THE GUARDIAN, AS 100 MELHORES NOVELAS DA LÍNGUA INGLESA

Só pra constar.
O jornal The Guardian fez uma lista com os 100 maiores romances da história. Nada de muito surpreendente. Ah sim, valem apenas aqueles escritos em inglês. Venceu John Bunyan com seu A Balada do Peregrino. Eu tenho uma tradução mas ainda não o li. Sua importância reside no fato de ter sido ele o livro que deu aos ingleses o hábito da leitura. Toda pessoa alfabetizada tinha uma cópia. O resenhista o chama de o Dom Quixote do mundo anglo-saxão. Justo?
Em segundo está Robinson Crusoe de Defoe. Esse eu li duas vezes. É uma aventura maravilhosa. E sei agora, graças as aulas de Marcelo Pen, que ele não apenas foi o primeiro best seller em termos modernos, como ajudou a moldar a mente dos ingleses. É o romance do empreendedor. Depois temos Tom Jones de Henry Fielding, Tristam Shandy de Sterne e Jane Austen com Emma. Muito antiga essa lista? Well, ele foi na raiz, naquilo que deu às letras inglesas sua particularidade. Livros que não poderiam ser escritos na França ou na Alemanha. Depois temos Poe, Heminguay, Fitzgerald, Wodehouse, temos ainda o Frankenstein de Mary Shelley, Dickens, Wells...
Adoro listas. Quando ler o livro de John Bunyan comento.

FOGO PÁLIDO- VLADIMIR NABOKOV

   Após o imenso sucesso de Lolita, Nabokov lança em 1962 este original, intrigante e muito irritante romance. Um enigma, eu termino sua leitura e ainda não consigo entender do que se trata. Talvez seja uma brincadeira de literato para literatos. Ou um grito de raiva de um exilado. Um tabuleiro de um novo tipo de jogo lógico. Uma barafunda de intenções que deram em nada. 
   Um exilado do reino de Zambla apresenta, na introdução, os poemas de John Shade. Shade é um grande poeta americano que acaba de morrer. O exilado-narrador, conseguiu fazer amizade com o poeta, conseguiu dar um baile nos herdeiros, e agora edita o último poema de Shade, o livro que temos em mãos. Antes de ler o poema, somos convidados a ler todas as notas de rodapé, que vêm numeradas ao fim do livro. Lemos. E começamos a nos incomodar. 
   O narrador se revela vaidoso, um homossexual erudito e um quase maluco. Ou talvez um completo lunático. Cada palavra, cada imagem do poema remete a Zembla. É assim que o exilado o entende e é assim que ele quer que o compreendamos, um poema sobre sua nação e sobre ele mesmo. Ele edita o livro e distorce todo o sentido em seus comentários inflados. As notas são muito mais longas que o poema. E segundo esse editor-zembliano-exilado, contam de forma cifrada a história da revolução em Zambla, a fuga do rei e sua odisséia pessoal. 
  Isso incomoda o leitor porque todo o romance passa a parecer uma grande farsa. Estaremos lendo uma piada? Estaremos lendo uma alucinação? Como levar a sério uma obra que parece ter sido escrita por um Nabokov futil e mal intencionado? E então vem a parte final. O começo renasce no final da saga. Não conto. O livro é fácil de achar. Compre se puder. Mas aviso, é leitura cansativa. Sofisticada ao extremo, um jogo de escritor.
  Nabokov foi complicando cada vez mais sua escrita. Seus textos dos anos 30 e 40 são jóias de estilo, e mesmo assim fáceis de ler. A partir dos anos 60 ele foi se complicando. E é simples entender o porque: Ele se entediou com sua arte. Escrever bem lhe era pouco desafiador. Como aconteceu com Joyce, ele se deu tarefas cada vez mais duras. Marca de um autor grande e de um homem ambicioso.
  Lolita foi seu passaporte. Essa comédia ácida, cruel, certeira foi o sucesso que lhe deu a liberdade para ousar. O filme lhe deu uma casa na Suiça.
  Este livro é o começo de sua livre diversão.

BREAKING BAD

Estou vendo a caixa de BREAKING BAD. Diversão em dose cavalar. Vocês percebem que é uma comédia? Dou sonoras gargalhadas! O personagem de Cranston é pura chanchada. Adoro!
Sempre leio que esta quarta ERA de Ouro da TV  ( as outras foram em 55/58,  71/75 e 94/98 ), tem por característica o inusitado de seus temas. Que o cinema ficou careta e a TV ficou ousada. Well....mais ou menos.... Os temas podem ser diferentes, originais, mas a forma, o formato é o mais conservador possível. Vejam esta série: Fosse um longa para o cinema o roteiro seria tratado de duas maneiras, ou como filme metido à besta, ou como blockbuster.
Fosse arte, a narrativa seria não linear, os movimentos de câmera esquisitos, a trilha sonora invasiva, e as cenas teriam uma lentidão cruel. Fosse blockbuster teria mais mortes, mais produção e atores mais bonitos. Na TV, Breaking Bad é filmado como era filmado o cinema de antigamente, simplesmente se conta uma história da melhor forma possível. Sem manias de autor e sem exageros de produção. Pega-se o roteiro e se conta o que lá foi escrito. Só isso.
Daí a alegria de roteiristas. Daí a alegria dos espectadores. As ótimas séries de TV são fáceis de entender, boas de se olhar, simples e diretas, narram histórias, criam tipos, nos levam pela mão. Coisas que cineastas de hoje, pseudo-artistas em sua maioria, se recusam a fazer. Eles inventam. E erram muito.
A TV de agora é o cinema de ontem. Breaking Bad é um bom filme dos anos 70. Como são todos os outros. Cinema sem frescura. 
 

