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NINE INCH NAILS - THE DOWNWARD SPIRAL

Em 1994 o rock ainda conseguia nos surpreender. Beck e Loser, Sonic Youth, Massive Attack, Portishead, ainda brotavam timbres estranhos, misturas novas, o RAP parecia insaciável engolindo jazz, soul, blues. Havia bombons deliciosos como Spin Doctors e os Hanson, Supergrass e Blur. E talvez o mais radical fosse Trent Reznor com os Inch Nails. Reescuto hoje e ele continua quase insuportável. -------------- Ele fez algo impensável até então. Música eletrônica tinha dois estilos: ou era chique e moderninha, tipo Human League e Depeche Mode, ou era gelada e inumana, como Kraftwerk e Visage. Trent Reznor sujou o eletrônico. O desespero já habitava os teclados desde Suicide e Cabaret Voltaire, mas ele encheu o som de lixo, de ruídos que incomodavam, de erros propositais, peso asfixiante. O que ele fez foi aproximar a música eletrônica do mais violento hardcore. Isso só poderia ter ocorrido nos USA, pois na Inglaterra já pairava a sombra da passividade absoluta sobre o rock de então e do seu futuro. Nos USA ainda se acreditava em dentes sujos e notas desarmônicas. -------------- O disco é a história da destruição de uma mente perversa. É um dos mais deprimentes discos já gravados. Bowie, na época em busca da inspiração que jamais retornou ( Bowie sempre foi um ladrão. Em 1972 roubou Marc Bolan e Lou Reed, em 1975 roubou o som da Philadelphia, em 1977 roubou o som de Eno e Robert Fripp, em 1983 Nile Rogers e depois mais nada deu certo ), Bowie em 1994 flertou este som e passou mais de década nessa tentativa. Mas este som, que hoje parece antigo mas nunca velho, é só de Trent e de mais ninguém. -------------- Ouvir este disco em seu tempo era ter a certeza de ouvir o som do futuro ( todos os citados acima pareciam ser o som do futuro ). Mas esse futuro não foi e não é dele. Estranhamente o rock se prendeu a fórmulas que encerraram sua comunicação com os jovens mais espertos. Virou música de deprimidos e de saudosistas. 1999 foi seu último ano. O século XXI não é seu século. ------------- Mais que um disco, este é um epitáfio de todo um gênero musical e de um modo de vida.

SCREAMADELICA - PRIMAL SCREAM

Anos atrás, em um momento de caixa baixa, vendi meu vinil de Screamadelica. Consigo o cd e ouvi ontem. Fazia mais de década que não o ouvia inteiro. Claro que é bom, mas não é um disco normal, é na verdade uma coleção de remixes, por isso o fato de ser um album com cara de greatest hits. Para os ingleses é um dos 10 maiores discos dos anos 90, para os americanos ele nem existe. É antiga essa diferença entre EUA e UK. Tudo que é americano vende muito bem na Ilha, até mesmo Willie Nelson e Garth Brooks. Já americanos deixam de consumir verdadeiras joias do rock inglês. Isso desde 1964. Posso citar Status Quo, Gary Glitter, Gentle Giant, Small Faces, The Jam, Happy Mondays, como exemplo de gente que é hiper estrela em UK e mal chegam aos 100 primeiros postos na Billboard. Há também aqueles que são razoáveis nos USA, mas que na Ilha são smash hits: Kinks, Traffic, T.Rex, Roxy Music, Smiths, Style Council, Ultravox, Blur, são todos BIG na Inglaterra e medianos em vendas nos USA. ------------- Na onda baggy de 1988-1992, Stone Roses, Happy Mondays e Primal Scream eram os maiorias e nenhum estourou nos EUA. O movimento do clube Hacienda em Manchester nem passou perto de se tornar popular na América. Em 88 a Billboard descobria o RAP e o eletro de Detroit e em 92 era a vez do grunge. Nesse meio tempo houve o estouro dos Red Hot e o fenômeno Metallica. Não havia espaço para o rock viajante dos Primal Scream. Screamadelica é psicodélico até a medula, e como disse em outro post, os anos 90 inauguraram o saudosismo como fenômeno hype. Pela primeira vez escutar coisas velhas era cool. Doors e Love, Hendrix e Cream, todos deixaram o mofo para trás. Cabelos longos, sons meio prog meio hard rock, guitarras, blusas coloridas, valia reciclar tudo. O Primal Scream reciclava um album antigo apenas: Beggars Banquet dos Rolling Stones. Screamadelica inteiro tem acordes de piano chupados de Sympathy for The Devil. Nicky Hopkins é o dono dos acordes originais. Jimmy Miller produziu o Beggars Banquet e surpresa! Foi Jimmy quem produziu algumas das faixas daqui. A guitarra, presente em vários momentos, sempre bem vinda, repete também os acordes keithrichardianos de Sympathy for The Devil. Não, nada de plágio!!!! Primal Scream usa influências, assume esse ato, e as rejuvenesce com batidas de acid house. Acontece então um fenômeno que se repetiu por toda a década de 90: O passado casado com o presente, o rock dos anos 60 e 70 recauchutado. O Nirvana usou um hit do Boston para estourar mundialmente, riffs do Black Sabbath fizeram a vida de metade dos grupos de Seattle e o Led Zeppelin parecia ser, outra vez, o maior grupo de rock do universo. Grandes anos 90! Beck misturou RAP com John Fogerty, STP era Led Zeppelin com Beatles e Janes Addiction citava toda uma discografia em apenas quatro minutos de som. Pode-se dizer que foi uma década onde toda coleção de discos era usada todo o tempo em todo disco. Os anos 90 foram o paraíso para quem tinha conhecimento nerd de rock. ( Todos os grandes rock stars da época foram grandes colecionadores ). --------------------- O rock viveu momentos brilhantes. 1968-1972....1978-1982....1988-1993....talvez 1997-2002. E então o fim. O rock perde o posto de protagonismo e se torna apenas mais um gênero. Bandas sempre haverão, mas nunca mais haverá um rock star como "maior estrela do mundo". Esse posto é, faz vinte anos já, do RAP, do POP, do R and B, do cinema. Screamadelica é um disco que nos faz viajar de volta a seu tempo, é uma capsula temporal. Atemporal? Em tempos virtuais, tudo é atemporal e nada parece eterno. Falar em atemporalidade na arte hoje é absurdo. O fato de eu estar falando deles para voce AGORA faz deste disco atemporal. E é um prazer poder o escutar.

PEGUE SEU PRECONCEITO E AMARRE EM UM TIJOLO, JOGUE-O NA JANELA DE SEU CRÍTICO FAVORITO ( GENESIS-FOXTROT ) OU: PORQUE A COMUNIDADE PROG SEMPRE FOI A MAIS FELIZ DO ROCK.

