BROTHER, FILMES FOFOS E PEANUTS

   Não falo com meu irmão desde 1984. Tempo pacas! Mas como fomos muito próximos por toda a infância e adolescência ( a biológica, a mental nunca termina ), ele acertou na mosca com os presentes que me trouxe dos EUA. Botas de alpinista, um livro sobre cinema e este que agora comento.
   Sempre percebi que Charlie Brown foi o primeiro Woody Allen, e o primeiro Catcher in The Rye tambe'm. O modo como ele fala com a gente e se relaciona com o mundo foi o molde onde se ajustou o estilo de toda uma generation de moleques-adultos mal ajustados. Ao contrario dos filhos de Dylan, os filhos de Charlie Brown eram muito mais timidos, melancolicos e pateticos. ( Sem acentos, tem um defeito nesta maquina maldita que uso para ESCREVER).
   Snoopy era amado pelos hippies, mas hippies nada tem de Snoopy. Os caras de SanFran fizeram uma patetada e acharam que Snoopy viajava de LSD quando pensava ser o Red Baron ou um legionario. Snoopy na verdade faz o papel da sanidade, da criatividade.
   E chegamos a 2014. E depois de ver o novo filme de Spike Jonze noto que TODOS os caras e mocinhas melancolicos dos filmes de Sofia, Spike e vasto etc descendem de Linus e seu cobertor. Desamparados, profundamente inseguros e muito fofos. Esperimente ler qualquer tira de Linus escutando qualquer musiquinha de qualquer filme triste de hoje. Bingo!
   Peanuts foi criado por um genio chamado Charles M. Schulz. Eles mudaram o mundo para sempre. A industria cultural via jornais e depois cinema moldaram tudo aquilo que entendemos por mentalidade contemporanea. Livros ou teatro foram postos de lado. Snoopy era lido em todo o mundo por 4 decadas. E mais TV e cinema. Botou pra fora a melancolia sublime que vive na infancia. Se leitores de romances ingleses sabiam disso desde sempre, o brasileiro do Rio ou o caipira de Iowa descobriu isso com Schulz. A neurose woodyalleniana de Charlie Brown, a fofura de Linus ou os delirios de Snoopy entraram no nosso pensamento, em nossos gostos e se fizeram muito intimos de todos.
   Este livro, imensa coletanea de tiras de 1958 a 1969 deve ser tratado como aquilo que deve ser: uma das vigas do seculo XX.
   

HER, UM FILME INCOMPLETO DE SPIKE JONZE

   Um computador super-desenvolvido adquire sentimentos humanos e resolve destruir os humanos e alcançar a imortalidade. Isso é 2001.
 Um cara se apaixona por uma cabra, mas eles não podem viver juntos. Isso é Woody Allen.
 Um robot cria sentimentos e sofre por não ter mãe, por não ter história e afinal, por não poder morrer. Isso é AI.
  Mas o que mais interessa: anjos acompanham os humanos em Berlin e ao se apaixonar, um deles sonha em ter um corpo. 
 Tudo isso está em mais um filme de Spike Jonze, diretor que faz filmes que desejam ser tão originais que acabam sendo sempre iguais. A primeira cena, no trabalho do personagem de Joaquim Phoenix, em que várias vozes se misturam narrando as cartas que escrevem, cita diretamente a obra-prima de Wim Wenders ( a perturbadora cena na biblioteca ). Outras cenas virão. As ruas aqui são como as de Berlin, só que não. Se Wenders é um brilhante humanista alemão, que deixa sua obra cheia de significados e de pistas, e consegue triunfalmente deixar as portas abertas para inúmeras interpretações, aqui, mais uma vez, Spike se dá um trabalho muito além de sua capacidade intelectual. Óbvio que o filme foi escrito sob o impacto do filme do alemão. É fácil ver Spike o revendo em blu-ray e indo dormir com a mente fertilizada. Obras-primas são assim, trazem ideias. Mas o problema neste filme é sua infantilidade, problema aliás que mata todo o filme.
  A não ser que tudo seja uma comédia!!! Tenho em minhas aulas percebido que inúmeros artistas produzem comédias que nós acabamos por levar a sério. Kafka era assim. Beckett também. Há uma cena em que Phoenix e a voz transam no escuro. E Gozam. É hilária ( apesar que acho que os meninos vão levar a sério todo o filme, como levaram a "Horror chanchada" Cisne Negro a sério ). Well...quando eles gozam dá pra esperar por Je T Àime com o gozo de Jane Birkin entrando na trilha. É brega pacas! Vemos então que o filme é nada mais que TED, O Urso Maconheiro levado em tom de "filme de arte".
  Todas as falas de Scarlett são risiveis em seu discurso tipo novela das oito. Ora, dá um tempo!! Que me importa esse Groucho Marx com prisão de ventre amando sua ovelha eletrônica?
  A carta que Phoenix manda a ex-esposa, na óbvia cena final, beira a caricatura. So What?
  Faça uma experiência: tire a trilha sonora ( Brian Eno de quinta categoria ) e coloque Lionel Hampton. O filme irá mostrar sua verdadeira cara.
  O tema da virtualidade é o mais sério de nosso tempo. A revolução é tão braba que o mundo de 2005 já parece ancestral. Mas ficar aqui, acompanhando as fotinhas, as frasezinhas, o dia a diazinho de um tonto e sua namoradinha silly...please!
  Spike Jonze tem grandes ideias. O problema é que ele nunca consegue as levar adiante e fica andando em circulos. Cansa. E as vezes sinto que seu nivel mental ainda é o de um garoto, brilhante, mas com 12 anos de idade.
  PS Veja 30 minutos de Asas do Desejo e este em seguida. Voce sentirá com uma força terrível o contraste.
 
 

RUSH/ WONG KAR WAI/ AZUL/ LOSEY/ ANGELOPOULOS

   FAMILIA DO BAGULHO de Hawson Marshal Thurber com Jennifer Anniston e Jason Sudeikis
Jennifer está cada vez mais linda. Aqui ela faz uma striper que finge ser esposa de um pequeno traficante que pega uma grande missão no Mexico. O filme é previsível, mas tem ritmo, atores ok e Jennifer. Nota 5.
   FLASH GORDON de Mike Hodges com Sam Jones, Ornela Mutti e Max Von Sydow
Um cult do trash. Tem um dos piores roteiros de todos os tempos, uma trilha sonora tola e um ator que não consegue atuar. E a bela Mutti e o bergmaniano Max sendo o vilão ( Max nunca escolhe filme, até hoje pega o que vem ). É o pior filme de HQ? A concorrência é forte ( Hulk, Demolidor, Capitão América, Sheenah ). Tentei ver com bom humor, não rola.
   RUSH de Ron Howard com Chris Hemsworth, Daniel Bruhl e Olivia Willians
Escrevi sobre ele abaixo. Uma ótima diversão com tinturas de drama que nos envolve, seduz e emociona. Mathew MacCornaghy sempre foi bom ator, desde Dazed and Confused e incluindo as comédias pop. Pois saibam que o Thor, Chris Hemsworth é um bom ator. O primeiro Thor já deu uma pincelada em seu talento e aqui ele emociona. É um adorável James Hunt. Estou com vontade de ver de novo! Ron Howard, ator em American Graffitti é um diretor a moda antiga, pouco vaidoso, dirige em função da história. Nota 8.
   RIDDICK 3 de David Twohy com Vin Diesel
O mundo é o de um deserto amarelo e brumoso. Vin enfrenta monstros e gente monstruosa. O filme é bobo, ralo, sem nada, o clima é bom e há horror autêntico. Twohy tem talento, mas desperdiça sua carreira. 2.
   A ESPIÃ QUE VEIO DO CÉU de Leslie H. Martinson com Raquel Welch e Tony Franciosa
Um daqueles super bobinhos filmes dos anos 60 que passavam direto na velha TV Record. Raquel, uma gata, é mostrada de bikini ( wow ) a toda hora. A trama, incompreensível e sem sentido, tenta ser esperta, moderninha, groovy. O filme nos distrai...do próprio filme. Nota 2.
   CERIMONIA SECRETA de Joseph Losey com Elizabeth Taylor, Mia Farrow e Robert Mitchum
Losey foi um graaaande diretor! O cara fez O Mensageiro! E excelentes filmes pequenos na Inglaterra de 58/64. Mas por volta de 67/69 ele fez 3 filmes metidos a arte que são lindos de ver mas que nada dizem. Mia Farrow é uma doida que usa Taylor como mãe de faz de conta. O filme nos leva a mente de uma psico e a coisa é barroca, exagerada. Taylor só posa, não tem nada aqui a sua altura. Farrow dá medo! Eu tenho muito medo de Mia Farrow. Nota 3.
   O GRANDE MESTRE de Wong Kar Wai com Tony Leung e Ziyi Zhang
Os closes de Wong se justificam, são lindos. Ninguém filma casais apaixonados como ele no cinema de agora. Este filme abusa da beleza, depois de hora e meia estamos exaustos. Mas é hipnótico. Sou fã dos filmes de Kung Fu e Wai sabe filmar golpes e movimentos, e ainda injetar lirismo amoroso na ação. É um épico histórico discreto em nota pianíssimo. Mas é longo, muito longo...Nota 7.
   A ÚLTIMA VIAGEM A VEGAS de Jon TTurteltaub com Michael Douglas, Kevin Kline, Morgan Freeman, Robert de Niro e Mary Steenburgen
Amigos velhos se reencontram em Vegas para a despedida de solteiro de Douglas ( que pra variar é um playboy ). O roteiro é preguiçoso, nada acontece de inesperado. É um filme gracinha para uma geração amarga. Não combina. Há uma certa moda de filmes para gente madura. A princípio essa é uma ótima nova, mas não se eles tiverem de fazer filmes teen em que a única diferença são as rugas. Porque não colocaram Morgan no papel de Douglas? De qualquer modo o filme é digno e tem um ótimo De Niro e um simpático Kline ( que não é da geração deles!!! ) Algumas boas piadas. Nota 5.
   A ETERNIDADE E UM DIA de Theo Angelopoulos com Bruno Ganz
Não dá, Theo é o diretor mais lento que há.
   THANKS FOR SHARING ( UMA BOA DOSE DE SEXO ) de Stuart Blumberg com Mark Ruffallo, Tim Robbins, Gwyneth Paltrow.
Como alguém consegue fazer um filme tão babaca? Um bando de caras que foram viciados em sexo. E sua vidinha cinzinha e tristinha. Argh!! Se voce quiser saber o que considero o pior cinema existente veja isso. É pretensioso, infantil, auto-referente, masturbatório e muito óbvio. ZERO
   AZUL É A COR MAIS QUENTE de Mechiche
Quer ver duas teens na cama? Quer se sentir parte do hype GLS ? Este filme óbvio ( que vá lá, daria um bom curta ) mostra a falência da crítica atual. Ele é ruim? Claro que não! Mas todo esse bla bla bla? É um filme banal. Nota 3.
  

