C.S.LEWIS, DO ATEÍSMO ÀS TERRAS DE NÁRNIA, BY ALISTER MCGRATH

    Leio com surpreendente prazer a bio deste escritor, professor e famoso apologista inglês. Hoje, com certeza, mais famoso por sua série de livros infantis sobre Nárnia, Lewis foi durante os anos 40 e 50 uma celebridade na Inglaterra e nos EUA. 
   Nasceu em lar de razoável conforto e logo cedo perdeu a mãe. Mesmo assim viveu uma bela infância, livre, gasta em brincadeiras com o irmão. O pai lhe deu o amor aos livros, mas os dois nunca se deram bem. Lewis enfrenta as trincheiras na Primeira Guerra e é ferido. Estuda em Oxford e depois se torna professor de literatura inglesa na mesma escola. Sua predileção é pela idade média e renascença. Faz amizade com Tolkien, que também leciona em Oxford. Ateu exaltado, racionalista, lentamente se converte ao cristianismo. Como? 
  Na verdade nada acontece de espetacular. Lewis se torna cristão por questões literárias. Ele vê Deus como um tipo de sol. Com a presença de Deus a realidade se ilumina, as coisas ficam mais claras e as obras de arte são melhor entendidas. Lewis diz que a absoluta falta de fé leva a arte ao vazio. Obras sem vida, frias e mal executadas, personagens ralos, textos que falam apenas do autor que os escreve, textos mortos. 
  Na Segunda Guerra ele faz uma série de programas para a BBC. No rádio se torna famoso. Fala sobre Deus às pessoas, aos soldados. Lança livros sobre religião, sua fé e a do cristianismo "puro e simples", independente de igrejas. Sua fé e sua fama fazem dele um solitário em Oxford. Perde a amizade de Tolkien, que se sente roubado quando ele lança a saga sobre Nárnia, que estoura em vendas nos anos 50. Sai de Oxford e é chamado por Cambridge. Morre em 1963, no mesmo dia em que Kennedy é assassinado. Crítico feroz dos tempos modernos, é logo esquecido nos anos 60, visto como um velho inglês conservador e ultrapassado. Renasce nos anos 90. Volta a moda no século XXI.
  Alister McGrath escreve de modo leve, mas nunca tolo. Também professor, em Oxford, tem flagrante carinho por Lewis, mas não deixa de demonstrar as falhas em seu pensamento. Lewis tenta demonstrar que a razão foi um dia irmã da criatividade. As duas se separaram logo depois da renascença e com o correr do tempo se fizeram inimigas. Essa a grande tragédia da modernidade. A razão deve ser aliada da imaginação e saber que criar é saber. A verdade está naquilo que imaginamos. Mitos, lendas, sagas, sinais de verdades, pistas de sabedoria, modos de tornar claro aquilo que vai além da miopia da razão.
  Devemos conhecer aquilo que não conhecemos. Ler o que não lemos, ir onde não fomos, tomar contato com formas alternativas de pensar e de sentir. AUMENTAR NOSSA VISÃO. IR ALÉM DA NOSSA JANELA.
  Cabe a imaginação reorganizar a realidade, colocar o real em novo arranjo e assim torná-lo inteligivel. Só fala em Mundo sem Sentido aquele que não consegue ou não quer ver a realidade iluminada da vida. 
  O mundo faz sentido para Lewis. Deus o fez ver o sentido. Iluminou a vida e lhe deu a liberdade de criar. Lewis fez mapas que nos ajudam a perceber onde estamos e de onde viemos. Se ele estava certo ou errado jamais o preocupou. Porque ele criou e nessa criação achou a vida real.
  O que mais uma filosofia pode nos dar?