Nada foi mais odiado na virada dos anos 70 para 80 que o prog rock. Criou-se a ideia de que prog eram solos sem fim e letras que não diziam nada. Gostar de prog era atestado de bobo, de cabaço, de nerd sem remissão. Nenhuma década foi mais preconceituosa que a de 80 e se voce não ouvisse Clash, PIL ou Smiths voce era uma besta. No Brasil não havia um só crítico que defendesse o gênero. Pior, gente que amara o tipo de som nos anos 70, fazia então cara de paisagem. Eu, quando moleque nunca fora dos caras que ouviam prog. Eu achava Pink Floyd meio chato, ELP eu gostava só do primeiro disco e isso era tudo. Não me dava ao trabalho de ouvir mais nada, porque era 1977 e todo cara inteligente estava atrás de punk e new wave. E eu, claro, me achava inteligente. ---------------------- Só para voces terem uma ideia, o preconceito do "não ouvi e não gostei" implantado em mim foi tão forte, que só ouvi Rush pela primeira vez aos 57 anos! Yes aos 58. E, apesar de desde os anos 2000 ter Selling England by The Pound, do Genesis, como um grande disco, só agora ouvi um outro, Foxtrot, que acabo de escutar. Primeiro é preciso dizer que as letras do prog são confusas e às vezes exageradas porque eles procuram, ao modo rock, obter aquilo que os poetas românticos tentavam: Epifanias. Se um lado inteiro de um vinil é ocupado por uma só música do Yes, isso se deve ao fato deles tentarem, por 20 minutos, atingir a tal epifania. Que comigo ocorreu já umas très vezes enquanto ouvia prog. Nenhuma com o Yes. Ainda. --------------- Saudades de uma Inglaterra que nunca existiu, mas que todo romântico do mundo tenta crer que houve. Viagens ao futuro. Pesadelos alucinógenos. Esses são os temas gerais do prog. Fato interessante é que mesmo tendo nascido no psicodelismo de Syd Barrett, do Moody Blues e do Procol Harum, o prog é dos gêneros do rock, aquele que menos apresenta casos de suicídio, tragédias ou internações. Incrivelmente a tragédia abunda no mundo do country, do blues, do metal, e no punk é regra. Já no prog não. Arrisco a dizer que isso se deve a dois fatores: 1. É o gênero que mais crê em magia benigna, em poesia da natureza, em história, em folclore e em religião. 2- Eles são músicos que adoram a música em si. Esse amor guia sua vida mesmo em meio ao caos. Seu objetivo é a beleza. Entre todos os roqueiros são os mais calmos por isso: desejam o equilíbrio e nunca o confronto ( claro que há excessões, mas aqui são raras e pontuais ). Mesmo alguém que executa peças aparentemente caóticas como Fripp, é na vida pessoal um homem pacato, de regras, frugal. Nesse caldo de medievalismo, poetas do século XVIII e naves espaciais, não há muito espaço para groupies e bebedeiras. Os três bons moços do Rush são regra e não excessão. ----------------- Foxtrot não é o melhor disco do Genesis, mas é bonito. Feito em 1972 foi o primeiro sucesso deles. Busca a epifania usando imagens de Blake e Shelley, e criando melodias que são complexas mas nunca vagas. Era uma banda muito, muito estranha. Rutherford e Hackett tocavam sentados em cadeiras, Banks tinha a postura de um pianista russo e Collins parecia um frentista. E havia Gabriel com suas fantasias absurdas, um homem bonito que escondia sua beleza. A banda era anti glamour e nisso era o oposto do Roxy Music. O romantismo abundava. Supper Ready é uma das obras primas do estilo, apaixonada até o limite. Gabriel, com sua voz de velho, parece sempre a ponto de chorar. São canções dificeis de tocar, e são por isso viciantes. Fadas, duendes, cavaleiros, bosques, luares, damas, tudo em névoas mágicas. ------------- Uma pena eu ter esperado tanto para ouvir. Ou sorte em poder ouvir pela primeira vez agora.

LONDON SESSIONS - HOWLIN WOLF

Eu não gosto de blues chique. Aquele tipo de blues feito nos anos 80, para publicitários e jornalistas. Muito bem gravado, solos cristalinos, vocais macios. É entediante. Chato. Nega tudo que o blues de fato é: música tosca. ------------- O blues é tosco porque em seu espírito há pouco espaço para invenções. São poucos acordes que se repetem, frases que fazem eco, temas sempre os mesmos. O que o redime, o que faz do blues algo de apaixonante é sua paixão, sua verdade, o perigo. Perigo porque o blues de verdade vive na margem, no limite, na quase marginalidade, no outlaw. ------------- Howlin Wolf tem a voz do perigo, da briga, da ofensa. É sujo. Dizem que ele batia nos músicos que errassem. Dizem que ele era forte como um touro. Dizem lendas e blues são lendas turvas. Em 1970 resolveram lançar, na Inglaterra, uma séries de LPs em homenagem aos mestres do rock e do blues. London Sessions. Músicos famosos acompanhando os veteranos. Falam que o dedicado a Bo Diddley foi um desastre. O disco de Chuck Berry um sucesso de vendas. E este, o de Wolf, o melhor. Quem o acompanha é Charlie Watts e Bill Wyman, Ian Stewart e Steve Winwood, e ainda Eric Clapton na guitarra. Generoso, Clapton sola pouco, o disco é do veterano. E é selvagem. A voz de Wolf repercute como voodoo. É blues de verdade. Safado e no fio da faca. Uma pistola na sua testa. Howlin Wolf foi, ao lado de Muddy, o melhor de todos.

OUVINDO MOODY BLUES E PENSANDO NO TEMPO

Eu ouvi um CD dos Moody Blues gravado ao vivo no show da Ilha de Wight em 1970. Os caras estavam no auge e faziam um som psicodélico cheio de melotrom e uma bateria muito boa. Venderam muito. Gostei do disco, tem uns momentos que nos fazem recordar a emoção de ouvir Satanic Majesties Request pela primeira vez. Ou Traffic. Mas o assunto aqui nem é esse. Durante a audição eu pensei: o rock em 1970 era jovem. Não havia gente com mais de 30 no meio. Os nomes dos anos 50, que em 1970 tinham uns 35 anos, eram olhados como vovôs. Porém, mais que isso, ouvindo os Moody Blues, eu percebo que o estilo de som, as letras, eram como se feitos por e para gente com 16 anos. Mesmo os Velvet Underground, Dylan ou Zappa faziam coisas de jovens de 16 anos. No caso deles, jovens muito dotados, mas com aquela ingenuidade, alegria, desespero, deslumbre típicos da adolescência. Quando vem os anos 70 a coisa muda e o espírito passa a ser o do universitário. Mais sério, mais vaidoso, mais pretensioso. E incrivelmente imaturo. Podemos ir adiante e falar que os anos 80 têm a cara de trintões materialistas e começando a ter medo de envelhecer. Há na década de 1980 a obsessão pela saúde, moda, sucesso, relevância, típica de um adulto jovem. E também seu cinismo e sua falta de paixão. -------------- Se eu for adiante terei de dizer que os anos 90 tiveram o espírito quarentão. E eis um fato: Foi a primeira década realmente saudosista. Melancólica. Reciclada. Misturada. Bombada. Aditivada. Foi, pela primeira vez, um momento em que o rock começou a parecer velho. Coisa de tio. Se eu falar do século XXI a coisa vai se tornar chata então melhor parar aqui. A partir de 2000 o rock deixa de ser coisa de jovem e passa a ser estilo de quem é meio saudosista, meio fora de moda, meio nerd, meio mal humorado. Ou seja, nada jovem. Terei irritado voce? Não ligue não. Continuo ouvindo rock. O estilo representa 80% do que ouço e consumo. Mas que não é mais "símbolo da juventude" ou "tendência atual", isso não é desde pelo menos 1994. Desde quando virou quarentão.