LANTERNA MAGICA- AUTOBIOGRAFIA DE INGMAR BERGMAN, NO FIO DA NAVALHA

   Bergman mal fala de cinema. E nunca se coloca como algo acima do competente. Então o que ele fala? Que odiava o pai por seu rigor, que odiava a mãe por sua frieza, ele conta que tentou matar o irmão quando era criança, depois quase assassinou a irmã e esbofeteou o pai antes de sair de casa.  Tudo descrito com detalhes. Não é uma leitura agradável e Bergman nada tem de simpático. Mulherengo, abandona suas esposas e mal percebia a presença dos filhos. Como todo problemático, Bergman é completamente um umbigo. Ele fala de suas dores, seus erros, suas falhas, seus traumas. E cansa. Cansa sua falta de humor, cansa o modo como ele ignora tudo aquilo que desejamos saber. Ele fala muito de sua carreira no teatro. Que não é exatamente aquilo que aqui no Brasil mais sabemos sobre Bergman.
   Claro, Bergman escreve bem, e algumas descrições são soberbas. Assim como o modo, pena que breve, em que ele descreve o cinema de Tarkovski, Kurosawa, Bunuel e Fellini ( diretores que filmam como em sonho ). Mas o livro frustra quem como eu tem amor por seu cinema. Ele se mostra um homem frio, rigido, como ele mesmo diz: um sueco.
   O que salta das folhas escritas em ritmo de montagem: a enorme influencia que seu modo radical de ver a vida teve sobre diretores, de Woody Allen, que escreve um belo texto introdutor, a Von Trier. Mas Ingmar foi o criador. Seu cinema dura para sempre. Mas lendo este livro sinto o quanto deve ter sido duro viver a vida de Bergman, e sorrio sentindo saudades dos livros de Huston ou de Wilder, autores que conseguem sair de seu casulo e se anular em favor de uma historia. 
  Estranho, amo muito os filmes de Bergman, mas nunca o ser Bergman.

O QUE AMA O AMOR

   Ela salvou minha vida. Foi em 1988. Naquele primeiro momento em que a vi aconteceu aquilo que hoje, machucado, não mais sei o que seja, paixão a primeira vista. Olhei os cabelos ruivos e o rosto claro, o nariz espanhol, empinado, e o jeito de quem não sabe para onde está indo, e imediatamente comecei a sonhar. 
 Eu vinha de um tempo duro, onde cada dia era uma decisão, medo presente em toda noite, e ao sentir por ela o que eu sentia, a vida se transformou. Havia um motivo na dor, conhecê-la e salvá-la. 
 A aproximação foi lenta, foi um longo inverno de blusas brancas e de corredores gelados, até que na primavera nos tornamos amigos. Ela tinha um compromisso e para ela todo o compromisso era sério. Mas alguma coisa se abria e nós ficávamos horas falando. Eu queria a proteger porque assim, eu sempre soube, eu me salvaria. E ela aceitava tímida, e tudo em nós era tateante, delicado, quase ao ponto de se partir. Criávamos um irrealidade que nos absolvia.
 Mas eu me cansei e ela percebeu e sentiu. Saí do sonho e comecei a ficar mais sólido, estúpido até. Magoada, ela foi. Eu a ignorava.
 Ontem eu a revi. Após décadas lá estava ela, e a primeira coisa que eu vi foi seu cabelo, de novo. Magra, menos frágil, após anos vivendo em Barcelona, ela visita o país e continua não gostando do que vê.
 Alívio. Vê-la é um alivio e conversamos horas, como se as últimas décadas tivessem sido outra vida e esta vida, dela, fosse contínua e sem tempo. Estar com ela é certo. É bom. Falamos de tudo, falamos do mundo, de bichos, de língua, de sempre. Casada a 20 anos, ela continua séria, correta e com alguma coisa que tateia. Eu ainda quero a proteger.
 Dói se separar. A dor que acontecia todo dia ainda está viva hoje, quem diria, em 2014. Melhor se virar logo e andar...Mas me preocupo, ela estará bem?
 É um tipo de amor. Ou melhor, é amor.
 1988 foi importante pra mim. Foi quando descobri Yeats e a coisa celta, Chet Baker, Espanha e Chagall. Brideshead. Muito interiorizado, foi dos anos mais solitários e dos que mais escrevi. E foi o ano dessa menina, agora mulher, que vejo diante de mim. A vida que ela planejou ela viveu. Mora onde quis, trabalha com o que desejou e não foi mãe, algo que ela também pedia a vida. Eu tive o que pude.
 A voz dela se altera na hora de partir. E vejo, mais uma vez, o quanto o amor ama a dificuldade, o quanto ele pede por obstáculos possíveis, mas sempre obstáculos, o quanto ele ama adiamentos, mal entendidos, espinhos, lutas, e reencontros. O amor ama o que pode ser, talvez seja, foi...O amor se enfada com o certo, correto e conforme.
 Ela se volta e a voz fica diferente...E eu me afasto com a mesma dor de 1988.

SEXO NO CINEMA

Pior que qualquer inquisição, pior que o pior dos Papas, são esses filmes repressores, cortadores de tesão, que mostram o sexo como uma coisa sempre triste, dolorida, cinza, sem festa ou poder de vida.
Malditas cenas que são sempre assim: uma menina infeliz, ou pior, doente, um cara tristinho, ou pior, junk, e as massacrantes cenas de sexo em que os dois padecem de tédio, de dor e de falta de sentido. Será que só eu noto isso? Que esses quartos cinzentos, esses atores sofridos, essas falas mortas, ensinam de forma virulenta que o sexo NÃO é uma alegria, uma celebração uma doce sacanagem?
Chega de sexo filosófico, velho, velhaco, chato, sem tesão!
Quando um filme mostra o sexo como coisa divertida, ele faz do ato comédia e mostra o ridiculo de sermos bichos que transam. Chega!!
E Quando um filme mostra o sexo como coisa "humana", ele mostra o ato como beco sem saída, dor sem motivo, ato de violência.
Chega! Basta! Quero sexo como alegria!
Já!

Trailer do filme "Oh! Rebuceteio"



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SOBRE A PORNOGRAFIA

   O canal Brasil tem passado a meia-noite de quinta-feira uma série de filmes ( pornô? eróticos? ) feitos entre 1979/ 1983. Na época eu era menor de idade e nunca havia visto a produção de Claudio Cunha e de Ody Fraga. Lembro que eles eram exibidos nas salas do centro, avenida Ipiranga, São João, e raramente algum chegava a Pinheiros. A questão é: eles são pornográficos?
  Ontem assisti "'Oh! Rebuceteio!" de Claudio Cunha. Primeira surpresa, a imagem. O filme é bem iluminado e a fotografia em película dá ares de "filme de verdade" a coisa toda. Bem, ele é um filme de verdade! Segunda surpresa: O roteiro tem alguma pretensão a arte subversiva. Conta a história de uma atriz, muito jovem, de teatro, que entra em grupo e começa a trabalhar com diretor doidão. A mãe da jovem atriz sonha em vê-la na Globo, mas a peça em que ela ensaia é uma orgia de cenas de sexo explícito. 
  Outra surpresa, as cenas são de sexo "de verdade". A penetração é mostrada em detalhes e vemos ejaculações, sexo oral, closes dos orgãos sexuais masculinos e femininos. Mas a impressão causada é muito estranha! Após anos de sexo via internet ou via dvds, o filme exibido na TV parece erótico, explicito, porém erótico, nunca pornográfico.
  Porque? Talvez porque haja uma história? A fotografia, bem mais cuidada? Ou serão os atores, que além de tentar interpretar, surpreendentemente não possuem a cara e o corpo dos atores pornôs? Parecem gente de verdade, os rostos são de colegas do trabalho, e são saudáveis, bonitos. As meninas jamais parecem devoradoras, taradas ou artificiais. Os garotos são bonitos, parecem inocentes. Vemos então paus que gozam, pernas abertas, mas não vemos sujeira. As cenas parecem naturais. Isso chega a ser chocante. Se analisarmos o sexo por aquilo que é produzido para consumo de jovens masturbadores, a coisa está bem pior do que a gente pensa. Sexo explícito feito com alguma inocência e com desejos de se fazer cinema. Atores com cara de alunos de cursinho. Se alguém quiser saber de onde veio a inspiração para Boogie Nights, eis sua chance.
 

A SIBILA- AGUSTINA BESSA-LUIS

   Agustina, uma das mais destacadas vozes portuguesas do século XX, desenvolve aqui a história de uma familia do campo, avôs, pais, primos. Familia que aparece cheia de posses, mas que vai sendo dilapidada por homens gastadores, galanteadores, infantis. Há uma frase, maravilhosa de Agustina que faz brilhar a narrativa: "Os homens vivem o tempo e o espaço, e assim perdem a vida. As mulheres não se colocam tão confortáveis no modernismo, elas perdem o tempo, ignoram o espaço e assim conhecem a vida".
   Duas irmãs são centro do livro. Quina, uma delas, desenvolve aquilo que perdemos no tempo, ela lê sinais no clima, percebe como são as pessoas, sente coisas que todos um dia sentiam mas que não conseguimos sentir mais. Em meio a saga, em meio as idas e vindas da vida, Agustina consegue dar toques misticos, sem nada de forçado, e demonstrar duplos sentidos, sem jamais interromper a história.
   É um livro dificil de ler. A autora escreve de modo farto, rico, um tipo de ourivesaria verbal, um banquete léxico, português do norte, cheio de expressões que nos são estranhos. Mas vale a pena, ela cria um mundo, cria um ritmo. A Sibila não se esgota nunca.

When Playboys Ruled the World Barry Sheene and James Hunt



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RUSH, JAMES HUNT X NIKI LAUDA, O FIM DO ROMANCE

   Porque os anos 70 exercem tanto fascínio sobre tanta gente? RUSH, este bom filme de Ron Howard talvez deixe clara essa questão.
 Temos aqui um cara cool. James Hunt poderia ser aquilo que quisesse. Milionário, bonitão, bem humorado, ele anda cercado por mulheres, bebe muito, se diverte todo o tempo e é piloto porque, como ele próprio diz, é a única coisa que ele faz bem. Hedonista, mas no belíssimo final deste filme, vemos que não é só isso. 
 Niki Lauda também tem origens abastadas, mas ele é de outro mundo. Ele é prático, frio, antipático e na verdade é muito melhor piloto que Hunt. Lauda não corre por prazer, corre para vencer, sempre e sempre. 
 Os dois entram em choque e a grande falha do filme, que nunca poderia ser evitada sem que se ferisse a verdade, é que nunca conseguimos torcer por Niki Lauda. Ele é tão obcecado e tão eficiente que nada nos faz simpatizar por ele. Seu acidente não nos emociona. James Hunt é o verdadeiro herói, um tipo de criança grande, ingênuo, raivoso e que dá respostas maravilhosas aos jornalistas ( hoje ele não duraria um mês no negócio se falasse metade do que ele falava em 1976 ). E eis então que se revela o segredo da década, os anos 70 foram o último suspiro de um certo amadorismo, de uma certa liberdade que foi morta nos anos 80. De ALMOST FAMOUS a BOOGIE NIGHTS, todos mostram isso, a ingenuidade e o hedonismo sendo corrompidos pela fria eficiência. A fórmula Um teve em James Hunt seu último romântico, e em Niki Lauda o primeiro piloto do total profissionalismo. Vem daí a emoção da cena final, cena onde Hunt diz que eles são como "cavaleiros templários, lutando pela honra e contra a morte", e Niki responde dizendo que isso é "típica bobagem inglesa." Mas eles reconhecem a necessidade de se ter um rival. E surgem as emocionantes cenas com o Lauda real e o Hunt de verdade...Para quem como eu acompanhou a história na época, recordo ainda hoje o momento em que o carro pegou fogo, é de fazer chorar.
  James Hunt largou a F1 e continuou a viver. Lauda foi tri-campeão...Hunt morreria aos 45, do coração. Lauda vive.
  Muita gente falou: Porque não fizeram sobre Prost versus Senna? Fácil responder, porque seria uma história de dois Niki Laudas, não haveria contraste. Para nós, brazucas, que vemos Senna como um tipo de mártir-perfeito das pistas isso não procede, mas tanto Senna como Prost ou Schummi ou Alonso têm essa unilateralidade, essa super-eficiência, essa coisa de vida vivida só nas pistas e mais nada. Lauda criou esse estilo. Em 1975 ele era uma anomalia, hoje é o molde da linha de montagem.
 PS: Piquet tentou ser o último dos James Hunts. Faltou finesse. 
 PS2: O filme é ótimo.