O TEMPO REDESCOBERTO, PROUST EM FILME DE RAOUL RUIZ

   Proust cura. As palavras em vertigens e as páginas que se embaralham fazem com que percebamos, sem perceber não é ? , que tudo permanece em lugar sempre vivo chamado memória. Cada dia e toda pessoas está para sempre aqui e em lugar nenhum, portanto em todo lugar. O que se vive é decisivo. Como filmar isso? 
  Schlondorff filmou em 1988 e fez um dos piores filmes de sempre. Confundiu Proust com esnobismo mórbido e destruiu o que era um monumento. Visconti acalentou a ideia de o filmar, mas morreu sem achar o momento certo dentro de seu tempo. Renoir, Ophuls, Resnais, todos poderiam ter levado o gênio de Marcel para as telas. E então assisto as seis da manhã de um sábado a versão de Raoul Ruiz, o diretor chileno que tanto insistiu que virou francês. É Proust ? Não, não é Proust, e essa é a vitória de Ruiz. Não é mas poderia ter sido se Marcel fosse menor. O rastro da tinta e da ansiedade de Proust está no filme, ( que é de uma beleza plástica tão extremada que poderia enjoar. Não enjoa. ), Ruiz optou por misturar as cartas e joga-las todas de uma vez sobre a mesa que é nossa mente. Não tente seguir a história, se deixe ir nas sensações impressionistas que flutuam frente nossos olhos como se fossem sonhos nossos.
  Quem disse que grandes filmes são como sonhos? Que lembramos deles como se tivéssemos sonhado aquele filme? Eis um filme que é todo sonho. As festas e as roupas, as casas e as taças, não podem ser reais. Mais que presentes elas vivem dentro de nós. Como Proust sabia, aquilo que vive dentro nunca perece pois não obedece a ordem do que mora fora.
  John Malkovich beira o milagre. Charlus como Charlus foi imaginado. Mas todo o elenco faz milagres. A fotografia de Ricardo Aronovich também. 
  Claro, o filme explicita a politica que Proust sugere e nunca escancara. E encolhe as delicadezas da infância sagrada. Cadê Swann que não o encontro?
  Eu reli Proust a cerca de quatro anos e ele é um dos livros que me consolou pela perda de um pai. O tempo mora onde? No fluxo infinito de rostos e de frases a gente se perde e percebe que tudo está. E tudo pode ser. Indo. A hipnose se opera para quem se deixa ir e fico rodopiando entre as linhas negras e a corrente desse rio que fala. E canta.
  O filme termina em mar.
  Pra sempre.
  Se voce é poeta sabe.

WILKER

   José Wilker foi louco. Veja bem, não o tipo de louco que temos hoje. Ele não era o cara que briga em bar ou que se vicia em pó. Ele tinha atitude. E ator com atitude é cada vez mais raro.
   Sempre remou contra a maré. No teatro ele arrasou, e no cinema encontrou seu meio. Conseguia dar uma dose de cinismo esperto até a tola novela em que estivesse. Misturava elegância com doideira e charme com perigo. Foi um grande. Em país carente de estrelas, foi nosso Jack Nicholson e nosso Warren Beaty. 
  Fará imensa falta e sinto pena das gerações que não o conhecerão. É mais um que me educou. Me ensinou a vestir, falar e a não ser besta.
  O palco agora é noutro lugar.

IMAGINAÇÃO

   O amor que sinto por minha mãe é inquestionável. E ela as vezes, triste ou doente, poderia ser ajudada por certas coisas que eu poderia fazer ou falar. Mas ela pensa que me conhece, e na imagem formada que ela tem de mim, um homem frio, distante, indiferente, se fecha a minha palavra. Não posso a ajudar porque ela não me escuta. Quando tento falar ela não me entende, não me ouve, não me quer por perto. 
  E espero então, só posso esperar que um dia ela olhe e me veja e entenda aquilo que posso lhe dar: Ajuda.
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  Ando lendo a bio de  Lewis. E ele fala de como entende o amor de Deus. 
  Acho que o entendo.
  Jamais terei a certeza.

  A vida pode ser o desejo de poder. A vida pode ser o instinto sexual. Mas eu penso que não. A vida é ansiedade. A ânsia por algo que conhecemos e não conseguimos ver. 
  Não somos como bichos. Mas podemos amar os bichos. Eles nunca nos ajudarão. E se podemos os ajudar, temos o dever de os ajudar.
  O homem pode ser cruel. A vida pode ser um inferno. Mas se conseguimos imaginar a bondade, se pudermos sentir saudades da paz, então temos o dever moral de crer na paz e na bondade. Se um dia criamos a moral, temos a missão de a afirmar.
  A vida não é feita de relativismos. Existe o mal, existe o bem. E fora do futil jogo de palavras sabemos o que seja bom e o que seja mal. Como sabemos o que é a paz, a beleza e a felicidade. Mesmo que estejamos exilados.
  