UMA IDEIA IDIOTA, MAIS UMA, MAS QUE PODE DAR CERTO ( VER GENTE OUVINDO )

Pipocam no Youtube videos de gente ouvindo música. Caramba! O mundo realmente ficou esquisito! Na TV temos gente consertando carros. Outros pintando casas. Plantando grama e construindo piscinas. Ou seja, olhar gente trabalhando virou show. Agora no Tube assistimos pessoas ouvindo música pela primeira vez. ( Há também outros programas de gente vendo um filme pela primeira vez ). Weelllll.....fico curioso. Tem um maestro escutando YES pela primeira vez na vida. Ele ouve todo lado 1 de Close to the Edge. E adora. Fica encantado pelo teclado de Rick Wakeman e pelas letras. Okay. Vejo outros caras. UM sujeito, bem engraçado, ouve rock pela primeira vez. WHAT????? Tem gente nos EUA que NUNCA ouviu rock? Parece que sim. Muito engraçado sua reação ouvindo WONT GET FOOLED AGAIN do Who. Fica arrepiado. Mas não é sobre esses caras que desejo falar. É sobre Brad e Lex, um casal que é a coisa mais simpática do Youtube. Ele faz o tipo sério, mas ela é tão legal, ela ama tanto o que escuta, reage de um modo tão intuitivo que não tem como não se apaixonar por ela. Eu caí de amores. E melhor, ela comenta coisas sobre as letras que batem em cheio. ------------ Mas é estranho....será verdade que eles nunca na vida tinham ouvido BOHEMIAN RAPHSODY? Será?????? Bem...eu tenho alunos que nunca ouviram e irão morrer sem ouvir. O que me leva ao tema dois deste post: COMO SERIA BOM PODER OUVIR BOHEMIAN RAPHSODY PELA PRIMEIRA VEZ DE NOVO! -------------- Eu ainda lembro de quando ouvi a primeira vez. Piano...vira rock....vira ópera còmica....rock pesado....piano...Foi um choque total, choque que procuro hoje em tudo que escuto pela primeira vez. A surpresa de ouvir o lado 1 do primeiro disco dos Pretenders de novo. A loucura de escutar WHOLE LOTTA LOVE pela primeira vez ( que é isso? E esses gemidos? Essa batera!!!! ). A confusão ao tomar contato com a primeira gravação eletrôncia ( foi Giorgio Moroder, from here to eternity ). Cumbia and jazz Fusion, a primeira audição, momento em que fiquei muito, muito excitado. As mudanças em Uncle Albert, a noite de White Light white Heat....Entenda, lembro de todas essas primeiras audições, lembro onde estava, com quem estava, que clima fazia, como me senti. Mas, que pena!!!!!, a emoção é irrecuperável. Eu lembro, mas não posso sentir mais. Ainda amo, mas não como na primeira vez. ------------------ Então ver Brad e Lex é sentir inveja deles. Eles podem ouvir ACDC pela primeira vez. Sentir o humor anárquico de Zappa. Se emocionar com Rocket Man. E quer saber? Me pego chorando vendo a emoção deles ao escutar Gimme Shelter pela primeira vez. Porque eu vejo no rosto deles a lembrança daquilo que senti então, em 1977, ano em que ouvi Gimme Shelter pela primeira vez. E sentir uma fração disso de novo, caramba, é foda!!!! ----------------- Então eu digo: Obrigado Lex!!!!!!

JOHN MCLAUGHLIN, ELECTRIC GUITARIST

De todos os grandes guitarristas nenhum tem sido mais esquecido pela moda que John McLaughlin. E eu não ficaria surpreso se voce, jovem, não o conhecesse. ( Esquecido apenas pela moda, pois os prêmios não param de cair em seu colo ). -------------- Jeff Beck, o guitar player dos guitar player, considera John o melhor de todos, vivos ou mortos. E noto no estilo de McLaughlin algo do que Jeff faz. Técnica, capacidade de fazer o que quiser, velocidade, timbre metálico, limites fleixíveis, prazer ao tocar. A diferença entre os dois é o blues. Jeff Beck jamais abriu mão completamente de seu começo de carreira. O blues está sempre perto de seu toque, mesmo que venha transformado em soul ou funky. Já John McLaughlin abandonou o rock, e com ele o blues, totalmente. O que ele toca desde 1970 é jazz, jazz rock, jazz pop, mas sempre jazz. --------------- John nasceu no interior da Inglaterra durante a guerra de 1940. No começo dos anos 60, companheiro de geração do trio Eric-Jimmy-Jeff, tocou blues com Jack Bruce e Ginger Baker. Mas não era sua praia. Enquanto seus companheiros partiam para o rock, as drogas e a fama, John partiu para o jazz. Fez nome no underground e para surpresa geral, Miles Davis o chamou. Ficou famoso. No começo dos anos 70 descobriu o budismo e foi rebatizado como Mahavishnu. Alcançou a fama mundial com a Mahavishnu Orquestra, grupo que tinha Billy Cobham na bateria e Jan Hammer nos teclados. É aí, na minha puberdade, 1976, que o conheço. McLaughlin tinha fama então, para rivalizar com Page ou Clapton. Mas seu interesse era a iluminação espiritual. E para ele, a luz vinha tocando sua guitarra de dois braços. ---------------- Era uma época sem internet e com LPs caros. Então eu lia sobre John, mas nunca tinha como o escutar. Até que em 1979 comprei um disco solo dele, este Electric Guitar, lançado em maio daquele ano por aqui ( é de 1978 ). Odiei. Não tinha vocais e na época era inviável eu gostar de música sem vocal. E era jazz. Me pareceu sem sentido, vazio, não possuia riffs, refrões, nada. Me livrei logo do disco. Troquei por revistas de mulher pelada. ------------------ Reescuto este disco hoje, 43 anos mais tarde. Não lembrava de nada, claro, mas sentia que poderia agora o apreciar. E foi o que aconteceu. John toca tão bem, é tão absurdo o que ele faz, que me posto fascinado. É como John Coltrane na guitarra. Milhões de notas por segundo. Ele faz o que deseja. ------------- Cada faixa, são sete, tem uma banda diferente com ele. Só feras. Quem mais se destaca é Tony Willians, o jovem batera de Miles e de Hancock na faixa 5, a suingada are you the one?, faixa que tem ainda o baixo de Jack Bruce. Na faixa seis Stanley Clarke faz miséria no baixo enquanto Chick Corea voa no teclado. Mas há mais, bem mais: Billy Cobham, Carlos Santana, Jack de Johnette, Alphonso Johnson e vasto e nobre etc. Sobre tudo soa a guitarra de Mclaughlin, dedilhada ou em wha wha, quase acústica ou pesada, lírica ou glacial. ---------------- Sem pudor algum, John fez sua carreira se desgrudar do mainstream e focou no jazz e nas experiências sonoras. Sempre penso nele ao lado de Robert Fripp, um guitarrista tão genial e tão indiferente à fama quanto John. Se nos anos 70 ninguém chegou nem perto da fama de Page e Clapton, McLaughlin e Fripp desenvolveram estilos e timbres únicos e com técnica perfeita. Jamais quiseram o trono de rei da guitarra. Estavam ocupados em tocar.

MAGIC AND LOSS, LOU REED

Difícil de ouvir. Se voce não entende inglês e ficar apenas na melodia, eis um disco lindo. As músicas, feitas no mesmo estilo de New York, o grande album de 1989, são delicadas, calmas, cheias de belos acordes de guitarra semi-acústica. Lou canta e declama ao mesmo tempo, e sua voz, em 1992, está em seu melhor momento, grave, firme, absoluta. Mas as letras....as letras... Lou fala de câncer, de hospital, de cinzas, de morte. Como ele sempre fez, toda a vida, descreve, Lou descreve sem emoção, distante, porém observador apurado. Se fala de radiação, drogas para dor, carne que se dissolve, despedidas, dor, desespero. Na época Lou perdera dois amigos e o disco é para eles. Como Lou Reed fizera antes ( Penso em The Bells, Street Hassle ) ele grava um disco que é perfeito, magnífico, belíssimo, mas ao mesmo tempo quase impossível de ouvir, por causa de sua dor, sua pornográfica descrissão da morte, sua escuridão. Um mergulho no vazio e uma busca por magia, por alívio, por algum sentido. ------------ Que Deus nos salve dessa dor e que Deus me poupe de mergulhar neste disco outra vez. Lou Reed envelheceu lindamente, mas eu me abstenho de o acompanhar. PS: Na época alguns críticos o acusaram de forçar a mão. Acharam o disco quase fake. E estranhamente, 1992 era tempo grunge, foi um dos discos que mais vendeu em toda obra de Lou Reed. Não percebi nada de forçado. O pesadelo parece real. Quanto a ter vendido bem, em se tratando de Lou Reed....bem....em 92 até o Sonic Youth vendia.