Primal Scream - Loaded (Original Video)



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My Bloody Valentine - Soon



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FESTAS, DROGAS E ROCK`N`ROLL, A SAGA DA CREATION E O FIM DO ROCK INDIE

   No começo dos anos 80 o mundo pedia por gravadoras indies. As grandes ( Sony, RCA, Polygram, EMI ) estavam fazendo a festa com MJ, Queen, Bowie, Police, Dire Straits e Bruce, dentre dezenas de outros. E o povo antenado consumia euforicamente os selos indies. Lembro que eu adorava o catálogo da Sire, mas havia a IRS, a Virgin, a Rough Trade, a Factory...e na Escócia um doido ruivo chamado Alan McGhee fundou uma das menores, a Creation.  Logo em seu segundo ano eles chamaram a atenção, Jesus and Mary Chain eram a ressurreição do Velvet Underground ( mais uma ), microfonia e doçura. Paralelamente veio o Primal Scream, que ainda não era o PS que voces conhecem.  O grupo de Bobby Gillespie era bem mais melódico.
  Conforme o fim da década foi chegando mais as indies se afirmavam. A Creation tinha meia dúzia de funcionários e todos eram completamente loucos. Sempre no vermelho, gastavam por conta dos lançamentos futuros. My Bloody Valentine era a bola da vez e Kevin Shields se tornou um ídolo na Inglaterra. Lembro que aqui no BR a revista BIZZ tinha um fanatismo pela Creation que me irritava. Na época eu adorava os californianos tipo Jane`s Addiction e Red Hot Chili Peppers, e nada menos "sol, esporte e go for it"que as melancólicas bandas de Glasgow. House of Love foi a primeira banda deles a chegar ao number one das ilhas...e então tudo mudou, para a Creation, para a GB e para mim.
  Se pensarmos friamente todo movimento dentro do rock se originou da droga da hora. Os Beatles se soltaram ao conhecer a maconha e o rock ficou viajandão com o LSD. A heroína deu o gas e o tema para Lou Reed e todos os que daí vieram. Álcool e anfetaminas criaram o rock de garagem e a cocaína deu aos anos 70 seu aspecto de ego inflado e "tudo é lindo".  Well...por volta de 1988 começou a cultura do ecstasy e a Creation é apresentada a nova droga em 89.  Alan McGhee mergulha fundo e leva as bandas do selo com ele. O estúdio, que sempre fora zona livre para gente junk, se transforma numa rave que nunca termina. Um disco muda tudo e para os ingleses se torna a coisa mais influente da época: Screamadelica do Primal Scream. Gillespie leva meses para terminar o disco, ele é todo gravado sob efeito de ecstasy. A mistura se faz: Creation plus dance= anos 90. Primal Scream é a primeira banda do selo a ir ao Top Of The Pops. Chapados. 
  Foi um dos melhores momentos da história do Pop inglês. Stone Roses, Happy Mondays, Blur, Charlatans. Nenhum deles era da Creation. Alan tinha o Super Furry Animals e lançaria em 94 o Oasis, a banda que segundo Alan, mataria o rock indie.
  Primeiro um adendo que muita gente aqui no BR ignora ( colonizado que somos por criticos pró-ingleses ), é muito, muito dificil um inglês fazer sucesso nos EUA. Todas essas bandas inglesas que citei aqui NUNCA estouraram nos EUA. O Oasis será a única. A coisa lá é muito dura. Quando em 64 os Beatles pegaram os EUA trouxeram com eles o Dave Clark Five, o Animals e os Hermann Hermits. Os Stones só estourariam em 65, os Kinks, que venderiam pacas na GB por toda a vida, só tiveram de hits nos EUA, You Really Got Me e Lola bem mais tarde. Yardbirds, Spencer Davies ou Hollies, necas. Em 68, com a segunda invasão britânica, Bee Gees e Cream seriam os únicos. Bandas que causavam histeria nas ilhas, como Small Faces ou Traffic, nada conseguiam nos EUA. Lendo a parada de 72 da Inglaterra vejo os nomes de T.Rex, Roxy Music, Slade, Sweet, Gary Glitter e Status Quo nos 6 primeiros lugares, uma parada maravilhosa, mas TODOS jamais fizeram sucesso nos EUA. O rock inglês dos anos 70 que era hit na América se resume a Elton John, Rod Stewart e Led Zeppelin. Bandas como Smiths, Jam, Ultravox, passaram em branco e mesmo David Bowie só estourou muito depois de Ziggy Stardust, em 75 com Fame.  O Queen fez sucesso nos EUA, assim como o Police, mas muuuuuito menos que na Inglaterra ( e que aqui, onde até o Clash sempre foi muito mais popular que nos EUA ). 
   Em 83 houve uma terceira invasão: Culture Club, Duran Duran, Human League pegaram os primeiros lugares... até surgir Prince e Madonna e levarem tudo de roldão. O U2 reinaria sózinho, única banda britânica a estourar na América pelos anos 80 inteiros. Até o Oasis. Alan McGhee foi ver os caras num bar e assinou na hora ( ele fala hoje que se soubesse que Noel era fã do U2 jamais teria aceitado ). O resto todo mundo recorda. Mas porque eles fizeram tão mal as indies? Por 3 motivos: Primeiro a Sony comprou a Creation, deixando Alan como mera peça de decoração, Segundo, todas as indies passaram a sofrer assédio das grandes gravadoras, e todas foram obrigadas a procurar e trabalhar "novos Oasis", Terceiro, o espaço para bandas como Primal Scream acabou. Seus discos começaram a ser muito mal trabalhados, e o Jesus and Mary Chain chegou a ser demitido. E chegamos então a situação de hoje, a pulverização da cena e a transformação do público em nichos que mal se tocam. 
   É um final melancólico e desde o Oasis ( que não tem culpa e sofreu com o processo ), apenas o Coldplay conseguiu entrar no mercado da América. A Inglaterra jogou fora N bandas que poderiam ter tido uma longa carreira e em troca ganhou o Coldplay.
   Chato né?

 

MATISSE, UMA VIDA- HILARY SPURLING

   A vida de Henri Matisse foi uma luta sem trégua entre aquilo que ele era e aquilo que ele fora educado a ser. Mas não só isso. Há um mistério em sua tenacidade, em sua força e nesse sentimento de missão que o guiou. Missão longe de qualquer sentido mistico, Matisse é o mais materialista dos pintores, mas missão em relação a cor, a linha.
   Nascido no norte francês, familia de trabalhadores bem situados, o jovem Matisse recebeu do pai o sentimento de que na vida tudo se ganha no rigor do trabalho duro. Apesar de romper com o pai, Matisse ficará sempre em cima do muro. Ele será pintor, algo que o pai não quer, mas jamais deixará de ser um trabalhador aplicado, a pintura lhe dará dor, exigirá esforço, luta. Em sua cidade ele será motivo de vergonha. O povo do lugar o irá ver como um idiota, um fracassado. Vai para Paris, estuda pintura e só consegue se encontrar após os 30 anos. O sucesso, depois dos 35.
   Eu ainda sou da geração que cresceu considerando Matisse o pintor da burguesia e Picasso o gênio radical. Os dois sempre foram rivais e colegas que se respeitavam. Foram os seguidores de Picasso que pregaram no francês o rótulo de conservador. Hoje não se pensa mais assim e esta biografia mostra porque. O fato é que Matisse foi sempre tão ansioso e individualista como o espanhol, a diferença é que Henri Matisse sempre foi um grande colorista, talvez o maior da história, e isso fazia com que sua pintura pudesse ser aceita mesmo por aqueles que não suportavam a pintura moderna. Eles nada entendiam de Matisse, mas gostavam daquele azul ou daquele rosa. O que os seguidores de Picasso não sabiam, ou não queriam saber, é que Matisse passava fome para não ter de ceder, jamais pintou algo que não brotasse de seu sentimento e entre 1910/1920, foi o mais odiado dos modernistas.
   Pessoa estranha era Henri. Desde sempre dado a dores psicossomáticas, a terríveis crises de ansiedade, insônia e depressão, hoje ele seria medicado com facilidade e talvez sua arte se fizesse menos sensacional e mais bem dirigida. O que seria uma pena. Ele pintava para aliviar seus nervos, cada obra era um parto. O prazer passava longe de sua atividade. 
   O que o marcou foi ter dito que desejava que seus quadros fossem como poltronas confortáveis para o homem cansado. Essa frase causou a ira dos modernos que queriam que quadros fosse desafios e bombas destruidoras. O que Matisse queria dizer é que PARA ELE os quadros eram confortos nascidos depois de luta e dor atroz.
   Ele se casou com uma filha de familia admirável. Talvez a melhor história do livro, a familia da esposa era muito ligada a uma familia riquissima da França. Essa familia entrou num longo processo em que pedia a justiça o ganho num caso contra familia americana que reinvidicava a herança de um milionário de lá que deixara tudo para os franceses. Após anos de disputa, o tal cofre do milionário, depositado em banco de Lyon, é aberto, e nele há um charuto e um lenço. Apenas isso. Se descobre que nunca havia existido o tal americano rico, nem um rival disputando o cofre. O pseudo rival era filho da familia francesa. Tudo fora um golpe. Com a publicidade da disputa a matriarca conseguira emprestimos gigantescos e fugira para a Espanha! Matisse, casado com a melhor amiga da pilantra, precisou botar panos quentes em tudo...
   Felizes no casamento, com filhos, Margueritte, a filha mais velha, vai ser uma figura heroica. Doente por toda a vida, conseguira' ser feliz, conhecida, e vai lutar na resistencia contra Hitler, sendo inclusive torturada pela Gestapo. E resistindo.
   Matisse era duro. Sua vida era a pintura. E sua familia vivia ao redor disso. Viajou pela Espanha, Argelia, EUA, Tahiti. Morou em Nice. E aos 70 anos renasceu. Os ultimos oito anos de Matisse correm em facilidade. Ele consegue pintar sem luta, consegue relaxar, enfim.
   O livro, detalhado, imenso, nos faz viver ao lado desse homem que passou por 3 guerras contra a Alemanha. E sobreviveu a todas. Foi abandonado pela esposa aos 65 anos. E continuou. Pintou belas modelos nuas. E nunca as tocava. Nunca bebeu. Se parecia com um banqueiro. 
   E pintou algumas das mais radicais imagens do seu tempo.
   Depois de 600 paginas a pergunta continua: Quem foi Henri Matisse?