  Tenho me tornado um babaca religioso. Porque eu não sei. Mas ser babaca é hoje a maior das coragens. Não é cool ser babaca. E nem é fácil.
  
  Enquanto houver violência no mundo não haverá sono. 
  
  Aquilo que se imagina foi, é agora ou será um dia.
  Viver é imaginar a vida que se vive.
  O resto é morte.

A COLEÇÃO DE DVDS

   Foram anos incríveis. Desde 2004 até 2010 vivi aquilo que a geração de Godard viveu nos anos pós-guerra, uma avalanche de filmes que me educaram para o resto da vida. Foram os anos em que formei minha coleção de 3000 dvds, os anos em que realmente entendi o que o cinema poderia ser.
  Lewis diz que pelo fato de nos ser impossível conhecer o futuro, o único parâmetro que temos para avaliar o presente em que vivemos é conhecendo o passado. Se eu falo que tal filme é ótimo, falo isso em relação a algum outro filme, mas se esse outro filme tem como aquele outro a vantagem do frescor, de estar cercado de uma propaganda e de um bando de fãs, sua avaliação se torna quase impossível. Uma obra só pode ser avaliada com frieza se for comparada a ALGUMA OBRA JÁ ESTABELECIDA, QUE JÁ PASSOU PELO CRIVO DO TEMPO. Hoje minha cinefilia esfriou. Vejo menos filmes, fico menos comovido. Talvez eu já tenha visto todos os grandes filmes e só reste para mim a sorte, cada vez mais sovina, de encontrar em um ano um filme como A GRANDE BELEZA ou BRANCA DE NEVE.
  Nesses anos eu conheci tanta coisa! Primeiro foi todo o cinema americano dos anos 30. As comédias, os policiais. Depois os filmes noir dos anos 40. Então mergulhei em Bergman e pirei. Veio a coleção de Kurosawa e o neo-realismo italiano.
  Topei com os franceses: Clair, Carné e Cocteau. Depois Ophuls e Bresson. E Clouzot!!!  E Vigo !!!!  A Noite solene em que conheci e caí de amor por Powell. Foi tanta coisa mais! Foram anos de caça, de usufruir o melhor, de luxo e de calma. Mas agora sinto que a estrada foi percorrida. Sim, ainda tenho algum Powell, algum Bresson, algum Losey que não vi. Mas a tempestade, a chuva de uma obra-prima por noite passou. A doce febre baixou. Ficou uma saudade. 
  O cinema foi grande. O cinema ocasionalmente pode ser grande. Em frente...

UMA PÁGINA DE MEU DIÁRIO ( COMEÇO DE ABRIL DE 2014 )

O soco explodiu na minha mandíbula. Socos sempre aparecem como cometas, explodem e a gente não sabe de onde veio. Mas não caí, eu nunca desabo. Avancei sobre o cara e rindo disse que seu soco parecia um soco de menina. Ele ficou ainda mais louco e me deu um pontapé. Como disse, eu não caio. Disparei um desafio e me voltei de costas. Andei, devagar, para a sala da direção. Aturdidos, todos olhavam boquiabertos.
Depois que a policia chegou percebi um homem sentado ao canto. Sabia que o conhecia, de onde? Me aproximei a falei com ele. Era pai de um aluno. Viera ver a escola em fevereiro, e por acaso passara por lá essa noite. 
Uma professora me diz o que eu não sabia ( depois que esse homem se vai ), ela diz que o cara, um cara de 25 anos, quando eu me voltara de costas, pegar um skate e fora para cima de mim, transtornado. Ele ia me acertar a nuca com a quina do skate. Mas o pai do aluno, que surgira dentro da escola ninguém sabe de onde, agarrara o cara e salvara minha cabeça. Talvez ele tenha salvo minha vida.
Se eu fosse um niilista eu diria: Merda.
Se eu fosse um existencialista: Destino que pedi.
Se eu fosse um freudiano: Desejo de punição.
Se eu fosse um jungiano: Arquétipo de cowboy.
Se eu fosse um poeta: Jogo de dados com a sorte.
Se eu fosse crente: Poder de Deus.
Mas eu sou eu: Foi um anjo que soprou os ouvidos daquele homem...