O NASCIMENTO DO PARAÍSO ( UM TEXTO PARA 1974 )

Eu me mudara a dois anos. O bairro do Caxingui, mundo dos espaços sem fim, fora trocado pela Vila Sônia, terra de ruas asfaltadas, de casas sombrias e de vielas misteriosas. Agora, em 1974, o Eden se descortinava para mim. Vivi alguns bons anos até agora, 2014, mas 1974 foi um ano muito especial. O ano em que eu descobri quem eu era e quem eu seria.
E tudo se liga à vaidade. Eu havia descoberto ser um menino bonito. Mais que tudo, eu pensava ser já um adolescente. Não era. Continuava uma criança. Foi em 74 que eu começara a andar com o peito estufado. Finalmente a bronquite se fora e agora meu peito, inimigo desde sempre, se tornara meu aliado. Eu me sentia forte. 
Minha mãe resolver reformar o jardim de casa e contratara um jardineiro. Foi na casa desse homem, ao ir com ela tratar do trabalho, casa enorme, cheia de cantos úmidos e plantas esquisitas, que eu vira uma pilha de gibis antigos. Nasceu aí a primeira flor desse Eden. A cor das capas, o formato grande, os títulos chamativos, tudo nessas capas me seduziu. E por uma dessas coincidências descobri que meu amigo José Juscelino tinha uma enorme coleção de gibis. Fizemos uma troca, meus gibis da Abril por esses gibis da Ebal. A troca foi feita em casa. Pronto, eu começava minha coleção de Superman, Tarzan, Batman e Homem Aranha. Por todo esse ano, nas segundas de manhã, haveria o ritual de ir à banca do Negrito, onde cheio de ansiedade feliz, eu compraria meus gibis semanais. Nunca mais, até hoje, eu sentiria tanta alegria ao gastar dinheiro. Nenhuma compra me traria tanta euforia. Ao voltar pra casa, as novas revistas na mão, sentindo o cheiro da tinta e do papel, eu iria ler duas, três vezes todas as 64 páginas. 
O paraíso não pode ser feito só de uma flor. Nesse ano eu descobri o rock também. Certo que desde sempre eu amava os Monkees. Certo que fora ninado ao som dos Beatles e dos Stones. Mas foi em 1974 que eu entendera que havia uma coisa chamada rock e que esse tipo de som me deixava estranhamente excitado. 
Meu pai tinha um restaurante em Pinheiros e aos sábados eu ia até lá, com meu irmão e minha mãe. Meu pai nos comprava carrinhos da Matchbox, umas maravilhas de ferro pesado e rodinhas macias de borracha. Mas meu interesse havia mudado e eu queria discos. O primeiro foi um single do Elton John. Goodbye Yellow Brick Road. Eu já era um romântico sonhador. Meu irmão, um moleque de 9 anos, comprou Alice Cooper. Nosso caminhos se definiam aí. 
Uma coisa muito legal desse tempo é que se ouvia rádio. E ao ouvir rádio, AM, voce era exposto a muita informação. Não existia a segmentação, então voce era obrigado a escutar um pouco de tudo. Sábados de manhã ouvíamos a rádio Difusora. E nela tocava soul, funk, mpb e rock. O que a gente queria era ouvir Bowie, Elton, Paul e Bad Company, mas esperando que tocasse tudo isso éramos obrigados a ouvir Harold Melvin, War, Barry White ou Jackson Five. Isso aumentou nossos limites. Com a segmentação de hoje um cara que goste de Death Metal vai ouvir só isso e um outro que goste de Dance ouvirá só Dance. Chato e pobre...
Na Excelsior tocava outro play list. Slade, Suzi Quatro, Wings e  Shariff Dean. E os bregas de então, Steve MacLean, Roberto Carlos, Benito di Paula e Martinho da Vila. A gente ouvia tudo. Sorrow de Bowie à Onde a Vaca Vai. Odair José e Ronnie Von. Ganhamos um gravador Aiko. Era uma festa! Ainda lembro da primeira música que gravei do rádio: You Won`t See Me, versão com Anne Murray. Houve uma gloriosa manhã em que acordei com Flores Astrais dos Secos e Molhados tocando alto em toda a casa. Era minha mãe. Ela gostava muito dessa canção.
Feira livre, lojas de departamentos, mercado municipal, Ceasa, nada de Shopping Center. 
A TV tinha só cinco canais. Era o bastante. Na Record tinha um monte de desenhos toda a tarde. Kimba, Super Dínamo, Fantomas, Samurai Kid. Na Bandeirantes tinha um cara chamado Titio Molina. Josie e as Gatinhas, Herculóides, Moby Dick e Shazam. Archies. Na Globo, claro, minha mãe via novelas. O mundo parecia ver novelas. Eu via as 5 horas Os Mozzarelas, Os Caretas, Push Cassidy e O Poderoso Cachorrão. Eram modernetes e prafrentex. Mary Tyler Moore estranhamente eu já amava. Porque? Eu nada entendia mas gostava de ver. A voz da dubladora era linda! Hoje sei que Mary foi um marco na TV americana, mas naquele tempo que sabia eu? 
Tinha muito enlatado na TV. Meu pai adorava Cannon e San Francisco Urgente. Foi a época de Columbo, Kojak, MacCloud. Grande era da TV ( uma das várias eras de ouro ). Estranho que as duas melhores nunca passaram aqui: All In The Family e Monty Python. Ainda tinha Os Waltons, Vila Sésamo e Persuaders. E umas esquisitas séries inglesas de sci-fi.  O Mundo do Amanhã, Espaço 2020...E longas novelas da BBC, lembro de Jane Austen na Globo as quatro da tarde.
A Copa da Alemanha foi nesse ano. E eu e meu irmão jogávamos bola no quintal. Alguém falou que aquele que não teve um quintal nunca foi feliz. Além da bola a gente fazia guerras memoráveis. Era um mundo completo. Como completa era a escola. Minha velha escola de corredores escuros, salas com chão de madeira que rangia, carteiras pesadas e professores sérios. As meninas de saias curtas, os meninos cheios de caspa e cheiros ruins. Handball era dado todo dia. Tinha fanfarra. E amigos. Amigos que eu adorava, brigava e fazia as pazes. Cabeludos como eu, sujos como eu, desleixados como eu, sem noção, burros, vadios, andarilhos, como eu. O mundo era uma enorme rua. Com cães no cio, restos de feira, vendedores de livros, bikes enfeitadas e moças de bunda grande. Os caras com seus imensos sapatos de salto alto, calças cor de rosa, boca larga e camisa listrada justa. O peito nú com correntes de ouro.  E as moças de saia curta, sandálias ou botas enormes, blusas de costas nuas e cabelos longos, ondulados, soltos. Cheiros fortes de perfume doce, de shampoo, de sabonete. E muito cigarro, muito whisky, feijoadas, dobradinhas, virados, bife a cavalo, frango a passarinho. Risoto a Catarina. 
Eu via tudo. Não sabia que o cinema tinha O Poderoso Chefão 2, Chinatown e American Graffitti. Não sabia que o Oscar fora disputado por Jack Nicholson, Al Pacino, Robert Redford e Jack Lemmon. Mas queria ver Terremoto, Inferno na Torre e Banzé no Oeste. Nada sabia de Roxy Music, Kraftwerk ou de Lou Reed, mas já ouvia Rebel Rebel. 1974 terminou na praia, onde me apaixonei pela primeira vez. Emerson ganhou o campeonato, Zico era a promessa e o governo de Geisel nos fazia crer que o Brasil era o melhor país do mundo. Não era. 
Mas a rua Dr. Silvio Dante Bertachi era a melhor das ruas.  Recordo tudo isso, 40 anos depois, e sei que o que me resta de melhor está vivo e vindo daí. 1974 nunca morreu. E se tenho saudade, que bom, é porque foi o que foi. Uma afirmação, um abrir de olhos, um aceitar e um grande coração.