BLUE JASMINE/ WOLVERINE/ UM DIA EM NY/ CANTANDO NA CHUVA/ JOSH

   BLUE JASMINE de Woody Allen com Cate Blanchett, Sally Hawkins, Alec Baldwin
Dizer que todo o elenco está ótimo é chover no molhado, todo filme de Woody tem grandes atuações. Cate Blanchett chega ao milagroso, sua Jasmine tem uma tensão bergmaniana. Penso ser o melhor desempenho feminino desde Helen Mirren fazendo a rainha Elizabeth. A história é uma adaptação de Um Bonde Chamado Desejo para os dias de hoje, ou seja, Blanche seria mais consumista e Stanley menos viril. ( Aliás o filme me deu uma vontade doida de rever o filme de Kazan com Brando e Vivien Leigh fazendo misérias ). Para quem não viu e não aguenta mais as repetições de Woody um toque: o filme nada se parece com um tipico Woody Allen. É drama duro, forte, trágico, Allen não tem pena da pobre Jasmine. Esqueça o humor, esqueça a doce vida dos ricos neuróticos, é um drama pungente. Pobre Jasmine!!! Não há lugar para ela num mundo que ela sempre ignorou. Nota 7.
   LIGADOS PELO AMOR de Josh Boone com Greg Kinnear, Jennifer Connely, Lily Collins
Como um dia foi Jack ou Ted, Josh é hoje o nome da moda nos EUA. Cool... Então o diretor, Josh, ganha o troféu de Josh de uma ano cheio de Joshs. O filme, uma bobeirinha delicada sobre uma aluninho de escola cool tãaaaaao sensível e apaixonado!, é de uma imbecilidade joshiana. Nota ZERO.
   UM DIA EM NOVA YORK de Stanley Donen e Gene Kelly com Gene Kelly, Frank Sinatra e Ann Miller
Exuberante! A primeira direção da dupla é baseada num show histórico de Leonard Bernstein e Jerome Robbins. Filmado nas ruas de NY, com uma energia viril contagiante, mostra 24 horas na vida de 3 marujos em licença. Uma obra-prima. Nota DEZ!
  CANTANDO NA CHUVA de Stanley Donen e Gene Kelly com Gene Kelly, Debbie Reynolds, Donald O`Connor, Jean Hagen
Dizer o que? Tem alguns dos melhores e mais famosos momentos de toda a história do cinema. Impressionante ele não ter ganho o Oscar de melhor tudo. NOTA MIL !!!!!!!
   SR E SRA SMITH de Alfred Hitchcock com Robert Montgomery e Carole Lombard
Hitch estava na companhia de Selznick e resolveu fazer um filme com sua amiga, a grande Carole Lombard. Um veículo para essa brilahnte comediante ( que morreria em desastre de avião na sequencia ), é o menos tipico dos filmes americanos de Hitch. Marido e esposa descobrem que na verdade seu casamento foi ilegal, estão solteiros de novo...Nada de especial. Alguns movimentos de câmera são puro Hitch. Nota 5.
   WOLVERINE IMORTAL de James Mangold com Hugh Jackman
Mangold é o bom diretor de N filmes dos mais variados estilos. Ou seja, é um profissional a moda antiga, se exercitando em tudo quanto é gênero. Fez um bom western, uma ótima bio, bons policiais...e esta filme cartoon. Sério, sério até demais. É um bom filme, mas falta um bocado de ação. Nota 6.

HONRA A HISTÓRIA ( HISTORY CHANNEL )

   Se Atenas e Esparta não houvessem se unido, e vencido os persas que tinham 4 vezes mais homens, eu não estaria aqui. Porque então não teria havido Roma e nem latim e nem Portugal, ou este Brasil. A ideia de democracia, o teatro, e o cristianismo. Eu não seria eu porque os valores deste mundo seriam orientais, zoroatristas, animicos e alquimicos. Tudo seria outra coisa. 
 Se a história da cristandade não tivesse sobrevivido, se Paulo não sobrevivesse para carregar os textos, eu não estaria aqui. Pois não teria acontecido o milagre de um exército tomar o poder sem uma arma. Uma filosofia ter se afirmado entre analfabetos e miseráveis. Ainda teríamos a coragem e a bravura como bens maiores. E mal saberíamos o que é amor, perdão e caridade. Sacrificaríamos inimigos, não teríamos a dualidade entre alma e corpo, e nosso pensamento seria bem mais simples. E eu não seria eu, porque mesmo tendo crescido ateu meus valores eram E SÃO cristãos sem que eu o soubesse.
 E se em Veneza não tivesse sido criado o capitalismo eu também não seria eu. Pela primeira vez se criou uma casta de banqueiros e especuladores. Gente que era rica por ter capital e não pelas armas ou o trabalho. E esse ócio cheio de ouro financiou a arte, a ciência, e principalmente as navegações e os livros. A América seria um dia descoberta, mas não explorada. E os livros continuaram presos aos padres e aos eruditos. Eu não seria eu.
 Essa série do History Channel, Humanidade, a história de todos nós, ela dá muito o que pensar.
 E eu não estaria aqui, se a maldita peste negra tivesse durado só mais dois meses. Dois meses e o mundo ficaria restrito a América e a Oceania. E eu, com certeza, não estaria aqui.
 Por isso presto homenagem aos gregos democratas, que votando resolveram não se render, e lutar. E vencer.
 Homenageio os venezianos que usaram seu dinheiro em arte e conhecimento e não em mais guerra.
 E procuro ser digno daqueles cristãos que morriam sorrindo, espalhavam uma nova fé e trouxeram a ideia de uma vida justa onde todos são filhos do mesmo pai.
 E presto graças a sorte, que deixou a história prosseguir e não fez com que fôssemos vencidos por uma bactéria, uma pulga e um rato.

ROD STEWART / RONNIE WOOD - EVERY PICTURE TELLS A STORY - LIVE



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EVERY PICTURE TELLS A "CAXINGUI"STORY ( DARLING )

   Uma prima me conta que tem em casa 4 fotos minhas. De quando eu tinha 3 e 4 anos de idade. O mais importante, essas fotos são as únicas existentes onde estou no meio da "minha paisagem", meu bairro, o Caxingui mitológico e idílico de mais de quarenta anos atrás. Surpresa! Pego as fotos e tenho um tipo de pancada-trans-abismal na cabeça: Deus! Era tudo verdade!
   Lá está o imenso campo sem fim, sem uma árvore, um campo plano, verde e alto, um tipo de platô de onde se podia ver a avenida Paulista lá longe e a névoa vinha envolver tudo em cores esmaecidas. A foto mostra a linha da Paulista ao longe e uma paisagem sem fim. Então é verdade, esse é o ambiente que me formou. Espaço, espaço sem fim. Solto, livre, um céu que nunca acaba, nuvens, aviões que parecem passar tão baixo, mato, cobras, vento. E na foto, pequeno eu ( sim, este é um texto masturbatório ), uso, aos 3 anos, uma maravilhosa camiseta de listras horizontais!!!!
  A gente é isso.

UMA VIDA QUE NÃO PODE MAIS SER VIVIDA...

    Tenho um amigo, não, não é Fernando Tucori, que me escreve dizendo que a vida que foi vivida por Iggy Pop ( ele me diz que queria renascer como Iggy, e eu lhe digo que então ele é um cara de coragem ), é uma vida hoje impossível. Não há a minima possibilidade de se ter uma vida como a dele e como a de toda a fauna a seu redor.
   Penso, temo que, ele esteja pensando o óbvio, a AIDS. Mas não. O que acontece é que perdemos o direito de sermos ofensivos. A ofensa se tornou uma coisa inofensiva ou burra. ( E me desculpe o inofensivo com ofensivo ).
   A turma de Andy Warhol viveu em absoluta liberdade e escândalo num tempo em que nobody vivia assim. Eles rearrumaram aquela coisa anos 20 para os anos 60 ( e os anos 60/70 são uma reedição dos anos 20 em chave POP, ou voce nunca notou que Cocteau, Picasso e Joyce vivem nas aventuras de Andy, Lou e David? ). Mas a turma de Andy foi a primeira a reviver os anos 20 em chave POP, usando video, TV, rock e moda. Como refazer isso hoje?
   Bowie foi o primeiro cara a nada ter a ver com o estereótipo do rock a conseguir ser um rock star. Ele não rezava a cartilha que segue os passos do rebelde da estrada, do caipira country, do blues, dos ingleses sonhando com Elvis. Ele é um ator que interpreta um rock star. Como repetir isso se hoje mesmo sem saber TODOS são atores, bons ou canastrões, brincando de ser Bowie, Dylan, Iggy ou Bolan. E como chocar alguém com androginia, drogas ou frases libertárias se nada mais há para se derrubar? A não ser que voce seja um idiota e choque pela via da ignorância, tipo falar bem de Hitler ou ser a favor de Bin Laden. Mas aí não é arte, é propaganda apelativa ou um caso psiquiátrico.
   Entre 60 e 80 o mundo viveu 20 anos de sexo sem medo. A sifilis se tornou curável, a gravidez podia ser evitada e a AIDS não existia. Pela primeira vez o sexo não se parecia com risco ou com causa de morte. Não mais baby. A doença mudou tudo e não a toa os bobinhos assexuados do rock higiênico surgem nesta época de covardia. Um Iggy pra valer, agora, seria falso. Tudo o que ele fizesse seria sombra de um saudosismo oco. Iggy apanhando no Texas de um bando de caipiras ( isso aconteceu em 76 ), seria hoje um fato de internet, seria visto por milhões e as vendas iriam disparar. O perigo rimando com lucro não é mais perigo, é Jackass. É um business.
   Candy, Cherry, Joe, Edie, Amanda, Wayne e Jim? Como? Never more...
   Quando voce sai hoje, voce sai para encontrar o perigo que inspira? Ou voce sai só pra detonar? Voce sai para ser livre? Ou só para dar uma trepada?
   Por isso nunca mais meu amigo. Entendo então sua frase. A geração de Andy ainda podia sonhar e com Lou ainda podia ter magnificos pesadelos. Música ainda era uma alucinação ( e eu alucinei muito com Low ). Agora música é apenas música. Boa, ruim, ótima, genial, mas existe apenas em seus 4 minutos de execução. Depois a gente deixa pra lá.
   15 minutos de fama para todos. Andy, voce foi genial ao intuir isso!
   Iggy existirá por 15 séculos.
   Ou mais.
     Ch ch ch ch Changes!
MÚSICA, VOCE SABE, NÃO É APENAS UM SOM, É ALGO COMO UM TIPO DE ALUCINAÇÃO.....

iggy pop, 1977.

IGGY POP - LUST FOR LIFE - LIVE 1977 (Manchester)



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fun time, iggy pop & david bowie



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OH YOU PRETTY THINGS...