A LITERATURA E A MORTE DE DEUS

   Tenho lido a biografia de C.S.Lewis. Tenho um profundo amor por essa turma, esses ingleses que viveram entre 1890/1940, essa época de Eduardo, de George. Lewis tinha uma vida dupla, era um dos mais destacados professores de Oxford, um dos melhores críticos literários e talvez o melhor leitor de seu tempo. E ao mesmo tempo escrevia livros populares, é ele o autor da saga de Nárnia. Não por acaso, um de seus melhores amigos era outro grande professor de Oxford, J.R.R.Tolkien. O que seus contemporâneos não conseguiram entender é algo que nosso tempo, felizmente, consegue compreender um pouquinho melhor ( mas ainda com muita ignorância ), Lewis tentava unir a razão a criatividade, um casamento que foi um dia a regra entre artistas, mas que no mundo moderno havia sido cada vez mais raro. Ele e Tolkien procuravam salvar a literatura da asfixia onde ela se encontrava. Que asfixia era essa?
 Há que se dizer que nos seus primeiros trinta anos de vida foi Lewis um racionalista. Em seu diário ele diz que conseguia deixar cada coisa numa gaveta separada de seu cérebro. E mesmo a experiência na Primeira Guerra, ele esteve nas trincheiras, foi colocada em lugar seguro, longe da parte central de sua vida. 
 Ateu convicto, Lewis começou a perceber, em seus estudos literários, ele logo seria um dos melhores professores de literatura inglesa, que os autores ateus, céticos, os que colocavam todo campo espiritual de lado, tinham sempre uma prosa limitada. Esses escritores não conseguiam criar vida. Seus livros são como teatro de bonecos, os personagens jamais parecem reais, o que esses relatos transmitem é sempre a voz do autor, em total isolamento, lutando para criar vida, e sendo sempre derrotado. Porque isso acontece? Porque a criatividade desses escritores é sempre castrada, truncada, tristemente árida? E porque escritores como Sterne, Dickens, Dostoievski, Tolstoi, Balzac, Stendhal, conseguem criar tanta vida, tantos personagens que falam, agem, vivem como se fossem gente de carne e de osso? Mais que isso, porque esses escritores parecem ter tanto interesse na REALIDADE? Descrevem árvores, cidades, guerras, rostos, bichos e mares como se os conhecessem em profundidade. O que eles, assim como Huxley, Lawrence, Waugh, têm que Wolff ou Dreiser não têm?
 Lewis percebeu então que o que unia os autores criativos era a não negação do mundo espiritual. Para eles a ruptura entre razão e criatividade nunca se deu COMPLETAMENTE. Eles não dissecavam a criatividade, não extirpavam o maravilhoso da razão, em suma, e para seu espanto de ateu, eles jamais mataram Deus. Podiam blasfemar, duvidar, amaldiçoar, mas não ignoravam Deus. Lewis ficou aterrado ao se deparar com isso. Tendo Deus dentro de seu mundo, autores como Dante e Cervantes conseguiam criar como jorro, eram completamente férteis. Criar para eles não era um problema, era um dom divino, uma herança bendita. Com a morte de Deus a criação começa a ser tomada por algo de herança maldita. Ser criativo se torna uma ilusão, uma doença, um problema e deve assim ser analisado, domesticado ou negado. Como a religião, o homem da razão deve ENTENDER a criatividade a luz da razão e nunca com a colaboração da razão. Criação e razão se divorciam. Dois antagonistas. Toda criação deve ter um porque, um motivo, um símbolo. Nessa aridez a criatividade morre, daí a secura mórbida de tantos autores modernos. Fez-se com o ato criativo aquilo que se fez com o Criador. 
  O resto, que tem surpreendentes semelhanças com meu processo espiritual incompleto, deixo para futuro post.

