TRANSFORMER, FUTEBOL, SEXO E AL GREEN

   Parece que afinal foi descoberto o óbvio, 1972 foi o melhor ano do rock. Uma série de shows, inclusive no Brasil, comemoram os 40 anos do ano que enterrou o passado e definiu o futuro do futuro. 1972 acabou de vez com as ilusões hippies mostrando ao universo a cara cínica, hiper-profissional e metida a besta do rock. Foi ano que deu aos tempos vindouros o caminho em estilo e produção.
   Harold Bloom, que não gosta de rock mas entende de mundo, diz que durante quinze anos o rock foi uma experiência mistica-transcendental. Seus amigos e alunos iam a shows de Grateful Dead ou Jefferson Airplane como quem ia a um momento decisivo em termos de existência. Procuravam uma reviravolta, um renascer. Em 1972 esse povo botou as botas na Terra. A experiência passa a ser carnal: sexo, drogas e ação.
   Exile on Main Street dos Stones, Harvest de Neil Young, Transformer de Lou Reed, Roxy Music 1, Let's Get It On de Marvin Gaye, Music of My Mind de Stevie Wonder, Catch a Fire de Bob Marley, Ziggy de Bowie, Slider de T.Rex, Superfly de Curtis Mayfield, Gram Parsons, o primeiro do Kraftwerk, Honky Chateau de Elton John, Funkadelic.... uma multidão de discos que ecoam sem parar nessas quatro décadas. Não há nada feito nos últimos milênios que não beba dessa fonte.
   Os Vingadores batem o recorde de bilheteria....em 1972 esse recorde foi batido pelo Poderoso Chefão....alguma coisa ruiu desde então. Falar de cinema hoje é falar de saudade ou de futilidade.
   O Bandido da Luz Vermelha é o maior filme já feito neste Brasil. Hoje estréia sua tardia continuação. Não vi ainda mas já adorei. Tem o sublime Ney Matogrosso fazendo o Luz Vermelha. Segundo Ney, o bandido passou 40 anos na prisão lendo Baudelaire, Nietzsche e Kant. O filho do Luz segue os passos do pai. Faz tudo o que ele fez...em 2012. Não conheço melhor definição do mundo de hoje. Fazemos tudo aquilo que em 68/72 foi feito. As mesmas passeatas, as mesmas rebeldias, as mesmas caretices, as mesmas bandas, as mesmas atitudes. Mas com rostos sem rugas e sem marcas de história. Vazio portanto. Apenas cópias.
   No youtube tem uma cena em que George Best solta gargalhadas enquanto joga bola pelo United em 1968. Ele vai bater uma falta e um amigo do mesmo clube lhe rouba a bola e o dribla. Entendeu porque descrevo esta cena aqui?
   Dylan veio ao Brasil e fez o melhor show da década. Pouca gente viu. Em 1965 ele dizia que o mundo estava empenhado em morrer e que ele estava empenhado em viver. Em 2012 ele continua vivo. Recria suas músicas em cada show, percorre a estrada e renasce a todo dia. Dylan é a prova viva de que viver é possível.
   Ando com um amigo por ruas escuras. Um insight: Dylan repete Rimbaud e Whitman. Renascimento. Morte em vida, mortes em vida e a ressurreição antes da morte. Dylan é um exemplo de gnose.
   Neymar nos recorda que o futebol é uma brincadeira. Ele chega ao limite do jogar por jogar, onde a vitória é um detalhe e o gol uma celebração. Neymar não é um turista. É um peregrino.
   Quando aquela menina anda com seus jeans esfarrapados grudados nos quadris eu sinto que o sexo é uma chance para se deixar de ser bobo. Eu me afundo nela, me esqueço de mim nela, me engulo nela e me perco de mim nela. E depois volto pra mim-mesmo mais eu do que nunca. Quero que ela faça o mesmo. Ela faz. O sexo existe pra gente morrer nele. E aprender a reviver nele. Carne e suor também é religião.
   1972 teve Al Green. E quando se tem Al Green não se precisa de mais nada.