   Magistral, maravilhosamente bem escrito, viciante, obrigatório para todos que gostam de rock, e muito, muito melancólico... 
  Falo mais do livro abaixo, mas agora ( acabo de terminar sua leitura ), fica um gosto azedo na boca. Porque o livro é um belo romance acima de tudo, uma história real e romantica, uma história que traz a nossa cabeça, a nós romanticos-roxy-incuráveis, uma sensação de que Bowie, Lou, Iggy, Cale, Patti Smith, Marc Bolan, Nico, não realizaram nem metade daquilo que podiam ter feito. E não porque eles se drogaram demais. O livro deixa claro que se Lou não tivesse caído de boca na vida sua arte seria outra. Idem para Iggy. O excesso e a droga era parte de seu ser. Não é isso. O amargo vem da certeza que o livro passa de que a vida é limitada, de que não se pode, ninguém, realizar todo seu potencial. E lemos então o monte de planos que Bowie não conseguiu realizar. Seus fracassos gigantescos, sua falência financeira ( tudo em 1974 ), a colaboração com Marc Bolan que nunca rolou, a briga terrível com Lou Reed, a partida de Mick Ronson...
   Mas também existem os sucessos. A mágica ida a Berlim, Iggy, David e Eno descobrindo a cidade, o submundo, as boates de dragqueens, o clima do filme Cabaret. O disco com o Kraftwerk que quase rolou, as gravações de Idiot e de Low, os discos que mudaram o mundo da música para sempre. Ambos gravados por Iggy e David juntos.
   Os excessos de Iggy. Os Stooges prontos para estourar e Iggy destruindo tudo com cenas de sangue, mutilação, ofensas dirigidas a platéia, apanhando do público, se fazendo de a banda mais odiada do mundo. E Bowie o salvando, Iggy que chegou a roubar comida para poder viver ( em 1975... ) As orgias com meninas de 15 anos...
   E Lou...o cara que mostrou ser possível ter uma carreira sendo aquilo que voce é. Mergulhado em perversões, drogas, brigas, falando sempre o que não devia ser dito... e sempre indo em frente...
   O livro acaba em 1980. Que é quando a carreira dos 3 se congela. Lou Reed está por baixo, e Bowie o chama para conversar. Ele quer fazer, mais uma vez, um disco de renascimento, como foi Transformer, para aquele que é afinal seu mentor. Alguns jornalistas vão ao encontro, num restaurante, os dois estavam brigados a anos. Conversam amigavelmente, parece que o disco vai sair...Mas de repente Lou espanca Bowie e grita com ele...E o encontro vira uma briga onde várias pessoas os separam. Porque? Porque Bowie tocou no único assunto que Lou não admitia: pediu para ele parar de detonar antes de começarem as gravações. Lou se foi...Bowie partiu para Lets Dance...
  Dave Thompson escreve então a última frase do livro, e aí vemos como ele escreve bem:
  "David Bowie foi atrás de Lou Reed, e de Iggy também, exatamente porque os dois tinham a ira, a coragem e a audácia que o jovem Bowie tanto admirava. E as drogas faziam parte de todo esse pacote. Pedir para deixar isso de lado era como uma traição aquilo que Lou era. Hipocrisia.
  Voce tem de ler este livro. Ele vai grudar em voce. Apaixonante...

UM RAPAZ TIMIDO QUE PARECIA SER GAY

   Tony deFries era um advogado júnior que resolveu virar empresário de rock. Tomou nas mãos um tal de David Bowie.
   Em Londres foi levado um espetáculo de Andy Warhol. Uma peça com um bando de travestis e algumas mulheres. Tinha sexo real, sujeira, ofensas e frases sem sentido. Todos se falam e ninguém escuta. Num tempo em que ainda se criava polêmica real, as pessoas ainda tinham tabús para serem desafiados, a peça foi atacada por jornais e TV. O público ia em massa. Bowie foi com Tony. A ideia foi pega: levar aquilo para o rock.
   Bowie sempre disse: "Sou uma máquina Xerox! Nada crio, absorvo e misturo aquilo que vejo. Se sou triste é porque o mundo o é. Se sou glamouroso é porque o mundo é. Me amar é amar ao mundo e se voce me detesta é porque o mundo agora é detestável." David Bowie falava coisas como essas nas revistas. Frases assim, perto daquilo que Dylan ou Lennon diziam, são mais que inteligentes, são distanciadas, espertas, terrivelmente espertas.
   E em meio a isso tudo Bowie diz ser bissexual. E para o autor, Dave Thompson, essa foi sua jogada de mestre! Porque Bowie nunca foi gay ou bissexual. Se fosse teríamos montes de relatos de ex-amantes. Mas não. Nada. Bowie tem uma vida sexual fria, timida, distante. Mas ele "parece"gay e sempre fez questão disso. Com essa frase ele pegou a diferença, ele foi o primeiro cara a escancarar a sexualidade reprimida inglesa. Isso não era pouca coisa. Perto dele Jagger e Rod Stewart passaram a parecer conservadores. E Led, Beatles ou Who, terrivelmente machos. Bowie pegou o bando de teens reprimidos e os colocou nas mãos. 
  Tony deFries tem muito a ver com isso. Ele inventou um conceito que seria regra para sempre. Ser uma estrela antes de ser uma estrela. Viver como um superstar mesmo sem nada ter feito. Bowie andava com guarda-costas quando ninguém ainda o conhecia. Bowie andava de limousine ainda sem grana. E guiava a juventude mesmo sendo ignorado pela midia. Tudo isso na verdade coisa de Andy Warhol, mas Tony foi o primeiro a usar isso no rock. E Bowie foi o mais dócil dos artistas.
   E compunha! 3 discos em um ano!!!!
   Fato: Iggy Pop não gostava dos discos de Bowie. Mas Bowie não ligava, Pra ele, Iggy era o melhor cantor do mundo. E ele o tirou do buraco. Levou-o pra Londres. 
   Fato: Bowie ajudava todo mundo. Antes da fama, ele tirou o Mott the Hoople do desemprego. E lhes deu um hit de presente.
   Fato: Lou Reed usou Bowie para ganhar uma grana. E Bowie o tratava como um rei.
   Rapaz timido. Que tremia na frente de Lou, Iggy, e ficava mudo com Andy Warhol.
   PS: Se Bowie reflete o mundo, o que seria seu silêncio?

DANGEROUS GLITTER- DAVE THOMPSON, E O MUNDO NUNCA MAIS FOI COMO ANTES

   Tudo começa com Andy Warhol. Ele queria uma banda "assim tipo essa coisa, hum....rock" e um dos caras da Factory achou a tal banda. Era a banda de um tal de Lewis Reed, um cara que tomara eletrochoques aos 17 anos, por ordem do pai milionário, pra ver se "ele deixa de ser viado".  Reed gostava de Bob Dylan e compunha folks. E o melhor, era vaiado sempre.
   Nico era alemã e foi topar na Factory. Era o molde do que viria a ser uma descolada hoje. Namorada de Bob Dylan, atriz, modelo, cantora, atuara com Fellini. Andy resolveu botar Nico pra cantar as músicas "....uh....do Lou Reed, nada de Lewis..."
   Na Factory morava todo mundo: bichas, travestis, bandidos, cineastas, drogados, poetas, e os bobos também. Um cara de Gales apareceu por lá...John Cale era músico erudito, tão louco quanto Reed, com uma diferença, Cale detestava Bob Dylan. Andy botou ele na banda com sua viola torta e uns teclados ""tipo uh....Cage... John Cage. John e Lou se gostaram. Ambos liam as mesmas coisas.
   O primeiro show foi num congresso de psiquiatras. Foram vaiados. Nico ensinou Reed a ser cínico. a ter raiva, a ser cool. Vestidos de preto, eles queriam matar os hippies. Odiavam a costa oeste.
   Nico passou a namorar Brian Jones. E um dia levou a um show um outro namorado, um cara meio tosco de Detroit, um tal de James Osterberg. Ele tinha uma casa chamada Fun House, no mato, vivia lá com uns amigos. Nico foi pra lá e mudou o cabelo de James, lhe deu uns toques sobre atitude, e foi embora sem olhar pra trás. Foi dormir com Jim Morrison.
   O cara virou Iggy Pop e John Cale produziu seu primeiro disco. Iggy era uma besta. Um idiota. Genial.
   Lou Reed se achava o máximo. E por causa disso John Cale se foi. E com Cale se foi todo o ruído. E depois se foi Andy Warhol, e com ele se foi o fascínio chic. Lou ficou mais Dylan. E então, cansado de ser vaiado, de ser agredido, cansado do fracasso, foi pra casa.
   Na Inglaterra um cara metido a ator não sabia se queria ser Brando ou Elvis. Foi levado a New York para conhecer Andy Warhol. Estava doido para encontrar Lou Reed. Reed não lhe deu bola, foi snob com ele. Voltou pra Londres e continuou sendo um fracasso. Ele compunha canções lindas, mas era um tempo em que todo cara novo tinha de seguir o estilo progressivo ou hard rock. E ele, David Bowie, era apenas pop. Mas um pop esquisito, pop feito por quem tinha pretensão, cultura, gosto. E era poeta. David Bowie tentava fazer sucesso sem fazer concessão. E nada.
   Well....Marc Bolan era amigo de Bowie, e Marc abriu um caminho psicodélico. Violão e voz. Até que Tony Visconti insistiu para que ele usasse uma guitarra elétrica e Marc botou o glam nas paradas. Nascia o auge do rock inglês. A ilha nunca mais seria a mesma.
   Mas nesse momento, 1971, em que T.Rex estoura, Bowie ainda era um nada, Lou voltara a morar com os pais e Iggy estava morto para as gravadoras.
   E  então Bowie encontra Tony Visconti. E conhece o novo Jeff Beck, um tal de Mick Ronson...E então Bowie tem a ideia, fazer uma Factory inglesa!!!!!
   E o resto conto depois....

The Velvet Underground - White Light White Heat - [LIVE 1969]



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Femme Fatale -The Velvet Underground (Edie Sedgwick )



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SONATA KREUTZER- TOLSTOI

   Pessoas viajam num trem. Uma delas começa a perder o controle. Depois que os outros descem, ela conta sua história. É um assassino. Matou sua esposa e foi absolvido. A novela é terrível !
   Terrível porque entramos na cabeça de um sofredor, sofredor nada simpático, uma pessoa que nos repugna. Mas o mais chocante é sua clareza, sua inteligência. Ele conta seu modo de ver a vida, o modo certo. O amor não existe, ele é apenas sexo. As pessoas fingem não perceber, mas todo mundo está o tempo todo flertando. Os homens agem como libertinos e as mulheres como putas. A vida se transformou num bordel, mas é ainda pior. O sexo é sempre ruim, e todos fingem que é o máximo. Sexo se tornou uma obrigação, uma conta a ser paga. Pessoas virgens têm vergonha de serem puras, o que é um absurdo! A pureza é que pode conhecer o amor, a partir do momento em que voce conhece o sexo, o amor se torna impossível.
   E o assassino vai nesse ritmo, coerente apesar de chocante, corajoso. E o leitor quase entra nessa armadilha, quase lhe dá razão. Mas...Segue-se a descrição do crime, o inferno no casamento, o ciúmes que ele sentia, os filhos...E voce percebe então que o que Tolstoi está demonstrando não é o erro do século em matéria de materialismo, não é o tédio e o ódio entre casais, mas sim o modo engenhoso como nossa mente cria toda uma filosofia, todo um emaranhado de sutis razões para justificar um crime. Tudo aquilo que ele expôs, toda aquela maneira de ver as relações, nada mais é que um modo de se justificar perante nós e perante si-mesmo. Percebemos que assim funciona o mundo. O que antes era errado se torna o certo, o mal vira bem, o bem se faz um mal, tudo de acordo com o interesse do momento, e esse interesse é a absolvição de um ato violento, de um crime.
   Desagradável. E soberbo.