NEW YORK DOLLS, OS ÚNICOS PAIS DO PUNK ROCK

Então voce lê que os MC5 são pais do punk rock. E ao escutar o Kick Out The Jams sente que aquilo é um bando de hippies berrando e fazendo barulho, mas sem nada que lembre o formato do punk rock. Outro crítico diz que os Stooges são os tais pais do punk. Então voce escuta Raw Power e ouve Iggy Pop exibir um tipo de hard rock cheio de heroína. Punk? Não. Depois um outro te fala que o punk rock começou em 1966, com o rock de garagem. Então voce ouve Question Mark, Count Five, Leaves, e sente que aquilo pode até ser new wave, mas punk jamais. Quando um outro escriba anuncia que Patti Smith é punk....bem....voce desiste. E começa a achar que o punk nasceu com os Ramones e os Pistols e fim de papo. ----------------- Pois eu te digo bebê que em 1973 os NEW YORK DOLLS inventaram o punk rock sozinhos. E foi sem querer. Eles tinham adrenalina, tocavam mal, e na verdade queriam ser um Rolling Stones mais explosivos. Sem querer criaram o som do Clash e dos Pistols. O primeiro disco abre com Personality Crisis e essa canção não é punk. Mas a segunda faixa, Looking for a Kiss, já é totalmente punk. Stranglers e Damned na veia. Robert Christgau, o crítico mais duro da época, disse que eles eram a maior banda do mundo em 73. Mas não adiantou. O disco não vendeu nada. Frankenstein é a invenção do rock indie de 1988. Creia, ela está 15 anos adiantada. E agora eu digo: essa banda foi um milagre. Trash é uma canção do Clash!!!! Juro!!!!! Tudo o que o Clash fez está aqui. Eles copiaram descaradamente! Vou postar a faixa pra voce conferir. O LP inteiro não tem uma só faixa que seja menos que sublime. Mas Jet Boy....é mais que sublime. É um clássico absoluto. E punk claro. Esse primeiro disco foi produzido por Todd Rundgren. Mal produzido aliás. Todd era um cara, genial, do Pop e do Prog. Não casou com a turma glitter de David Johansen, Syl Sylvain, Johnny Thunders, Arthur Kane e Jerry Nolan. ----------------- O segundo e último disco é de 1974. Se chama TOO MUCH TOO SOON. Eu o acho ainda melhor. Its Too Late tem acordes que lembram demais Sex Pistols!!!!! A seguinte, Puss and Boots é totalmente Never Mind dos Pistols. Os ingleses realmente copiaram alguns riffs daqui. Então vem Chatterbox, uma faixa que é totalmente 1981, pós punk. É incrível. E agora eu pergunto: por que diabos os DOLLS não têm a fama de Iggy Pop? Talvez por não ter tido um Bowie na vida...muito provável. Então o que posso fazer é dizer que eles são sim uma das maiores bandas da história do rock e os pais únicos do punk e da new wave. Eles tinham a atitude, o ruído, o kaos do punk. -------------------- Em 1975, portanto antes dos Pistols, Malcolm McLaren tentou os emrpresariar. Malcolm queria os politizar. Não deu certo. Na sequência Malcolm inventou os Pistols. Foi assim. Ouça os dois discos.

GOODBYE YELLOW BRICK ROAD- ELTON JOHN. O MAIOR FENÔMENO DE INSPIRAÇÃO DA HISTÓRIA DO POP.

Eu tive sorte de viver minha puberdade entre 1973-1974. Ouvir rádio nesse tempo era uma experiência rica, e dentro dessa riqueza, ninguém era mais onipresente que Elton John. Nem Elvis ou Michael Jackson tiveram tantas músicas rodando no rádio mundial ao mesmo tempo. Apenas os Beatles podem ser comparados a ele. E olhe que em 73-74 Elton tinha de disputar espaço com Paul, John, George e Ringo, mais Stevie Wonder, Marvin Gaye, Bowie, Abba, Bee Gees, Carpenters, James Taylor, Paul Simon, Diana Ross, Dylan, Rolling Stones, Who, Led, Rod,Sabbath, Yes, Jethro Tull, Purple, Alice Cooper, Jackson Five, Suzi Quatro, T. Rex, isso falando apenas dos que ainda são lembrados hoje. Dos que venderam muito. Elton bateu à todos. --------------- Entre 73 e 74 ele lançou quatro albuns. Sim, isso mesmo, quatro albuns. HONKY CHATEAU, DONT SHOOT ME IM THE PIANO PLAYER, GOODBYE YELLOW BRICK ROAD e CARIBOU. Honky é o melhor. Caribou é meu mais querido porque foi aquele que ganhei em 1974, meu primeiro disco. Todos esse LPs chegaram ao number one. E todos são cheios de singles que fizeram muito, muito sucesso. Não vamos esquecer que nessa época, Elton ainda lançou dois singles que não fazem parte de nenhum desses discos: sua versão brilhante de Lucy in the sky with diamonds e com Lennon Whatever gets you thru the night. Sua inspiração é um milagre. Entre 1970-1976 ele mandou. ----------------- Goodbye yellow brick road era um LP duplo, dura 70 minutos e é considerado hoje sua obra prima. Em 1974, num país periférico como o Brasil, todo mundo ouvia no radio 7, eu disse sete!, canções tiradas desse disco. Candle in the wind, Beanie and the jets, Goodbye yellow brick road, Sweet painted Lady, Ballad of danny bailey, Saturday night is alright for fighting, Roy rogers, todas tocavam no rádio. Todas saíram em single. Todas têm inspiração. O fogo da criação. Veja a melodia de Goodbye Yellow brick road. O arranjo vocal de fundo, ( ninguém aprendeu tão bem a usar coros vocais como Elton ). O refrão que vem num crescendo orquestral. Os riffs da guitarra bem lá no centro. A bateria de Nigel Olsson, sempre ribombante. A harmonia que se constroi de um modo tão sinuoso e complexo. Até hoje, 2022, essa canção soa diferente, não cansa, não enjoa, emociona. Os 3 acordes de piano que a anunciam evoluem de modo fatídico. É uma melodia que mudou a vida de um menino de 11 anos, eu. --------------- Sweet Painted Lady é uma canção à francesa. Tem até acordeão. Gaivotas. Um ar de sonho, mar, praia. Ballad of Danny Bailey é de uma originalidade grave, escura, soturna. Na música de Elton há sempre uma melancolia trágica ao lado. Em Danny é explícita. A introdução é tétrica. O final, orquestral, maravilhoso. Mas há muito, muito mais. Hã as canções que não viraram singles. Grey Seal, agitada, grudenta, solar; I've seen that movie too, linda e chique, Harmony, perfeita. A única faixa fraca entre tantas é jamaica jerk off, um reggae torto; as demais vão do sublime ao perfeito pop. ------------------ Elton compunha do modo mais difícil que há. Bernie Taupin lhe dava letras prontas e Elton musicava. Não era a composição em dupla normal, mais comum, em que se faz cada verso dentro de uma melodia chave. Bernie, um inglês com mania de cowboy, enviava à Elton seus poemas já prontos e o pianista tinha de se virar. Ouvindo este disco a gente percebe como deve ter sido duro musicar, por exemplo, goodbye yellow brick road, como a letra deve ter parecido anti-musical e como Elton conseguiu a musicar quebrando a melodia e fazendo com que a harmonia seguisse sinuosa por cada verso longo. Elton era o sonho de todo letrista. Deixava o literato escrever do modo que quisesse, não interferia, e musicava a coisa sem mudar nada. O milagre é que dava certo. Quando os dois brigaram, em 1977, a magia de Elton morreu. Pelos anos seguintes ele continuaria a vender muito, muito mais do que eu pensava, eu pesquisei, ele é nas décadas de 80, 90 e 2000 um dos maiores vendedores de discos, mas nunca mais seria um fenômeno como um dia foi. Os dois voltariam a compor juntos, mas o momento se fora. Elton, como todo grande artista, é um joia criada por seu tempo. E o tempo de Elton foram os anos 70. Ele é a cara e a voz da década. E os anos 70 meu jovem, foram felizes.

