o rock soar como uma máquina repetidora ou o Kraftwerk deu ao pop a frieza de um programa matemático.
Mas ninguém mudou, criou, avançou e foi tão influente quanto James Brown. Ele é o cara que jogou a melodia no lixo e fez com que tudo ( guitarra, teclado, sax e trompete ) existisse em favor do ritmo. Brown cria o som de hoje, do futuro, de sempre. Dá à cultura negra orgulho de ser dona do ritmo, cria a primazia do som black, muda para sempre TODO o som pop. Faz do baixo e da bateria o centro, mostra que tudo é beat, groove, e no palco, inventa sózinho a performance, a dança desenfreada, o performer. Mick Jagger seria seu primeiro imitador, mas todo performer razoável tentaria o imitar. James Brown é o inventor do agora.
Ritmo como repetição sem fim, cadência que hipnotiza e leva ao transe. Brown já fazia som para raves em 1967. E tudo é fisico em seu som. Ele existe para mover, para fazer suar. E traz todo o DNA do rap. Em 1967 James Brown cria a batida de bateria do rap, e mais que isso, a batida que se escuta em Beck, em Stone Roses, em Happy Mondays, nos Chili Peppers, em Franz Ferdinand, em Beyoncé e Madonna, em Blur, em Prince, em tudo o que não é folk. Som pop sem funky beat, como faziam Beatles, Beach Boys ou Byrds, nunca mais.
A primazia da batida se torna o mandamento número um do pop. Primeiro o groove, depois a melodia ( se houver ). Tudo feito desde James Brown que não englobe influência de Brown se parece com saudosismo, fica branquelo demais, europeu em seu pior sentido. Azedo. Sem fire e passion.
Tudo que tenta ser novo bebe em fonte Sex Machine, I Feel Good, Papa Got ou Cold Sweat. Baixo que domina e leva adiante, bateria que repete a batida sem parar, guitarra que é arranhada e repercute como um bumbo, e a voz que é ritmo também. Música que repete o transe da aldeia africana, que vai ao âmago do espírito, que libera e liberta, que é transe.
E sobre o palco O Cara rebola, geme, grita, pula, salta, seduz e se exibe sem culpa. E tome Good God!, e tome AAAAAAh Yooooooou! e tome Get Up!!!!
Perto de James Brown, mestre criador do funk, do beat, do rap, do r and b, tudo empalidece. Tudo fica em seu morno lá lá lá lá ou yeah yeah yeah yeah. Enquanto o negão, father of soul, the godfather,manda seu OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOH !
Eis o number one.