LOSEY/ PINTER/ DISNEY/ EMMA THOMPSON/ STEPHEN FREARS

   UMA VIDA DIFICIL de Dino Risi com Alberto Sordi e Lea Massari
Risi, um dos diretores mais populares da Itália dos anos 50/60/70, faz aqui um de seus mais ambiciosos filmes. Sordi é um idealista, um panfleteiro da segunda-guerra que se adapta mal a vida do pós-guerra. Ele é um socialista anti-americano, e o filme não tem pudor em mostrar que ele é na verdade um preguiçoso. Massari é a jovem que ele abandona. O filme não satisfaz. Risi não faz humor e nem drama, fica num meio termo amorfo. Nota 3.
   LINHA DE FRENTE de Gary Fleder com Jason Statham, James Franco, Winona Ryder
Stallone escreveu este roteiro desagradável. Jason é um ex agente federal. No sul dos EUA ele tenta criar a filha longe de problemas. Mas ela começa a ser ameaçada por mãe de aluno com que ela brigou. Logo um traficante se envolve e a coisa esquenta. O roteiro é absurdo, como um pai tão amoroso deixaria a filha correr tantos riscos? Não faz sentido. O filme tem pouca ação, nenhuma leveza e se faz muito sufocante. Todo caipira é uma besta ou um idiota. Ah vá... Nota 3.
   THOR O MUNDO SOMBRIO de Alan Taylor com Chris Hemsworth, Natalie Portman e Anthony Hopkins
O primeiro foi legal. Era leve, despretensioso. Este sofre por se levar a sério. Chris é ok, mas eu abomino Natalie Portman. Um porre.
Nota 1.
   WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS de John Lee Hancock com Emma Thompson, Tom Hanks, Colin Farrell, Paul Giamatti e Jason Schwartzman
O filme corre atrás das lágrimas e consegue algumas ao final apelativo. Alguns caras reclamaram que o retrato de Disney é superficial. Ora, o filme é sobre PL Travers, não sobre Walt, ele é mero coadjuvante. O tolo título em português cria uma expectativa falsa. O original é Saving Mr. Banks, título que revela o tema do filme, o resgate do pai de Travers. Emma está ótima, faz uma neurótica muito chata sem jamais parecer um cartoon. Hanks está ok e Colin exagera. Ele é o pai de Emma, um alcoólatra na Austrália. Giamatti dá um show como o motorista. O filme exagera, Travers parece ser a mulher mais infeliz do mundo. Mary Poppins é uma obra-prima em música, beleza e poesia, isto aqui é um troço esquisito, torto, sem razão ou porque. Ah sim, a gente chora no final. Nota 4.
   PHILOMENA de Stephen Frears com Judi Dench, Steve Coogan, 
Um horror acontece: freiras iralndesas, nos anos 50, vendem crianças de mães solteiras. No tempo atual, Judi procura seu filho. Um jornalista que está em baixa a ajuda. O filme se concentra na relação entre os dois. Ela manteve sua fé. É otimista, alegre e simpática. Ele é ateu. Amargo e cheio de rancor. Frears consegue equilibrar isso. Mostra o crime das freiras e não faz uma tese contra a igreja. O ateu também não é mostrado como um materialista raivoso. O elenco brilha. Steve exala simpatia e calor, Judi, em papel dificil, consegue passar a confiança da senhora teimosa. O final é exato. Frears é um dos grandes. Sua carreira é exemplar. Nota 7.
   ESTRANHO ACIDENTE de Joseph Losey com Dirk Bogarde, Stanley Baker, Michael York
O roteiro de Harold Pinter é assombroso. E o cd tem extras com entrevista com Pinter e Losey juntos. É uma obra-prima. Seco, silencioso e cruel. Árido. Dirk, estupendo em seu papel de tolo enganado, faz um professor casado que se apaixona por jovem aluna. Tímido, atrapalhado, ele é tutor de um jovem rico que flerta com ela. Mas Dirk logo descobre que a moça é diferente do que ele pensava. O filme não tem ação nenhuma, não tem um só personagem agradável e não tenta jamais parecer bonito. E mesmo assim nos fascina. Poucos diretores foram melhores que Losey, esse americano que se fez o mais inglês dos diretores. Original, é o tipo de obra que voce quer ver de novo e de novo. Nota DEZ.
  