UM DISCO ABSOLUTAMENTE PERFEITO: BRITISH STEEL, JUDAS PRIEST

Uma pesquisa feita pela revista Kerrang! apontou este disco como o segundo mais importante-influente na história do heavy metal. O primeiro sendo Paranoid, óbvio, e o terceiro Rising, do grupo Rainbow ( adoro ). Mas espere!!!! Diz agora meu leitor, voce, que se dizia ROXY, falando de metal? O que houve? Well....agora respondo: Não penso no que houve, apenas sinto. Passei minha vida adulta lendo críticos vomitando que eu NÃO PODERIA E NÃO DEVERIA ouvir este tipo de disco. Então, como sempre quis ser inteligente, obedeci. Mas agora, com a podre falência da crítica, graças a Deus, ousei ouvir heavy metal com a cabeça limpa, como se eu jamais houvesse lido nada sobre o tema. E o que senti? Prazer. Um instintivo e sublime prazer. Depois, pensando, percebi aqui uma maestria em execução e em vocalização. Após meu ano mergulhado nos clássicos era lógico que meus ouvidos se acostumassem a perceber sutilezas. E ao contrário do que os críticos queriam me fazer crer, há aqui sutileza e riqueza musical. Como me disse uma amiga, músicos de metal ouvem música erudita. Todos sabem ler partitura. -------------- British Steel foi lançado em 1980 e catapultou o Judas Priest à condição de sucesso, o que ele não era até então. O disco é influente porque foi aquele que misturou metal com new wave. Ele é veloz, é urgente, não se alonga. Breaking The Law abre o disco e não parece heavy metal. É pop. Bateria e baixo têm a batida da new wave, o vocal é metaleiro e as guitarras são quase punk. Eis estilo novo. Em 1980, ano crucial para o estilo, ano de Iron e Motorhead, o Judas dava sua enorme contribuição. Rapid Fire, a faixa seguinte é uma obra prima. É um punk rock perfeito. Estou viciado nessa música, mas não só nessa. Toda banda de metal dos anos 80 ouviu e estudou muito isto aqui. É um dos mais instigantes riffs já imaginados. A seguir vem Metal Gods. Mais uma perfeição. O refrão é 100% new wave, e todo o resto é metal. Incrível que funciona. A banda, execrada pela crítica, está fazendo a mistura mais improvável de então. Grinder é maravilhosa. Incrível como o disco não cai. O nível continua lá em cima. Grinder tem um refrão chiclete, voce canta o dia inteiro: Grindeeeeer.... United é um hino para o futebol. Inicia como quase um funk infernal e tem um coro à la Queen. É a mais POP. Living after Midnight antecipa Motley Crue e todo metal MTV da década. De Bon Jovi à WASP tudo está aqui. É a faixa menos interessante, mas sua importância é gigantesca. You dont have to be Old to be Wise volta ao metal puro. Um dos pontos chave do disco. Outro refrão inesquecível. Levanta estádio infalível. The Rage é, surpresa, um reggae! Ou melhor, um metal infernal com toques de reggae no baixo. Não é forçado, creia, funciona naturalmente. Steeler, a última faixa, é a melhor. Uma obra prima irretocável. O riff, maravilhoso, corre como um super carro, o vocal nos faz pular sem parar, os solos são curtos e brilhantes, e no final há uma repetição, um looping que é hipnótico. Não dá pra ser melhor que isso. ------------------ Um disco maravilhoso e que eu lamento muito não tê-lo escutado aos 20 anos. Mas...ouço-o repetidamente desde o ano passado. -------------- O looping final está tocando aqui agora. Paro de escrever para poder pular. Delicioso.

THE JON SPENCER BLUES EXPLOSION - PLASTIC FANG

2002 foi talvez o último grande ano do rock, e nesse ano PLASTIC FANG do JON SPENCER BLUES EXPLOSION é um dos melhores. Vindo dos anos 90, Jon Spencer era chamado de punk, blues, pós rock n roll, indie, e tudo que fosse vontade do autor do momento. Na verdade ele faz parte da tradição dos The X, dos Crammps, é rock estradeiro explosivo e destilado. ------------- Existem 3 tipos de DNA no rock. Buddy Holly-Everly Brothers, que é o DNA dos que fazem canções elaboradas, com bons arranjos, e belos vocais. Lá no começo é a fonte de Beatles, Kinks, Hollies, Beach Boys. Há o DNA Chuck Berry-Bo Diddley, linhagem dos Stones, Yardbirds, Them. E o DNA explosivo, safado, desafiador e festeiro de Jerry Lee Lewis e Eddie Cochran, fonte que nos deu o rock de garagem e Jon Spencer, dentre muitos. É óbvio que com o tempo tudo se mistura e vemos The Who unindo as 3 vertentes e os Stones entrando no mundo de Buddy Holly. Mas há uma célula inicial em cada banda ou artista, e em Jon Spencer há o espírito de Jerry Lee ateando fogo ao piano. Topete caindo nos olhos, olhar vidrado, uma atitude de engulam essa seus bastardos. Mas sempre com a intenção de diversão. ------------------------ Steve Jordan, batera da banda de Keith Richards produziu este disco. Deveria ser o album que faria de Jon uma estrela. Não fez. Mas é um grande disco. É rock n roll puro, cheio de tequila. Estradeiro, sexy, e, fato surpreendente, há faixas em que a voz de Jon soa como Mick Jagger. Tipo de faixas que Jagger faria se quisesse correr algum risco. ---------------- Foi nessa época que Strokes e White Stripes eram o futuro do rock. Eu prefiro este disco a qualquer coisa que ambos fizeram. Por que? Jon tem uma sexualidade viril que nenhum dos dois tem. Ele não sofre do tédio que aflige os vocais de 99% das bandas que surgiram na época. Casablancas canta como um menino mimado e Jack White tem a voz de um nerd com crise de dor de barriga. Jon Spencer não. Sua voz é 100% rock n roll, ou seja, é uma voz da estrada, do hotel e do bar. Ouça.