Paul McCartney - That Would Be Something (Live)



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Junk/Singalong Junk - Paul McCartney (1970)



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MAcCARTNEY, O PRIMEIRO DISCO DE PAUL.

Quando a crise se instala voce tem opções. Ou voce parte para o grito e começa a destruir, ou voce se recolhe e tenta recomeçar do nada. Paul escolheu a segunda opção. Foi sábio. John levou cinco anos para conseguir se recolher e colar os pedaços. Este disco, o primeiro disco solo do Beatle ingênuo, foi sua volta ao lar. Um lar estranho, porque não ficava em Liverpool, ficava no campo, longe de tudo, longe de quase todos. Ele se cercou de Linda, da filha, de bichos e de Martha. E meio sem querer gravou este álbum. Em casa. Nele Paul toca todos os instrumentos. Se revela bom nos teclados e na guitarra. Excelente baixista. E um baterista muito ruim. Mas é o disco de um homem perto dos 30 anos, dizendo adeus a sua adolescência e falando do que restou. Pouca coisa. O bastante.
Na época a crítica malhou muito esse disco. Era 1970, tempo de radicalismo. E de discos maravilhosamente complexos. De barulho. E de violões amargos. E vem Paul com um disco quase sem letras e falando de guarda-chuvas, óculos e garotos bons. Houve apressadinhos que falaram que a verdade se revelava, os Beatles eram John e George, Paul se escorava nos dois. A resposta de Paul foi o silêncio. Ele nunca atacou. Esperou.
Ouvindo hoje o disco é de uma pureza angélica. Poderia ter sido a ótima continuação ao genial Abbey Road. Com uma pitada de John, a guitarra de George e uma produção mais ambiciosa seria grande. Mas não é. Ele é apenas sincero. Paul vai para o campo. E se cura olhando a chuva. Cuidando dos bichos. E criando a filha. 
Se voce nunca ouviu este disco vai estranhar. Ele é pobre, pobre, pobre. Escute a segunda vez. Vai achar calmo, simples, limpo. E com mais uma semana voce vai sentir que ele é especial. Um cara fala com voce. Um cara exibe sua rotina para voce. E isso é um presente. Seu. O melhor dos Beatles era isso: eles pareciam estar com voce. A seu lado. E te fazendo sempre bem. Paul manteve isso. Os outros não.
As faixas são quase vinhetas. Algumas instrumentais. As letras têm quatro ou cinco frases, apenas. E todas as músicas parecem rascunhos. E são. As agressões de John devem ter doído muito. Sua resposta foi cantar. E nunca sobre John.
That Would Be Something é delicada. Junk é maravilhosa.Man We Was Lonely é bacana. Teddy Boy é bonitinha. Maybe I`M Amazed é famosa. O conjunto é o segredo. 
Lembro que a MTV tinha um programa estupendo chamado Acústico MTV. Vi coisas inesquecíveis. RAP acústico, Rod Stewart renascendo, Chris Isaak me conquistando e muito mais. E Paul acústico. Lá ele tocou 4 faixas deste disco. Foi lindo. Foi simples. E foi perfeito. Isso é Paul. O cara que podia ter pirado como John, virado um bicho como Michael Jackson ou se destruído como Elvis. Mas não. Ele escolheu a familia. E quando Linda se foi, escolheu o palco. Um iluminado.

REPARAÇÃO, UMA OBRA DE IAN McEWAN

Crianças, como disse Chesterton, não mentem. Elas são absolutamente fiéis ao que percebem. Sabem, ainda, olhar a vida. Pouco distraídas pelas coisas que os adultos pensam, livres para sentir e observar, elas reagem sem filtros. Por isso a mentira de Briony é dúbia. Ela fala exatamente o que viu. Seu testemunho é descrição de um ato. Nada para ela é mentira. 
Em minhas aulas de literatura se enfatiza o quanto é dificil escrever sob mais de um ponto de vista. É uma arte refinada que se tem perdido, a arte de criar várias visões concomitantes sobre o mesmo ato. Ian McEwan faz isso com naturalidade e por isso é um mestre. Como Henry James, com quem muito se parece não em tema, mas no modo de escrever, ele nos confunde ao descrever várias verdades. Ela sabe que a verdade depende de se querer crer nela. E que toda verdade depende de se saber olhar. Nunca de se saber pensar. Briony diz a sua verdade. E destrói duas vidas. Ela é inocente. 
Escrever uma frase que seja original. Descrever uma rua ou um clima de um modo novo. Essa a marca de um grande autor. Assisti um filme com Clive Owen onde um professor de literatura, feito com garbo por Owen, recita o final de Rabbit Run de John Updike. Li esse livro em 2009 e só uma vez. Pois bem, a escrita é tão forte que imediatamente identifiquei o livro. A frase, belíssima, estava guardada numa folha especial em minha memória. E eu nem sabia disso. Mas lá estava. Ian McEwan é do tamanho de Updike. Talvez tão grande quanto Bellow. Com certeza é o maior autor vivo da lingua inglesa. E nunca vai ser nobelizado.
Há um momento no livro em que os dois amantes se encontram na rua. E ambos se sentem constrangidos. Por anos eles se amaram via correio e agora temem se ver e se intimidar pela emoção. Esse encontro, coisa de 4 páginas, é descrito de um modo tão delicado, tão verdadeiro e com tanto amor pelos dois que ao ler eu senti estar diante de um quase milagre. Isso é coisa de imenso talento. O livro, e várias outras cenas provam isso, é uma obra-prima e viverá enquanto alguém souber ler. O final, em que percebemos que o que lemos foi contado por Briony anciã e prestes a perder a memória, é outro momento de brilho gigantesco. Briony gostaria de ter salvado dos dois amantes. Mas ela não pode. 
Foi feito um filme sobre este livro. Joe Wright o fez. Adorei. Mas, claro, o livro vai muito mais longe. O filme é um trailer do livro. Um lindo trailer. 
O filme de Owen termina com o professor lendo um belo trecho de Ian McEwan ( pois é, que coincidência não? ). Ian fala do que seja a arte. A arte é a fala de homens imperfeitos que tentam alcançar a perfeição. E que nesse processo, fadado ao fracasso, nós, leitores, somos erguidos e ao ler tomamos contato com aquilo que temos de MELHOR. 
Ian McEwan é um nobre portanto. A arte, mesmo a mais realista e pessimista, existe para nos aperfeiçoar. Para nos tirar de um mundo incompreensível e nos levar a tomar contato com o melhor. Veja, para nos erguer, não para erguer o mundo. Para nos transformar, não para nos fazer entender a vida.
Este livro, triste, belo, cruel, feio, sempre perfeito, é uma obra-prima.
Vale!