EXILIO

"Tudo já foi dito, tudo já foi escrito, tudo já foi feito"- Foi o que Deus ouviu. E ainda não tinha criado o mundo, nem existia coisa alguma. "Também isso eu ouvi", Ele respondeu, do separado velho Nada. E pôs-se a obra.
Uma romena certa vez me cantou uma melodia popular que mais tarde reconheci incontáveis vezes, em várias obras de vários autores dos últimos quatrocentos anos. As coisas não começam, ninguém contesta isso. Ou pelo menos não começam no momento em que foram inventadas. O mundo foi inventado velho desde o começo.
Jorge Luis Borges.

Um mundo feito por um deus que não era deus. Um mundo onde estamos exilados. Essa é a crença profunda de todo artista. O exílio. O deus que cria Adão não é Deus. A criação do homem e deste universo já é uma queda, uma catástrofe. E todas as igrejas são ilusões. Perpetuação do erro. Jesus não ressuscitou. E os anjos existem apenas para nos confundir.
Se eu escrevesse isto em 1600 seria morto. Hoje, parece uma banal verdade. Um simples pessimismo. Mas para colocar as coisas em seus devidos lugares, devo completar o que escrevi.
Exilados na saudade do Deus que foi afastado de nós. Nostálgicos da união. Jesus era um viajante. Ressuscitou "antes" de morrer. São Paulo não nos fala de Jesus, fala de Paulo. A sensação que temos de termos sido enganados. A certeza de que já fomos melhores, maiores, livres. As tentativas de se estabelecer contato com a verdade. Somos eternos mas a morte existe. Renascer antes de morrer. Ninguém renasce após a morte, a coisa se decide agora. Encontrar a voce-mesmo e salvar Deus de seu exilio. Whitman, Rimbaud, Emerson, Huxley, Rilke, Melville, Shelley, Yeats, Lawrence, Borges. Os grandes "buscadores".
Eu não me impressionaria tanto com essas ideias se não as pensasse desde sempre. E sei que muito pensam e não falam. Ou não conseguem as expressar em pensamento coerente. Então fica mais fácil dizer: Bláh!!!
A ideia de Deus exilado é a mais dolorosa que se pode ter. Mas deve-se saber que uma fagulha da criação primeira ( antes da queda-criação ) ficou em nós. E é essa fagulha que nos faz procurar, indagar, estudar, viajar, penetrar na vida. Procuramos até percebermos que aquilo que procuramos sempre foi nosso. Mas não é dado ver a todos.
É por isso que amo os trovadores. E vi em cada amor a chance de transformação. É por isso que sofro da nostalgia dos homens grandes e do mundo grande. É por isso que sempre senti a urgência de salvar alguma coisa em mim e fora de mim.
Nascemos antes.
E se voce não sabe não cabe a mim dizê-lo.