O GRANDE PRAZER DE SE OUVIR GENTE TOCANDO O QUE AMA TOCAR, LITTLE FEAT - WAITING FOR COLUMBUS

Existem três modos de se ouvir música, ou motivos: Ouvir para dançar, ouvir para sentir uma emoção, ouvir para escutar. Os dois primeiros modos são os mais usados, o terceiro é o mais sofisticado. Óbvio que há emoção em dançar e em ouvir para escutar, há emoção até em chupar um picolé, mas voce entendeu o que disse, não? Quando aos 15 anos voce escutou o novo disco do Slayer voce procurava ali uma emoção e só emoção. Voce sentia revolta, ou raiva, ou excitação física, mas era isso, uma reação emocional. Um cara de 80 anos quando escuta Beatles hoje sente o mesmo. Ele coloca Hey Jude para sentir nostalgia, para sentir amor ou para chorar. Off The Wall do Michael Jackson me faz dançar e me emociona. Mas há aquele disco em que os músicos tocam tão bem, estão tão inspirados, sentem tanto prazer em tocar, que voce sente ao escutar o disco um supremo prazer de escuta. À frente da dança, da emoção sentimental, há o puro prazer abstrato da música. É uma coisa muito mental. O som, é ele que te faz desejar ouvir tal disco. ---------------------- A banda Little Feat tem esse dom. Waiting For Columbus, seu disco ao vivo de 1978 é uma festa para os ouvidos. Melhor ainda, serve pra dançar. Eles sacodem o tempo todo. E tocam tão bem que chegam a espantar. Não à toa Jimmy Page dizia na época que eles eram a melhor banda do mundo. Page? Sim. Zappa também. Então como é o som deles? É o som da Georgia. Do sul. Do milho com couve. Do bourbon. Mesmo clima que deu Allman Brothers. Mas é bem diferente os irmãos Duane e Greg Allman. O Little Feat sacode mais. Balança. É menos jazz e mais groove. ---------------- A banda surgiu em 1971 formada por ex componentes de jams com Frank Zappa. Tomou as paradas de sucesso no terceiro album, em 1974. Em 1978 estava prestes a terminar, o clima entre os caras estava ruim. Mas isso não se nota no disco ao vivo. Os instrumentos borbulham. Bateria e percussão que têm funky de sobra. Teclados de mestre. Baixo sacolejante. Metais da Tower of Power. Guitarra base que manda o groove certo e exato. E a voz e guitarra solo de Lowell George, um cara que era a promessa de novo mestre das cordas. ( Mas ele morreu em 1979 e ficou pelo meio da estrada ). O som deles é POP, é rock, é blue e é funk. Tudo junto todo o tempo. Lembra Steely Dan em sua sofisticação. Lembra Doobie Brothers em sua popice do chão, da terra. Lembra JJ Cale na aparente simplicidade que se faz complexa. Tem de DR. John o tempero forte do sul quente e sexy. De The Band tem o sabor de grupo, de união. E dos Allman Brothers tem a maestria das guitarras e o gosto negro. Lembra tudo isso, e nada tem a ver com isso tudo. As melodias são partidas, fogem do que parecia óbvio; os refrões procuram o diferente, os solos são objetivos. Columbus é um dos grandes discos ao vivo da era dos discos ao vivo. Sua audição, por puro prazer, para dançar, para ouvir, é de lei.

MOONDANCE - VAN MORRISON, UM DISCO QUE DEFINIU UMA ESTRADA

Astral Weeks, disco do fim de 1968, é hoje considerado uma obra prima, mas em seu tempo foi um fiasco absoluto. Não vendeu e a crítica odiou. Então, em crise, Van Morrison se muda para as montanhas Catskill nos USA e lança este disco em janeiro de 1970. Sua carreira é salva. Sucesso em vendas e na crítica. Como ele é? Excelente. Muitos o consideram o ápice de sua longa carreira. Mais ainda, seria este o marco zero do POP adulto, da canção de rock, do som para jovens adultos. Antes de Elton John, Billy Joel, Steely Dan, Joni Mitchell, Eagles, James Taylor, seria este o disco que lança o conceito. Eu acho que não. Simon e Garfunkel criaram a canção adulta POP em 1968 com Bookends. ------------------ Van Morrison faz canções simples aqui, mas com maravilhosas cores de soul music e jazz. Moondance, a segunda canção, é uma obra prima de jazz. O piano faz cadências a west coast, os metais são puro soul e a voz de Morrison....ele pode cantar o que quiser, é sempre brilhante. Lindos solos de piano e sax. O album tem dez faixas e nenhuma é menos que ótima, mas Caravan é mais uma obra prima. Uma balada emocionante, uma balada típica de Van Morrison. Into The Mystic é talvez a melhor canção que ele gravou em toda sua vida. É mágica. É atemporal. É Jackie Wilson. É gospel e soul. A voz de Van, adulta desde os tempos do Them, espalha luz aqui. Quando ele ergue o tom e grita a vida se renova. É profundamente emocionante. E os metais....o modo com ele os usa...--------------- O disco todo é uma obra de amor. Come Running é feliz, é alegre, é amorosa. Everyone com seu som de cravo e um refrão que gruda pra sempre. Glad Tidings é o final...não dá pra ser melhor. -------------- Fico triste por perceber que os Stones por exemplo, jamais chegaram ou chegarão à essa fase tão adulta, sábia, poderosa. ( Não só eles. ) ---------------- Atenção! Quando for ouvir este disco não espere uma emoção avassaladora. Não espere a coisa mais original do mundo. Não é um disco FODA. É um discreto disco lindo. Como é o amor de verdade.

A CANÇÃO, A BOA E VELHA CANÇÃO....BOB SEGER- STRANGER IN TOWN

A boa e velha canção, música que é como uma amigo que fala com a gente e nos escuta também. Som que ocupa um espaço, uma lembrança que é sempre renovada, permanece e dura, parte de nossa identidade. A canção, a sua canção, a minha canção, é nós mesmos, como nossa cama, nossa escola, nosso túmulo. Flores na campa, beijo da namorada, sorriso do pai, nuvem que passa, fruto que cai. A canção é uma das mais fortes criações do homem. ------------------ Canção sempre houve. A folclórica, a religiosa, o blues, o fado, a obra de Schubert, o soul, o samba canção, Cole Porter. Cada tempo tem e teve sua canção, radiografia da alma comum daquele período. E há um tipo de canção, a CANÇÃO vida do rock, pós-rock, pós-blues, que dominou o coração da minha geração. A grande canção das grandes vozes POP dos anos 70-80. Uma fórmula sim: introdução, desenvolvimento, refrão, solo, refrão, final. Três a quatro minutos. Uma tonelada de grandes canções feitas entre 1970-1982. Dizem que começou com um disco de Van Morrison, em 1970. Dizem que acabou com a onda dos teclados exagerados, nos anos 80. Mas canção sempre há, mesmo que hoje seja sertaneja, seja a cinco vozes em ritmo matemático numa produção americana. --------------- Bob Seger foi um dos grandes nomes da canção. Nos anos 60 ele tentou a fama e não deu certo. Entao em 1975 se tornou uma estrela, já aos 30 anos, com um disco ao vivo. Stranger in Town, de 1978, é um album que vendeu muito nos EUA da época. E Seger mostra aqui seu domínio sobre a canção. A boa e velha canção. -------------- O estilo é rock. Muita gente o compara a Bruce Springsteen. Os dois estouraram quase ao mesmo tempo e ambos vinham de uma carreira sem sucesso. Além de serem os dois B.S. Mas Bruce é bem diferente. Bob Seger é menos folk, muito menos Dylan. Bruce é mais juvenil, mais empolgado e também mais sofrido. Bob Seger nunca é chato como Bruce é às vezes. Musicalmente Bob Seger é mais Detroit, cidade onde nasceu. Na voz de Seger, ótima, há uma matriz negra, ausente em Bruce. Rouco, rasgado, ele tem algo de sensual, de convidativo, que Bruce nem sonha em ter. Bruce faz hinos. Bob Seger faz propostas a dois. Bruce sempre parece cantar para um estádio. Bob Seger canta para voce. ----------------------- We've Got Tonight é uma das mais lindas cançõe de amor de uma década que fazia canções de amor aos milhões. Ele apela à amada. Convence. Sofre. Se ergue. É absolutemente belo. Mas há ainda Brave Strangers, talvez minha favorita, um rock ao estilo Van Morrison, meio soul, meio gospel, saltitante, estradeiro e solar. Há Hollywood Nights, que é como um desfile de ruas e de situações, um por do sol magnífico e uma noite de promessas. E Still The Same, uma dessas canções que tocam em rádios saudosistas e a gente nunca sabe de quem é. ------------------ Não é fãcil fazer uma grande canção. É preciso ter voz. Ter convicção. E uma banda perfeita. Neste disco há 9 grandes canções. Aproveite;