DOM HEMINGUAY/ MUSASHI/ TOSHIRO MIFUNE/ AVA GARDNER/ X MEN/ CHEF/ MARION COTILLARD

MOGAMBO de John Ford com Clark Gable, Ava Gardner e Grace Kelly
Gable é um caçador, Ava uma mulher de passado duvidoso, Grace uma esnobe. Entre bichos e nativos os 3 se envolvem em disputa amorosa. O filme é bastante tolo. Irremediávelmente ultrapassado, vale pela beleza luminosa de Ava Gardner. Nota 3.
CHEF de Jon Favreau com Jon Favreau, Sofia Vergara, Scarlett Johansson, Dustin Hoffman e Robert Downey Jr.
Um bom filme. Simpático apesar de nada especial. Um cozinheiro briga com o dono do restaurante e acaba por abrir um trailer de fast food chique. Nesse momento ele reata relação com ex-esposa e filho. De ruim temos todo o começo do filme. De muito bom a parte estradeira, rodovias e paradas. A relação pai e garoto muito bem desenvolvida. Que beleza essa Sofia Vergara!!!!! Nota 6.
O GRANDE GATSBY de Jack Clayton com Robert Redford, Mia Farrow e Bruce Dern
Um amigo me avisara que o filme era ruim. Revi. Aff. É ainda pior que o musical idiota. O musical manteve ao menos duas falas de Scott Fitzgerald, aqui nem isso. Erros se sucedem: Mia é deplorável. Gatsby é no livro um homem frágil que tenta agradar, uma alma romântica perdida num mundo materialista. Aqui é apenas um bom ator sem um papel para representar. Pior que tudo, a trilha sonora de Nelson Riddle. Está no filme errado. Nota ZERO.
ERA UMA VEZ EM NOVA IORQUE de James Gray com Marion Cotillard, Joaquim Phoenix e Jeremy Renner
Apenas um drama escuro que ficaria bem como minissérie da Globo. Ok, Gray sabe narrar, os atores estão muito bem, a coisa é séria, mas...quer saber? E daí?? O filme é desprovido de invenção e de beleza, e portanto não me emocionou. Pobre polaca. Nota 3.
UM PLANO BRILHANTE de Joel Hopkins com Emma Thompson e Pierce Brosnan
O filme é tão bobo que ele consegue juntar dois atores excelentes e adoráveis e fazer dos dois uns malas sem alça. Filme sobre ricos que ficam pobres e então resolvem roubar o cara que os faliu. Emma tem de pular, cair, rir, fazer-se de tola, saltar, escorregar. Tudo para tentar arrancar um riso de nós, e não consegue. Soberba atriz, ela está no filme errado. Assim como Pierce que tem sua classe muito mal utilizada. Uma bobice sem fim. Nota 2.
A RECOMPENSA de Richard Shepard com Jude Law, Richard E. Grant e Demian Bichir
Dom Heminguay. O homem do pau gigante, o cara da mente fulgurante, o ser que fulgura no florão da Europa, gigante pela própria natureza. O Bob Le Flambeur dos desesperados, o Samurai dos anos 2000, o fodido. Dom aguenta a prisão e ao sair é traído pelo chefão que protegeu. E a coisa, sua vida, cai ladeira abaixo. Que roteiro do caralho! Falas baby, falas maravilhosas! Personagens adoráveis! O filme é engraçado e terrível, como a vida? Shakespeare podre de nosso tempo. Nota 9.
A MALDIÇÃO DO ESPELHO de Guy Hamilton com Rock Hudson, Elizabeth Taylor, Kim Novak, Tony Curtis, Angela Lansbury, Geraldine Chaplin e Edward Fox.
Era moda no fim dos anos 70 adaptar Agatha Christie para o cinema. Aqui temos uma história de Miss Marple. Mas o filme é lixo. Chato, sem suspense, feio, inutil. Mesmo o elenco não pode salvar tamanha bobagem. Nota ZERO.
MORRENDO DE MEDO de George Marshall com Jerry Lewis, Dean Martin e Carmen Miranda
Ruy Castro fala que para a geração dele a separação de Martin e Lewis foi tão traumática quanto o fim dos Beatles. Aqui eles alopram uma viagem de navio e uma mansão maldita. O estilo de Jerry é para quem aceita seus exageros. É o humor que advoga que mais é melhor. Forma bela dupla com Carmen. O filme é apenas um exercício de nostalgia. Nota 4.
X MEN, DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO de Bryan Singer com Hugh Jackman, James MacAvoy e Michael Fassbender
Num futuro terrível os X Men estão sendo dizimados. Wolverine é enviado aos anos 70 para mudar a história. Que bela aventura!!!! O filme tem a união de seriedade com diversão, algo dificil de se conseguir. Os atores podem brilhar, a história fala de preconceito, a ação não cansa, há suspense e velocidade, mas também temos boas falas e bons personagens. Que mais pedir de um filme de aventuras? Os filmes HQ são em sua maioria insuportáveis, mas de vez em quando surge uma beleza como esta. Nota 9.
MUSASHI, A TRILOGIA SAMURAI de Hiroshi Inagaki com Toshiro Mifune
Em 1954 a primeira parte desta trilogia foi sucesso mundial e ganhou o Oscar de filme estrangeiro. Mais que os filmes de Kurosawa, foi este o filme que fez do Japão a moda do cinema de então. O primeiro filme é mesmo o melhor. Musashi é um samurai raivoso e impulsivo, nos 3 filmes acompanhamos sua iluminação. Os filmes seriam perfeitos se não houvesse a história chatíssima de seus amores. Mas com cenas de luta perfeitas, cenários deslumbrantes e Mifune, um ator que faz nossos olhos grudarem na tela, a trilogia se torna obrigatória para aqueles que se interessam por Japão e por cinema. Nota 8.



