OS ÚLTIMOS DIAS- LIEV TOLSTOI

   Transcrevo trechos:
   Uma das principais causas do suicídio do mundo europeu é a falsa doutrina eclesiástica cristã sobre o paraíso e o inferno. Não se acredita nem no paraíso e nem no inferno, e no entanto, a ideia de que a vida deve ser ou o paraíso ou o inferno penetrou de tal forma na cabeça das pessoas que não se admite uma compreensão sensata da vida tal como ela é, a saber, não paraíso e nem inferno, mas uma luta, uma luta incessante, incessante porque a vida está só na luta, mas não a luta darwinista, de seres contra seres, mas na luta das forças espirituais contra seus limites corporais. A vida é a luta da alma contra o corpo.
   ...Mas havia pessoas para as quais a violência era vantajosa, e elas não reconheciam isso, e convenciam, a si próprias e aos outros, de que atacar e matar aos outros nem sempre era ruim, mas que há casos em que a violência é necessária e pode até ser boa. Tanto a violência quanto o assassinato continuaram a acontecer...
   Cristo desmascarou essa falsa justificativa para a violência. Ele mostrou que qualquer violência pode ser justificada, como acontece quando dois inimigos lutam um contra o outro e ambos se justificam. Não devemos crer em nenhuma justificativa para a violência, e nunca se deve usa'-la, sob nenhum pretexto..
   ...podemos fazer tudo para nossa vantagem e nosso prazer, e para isso usar a violência contra as pessoas usando o pretexto de que é para o bem das pessoas.
   Homem estúpido e ignorante, diz o homem de ciência, Você não entende que a ciência está a serviço da ciência, não da utilidade. A ciência estuda o que é possível estudar, não pode escolher. A ciência se abre ao todo, não se ocupa com ninharias.
   E o homem simples quer apenas que o ensinem a viver melhor.
   A ciência contemporânea não só não contraria o gosto e as exigências do setor dominante da sociedade como lhes é completamente servil: satisfaz a curiosidade ociosa, deixa as pessoas admiradas e lhes promete ainda mais deleite. A ciência de nosso tempo, ignorando tudo o que seja silencioso, modesto, simples, não conhece limites para a autobajulação.
   Um dos sintomas de nossa decadência é o fato de um louco clínico como Nietzsche ser levado a sério.
   Em todas as sociedades humanas em determinados períodos de sua existência, houve época em que a religião começa a se afastar de seu sentido original, e depois se afasta mais e mais, perde esse sentido original e, por fim, se petrifica em formas fixas, de modo que sua influência sobre a vida das pessoas vai se tornando cada vez menor. Nesses períodos, a minoria culta, tendo deixado de crer no ensinamento religioso, apenas fingia acreditar nele, por considerá-lo necessário ao controle das massas populares no modo de vida já existente. As massas populares, embora por inércia, mantivessem as formas religiosas pré-estabelecidas, já não conduziam sua vida cotidiana por ensinamentos religiosos, mas apenas por hábitos gerais e leis do governo. Mas nunca houve o que está acontecendo agora. Nunca houve um momento em que a minoria rica e culta se convencesse de que em sua época não há mais necessidade de religião alguma. E passasse a professar não só a inutilidade de toda religião, como a condenasse como símbolo de atraso e prejudicial ao desenvolvimento.
   Bom, essas são algumas frases pegas no livro. Agora é hora de comentar e explicar o sentido geral do que Tolstoi pensava em seus últimos 20 anos de vida.
   O centro de suas preocupações é a queda da civilização européia, e essa que da se liga a transformação da violência em regra geral. Profético, Tolstoi morre em 1910, e a sociedade que ele denunciava faria em 1914 a primeira guerra e em 39 sua continuação. Duas organizações promovem a violência: a politica, que precisa ser util e importante, e para um politico ser importante é ser o guia em momentos de crise, ou seja, ter inimigos, fazer o povo temer e odiar, e precisar dele para o defender. E a outra força social que promove a violência é a igreja, que finge esquecer os ensinamentos de Cristo e se torna cúmplice dos piores contra os inocentes. A mensagem de Cristo é simples: Fazer o bem. Dar a outra face. Jamais ser violento. Fazer ao outro o que desjas que se faça a ti. Seguir a lei do amor, dar sem pensar em receber. Agir agora e saber que o futuro não pode ser antecipado.
   Segundo Tolstoi, todo homem quer que essas regras cristãs sejam seguidas, a maioria procura as seguir, mas a sociedade impede isso. Em um tempo em que o lucro, o trabalho e a disputa são o valor que move a vida, ser um cristão verdadeiro, um homem que ajuda e não disputa, cede e não briga, reparte e nunca acumula, é o grande pária. Para que o mundo do lucro exista é fundamental eliminar a verdadeira religião.
   Tolstoi também fala muito da hipnose em que todos vivem. Um mundo europeu cheio de distrações, de pequenos fatos sem sentido, de brilhos que hipnotizam, de sons que calam, de ordens que são obedecidas sem que se saiba o porque. Outra característica do mundo moderno é dar ordens desde sempre. As crianças são treinadas a ser um membro atento que dará valor ao valor já estabelecido, a ciência será um tipo de circo do maravilhoso ( e esse maravilhoso raramente se ocupa daquilo que o cidadão simples quer: viver melhor e viver bem ), e o que se chama igreja fará o papel de bobo da corte, fingirá ser religiosa perante gente que finge crer.
   Tolstoi diz que é um mundo vazio de sentido, vitima de tédio e de crueldade. Sem sentido e sem esperança.
   Irrompem então os espertalhões, aqueles que percebem o estado podre da sociedade e gritam a plenos pulmões que o homem sempre foi esse traste sem porque e que a vida sempre foi sem sentido. Tolstoi diz que esse tipo de artista, de filósofo, é o mais nocivo corvo de todos, é o aproveitador, o propagador da falta de talento, o homem vil que comemora o fato do mundo ter atingido a sua insignificância. Esse arauto do desespero não ergue a vida, não ajuda, ele comemora sua vingança: eis que a vida me faz justiça! Ressentidos contra a vida.
   O livro tem dois textos terríveis! Em um deles Tolstoi descreve os horrores de um matadouro. E diz ser tipico dos tempos que as pessoas criem bichos de estimação, detestem ver a morte de um animal, mas se banqueteiem com quilos de vitela. De Olhos vendados, elas se alimentam sem pensar e sem nunca discordar. Em outro capitulo ele descreve o trabalho numa mina e faz o contraste com o passeio dos donos dessa mina no campo. Tolstoi foi um socialista, mas sempre radicalmente contra a violência. Cristo era seu guia. O amor sua única lei.
  Cartas trocadas entre Tolstoi e Gandhi, entre Tolstoi e Shaw também estão presentes ( os 3 eram as pessoas mais discutidas de 1910 ). E há um longo texto onde Tolstoi chama Shakespeare de autor mediocre. Sua tese é a de que Shakespeare foi escolhido como autor mais importante do mundo, por exibir em suas peças toda a violência e amoralidade da nova classe dominante e não por valor estético.  Provávelmente isso é verdade, mas WS não é ruim...
   Bem, Tolstoi pensa como eu penso em 99% dos casos. Penso nas guerras, na igreja sem sentido, no mundo do espetáculo, no sexo como distração, na nossa aceitação passiva da violência. Penso que a resistência pacífica nunca foi usada por palestinos, por exemplo, e que olho por olho dente por dente nunca deu certo. Sim, a ciência nunca pensa na moralidade do que faz e muito menos no bem das pessoas ( só as vezes a medicina ). E que chegamos a um ponto em que nem sequer conseguimos imaginar que possa haver outro modo de viver.
   O livro é triste, pessimista, irado, e infelizmente, verdadeiro.
   Haverá uma era cristã?
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PARIS- ROBERT DOISNEAU, O FOTÓGRAFO DA VIDA SIMPLES

   Porque precisava de dinheiro, pois nem todo fotógrafo tem a sorte de ser rico desde sempre como Bresson, Doisneau conseguiu um emprego de fotógrafo de publicidade, na Renault. Mas faltava tanto que logo foi mandado embora. E essa é a filosofia de Robert: "Desobedecer é uma questão de viver bem". Este belo livro da Cosac Naify, fotos da cidade de Paris, desde os anos 30 até a década de 90, exibe a vida de Doisneau, a mistura das fotos com seus comentários.
  Primeiro que ele nada tem contra o progresso. Diz jamais chorar sobre um edificio que desaba. Mas se assombra com a nova Paris. Tece um comentário perfeito sobre a impessoalidade dos novos prédios de aço e vidro:: "São todos idênticos. Querem o anonimato, a não-personalidade. Pessoas que lá vivem têm um anúncio de conformidade."
  Nos anos 50 Doisneau foi convidado para trabalhar na Vogue. Ficou apenas dois anos. E chegando sempre atrasado. A Paris que vemos em suas lentes é suja. E rica, muito rica. Ao contrário de Capa que buscava o drama, ao contrário de Bresson que sempre trazia o abstrato, Doisneau é um poeta, suas imagens são sentimentos. Todo o tempo.
   Fotos das ruas em labirinto, cheias de crianças, de gente, de ação, as fachadas que nunca s repetem. Cenas de Les Halles, com seus açougueiros, o sangue, o lixo na sarjeta. Bares de strip, as moças peladas, e a tocadora de acordeon, o rosto de pedra. Os moços da resist6encia, nas trincheiras, belos como modelos da Dolce e Gabanna! Vida real que parece um anúncio de modas...Doisneau é esteta por instinto!
  Crianças brincando, maio de 68, jovens bonitas de minissaia. Chuva no chão, fotos com cachorros, a França e seus chiens. Diz Doisneau que era comum um músico tocar na rua ( ainda é ), a diferença é que as pessoas cantavam com ele, em coro. Se cantava muito no metrô também. Em grupo.
   Bares com seus copos de Marc, de Absinto e de Calvados. O rio, bateau, muita gente pescando nas margens do Senna. E vinho.
   Robert Doisneau é feliz, porque ele vê a alegria mesmo no açougue. Percebe o medo na foto do bombardeio, mas mesmo assim a foto é bonita, tem equilibrio, tem charme...
  Se viver em SP tendo consciência de sua decadência é uma bosta, viver em Paris agora e saber aquilo que foi perdido...une merde!
  Mas...a vida segue, e Doisneau sabe viver. Os escuros das gráficas onde franceses imprimem panfletos, os discursos nas ruas, o homem com um falcão no ombro, o nobre com sua limousine cheia de cachorros, o salto sobre a poça de chuva, o olhar discreto na bunda de uma pintura... Discrição, sutileza, charme, o charme sempre, a discrição bonita, a sutil afirmação da presença.
  E o beijo, que tanta gente pensa ser foto de Bresson. A mais chic das fotos ( apesar de tão batida! ), a Mona Lisa das fotos de pessoas na rua... Não negue, ainda mexe!
  Que prazer de livro!!!