BOOTSY? BOOTSY COLLINS

Bootsy Collins era quase uma criança quando foi tocar baixo na banda de James Brown. Era 1970. E ficou apenas um ano lá. Brown sentiu ciúmes, as pessoas gritavam Bootsy nos shows. Mesmo assim o baixista deixou sua marca para sempre. A criação daquilo que passou a se chamar FUNK. BOOTSY? é o disco de 1978 que mais vendeu de Bootsy e sua banda. Recém saído do grupo de George Clinton, o outro arquiteto do estilo, as paradas de black musica se viram numa disputa acirrada entre os discos de Clinton e de Collins. Mas....como é esse som? ----------------- Tanto Clinton quanto Bootsy usam imensas massas de som. Três bateras, dois baixos, três guitarras, dois teclados, percussão, metais, vocais, tudo muito, tudo over. O ritmo é estranhamente lento, pesado, quase se arrasta. O refrão é quase que a música inteira, o ritmo persiste, há quase nenhuma variação. As faixas são longas, muito longas. E eu...eu realmente não sei se gosto ou me decepciono com tudo isso. Prince pegaria essas influèncias e faria melhor. Ele limparia o som de seus excessos e aceleraria o ritmo. E principalmente daria mais poder a percussão. -------------- Sim, pois o problema aqui, tanto em um como em outro, é a escolha de mixagem. O som é como uma massa sonora, uma sopa de som, uma mistura onde não há destaque para ninguém. A bateria fica lá no fundo, sufocada por tudo quanto é som. É uma orquestra. Um conjunto sonoro. Eu penso ser excesso de maconha. Pouca música é mais maconheira que o funk de Bootsy. Seu vocal é aquilo que Snoop Dog fez depois, a voz do chapado. --------------------- Por outro lado...é interessante esse som. Ele é cheio de ideias e é por isso que tanta gente bebeu aqui. O maior baixista do mundo, Flea, copiou tudo daqui. Mas não só ele. Difícil achar algum baixista pós 1980 que não ame Bootsy. BOOTSY?, este disco que agora ouço, é sempre frustrante e sempre interessante. Uma mistura. Um cigarro. Uma fumaça. Que pulsa.

UM GUITARRISTA CHAMADO PETER GREEN

Em 2004 uma eleição da revista Guitar World colocou Peter Green como um dos 3 maiores guitarristas da história. E voce talvez pergunte: Quem? -------------- Creio que voce já ouviu algo do Fleetwood Mac. Seja Dreams ou Hold Me, afinal, é a segunda banda que mais vendeu discos nos EUA em todos os tempos. Rumours é o segundo disco mais vendido na história. Fleetwood Mac, a banda formada por dois ingleses, John McVie e Mick Fleetwood, baixo e bateria, a tecladista inglesa, Christine Perfect, e mais dois americanos da California, a cantora Stevie Nicks e o guitarrista Lindsey Buckingham. Espera! Onde está Peter Green nessa história? ----------------- Estava no Fleetwood Mac, pois entre 1967 e 1970 a banda foi um grupo de ingleses que tocava blues e rock psicodélico e fazia sucesso, muito, apenas em seu país. Mick e John tocaram nos Bluesbreakers de John Mayall e saíram ou foram expulsos do grupo para formar sua própria banda. Caso único em que os chefes são membros que não compõe e nem cantam. Fleetwood Mac era a maior banda da onda do blues inglês, moda dos anos 60, moda que era a cara da Londres de então, mas que nos EUA não causava impressão nenhuma. Pelo grupo de John Mayall passaram Eric Clapton, Peter Green e Mick Taylor. Opa! Taí o Peter Green. Ele foi convidado para fazer parte do novo grupo. Fato recorrente para Mayall, lançar um cara e o ver sair. Eric Clapton saiu para o Cream, Mick Taylor para os Stones e Peter Green para o Fleetwood Mac. Lá ele virou estrela com seu estilo que B.B. King chamava de "o mais delicado do blues". Em 1968, mesmo com a concorrência braba de Beatles, Stones, Who, Kinks, Bee Gees, Aretha Franklyn, Marvin Gaye, Monkees, Tom Jones, Hendrix, Cream, Traffic e vasto etc, o Mac ficou em quarto lugarna Inglaterra. Nos EUA apenas em 198.... ----------------- A banda chegou a ter 3 guitarristas, Jeremy Spencer logo foi convidado e depois Danny Kirwan. Era fácil saber quem era quem: Jeremy tocava slide, Danny dava acordes de fundo e Peter tinha o tal toque delicado, suave, feminino. Herança do estilo de Clapton, Peter Green conseguia parecer ainda mais elegante que Eric. Mas, estamos nos loucos sixties, e em 1970 Peter Green sumiu. Ele simplesmente desapareceu. Diziam que ele estava na India. Que vagava de carona mundo afora. Mas não. Desconfortável com o sucesso, ele saltou fora e pirou. Lançou alguns discos muito estranhos e nunca mais voltou aos eixos. Jeremy Spencer também largou a banda, ao mesmo tempo, para ser pastor religioso. E o Fleetwood Mac implodiu. John e Mick faliram e se mudaram para a California, e na mais espetacular mudança de estilo da história, viraram a mais americana das bandas. Em 1975 entram Stevie e Lindsay e o resto são milhões de dólares. ------------------ Eu gosto dos dois Macs. O americano tem um talento para o POP soberbo. Rumours é a trilha sonora dos solares anos de 1977-1978. No auge das vendas de LPs no mundo, época de Bee Gees, Elton John, Eagles, Wings e disco music, eles foram reis. Lindsay trouxe o estilo Buddy Holly-Beach Boys e Stevie o feminismo dos anos 70. Mick Fleetwood e John McVie ficaram milionários. ------------------ Já a banda de Peter Green era blues inglês. Perfeito. E com músicas, nada blues, compostas por Green, como Albatross, Black Magic Woman ( aquela que o Santana regravou ) e Oh Well!, que são diamantes originais, não são blues nem POP, são Peter Green. Ouça. O cara era único.