The_Blues_Accordin__to_Lightnin__Hopkins.avi



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Lightnin' Hopkins playing at a party



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O ROCK MORREU. ELE ERA UMA ALQUIMIA E HOJE É UMA EQUAÇÃO.

Quando criei este blog meu objetivo principal era falar de cinema. Isso mudou com o tempo. Mudou quando percebi, triste, que o cinema nada mais tem a dizer de novo. Sociologicamente ele está morto. Comercialmente não. O cinema hoje existe como produto, seja diversão para as massas, seja objeto para festivais. Irrelevante. Escrever sobre cinema acaba sendo exercício de saudosismo ou esperança sempre frustrada. Faço ainda as duas coisas. Porém a saudade está muito revisitada e a esperança começa a murchar. 
Escrever sobre rock é ainda pior. Porque?
O rock só pode ser verdadeiro se for jovem. Não existe rock antigo. Rock antigo é apenas música. E não falo da idade de quem o faz, falo da atitude. E atitude jovem não significa uma calça rasgada ou uma guitarra alta. Significa crer. Acreditar no ser jovem. Isso, no rock, morreu por volta de 1995.
Sintomas de putrefação. O rock nada mais diz sobre o futuro. Ele nada significa para o mundo de 2030. Todos os temas que importam foram abandonados. E quando são abordados têm o cheiro mofado de 1968 ou de 1983. Mais, em termos de moda o rock é hoje a retaguarda. É um brechó musical. O apodrecimento ocorre também nas roupas, não só nos riffs. 
Gente realmente moderna não ouve mais rock. Pode até tentar de vez em quando, mas como um recuerdo, um souvenir. Rock é em 2014 por definição um ato que remete ao passado. Toda banda nova lembra uma banda menos nova. No fim é sempre o rock de garagem ou a moda setentista de Bowie, Can ou Neil Young. Música, apenas música, e quem entendeu o rock sabe, rock nunca foi uma questão musical.
Porque não dá pra chamar de rock algo que seja conformista. Se o caretão ama essa sua banda isso não é rock. É música pop. Nada contra! Eu adoro ABBA. Mas aqui e agora estou falando de rock. E ABBA, assim como BEE GEES nunca foi rock. 
Na escola eu vejo. Dois tipos de alunos gostam de rock. Um é o bobo da sala. O outro é o esquisito triste. Ambos são legais, ambos são nada rock`n`roll. Bowie foi um esquisito da sala. Mas David Jones soltou os bichos e virou David Bowie. Esses alunos vão no máximo aprender um dia a tocar The Jean Gennie. Vão apenas fazer música. E música não é rock.
Os rebeldes, ainda existe isso, não estão ouvindo rock. Porque sentem que o rock é coisa de gente boba. E quando o rock vira coisa de quem não transa e não sai de casa, bem, isso não é mais rock. Parece jazz. Que desde 1960 também deixou de ser jazz e virou apenas música.
Esses rebeldes escutam RAP. Escutam coisas de pretos. O mais importante, fazem coisas. O rock virou trilha sonora de quem apenas ouve rock. Rock que faz com que a pessoa jovem se mova e caia na vida....Isso se foi com as primeiras raves e com os discos primeiros do grunge. 
Por isso o rock morreu. Porque ele era um discurso que tinha muito a dizer sobre tudo o que rolava. Porque ele guiava os perdidos para a perdição total. Era o irmão mais velho que chamava da zona escura. Era o blues do branco. Alma e carne. Sexo e fé. Agora é apenas um bailinho de debutantes. Ou pior, convite para se trancar no quarto e amaldiçoar a vida. 
O rock morreu e eu sei disso porque eu amei profundamente o rock. Lembro do que ele foi. E o fato de lembrar mostra como ele se tornou passado. E rock, como bem intuiram os punks de 1977, não pode ter um passado. Ele deve ser apenas futuro. Sempre futuro. 
Posto um clip milagroso de Lightinin Hopkins. Em um minuto e meio ele mostra a explosão que transformaria jovens rígidos ingleses em maloqueiros pretos. Isso é o rock, UMA ALQUIMIA. 

LET`S GET LOST, UM DOC DE BRUCE WEBER SOBRE CHET BAKER

Flea anda pela praia e ri. É a música que o faz rir e Flea sabe tudo de tudo que vale a pena escutar. Questão de cintura. Bruce Weber, que sabe tudo de imagem ( melhor fotógrafo de moda ), mostra mais uma vez o que a gente sabia que ele sabia. Mas Bruce ama música também e então eu entendo que suas fotos são músicas em revelação. Bruce Weber fez os mais belos clips da mais bela fase da MTV ( Pet Shop Boys e Chris Isaak ). O coração de Bruce Weber é de Chet. E Chet Baker é o trompetista branco que queria ser preto. O cantor de jazz que desejava morrer de tanto amar. Este documentário, que posto inteiro para voces, é de 1991. E voce sabe, 1991 foi um dos mais lindos dos anos. A beleza vence a morte. Sempre.
Ah meu amor! 1988 foi o mais amoroso dos anos. Eu te dava rosas menina. E escutava Bizet e Chet toda manhã. Manhãs que eram vividas em êxtase frio, o inverno foi cruel, e chuva que grudava em mim. Suas mãos eram brancas e os seios pareciam de seda. Meu amor, eu me emocionava apenas pensando no céu. Descobri Zorba, descobri Waugh e encontrei Lorca. E mais que tudo eu mergulhei no mel de voce. E Chet Baker cantou para nós dois.
Vejam o documentário.
A vida sempre pode ser melhor. Apesar de toda dor que se faz.