THE NEXT DAY, DAVID BOWIE, A FALTA QUE O SILÊNCIO FAZ

   Os melhores discos de Bowie são cheios de silêncio. Ziggy Stardust é todo silencioso e seu disco mais fascinante, LOW, é obra-prima de espaços vazios. Há espaço oco em Diamond Dogs, vive o vácuo em Lodger, e mesmo Pin Ups está cheio de buracos. O som parece incompleto, falta alguma coisa e esse espaço dá toda a respiração, a vida a seus grandes momentos. A maior parte dos discos que adoro são assim. Eles possuem um som que reverbera no vazio. Mesmo os mais barulhentos, Led II ou Raw Power tem essa mistura de fúria barulhenta e silêncio suspenso.
  Na primeira audição deste disco senti aversão. Bowie e Tony Visconti mixaram tudo alto demais. Tem som em excesso e pouco vazio. Nessa sonoridade inflada ele lembra os piores discos de David. A bateria sincopada e gravada sem sutileza, o baixo inaudível, guitarras em excesso, vocais confusos, tudo faz o que Jimmy Page diz que NÃO se deve fazer, exagerar, embolar, misturar os sons.
  Na terceira audição a coisa começa a mudar. Bem, esquecemos o gênio de 1971-1983 e vamos ouvir o disco como se fosse de alguém desconhecido. O que surge é um bom disco de 2014. Digno número 1 da parada inglesa. Riffs muito bons, uma variedade de tempos e um e outro refrão grudento. Não deve nada as boas bandas deste século enfadonho. E as letras são, essas sim, obras que remetem ao camaleão de Londres. Bowie poucas vezes foi tão confessional.
  Eu não ia escrever sobre este disco. Só escrevo daqueles que fazem parte da minha alma. Mas me pediram para tentar. Enfim, devo dizer que So She é o tipo da música que remete aos grandes momentos de Bryan Ferry. Tem uma tristeza fria, uma elegância na dor que é muito dificil de se conseguir. Destaco também a faixa Heat, uma belíssima confissão sobre a dor. Sim, é um Bowie sem enfeites, sem maquiagem.
  Mas, devo dizer, sinto falta do silêncio.
  Sobre a capa do cd.
  Heroes é copiado sem parar, trocam apenas o nome na capa. É isso o que entendi.

BRAD TOLINSKI- CONVERSAS COM JIMMY PAGE, LUZ E SOMBRA ( TRABALHO, TRABALHO E MAIS TRABALHO )