BRASIL, O PAÍS DO FUTURO!

   Um amigo me manda uma matéria em que uma revista conta que o futuro é dos idiotas.
   Qual a nova?
   Se eu der uma de Pondé e falar aquilo que penso, aliás que muitos pensam e que ninguém diz, falo que quanto mais os imbecis tomam o direito de mandar ( através do acesso ao consumo ), mais tudo fica de acordo com esse denominador comum, um denominador quase zero.
   Se eu falo, e acho que voces nem acreditam, que em 1976 a Rede Globo exibia peças de Gogol e Lorca em horário nobre ( Teatro Vivo, 21 horas ) e sinfonias de Beethoven também, isso se devia ao fato de que os mal nutridos não tinham sequer acesso a . A programação da TV mais popular era feita para 5% da população. E mais uns 30% que viam Silvio Santos e Chacrinha.  Uma felicidade hoje eles comprarem TVs, mas essa entrada no mercado não veio acompanhada de entrada na cultura. Então agora eles pedem Ratinho, Pânico, Casé e muito crime-da-vida-real.
   E não me fale do capitalismo. O capitalismo verdadeiro se encontra na Coréia ou na Alemanha. O Brasil nunca conseguiu chegar ao capitalismo de fato. Improvisamos um camelódromo. Somos camelôs. Educação rima com alto consumo. O que aconteceu é que fomos incapazes de mudar a educação. Aliás, nada mudamos, continuamos exportando matéria prima e dependendo de marcas estrangeiras para termos carros, PCs, relógios, remédios, telefones e um imenso etc. A taba manda soja, compramos avião.
  Em Pinheiros, após longos anos, a praça em frente a igreja está pronta. Quer dizer, pronta em "brazilian style". Está velha e decadente antes de terminada. O estado é incapaz de construir alguma coisa que pareça terminada. Tudo fica com aquele jeito de "nas coxas"...um buraco aqui, uma parede suja lá...
  Soube que no Brasil os projetos são desenhados após o término da obra. Ou somos muito espertos ou este país é de uma deprimente burrice. Voce escolhe a alternativa.
  Óbvio que os estádios da Copa ficarão mais ou menos terminados. E que ao fim do evento eles já vão parecer velhos e decadentes. Manutenção não é uma virtude brasileira. Nada de manutenção, que se construa de novo!
  Se o futuro é dos idiotas, podemos dizer que somos mesmo, e sempre fomos, o país do futuro.
  Quando americanos e japoneses estiverem confusos com sua nova realidade, uma realidade feita de improvisos, jeitinhos e desrespeito a acordos, o Brasil surgirá como pioneiro e poderá enfim ditar as regras.

T Rex (Marc Bolan) - Don Kirshners Rock Concert - 1974



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OS QUARENTA ANOS DE QUARENTA ANOS ATRÁS

   É duro falar sobre 1974, um ano que dura 40 verões. Isso é inacreditável. Em minha vida tive anos marcantes, 76, 77, 80, 84, 86, 91, 93, 95, 98, 99...sim, todos esses anos são diferentes, têm personalidade, marcam um tempo novo. Alguns tristes, como 77, mas todos importantes. Mas o sabor de 74 é o da descoberta. Foi quando descobri coisas que me deixariam em rota para ser aquilo que sou agora.
  Portanto não vou falar daquilo que só descobri anos depois. Eu não sabia o que era Roxy Music em 1974, ou Woody Allen, Jack Nicholson e Philip Roth. Mas eu sabia de Nelson Motta e de um programa das tardes de sábado chamado Sábado Som. Nelsinho aparentava 18 anos então ( ele já tinha 30 ), e comentava os clips antes de os apresentar. Pink Floyd foi o primeiro. E eu achei um pé no saco. ( Falo de meus 11 anos ). Em outros programas a coisa me agradou mais. Meu irmão pirou com Jean Gennie do Bowie. 
  Sábado era um dia muito especial. Acordava e ia pra sala ouvir rádio. Difusora e Excelsior. Elton John era meu ídolo. Ele tinha 6 músicas de sucesso rolando ao mesmo tempo! Nunca mais vi isso! ( Eram Don`t Let The Sun Go Down On Me, The Bitch is Back, Lucy In The Sky, Sweet Painted Lady, Beannie and The Jets e Ballad of Danny Bailey ), e havia Wings, George Harrison, Ringo e Lennon ( tocava muito Band on the run, Miss Vandebilt, Dark Horse, Ding Dong, Only You, Goodnight Vienna, Whatever gets you thru the night, Dream, Goin down in love ), era TEMPO de Barry White, Stylistics, Billy Paul, Marvin Gaye, Stevie Wonder. Rolava Rebel Rebel do Bowie e Only RocknRoll dos Stones. E mais Alice Cooper, Bad Company, Slade, Sweet, Clapton com I Shot the Sheriff...e muito Secos e Molhados.
   Em 74 minha mãe me disse que éramos ricos. Fiquei contente, mas jamais pensei que iríamos começar a cair em 1975, lentamente, ano a ano. Em 1983 a coisa ia virar de vez...
   Nunca vi meu pai tão contente como naquele ano. Foi quando ele comprou um Opala exatamente como ele queria, vermelho-lotus, duas portas, um tipo de muscle-car brasileiro. Lembro dele trazendo o carro, a lataria vermelho brilhante, imenso, adentrando a garagem e exalando o cheiro de carro novo. Dormi aquela noite dentro dele. Nas noites seguintes ele nos levava para passear. Adorava olhar as luzes dos postes. Cantávamos. O rádio era Bosch-Blaupunkt.
   Nas tardes de sábado íamos a Pinheiros, ao bar do meu pai. A alegria era enorme, raras vezes fui tão feliz. Uma alegria cheia de ansiedade. Porque, consumista que sempre fui, ia ganhar mais um carrinho da Matchbox. Tinha um laranja, um vermelho com hélices, um marrom enorme. Quando não ganhava um carrinho, ganhava discos. Singles, na época se chamavam compactos simples. Chegar em casa e os escutar era um momento de cerimonia. Deitava debaixo da vitrola e ficava olhando o motor girar.
   Em 74 eu comecei a colecionar revistas da editora Ebal. Homem-Aranha, Superman, Tarzan, Batman, Superboy. Ainda posso sentir o cheiro do papel novo, tinta preta, capa em cores. Eu ia as segundas levar meu irmão a escola e na volta comprava revistas. Pelo resto da semana eu iria as reler. 
  Nesse ano fui apaixonado por Josie e as Gatinhas. Melodie. E via Mary Tyler Moore. Meu pai adorava San Francisco Urgente e Cannon.  A TV era toda de séries americanas. 
  Na escola comecei a jogar bola. Sempre muito mal. E tinha uma relação de ódio e admiração pelo cara mais folgado da sala. Chegamos a brigar. Mas eu adorava ir a escola. Sempre adorei. O som de gente ao meu redor, nada é melhor.
  Em 74 fomos a praia. Ficamos num apartamento que tinha uma criação de cabras no vizinho. Foi nesse ano que as meninas começaram a me deixar louco. Eu ficava na varanda todo o tempo, esperando uma menina passar...mas era um desejo envergonhado, sem que eu soubesse o que fazer com aquilo. Eu nem sabia me masturbar!
  1974 foram longas tardes de inverno, na janela vendo a rua, naquele mundo onde quase nada acontecia e onde aquilo que acontecia acontecia pra sempre. Pra 40 anos.
  Minha mãe fez uma promessa. E por isso fomos o ano inteiro em todas as missas de domingo. Eu odiava ter de ir. Era quente, chato, lotado, e eu queria ficar em casa ouvindo rádio. Depois da missa a gente ia na feira. Eu comprava bolachas. Bolachas velhas. Sempre gostei de bolachas velhas. 
  Penso agora que talvez 74 seja tão especial por ter sido o primeiro inverno em que não tive bronquite. Eu dormia muito bem, enfim! Minha vaidade começou a aparecer, comecei a estufar o peito, a me achar forte. A bronquite se foi.
  1975 viria, e tudo o que 1974 trouxe seria desmentido por 75. Mas naquele natal, dezembro de 1974, tive um momento de absoluta felicidade, da certeza total na beleza da vida, de paz completa. Eu estava no centro de uma decisão, no centro de uma familia. Sabia que os caminhos se abriam. E queria todos eles. Pra valer. 
  Hoje, inacreditável 2014, ano em que 100 anos passaram pós 1914, 1914 que inicia o fim das alegrias possíveis, hoje, sinto 1974 vivo em tudo aquilo que me fala de amor.
  Preservo meus amores. Respeito meus amores. 1974 é sempre.

CLOSTERMANN HOLLAND 1944-45



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O GRANDE CIRCO- PIERRE CLOSTERMANN, MEMÓRIAS DE UM PILOTO DE CAÇA DAS FORÇAS DA FRANÇA LIVRE DA RAF.

   A editora C&R lança livros de guerra no Brasil. Preenche um buraco, esse gênero tem muito prestigio em todo o mundo, aqui mal se encontra. Livro bem cuidado, belas fotos e desenhos dos aviões.
   O pai de Pierre lutou em 1914/1918. Perdeu as duas pernas na carnificina, mas mesmo assim apoia o filho quando ele resolve se alistar como voluntário na segunda=guerra. Familia rica, negócios pelo mundo, Pierre poderia continuar sua vida na segurança do Canadá ou do Brasil. Mas não. Vai lutar na Royal Air Force, a RAF, a aviação inglesa, única força a deter Hitler em 1940.
   A França não. E o livro, o diário real desse piloto, começa com o lamento pelo triste papel feito pela França. Ela não lutou, ela se rendeu. Mas, fora do país, De Gaulle organiza o ataque, franceses das colônias, franceses americanos, lutarão. Pierre estranha a Inglaterra. Mas logo se sente em casa. É 1943. As batalhas de Pierre Clostermann começam.
   O estilo é admirável ! Nos sentimos dentro do avião. Ele sabe descrever a surpresa do inimigo que chega, as batalhas feitas de medo, de suor, frio, confusão. Os aviões se misturam, se caçam, atiram e erram, se perdem. Amigos morrem. Aos montes. Eles levantam vôo de manhã, de tarde, de noite, sentem fome, sentem sono, dor. E o medo que não se vai.
   Pierre odeia a guerra. Ama a aviação. Ao final do livro ele fala de sua admiração pelos ases da aeronáutica alemã. Pilotos soberbos, que venceram 200 duelos. O luto que se abateu sobre a base quando Nowotny, um inimigo, foi morto. Porque acima de tudo eles eram aviadores, irmãos nos ares que deviam lutar. Pierre contrapõe a terrível carnificina da infantaria, com sua lama, seus membros despedaçados, a sujeira, e a guerra nos ares, limpa, fria, elegante, homem a homem.
   Mas sim, ele sente a dor de ter bombardeado cidades. Aviões ainda a hélice, o que os obrigava a ver a explosão, ver o fogo, gente sendo explodida. Guerra olho no olho, se olha o piloto inimigo que atira.
   Numa das folgas Pierre vai pescar. E faz amizade com o dono das terras onde ele pesca. Um velho inglês, de cachimbo e tweed. Esse homem, que janta com ele, morrerá num bombardeio. E Pierre descobre que a esposa e o filho do velho inglês já haviam morrido em 40, ele na batalha da Grã=Bretanha, ela em Londres, num bombardeio. Pierre passa a admirar a Inglaterra. As bombas caem e eles jogam cartas. A casa em chamas e o chá sendo servido em ponto. O fato que Hitler nunca entendeu, os ingleses não saem do costume, a fleuma permanece.
   Pierre não gosta dos americanos. Porque até mesmo Hitler manteve as cidades de pé, nunca bombardeou para arrasar. Os americanos, e os russos, não. Para deixar seus soldados mais "protegidos" eles fazem um bombardeio arrasador. Destroem tudo. Sem pensar, sem remorso. Dresden, Munique, Berlim, Caen, Strasburgo, Dieppe, todas são incendiadas, anuladas, riscadas do mapa. É uma vingança fria, sem honra.
   Churchill e Roosevelt discutiam muito por esse motivo, Churchill queria que se preservasse o máximo possível, Roosevelt ( e Eisenhower ) queriam a aniquilação. Venceram.
   As missões se sucedem. Novos aviões, os nazis lançam o primeiro jato, o primeiro missil, mas é tarde. A guerra em seu fim é desespero. Batalhas aéreas gigantescas. 90 aviões contra 120...Os alemães constroem fábricas subterrâneas, 400 novos aviões por mês, 500, 1000...Mas a Inglaterra não desiste! Spitfires, Hurricanes, Typhoon, os nomes dos aviões são lendários! Pilotados na unha, com sangue saindo do nariz, sem ar, a 25 abaixo de zero!
   Pierre Clostermann sabia escrever. E viveu muito! Morreu aos 92 anos, em 2002.
   Homens como ele? Não mais.