Let's Get Lost - Chet Baker Documentary



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CRIANÇAS OCUPADAS

   As crianças não têm tempo livre. Roubam delas os únicos anos em que elas podem simplesmente estar vivas. Ignorar tempo, horário, estação. Poder criar distrações dentro desse tempo que se estica. Vislumbrar horizontes que se abrem em cada esquina. Mas agora elas, as crianças, têm obrigações. Escola, inglês, esportes. Mas eu penso depois: Na verdade essa não é uma novidade. Na verdade esse é um retorno. Uma volta ao normal.
  O mundo pós-segunda guerra é uma aberração e temo que tenha sido uma ilusão irrepetível. Uma Europa sem guerras é um luxo. Um Ocidente sonhando e quase conseguindo acabar com a fome é uma aberração. O mundo vivido entre 1945/1990 foi um caso a parte da história. Falo do mundo europeu e norte-americano. Houve aí um hiato de paz e riqueza sem par em toda a saga humana. E voltando ao assunto, nesse mundo as crianças se tornaram Crianças. Como os moleques viraram teens. O rock nasceu nesse hiato. 
  Crianças pobres sempre trabalharam. E as criança ricas eram desde cedo preparadas para exercer o poder. Tocavam piano, escreviam, cavalgavam, esgrimiam. As pobres se matavam em fábricas, nas ruas em pequenas tarefas ou simplesmente morriam. As crianças super atarefadas de 2014 voltam a ser aquilo que seus tataravôs foram. 
  Porque a criança que eu e toda a geração que hoje tem entre 30 e 70 anos foi é uma anomalia. Um breve instante em que a infância foi hiper-valorizada. Em que se deu tempo e espaço, se pode dar ócio e fantasia ilimitada para toda criança de classe média ou até de menos poder aquisitivo.  Foi a época dos Anos Incríveis, dos gibis, dos Super Heróis, do rock, dos brinquedos que precisavam de espaço. Um tempo que foi preparado por Lewis Carroll, por Rousseau, por James Barrie e por Lobato. Uma época em que a criança foi mimada, deixada em paz, idolatrada e liberada. 
  Uma criança que tem todo o tempo ocupado, que se torna útil, não é uma novidade. É um retorno. É o fim de uma fantasia. É o nascimento de um mundo menos seguro, mais duro, mais severo, é a volta da vida real.

A MOÇA ITALIANA- IRIS MURDOCH

   Nascida em 1919, Iris Murdoch foi uma feminista. E também socialista. Chegou a ser impedida de entrar nos EUA por causa desse seu perfil. Mas acima de tudo ela foi uma filósofa. Sua base filosófica é espiritual e naturalista. O amor, para ela, é o que nos faz ser coisa real. Ele é objetivo. Iris Murdoch rejeita o subjetivismo. A análise leva sempre ao EU e o eu leva à solidão absoluta.
  Aqui temos um livro escrito por ela em 1964. ( Quem quiser saber mais sobre Iris assista o filme de mesmo nome. Kate Winslet faz ela jovem e Judi Dench sua velhice ). Devo dizer que este não é um grande livro. Mas ele é necessário. Iris mostra uma familia completamente destruída. Pelo sexo. Iris não demoniza o sexo, mas mostra o poder de morte que ele possui. Ela vai ao extremo. As pessoas se agridem, se matam, se chutam, se anulam. E o amor só nasce ( nasce? ), após toda essa ruína.
  Desagradável e árido, é um livro dificil.
  Nada mais a dizer. Iris Murdoch, famosa, se foi neste século. Fez uma legião de dedicadas seguidoras. Suas palestras eram vistas quase como rito religioso.
   Ela faz falta.

AQUELA PRIMAVERA FOI MUITO QUENTE!!!!

   Foi um setembro muito quente. Meu cabelo suava e meu sovaco tava sempre pingando. Em 1980 os desodorantes daqui eram ruins. Tanto quanto os telefones. Mas tinha umas coisas boas. Ir aquele fim de tarde de sábado ao Shopping comprar dois discos foi muito legal. Um deles foi EMOTIONAL RESCUE, o outro não consigo lembrar.
  Eu tava apaixonado naquele tempo. Muito in love. Talvez o outro disco tenha sido brasileiro. Foi na Hi Fi, uma loja moderninha, cheia de cabines pra ouvir os discos antes de comprar. Fui com meu bro`.
  A capa do LP era bem doida com umas fotos esquisitas dos caras. Ouvimos naquela noite. Na época eu achei um disco ok. Me diverti muito com ele nesses anos todos. Disco de verão, quente, juvenil, alegre pra caramba. Ouvindo hoje, dia de sol, eu com trinta e quatro anos a mais ( Impossível !!!! ), como foi ?
  Dance é bacana. Lembro de Zeca Jagger falando da cuica que rola no som. Tenho esse recorte. Ele chama a banda de Os Jaggers. Summer Romance é deliciosa. Fala disso mesmo, amor de verão. Pra quem não sabe, aquele seria o melhor verão da história. Tangas, top less, otimismo a toda, muita cor. Summer tem um Charlie Watts dos diabos. O som dos pratos é dantesco. E o timbre das guitarras é sorridente. Pra cima. UP! Send It To Me é o melhor reggae dos caras. E tem um micro solo do cacete de tão simples.
  Let Me Go é uma das dez melhores canções dos Stones de 1978 pra cá. A batida é foda. O riff é foda. E percebo que Bill Wyman nunca tocou tão bem. O disco é dele. repare, as linhas de baixo de todas as faixas são ótimas. Sacolejam. Floreiam. Indian Girl é um quase country com um piano lindo e uns metais de mariachi bons demais. Quando voce se apaixonar escute-a.
  Where The Boys Go é uma alegria. O som corre e Mick pergunta onde os caras vão sábado de noite. Eu ia atrás da meninas. Eles também. O coro feminino é de matar. Uma faixa very very sexy. Pulo a faixa seguinte. Zeca dizia que ela era ruim. Me too. Mas então que tudo cesse: Eis Emotional Rescue. Baixa um Marvin Gaye em Mick. O baixo é delirantemente criativo. E esse eco nos pratos bota o universo pra dançar. Duca duca duca!!! O sax de Bobby Keys é astronômico! E.....She`s So Cold !!!!! Riffs malandros de uma guitarra contida. Elegancia baby, em grau máximo. Tam tam, e vem o solo. Tam tam, são os pratos. Wow!!!!
  Enfim All About You que é Keith desabafando sobre Anita. Tipo de som "mesas de bar com cadeiras em cima e velho varrendo o chão"....O piano é lindo...
  Estava neste sábado conversando com meu friend Fernando Tucori e dizia que uma banda tem, com sorte, cinco anos de criação. As melhores conseguem esticar esses cinco em mais uns dez de repetição, de auto-plágio. Os Jaggers fizeram este LP aos 17 anos de estrada. Os 5 grandes anos haviam sido sete ( de 65 à 72 ), e agora eles rodavam na memória desse topo. Mas aqui há criação, há novidade, hà tentativa.
  Descaralhante? Não. Mas, uma alegria duradoura, sim!