   Jimmy Page tocou em Goldfinger, o single do filme 007, com Shirley Bassey. Isso já colocaria seu nome na história. Mas tem mais. Num cálculo rigoroso, ele tocou em 60% dos top ten ingleses entre 1964/1966. Detalhe: ele tinha 18 anos. Gravando uma média de três músicas por dia, fuçando dentro dos estúdios, ele aprendeu tudo sobre técnica de gravação. Aprendeu tudo o que NÃO se devia fazer.
   Qualquer um qu e tenha ouvido sabe, ouvir um disco gravado entre 1963/1969 tem sempre algo de frustrante. Claro, existe a sonoridade maravilhosa, orquestral de bandas como Beach Boys, Traffic ou Kinks, mas não existe nenhum traço de ataque, de furor, de ambiência. Page diz que os técnicos não gostavam de rock, e então eles gravavam tudo como se aquilo fosse Sinatra ou Dean Martin, atenção focada na voz. O mais trágico era perceber o medo que eles tinham da bateria. Bateristas soberbos como Ginger Baker, Charlie Watts e Keith Moon desaparecem no disco. Jimmy Page mudou tudo isso. E eu senti isso na pele.
   Quando eu era criança achava que rock era Beatles e Monkees. Hoje ainda adoro as duas bandas, claro, mas percebi em 1975, aos 12 anos, que eles eram, como direi, soft. Muito soft. E que o som deles ficara preso ao passado. Note, falo de som. Sonoridade. As composições de Lennon e Paul, algumas dos Monkees serão para sempre, mas o modo como foram gravadas é completamente antiquada. Voz de um lado, massa instrumental do outro. Tudo arrumado, correto e sob controle. Eu não sabia mas tudo isso mudou em 1969. ( E observe como mesmo bandas agressivas, tipo Stooges e MC5, estão gravadas de forma tragicamente civilizada na época ). Cadê a bateria???
   Jimmy Page mudou isso. E essa eu não sabia. O grande impacto do Led foi como mixagem, produção, profissionalismo. Eu não sabia, mas tive o choque em 1975. Cercado até então de rock dos anos 60, senti a diferença absoluta no som do Led II. Era como sair de uma sala de concerto e entrar numa selva.
  John Paul Jones também trabalhou em estúdio na adolescência. Fazia arranjos, tocava baixo, piano. É dele o arranjo vibrante de Mellow Yellow de Donovan. E o arranjo genial de She`s a Rainbow dos Stones. Quando Page saiu dos Yardbirds e precisou de um baixista Jones se candidatou. Foi aceito na hora. Mas Jimmy diz que a grande sorte do Led foi o baterista. Se a banda é grande ela deve tudo ao baterista. O grande e inigualável John Bonham. O homem que criou, sózinho, a bateria que conhecemos desde então.
   Jimmy percebeu que para dar potência a bateria o importante era dar espaço ao instrumento. Espaço físico. Criar ambiente ao som. Desse modo, os microfones eram colocados o mais distante possível, em lugares grandes. Bonham chegou a ser gravado em salas de castelos, com os microfones nas escadarias e nos corredores. Incansável, Jimmy Page fazia o mesmo com a guitarra. Procurava sempre um novo eco, timbre, máxima potência, perfeição.
   Não vamos esquecer que os shows de rock em 1969 tinham a filosofia hippie. Tipo: Venha como estiver e vamos fazer um som. Eram shows improvisados, preguiçosos, se perdia um tempo enorme se decidindo o que tocar a seguir, os solos se perdiam em viagens sem fim. Tudo numa boa. Nesse contexto surge o Led Zeppelin quebrando esse paradigma. Profissionalismo. O show é potente, forte, decidido, objetivo, sem nada que não tenha sido planejado e ensaiado. O som tem de estar perfeito e por mais louca que tenha sido a noite anterior, todos têm de tocar bem, com competência. Esse foi o segredo, esse o novo mundo que a banda trouxe, bem vindos aos anos 70.
  A crítica caiu de pau. Principalmente a Rolling Stone. O Led vendia mais, enchia todos os shows, batia recordes, mas a imprensa só falava de Stones, Stones e Stones. O Led era tratado como moda passageira, barulho sem razão, histerismo oco. Foi a primeira banda a crescer contra a maré. De boca em boca. Entre os fãs, sem TV, revista e jornal. E se fez a maior banda dos 70 e uma das cinco maiores da história. Contra todos.
  O livro toca na paixão de Page pelo ocultismo. Alquimia sendo a união de várias coisas que dão uma terceira. É o motivo de ser impossível continuar sem Bonham. O Led era a união de Plant, Jones, Page e Bonham. Os 4 se transformavam em Led Zeppelin. Sem um deles a coisa não é mais Led Zeppelin, é Page, Jones e Plant. ( Os Stones foram realmente Stones com Brian Jones. Com Mick Taylor foram gigantes, mas eram outra coisa ). Um homem é mistura de amor, ódio, carne, alma, medo, coragem etc. Sem um desses elementos ele é outra coisa.
  Nascido em familia de boa situação social, amigo de infância de Jeff Beck, alheio as bandas de rock de sua época ( gostava só de Hendrix ), Jimmy Page é provávelmente o mais bem dotado de todos os guitarristas. Não existem duas faixas de sua banda que se pareçam. Seja em arranjo, em mixagem, no solo, sua busca sempre foi da transformção, a alquimia.
  PS: Jimmy dá uma dica para as bandas novas: misturem. Page amava Rockabilly, Jones ouvia só jazz e música erudita, Plant era do blues e Bonham escutava música negra, soul e funk. A maioria das bandas agora têm componentes em que todos ouvem as mesmas coisas. O som será sempre igual e em 4 discos a coisa fica insuportável.  Page tocava Elvis para Jones ( que pouco sabia de rock ), Bonham tocava James Brown para Page ( que nunca o tinha ouvido ) e por aí vai...

CORPO DE SEXO

   Giono diz uma coisa que deveria ser óbvia, mas não nos parece. Nosso corpo se encaixa com absoluta perfeição em outro corpo. Único bicho a fazer amor de frente, olho no olho, único bicho a ter lábios macios, nossa mão existe para envolver um seio, nossos braços se medem no abraço e a curva de nosso quadril se aninha no colo de nosso amor.
   Mais do que o simples encaixe de pênis e vagina, todo o nosso corpo se encaixa no ato de fecundação. E não cabe aqui fazer pergunta. Um bezerro mama e não tem lábios para beijar. Macacos transam de costas. Mas nós, no amor, usamos tudo o que temos, dos pés aos cabelos, orelhas e unhas, umbigo. Mais que tudo, usamos toda nossa alma, nossa voz, nosso espírito, envolvemos o vivido e o que vier a acontecer.
  Podemos dizer então que mais que um ser da razão, somos o ser do sexo, do amor e da paixão. Eu não creio que o sexo seja tudo, e mesmo o amor é a maior mas não a única força, mas nesse encontro jogamos tudo aquilo que temos, tudo o que podemos ter e tentar. Vamos além dos bichos, além do instinto e muito mais longe do que achamos poder ir.
  Jean Giono fala dessa verdade. Se voce quer conhecer o que seja um humano, olhe seu corpo em ação.
  Simples assim.