New York, New York - On the Town



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A FELICIDADE EM FILME, OS MAIS FELIZES DOS FILMES

   Pegaram FANCY FREE, uma obra genial de Bernstein e Jerome Robbins e transformaram neste filme impactante. Criticos snobs da época torceram o nariz, afinal não respeitaram toda a obra-prima, mas caramba, que filme bom!
   A primeira cena, com a música de Lennie Bernstein, já conquista qualquer cara de gosto refinado. Um trabalhador se lamenta por ser segunda-feira. De um navio descem marinheiros em férias de 24 horas. Um luminoso marca o tempo:: segunda, 7 horas...
   New York, os 3 marinheiros andam pela cidade e cantam. É excitante, é feliz, é wonderful ! Gene Kelly é um entusiasmado rapaz que se apaixona pela Miss Metrô. Jules Munshin é um grandão que só pensa em garotas e Frank Sinatra faz o tipo de papel que ele fazia nos anos 40, um ingênuo desprotegido. A cidade, gloriosa, é percorrida pelos amigos e pelas mulheres que eles vão conquistando pelo caminho, uma taxista e uma antropóloga. Nesse frenesi alegre e atlético, o espectador acompanha o espírito do filme: alegria sem ironia. É o mais feliz filme já feito. 
   Sucesso em seu tempo, curto e direto, sem muita pieguice, e com um final perfeito, UM DIA EM NEW YORK é uma obra-prima de Gene Kelly e Stanley Donen. A primeira direção dos dois.
   Fariam alguns poucos anos mais tarde SINGIN IN THE RAIN.
   O cinema tem duas cenas que são seus emblemas: A cena no chuveiro de Psycho e Kelly dançando na chuva. Quem foi feliz sabe, quem é feliz sabe, aquela dança simboliza tudo o que sentimos aos nos descobrir felizes. Kelly canta, pula, chuta a água e em toque de sublime delicadeza termina a cena dando seu guarda-chuva para um senhor molhado que o agradece. A felicidade ignora a chuva, ignora o guarda, ignora a elegância ( é uma dança deslegante ), e se dá a um anônimo. Como Kelly e Donen conseguiram fazer algo de tamanha perfeição? É uma prova palpável de que milagres existem.
   Mas há mais! Bem mais!
   Make em Laugh, com Donald O`Connor é absurdamente alegre. Dança que faz rir, um artista dando o máximo e chegando ao pós-limite. Há Debbie Reynolds no simples e leve All I Wanna Do, lindo momento como noite de natal. Linda, ela, leve, brilha. Fadas existem?
   Uma subtrama séria ronda o filme: O quanto somos esmagados pelo star system. Nossos padrões são altos e irreais demais! Queremos ser charmosos como Fred Astaire, elegantes como Cary Grant, bonitos como Gary Cooper, másculos como Bogart e dispostos como Erroll Flynn. Esses os moldes, voce pode substituir pelo astro de seu tempo, Clooney, Pitt, Depp, Butler, MacConaughey... O padrão é muito alto, e ficamos frustrados.
   Mas nada impede que cantemos Good Morning! Tenho amigos que piram com essa cena! Como não pirar?
   No Oscar de 94 Stanley Donen finalmente ganhou seu Oscar. E dançou com ele! Se Kelly era o perfeccionista ( e são dois filmes absolutamente perfeitos ), Donen foi chique e feliz. 
   Um musical precisa de pelo menos três momentos tipo "Arrasa Quarteirão", aqueles apogeus em que o público se levanta e aplaude. Em que o show explode. Pois estes dois filmes têm mais de 6 desses momentos.

RED 2/ MATO SEM CACHORRO/ LUC BESSON/ MINELLI/ BO WIDEBERG

   RED 2 de Dean Parisot com Bruce Willis, John Malkovich, Helen Mirren
Um grande elenco numa diversão interessante. Humor de menos ( o primeiro Red era bem mais engraçado ), boas cenas de ação. Pode ver sem medo. Nota 6.
   MATO SEM CACHORRO de Paulo Amorim com Bruno Gagliasso e Leandra Leal
Uma comédia muito boa. Bruno, ótimo, é um cara timido que se envolve com Leandra ( linda e simpática ), uma radialista. Um cachorro os une. Eles se separam, e Bruno rapta o cão. O filme é cheio de personagens vibrantes e exala simpatia. Gabriela Duarte quase rouba o filme como uma alcoólatra boca suja. Muito ritmo na direção de Amorim. Nota 8.
   MUITO BARULHO POR NADA de Joss Whedon
Whedon é um roteirista quente. Estreia como diretor nesta coisa que usa o texto de Shakespeare em cenário e tempo chic de 2013. Fica tudo very strange. Ralph Fiennes fizera igual com Coriolano, texto do bardo em tempos de agora. Duvido que alguém consiga digerir. Nota 1.
   ELVIRA MADIGAN de Bo Widerberg
Um grande sucesso dos anos 60 que se conserva mais ou menos. A trilha popularizou o concerto 21 para piano de Mozart. As imagens, campestres, são lindas. Mas o filme é frio. Fala de casal, ele um soldado, que tenta se amar em paz nos anos de 1880. Mas ele é um desertor...O diretor sueco usa climas de Truffaut, improvisa. Quando uma cena tem um acidente feliz, ele a usa, não a corta. Mas apesar de bonito, é um filme distante. Nota 5.
   A FAMILIA de Luc Besson com Robert de Niro e Michelle Pfeiffer
Muita gente elogiou esse filme sobre familia mafiosa que se refugia na França. Os filhos e a mulher não perdem o costume, continuam sendo hiper-violentos. Achei o filme desagradável, chato, sem porque.
   YOLANDA E O LADRÃO de Vincente Minelli com Fred Astaire
Em que pese o lindo technicolor e a bela produção da MGM, o roteiro é tão bestinha, tão boboca que não há como gostar deste musical. Fred, para piorar, canta e dança pouco. Nota 5.

FRANK- JAMES KAPLAN, O INFERNO

   Abaixo eu escrevi sobre toda a primeira parte do livro de James Kaplan sobre Frank Sinatra. A segunda parte é o inferno. A partir de 1946, ou seja, após a guerra, o gosto médio americano muda. O grande centrão do país, o interior profundo, passa a ditar as regras e o que faz sucesso é menos sofisticado, menos urbano, mais simples. Cantores como Perry Como, Eddie Fisher, Frankie Laine...Como aconteceu com o Brasil a partir de 1990, o povão começa a ter acesso a cultura, e a cultura que eles consomem é a mais simples possível, quase infantil. Sinatra não quer e não pode se encaixar nesse mundo. Então ele desaba. E como nada vem só, tudo começa a desmoronar.
 Ele se apaixona por Ava Gardner. No começo tudo é lindo. Mas logo começam as brigas. Nesse terremoto, ele se separa de sua esposa ( o que gera a ira de 90% das mães americanas ), estreia um show de TV que é um fiasco, perde seu contrato de cinema e é acuado pela imprensa por suas ligações com a máfia e com a esquerda americana. Capacho de Ava, falido e sustentado por ela, despedido da gravadora, desesperado. Tenta se matar duas vezes, vaga solitário pelas ruas...
 Ava desiste dele. Dorme com contra-regras, atores, atletas e toureiros. Principalmente toureiros. Frank tenta a reconquistar. Patético. Ela faz dois abortos que o revoltam. ( O segundo não era dele, mas ela não conta...). Ava se torna a atriz mais quente do mundo. Sinatra o cantor que ninguem mais quer. 
 ( Uma frase de Humphrey Bogart para Ava nos bastidores de um filme que fizeram juntos: " Todas as mulheres querem dar pra Sinatra e voce prefere dormir com um cara que usa capa e sapatilhas!").
 Uma nova gravadora, a Capitol, tem um jovem diretor. Com menos de 30 anos, esse garoto fez a moral ao ser incumbido de criar um selo de discos infantis. O cara cria o Bozo! E estoura. Em seguida ele chama Nat King Cole, e faz dele um sucesso. E Frank Sinatra aparece, o cantor que ninguem mais queria. Alan Livingston, esse o jovem produtor, traz Sinatra e Nelson Riddle para os arranjos. E a coisa acontece. Nasce o cantor que conheceu o inferno, a dor,   nasce o homem forte, o cara que venceu o mal. Las Vegas, que nasce naquele tempo, se torna seu QG, Sinatra passa a ser o icone do big boss, o modelo a ser copiado, o cara que pode tudo, o adulto, o juiz, o fodao.
 Sinatra renasce. A maior volta por cima da historia da musica popular. Do desemprego ao topo do mundo. De novo.
   Ao mesmo tempo vem o cinema. Ele ganha o papel em A Um Passo da Eternidade ( sem a ajuda da mafia, com ajuda de Ava ), e leva o Oscar. O cara que toda Hollywood gostava de odiar vence. Porque ele mereceu, apenas por isso. As pessoas sabem que Sinatra tem tudo de um filho da puta: vaidade, infidelidade, teimosia, egoismo; e tambem genialidade, vulnerabilidade, timidez, generosidade e a VOZ. The Voice. Ele.
  A ultima cena do livro: Frank com seu Oscar, em 1954. Anda pelas ruas de Los Angeles, madrugada, com o Oscar em maos. Sozinho. Feliz. Novo. Aos 39 anos. 
  Um grande livro.