DOM HEMINGUAY ( filme com Jude Law ), E O FUNDAMENTALISMO.

   Jude Law é Dom Heminguay. E aqui ele tem um dos melhores papéis do século. Desta bosta de século. ( A gente sabe como ele vai acabar, Arnaldo Jabor tava certo ontem, vai acabar com o dominio do fundamentalismo islamita sobre todo o ocidente. Ou voce acha que a gente tem chance? Nós, educados, agnósticos, pensativos, à procura de um mundo melhor, querendo o progresso, científicos....Como podemos vencer uma filosofia que já chegou às suas respostas? Como vencer um exército cuja arma é a própria pele? Como vencer uma religião que ama a morte? ). Fugi do assunto, mas talvez não.
   Dom ama seu pinto e começa fazendo uma ode a seu pau. Depois ele sai da prisão e por ter sido fiel como um cão espera receber uma bolada de um chefão russo. Quando bebe Dom fala merda e quase bota tudo a perder. Mas perde num acidente de carro. E se vê durango tendo de puxar o saco de um negro e se fode todo de novo. Ou não?
   O filme fica um saco quando ele vai atrás da filha. Um saco. Mas ok! Há o que compense! 
   Ao contrário de Heminguay, o americano, este larápio inglês fala num estilo exagerado. Ele verbaliza uma prosa suja e poética que é linda de ouvir e bela de se ver enunciada. Tudo é big na boca de Dom. Ele fala muito, fala como um Amazonas negro correndo por entre uma selva do inferno onde insetos transportam doenças fétidas e indios famintos se enchem do pior álcool do universo enquanto a Lua tenta avermelhar o mijo fodido de um bando de pervertidos caminhoneiros sacanas. É assim seu modo de falar.
   Richard E. Grant faz o amigo e Grant é sempre ótimo! O tipo do cara cool e  meio bicha. Jude leva o filme com magnífica verve. A gente vê quase todo o trabalho com um puta prazer. Menos o final que é meio piegas. 
   Depois falo mais.

VLADIMIR NABOKOV, OU, O QUE É UM ESCRITOR

   Nabokov morreu em 1977. Como Chaplin. E Hawks. As pessoas falam dos mortos de 2014 mas nenhum deles tem a estatura dos mortos de 77. Quando morreu, na Suiça, Nabokov era o escritor mais famoso do mundo. E um dos mais dificeis. Lolita se lê facilmente ( se voce for minimamente culto ), mas seus livros pós-Lolita são tão áridos como Beckett e Joyce. A fama popular de Nabokov caiu. Lolita virou tabú, a palavra Ninfeta é hoje um palavrão. Ele é esquecido porque todo escritor dos últimos 50 anos se torna esquecido depois de morto. Saul Bellow, Mailer, Yourcenar, Updike, Vidal, todos são muito menos conhecidos hoje que quando vivos. A molecada não faz a menor ideia do tamanho da popularidade de Bellow. E de Nabokov. 
  Ele não recebeu um Nobel. Bellow sim. O que posso falar é que Heminguay, Faulkner, Mann e Yeats receberam. Eliot também. Mas Joyce, Proust, Borges e Rilke não. Assim como Waugh. Penso que a lista dos não agraciados é melhor. Well...Nabokov é lembrado por alguns, e esses o chama de melhor escritor em inglês dos últimos cem anos. Funny....assim como Conrad foi o maior da virada dos 1900, e era um polonês escrevendo em inglês, temos aqui um russo que escreve em inglês. 
  A Veja publicou uma péssima resenha sobre Nabokov. A moça não entendeu nada! Fez uma crítica bolchevique a um aristocrata fugido. Nabokov é fino, chique, cômico, um esteta. Ele nos faz ver a beleza do quase nada. Nos ensina a olhar a vida. A moça nada percebeu. Pobre escriba...
  Bebo as páginas de Nabokov e ao lê-las me sinto um privilegiado. Alcanço sua nobreza. Comungo com sua vida fugitiva. Na verdade ele nunca saiu de sua fazenda. Esteve em Berlim, em Paris, viveu em Londres e na Califórnia. Por fim a Suiça. Era vizinho de Chaplin. E em todos esses lugares ele foi o mesmo. Um garoto russo da aristocracia. Culto ao extremo, cercado por seus 50 lacaios. E curioso sobre tudo e sobre todos. Um escritor.
  Vale!

The Rolling Stones - I Am Waiting (Live 1966)



leia e escreva já!

The Rolling Stones - Under My Thumb (1966)



leia e escreva já!

AFTERMATH É PERFEITO.