A SERPENTE DE ESTRELAS de JEAN GIONO. ZORBA, VENTO E UM DEUS

   Era fim de tarde. Era março, 1993. Mesa a calçada, cervejas sobre a mesa, todos os amigos já haviam partido. Ficamos eu e Fabio. Ele bêbado, eu estava alegre. Foi quando o espirito baixou em mim. Minhas mãos viraram pássaros e minha mente um mar cheio de peixes. As ideias nadavam. Eu falava sobre o sabor da vida e sobre as mulheres. Mulheres como fêmeas da espécie, como frutas doces. Lobas que podiam matar. O maior enigma da natureza. Para quem leu e se apaixonou pelo livro ( na minha vida ele não é um romance, é um manual de sobrevivência ), já notou que eu acabara de reler Zorba, de Kazantzakis, mais uma vez. Ao sol sob pinheiros, na cama com meus cachorros, Zorba fora relido em dezembro de 1992. Com Fabio, um cara sempre apaixonado, sem friezas e firulas, meu espirito neto de camponês, espirito de inumeráveis gerações de gente feita de pedra, terra, chuva e vento, com cheiro de estrume, de couves, de azeite e de vinho, companheiras de cabras e de porcos, esse meu espirito aquietado podia se expandir. Meus olhos viam a mulher de fogo dançando nua a minha frente. A Mulher.
  Jean Giono viveu no mesmo tempo que Kazantzakis. Lutou na Primeira Guerra. E viu tanto horror que se fez pacifista radical e anti-dogmas. Natural da Provence, aos 25 anos resolveu aprender a ser escritor. Leu tudo durante cinco anos e então escreveu. Fez imenso sucesso nos anos 30/40, mas após a segunda guerra, com a moda dos comprometidos, dos politicos de esquerda, dos existencialistas, ele começou a ser visto como direitista. Mentira! Ele sempre foi mais que politico. Um democrata no sentido puro e um cristão primitivo. Os anos 60 e 70 o reabilitaram. Giono é hoje um tesouro da França. Neste livro, curto, ele narra a descoberta da vida entre pastores. Estamos na Provence de 1930. Aqui tudo são pedras, vento, ovelhas e silêncio. A filosofia de Giono é a de Zorba: O homem é um bicho. E quanto mais distante da natureza mais distante de TODAS as verdades. Toda alegria é do reino animal. Nas coisas naturais, além do mal e do bem, amorais, vivem deuses. Incontáveis deuses. Jesus é uma estrela pequena na noite de estrelas sem fim. O homem se perde quando se acha diferente dos bichos, diferente da Terra, diferente das estrelas.
  Mas voce, homem biológico, não se engane! Há alma em pedras, em mares, em terra e no vento. O pastor sabe disso. Ao romper essa comunhão o homem rompe sua verdade. Deixa de ouvir, perde o dom de compreender e foge da alegria. Único bicho a ter rompido essa união, o homem sente a solidão da árvore sem raiz.
  Ao final do livro os pastores encenam um auto na noite de São João. Nessa peça, a Terra fala com o Rio, o Mar, o Vento...
  Por séculos meus tataravôs conversaram com ovelhas, cabritos, cães. Passaram semanas cantando para videiras, rosas e pessegueiros. Lavavam a pele com azeite e bebiam água gelada das pedras. Sem tempo, o ano tinha quatro momentos: plantar, fazer a poda, colher e guardar. O dia era dividido em três grandes horas: acordar, almoçar e retornar. A noite era dos lobos, das bruxas e da coruja. O pai era enterrado pelo filho, a mãe era chorada na praça e cada filho tinha o nome de um morto. O sino era a lembrança.
  Quando nasci ainda senti um gosto desse mundo. Agora ele vive longe, mas dentro do centro de mim.
  O livro de Giono é maior que a lingua.