WARREN ZEVON E A CENA DA CALIFORNIA

Em 1978 nada no mundo da música vendia mais que o rock made in California. ( Caso voce não saiba, considerando apenas os EUA, o disco mais vendido da história não é Thriller, mas sim Their Greatest Hits, The Eagles ). Well....vou falar de um cara que destoa da onda californiana, mas antes é legal dar uma geral sobre o que era esse rock de L.A. --------------- Foi inventado por volta de 1971 e parece que seu DNA vem de gente como Carole King, Randy Newman, Stephen Stills e bandas como Poco, Flying Burrito Brothers e CSNY. O que o distingue do rock de NY ou do sul dos EUA? Acima de tudo a produção. São discos caros, gravados em estúdios de ponta, com os melhores engenheiros de som. É esse tipo de disco que atinge o mais alto grau sonoro. A música é sempre macia, redonda, muitas vezes tem um piano elétrico delicado e acordes de violão que parece de cristal. Muito backing vocal afinado, todo som é harmònico, não há ruído e jamais dissonância. As letras são amargas mas nunca revoltadas, falam de injustiças sociais ou de amores destruídos, ecologia e paz, mas tudo bem take it easy, bem soft, bem educado. É a trilha sonora dos anos Jimmy Carter, todos os nomes do som da California fizeram campanha para sua eleição, não a toa todos eles tiveram seu auge entre 1975-1980. ------------- Era a América da crise, do bode pós anos de hiper crescimento ( 1945-1973, auge da América ), era o som que consolava, que falava de amizade, de perseverar, de salvar a Terra. Ninguém vendeu mais na época que Eagles, a mais amada banda da história dos USA. Mas havia também Fleetwood Mac, uma banda que nasceu inglesa mas emigrou e virou hiper California. Tinha ainda Jackson Browne, Linda Ronstadt, Emmylou Harris, Rita Coolidge, e muitos nomes que não eram de lá, mas faziam discos típicos do som de L.A. : Billy Joel, Paul Simon, Neil Young, Doobie Brothers, America, e até os Steely Dan daria pra botar no bolo. Em todos esses discos vemos músicos de estúdio, os melhores, gente como Jeff Baxter, Waddy Wachtel, Jim Keltner, David Lindley, Russ Kunkel. ---------------- Warren Zevon não era do meio mas se fez nos arredores. Nos anos 60 tentou ser compositor. Lançou disco em 1969 que afundou. Outro em 1976 que deu em nada. Mas então foi descoberto por Linda Ronstadt que gravou 4 faixas de Zevon. Uma estourou: Poor Poor Pitiful Me. Em 1978 Zevon lança Excitable Boy e o resto é lenda. --------------- Acabo de o escutar pela primeira vez. A voz dele é original. Lembra Bob Seger. É adulta. O som é L.A, com fartas pitadas de ironia. Ele é do meio californiano de então, mas também não é. Os autores de livros policiais adoravam Warren Zevon e dá pra entender o porque: ele narra histórias sórdidas em letras de humor muito negro. Esbanja inteligência. E é rock n roll. -------------- Sua carreira começou a declinar em 1981 e desde então sua vida foi de recomeços. Em entrevistas, ele dizia adorar sua condição cult. Morreu nos anos 90, com apenas 50. Excitable Boy é um grande disco.

TOMMY. AQUELE FILME DE KEN RUSSEL BASEADO NA OBRA DO THE WHO

Na primeira vez que o assisti, Tommy me causou repulsa. Raras vezes eu havia visto até então um filme visualmente tão feio. Não era apenas a falta de beleza, era o grotesco. Cenários, roupas, luz, tudo era berrante, exagerado, nervoso, sanguineo. Era o estilo de Ken Russel, estilo que nos anos 80 iria atinger seu zênite. A música do The Who se perdia naquela mixórdia. Pois bem, revisto pela terceira vez, ontem, ele me pareceu aquilo que realmente é: um filme tosco com excelentes músicas. Não mais o mais repulsivo. Hoje tenho muitos anos de filmes horríveis nas costas. Nem parece mais tão mal encenado. Suas grandes falhas são aquelas que eu não notara quando da primeira vez: a história medíocre da opera rock de Pete Townshend, e a voz Broadway de Ann Margret. ------------------------ Ann Margret é uma atriz adorável e sexy. Estrela. Mas sua voz não combina com aquilo que a trilha sonora deveria ser. Ao lado de Roger Daltrey ela parece de outra era, e ao lado de Oliver Reed parece controlada demais. Incomoda. Quando ouvi o disco, aos 13 anos, muito antes de ver o filme, odiei aquela voz de palco, de musical chique, antiga. ------------ Quanto a história de Pete....vamos ver se consigo me explicar....a força do rock, a inteligência do rock, e Pete é um dos mais articulados, não reside em ideias complexas, ela vive no impulso, no irracional, na força do sangue. Sempre que uma pessoa do meio rock tenta produzir algo mais complicado, seja livro ou filme, peça ou album ambicioso, a coisa soa forçada. É assim com Dylan escrevendo livros, Paul MacCartney compondo sinfonias ou Pete em ópera rock. Tommy é pobre como filosofia, pobre como conto religioso, e sem sentido como obra de arte séria. A saga do messias que é negado por seus seguidores não se sustenta. É inconvincente. Mas, e vai aí um grande mais, músicas como Amazing Journey, Sparks ou Sally Simpson são maravilhosas. Obras primas dentro do meio. Arte em seu direito pleno. ------------- Visto hoje é uma coleção de clips que vão do ruim ao ok.

O OBEDIENTE E O REVOLTADO

PrA começo de conversa cito Johnny Rotten ( John Lydon ), um homem que sempre se notabilizou por falar a verdade sem pensar no medo: " Eu nunca achei que viveria para ver o dia em que a direita se tornaria os caras legais ( cool ) que mandam o dedo do meio para o sistema, enquanto a esquerda se tornou o chorão hipócrita que anda por aí perseguindo todo mundo". --------------- Eis a síntese do que acontece. O esquerdista hoje obedece. O cara da direita questiona tudo. A direita incomoda. A esquerda obedece. A direita discute e põe em dúvida. A esquerda se cala e manda calar. E obedece. Ah sim, voce pode dizer, mas a direita obedece seu líder. Pensar isso mostra o quanto voce está longe de nosso mundo. Discutimos com ele o tempo todo. Discutimos inclusive com a igreja. Sem parar. Em 2022 somos nós os insatisfeitos. --------------- Sou de um tempo em que ser de esquerda era ser contra a TV. Contra os jornais burgueses, de banca de jornais. Contra os professores e a escola. Contra as indústrias químicas e os bancos. A esquerda era chata, inquisitiva, via defeitos em tudo, questionava até a verdade. Tudo se inverteu hoje. Bancos conseguiram cooptar a esquerda. Indústrias químicas os calaram e fizeram deles doceis aliados. Professores viraram gurus que não podem jamais ser questionados. Artistas são sábios infalíveis. Triste dizer, mas ser de esquerda hoje é obedecer. Usar o cabelo azul, engolir toda ordem de qualquer minoria vingativa, sem discutir jamais claro, seguir como ovelhas ou cobaias qualquer novidade em nome do "Bem", da "Igualdade", da "Justiça". ------------- Não vou entrar no tema do que seria esse bem que traz em si a vingança, da igualdade que jamais aceita a dúvida e a originalidade, ou da justiça que segue leis mutáveis e sempre cambiáveis. O que afirmo é que para ser bom, justo e igual voce precisa obedecer. Na esquerda inexiste a discussão do que sejam esses valores. Eles são impostos. Engula e cale sua boca. Seja bom como eu exijo que o bem seja. Seja justo de acordo com esta justiça minha. E seja igual a mim mesmo. Sem colocar nada em dúvida. ---------------- Se voce costuma me ler sabe, essa é uma situação inumana. O homem só existe enquanto coloca a dúvida na mesa. O ser humano é por natureza questionador. Se o sonho da esquerda, como diziam Orwell e Chesterton, é a criação do ser inumano, do homem máquina, então estamos finalmente vendo o objetivo final do sonho marxista. O homem anônimo. Obediente. Programado a repetir slogans. --------------------- Aliás, nunca vi tanta gente fisicamente igual. É uma pseudo diversidade de coques, barrigas, franjas e blusas coloridas que fazem de todos seres intercambiáveis. Difícil diferenciar um aluno do outro. ---------------------- Mas a alma se revolta. Ela quer a experiência da individuação. Ela almeja ser. Mesmo que precise morrer para isso. Essa é a direita. Aquela que hoje é atacada, censurada, perseguida, ridicularizada, e que mesmo assim, resiste. Porque sua força não vem da aula de um professor de filosofia. Ou de um filme chato de Hollywood. Não vem de um partido ( ele nem existe ) e nem de uma moda "do bem". A força vem da alma. Do espírito. Do duvidar sempre. Questionar. Ser o chato. O bobo. O que incomoda. ------------------ Johnny está certo hoje como estava em 1977.