   Estas notas foram encontradas num paletó de Anthony Roxy, The Second, pai de meu amigo Anthony Roxy, The Third. Encontrei essa bela peça de vestuário, comprada em Carnaby Street nos idos de 1966, dentro de um belo baú de tiras de ferro. Paletó listrado na vertical, de linho, com um forro de seda vermelha. Segue o texto ( escrito originalmente na bela grafia de Roxy, tinta roxa, caneta tinteiro com pena de ouro ) ...
  " Brian tem o estilo e Mick tem o sexo. Keith tem o rock and roll.
     Brian surge em minha maison com uma blusa de seda rosa e um poá de penas brancas. Sua namorada, Anita, a Diva, se veste exatamente como ele, as mesmas cores inclusive. A calça é justa, veludo branco. Estão ultrajantemente descalços. Mick veste uma simples camiseta de marinheiro e a calça é de alfaiataria. Sapatos de fivela, vinho. Impressiona a fragilidade física de Mick, ele parece feito de vidro. Keith tenta parecer um filho de mineiros de Newcastle. Usa um velho casaco de camurça bastante sujo. As unhas estão pintadas de negro. Os 3 me trazem seu novo disco, Aftermath. Fico feliz em saber que eles não tentam se parecer com "aquela banda"suburbana que insiste em se fazer simpática. Os 3 têm um ar blasé, penso que estão escolados no estilo "nem aí" da nouvelle vague. 
   O disco é escutado e me parece bastante bom. Não se compara aos singles recentes, especialmente a 19th Nervous Breakdown, mas a variedade desse Aftermath me espanta. Eles conseguem cavar seu nicho. Longe da simpatia dos 4 chatos de Liverpool e sem a acidez do bardo marxista dos Kinks. Bravo!!!" 
  Após ler esse rascunho resolvo reouvir o LP, afinal, a BBC escolheu a duas semanas Aftermath como o melhor disco dos Stones e um dos top 5 forever...
  Ele começa bastante atual. Mothers Little Helper fala das pílulas que ajudam as mães a suportar o cotidiano chato. A melodia, urgente, levada acústica, é das mais grudentas. Há algo, mínimo, de Dylan. Quem em 1966 não tinha algo de Dylan?
  Aftermath é uma obra extremamente rica. É o único disco deles em que há o trabalho de Mick, Keith e Brian em doses iguais. Nenhum dos 3 estava muito drogado ou brigado. Essa colaboração tripla dá ao LP variedade e beleza. Stupid Girl fala da mais idiota das mulheres e serve para marcar posição. Enquanto os Beatles falam das musas ( Michelle e Girl ), eles desprezam a estúpida mocinha. E se Lady Jane parece romântica, e é, Under My Thumb, uma obra-prima, conta a história da menina que agora é o "mais lindo animal de estimação do mundo". A riqueza sonora: Brian usa um cravo em Lady Jane, toca xilofone em Under My Thumb. Devo ainda dizer que Mick Jagger nunca cantou tão bem como em todo este disco. Sua voz, mais grave que no futuro, raspa os ouvidos de quem escuta. 
   Doncha Bother Me é um blues. Slide soberbo, curta e grossa, ela prepara a majestosa entrada de Goin Home. Oh....Goin Home....Ela quebra padrões!! Dura 12 minutos, é improvisada, tem sons de um trago num baseado, e antecipa, nos improvisos vocais de Mick, tudo aquilo que Jim Morrison desenvolveria. Um acorde de guitarra anuncia o som, ele vem negro, estradeiro e depois se metamorfoseia em viagem psicodélica. Um voo se ergue.
  Lado B. Flight 505. Tipo Chuck Berry. Mas com um baixo distorcido e mais velocidade. O tal voo é aquele que matou Buddy Holly. High and Dry é o primeiro country gravado pelos Stones. E portanto, é a mais Keith das faixas. Tipo de canção rápida de buteco. Bem suja, ficaria bem em Beggars Banquet. Out Of Time é um baladão para se cantar em coral. Brian arrisca um orgão de igreja. Daí vem It`s Not Easy que traz a marca da banda: riffs maravilhosos e um solo curto e objetivo. I Am Waiting é barroca. Keith e Brian fazem acordes quase religiosos nos violões e no cravo e Mick canta como em Lady Jane, como se ele fosse um Shelley renascido na Carnaby Street. Linda de sonhar, a canção é feita para o amor. Vem depois Take It Or Leave It. Canção de rádio de 1966. Bonita, simples, sincera, boa de cantar junto. Que belo cover daria em 2014 !
  Think anuncia o começo do fim deste magnífico disco. E a dramática What To Do encerra com chave de diamante. Uma música que combina tristeza e raiva. Os últimos segundos do disco ecoam o futuro da banda, fel e beleza. 
  Aftermath é perfeito.

CONTOS REUNIDOS DE VLADIMIR NABOKOV

   Estou mergulhado e enfeitiçado nas 800 páginas de CONTOS REUNIDOS do mago esteta Vladimir Nabokov. Li as primeiras 200 páginas. Elas correspondem a seus primeiros contos, escritos na Alemanha e na Inglaterra, por volta de 1924. Um jovem de 25 anos portanto. E quanta invenção, quanta sensibilidade e melhor que tudo, já nascente, seu dom de unir humor a drama e dar pinceladas de sobrenatural e de inefabilidade à vida cotidiana. Sentimos toques de invisível. Como borboletas, como metamorfoses, como folhas que não se consegue ver.
  Li 15 contos até agora. Não há um só que seja menos que ótimo. E alguns têm a marca de genialidade refulgente. Pegue NATAL por exemplo. Fala da morte de um filho. E de um pai que sofre sozinho. Em apenas 5 páginas Nabokov nos faz quase ver Deus em nossa frente. Raramente li alguma coisa mais bem acabada, bem construída, matematicamente precisa. À beira da morte nasce um lembrete. Não, não posso contar o final. O que posso dizer é que ele entra na muito restrita conta de meus contos favoritos. Eu daria tudo para escrever alguma coisa como essa.
 Mas temos também A VENEZIANA. Esse é uma aula de surpresas plantadas, de clima estranho, de suspense e de beleza. Fala de um quadro, uma esposa e um jovem tímido. Perfeito. Há ainda BATER DE ASAS, um conto assustador, feio, sujo e bastante pessimista em seus erros denunciados. DETALHES DE UM PÔR DO SOL, outra perfeição, narrativa que se desenrola como música, harmoniosa e sempre surpreendente.
 Ler Nabokov é um prazer que descobri aos 48 anos. Todos sabem que meu autor favorito, em prosa, é desde os 38 anos, Henry James, mas Nabokov escreve exatamente aquilo que eu gostaria de escrever se tivesse talento. Vladimir é vasto e ao mesmo tempo pequeno. Seu humor reside na sombra, em meio ao Kaos, no cerne da dor. As descrições nos fazem ver e quase sentir o cheiros das coisas. E os personagens vivem, mesmo quando descritos em apenas 3 linhas. Um mestre.
  Lerei o resto lentamente. Lê-lo é como beber um Porto. Em pequenos goles, usufruindo do momento, da cor.