A FÉ DOS ATEUS

"O homem está numa armadilha...e a bondade de nada lhe vale na nova ordem. Ninguém mais liga para isso. Bem e mal, pessimismo e otimismo- são uma questão de grupo sanguineo, não de disposição angélica. Quem algum dia se interessava e cuidava de nós, quem se preocupava com nosso destino e o do mundo, foi substituido por outro que se regozija com nossa servidão á matéria e às mais baixas partes de nossa natureza."
Lawrence Durrell.
Durrell foi um escritor terrível. Se voce não o conhece, não pense que se trata de um autor bonzinho. Ao contrário. Ele escrevia livros sobre o seco desespero, sobre sexo, sobre o absoluto vazio. Se quiser o conhecer leia "O Quarteto de Alexandria", saga composta de 4 livros. Foram escritos nos anos 40/50. Nesta nossa época de absoluta covardia, em que nossos escritores se conformaram com suas "questões miúdas", Durrell, como Bernanos e Camus, se dava questões espinhosas. Viajante incansável, ele procurava respostas. E tinha a grande consciência de que procurar essas respostas era a própria resposta.
Valentino foi um cristão herege do século III. Perseguido pela igreja, seus passos foram apagados da história no século VII. O dogma cristão não pode conviver com a tradição que Valentino revivia. Uma tradição que é a alma da religião do mundo de hoje. Mesmo os ateus a seguem sem o saber. Louca contradição, na época da tecnologia, tudo o que fazemos, sem saber, é nos aproximar da mais antiga das religiões do ocidente. O trágico é que por não ter consciência desse movimento, nossa aproximação é pobre. superficial, oca. Mas real, verdadeira e ansiosa. Vejamos.
Valentino falava de uma tradição que vinha de Zarathustra, figura histórica do Irã de cerca de 2000 a/c. O que Valentino disse que fez dele um herege foi que Deus não é anterior ao homem. Temos uma centelha divina que é eterna tanto como Deus. Ele não a criou, existe com ela. Em nós há uma alma que é tola como a carne, e esse "eu interior", eterno e personalisado, habitante do mais profundo centro de nosso ser, fagulha que justifica nossa existência.
Se voce é só um pouquinho esperto já notou onde está o pensamento que faz com que essa seja a fé desta nossa época. Tudo em nosso mundo é a procura dessa fagulha. E essa é uma particularidade que nasce na renascença e atinge seu apogeu agora. O homem olhando para dentro de si-mesmo, se fazendo cada vez mais solitário, entretido nessa busca por sentido, por razão, por luz. Empreendendo viagens de conhecimento, experimentos mentais, análises psiquicas, meditações, tentativas de se encontrar. Gente que não segue uma igreja, um dogma, um programa, mas que intuitivamente tateia a procura de algo dentro de si. É a religião dos intelectuais, dos insatisfeitos, e que existe até mesmo nos ateus. A vontade obssessiva de conhecimento, de um conhecimento que vive dentro e não fora daquele que procura. Nada de novo, esse desejo mistico sempre existiu, sempre foi arduamente combatido por todo dogma, e sempre sobreviveu oculto. Sim, desejo mistico, pois o que se procura é a verdade, o ser voce-mesmo, a paz final, o sentido das coisas e da vida. Em 2012, qual o pensador, seja filósofo, poeta, físico, médico ou vagabundo boêmio, que não ansia por isso? Que não passa a vida tentando chegar ao centro de seu interior e ver o que há nesse centro?
Mas não confunda as coisas. Se para encontrar esse centro voce usa os passos de algum outro caminhante, voce segue um dogma e na verdade não está saindo do lugar. O que Valentino dizia que mais irritou a igreja é que ninguém pode fazer o trajeto por ninguém. Cada um é único, ninguém faz parte de um rebanho ou de uma corrente. Cada descoberta é feita a seu modo, de seu estilo, com sua conduta. Individual. Fé de caráter elitista e individualista, ela tinha de ser perseguida pelas religiões que pregam o comum e o coletivo.
Bobamente então, viajamos ao Perú, a Indonésia ou viajamos em LSD, sem saber qual o sentido dessas viagens. Estudamos poesia, psicologia, religião, sem saber o porque desse estudo. Ficamos abstraídos em pensamentos confusos, sonhamos imagens simbólicas, nos fechamos em doida busca digital, sem saber o porque desses atos, desses sonhos, dessas ansias. E lemos tolices que prometem dar um caminho, vemos filmes que parecem dizer algo ( e nada falam porque temem se perder ), tentamos mergulhar em música, em sexo, em sentimentos "profundos"... tudo isso com um só objetivo: nos encontrar. Há algum outro objetivo na vida dos pensadores no último século e meio? Na arte moderna ou nas vidas dos homens privilegiados que não precisam pensar apenas em sobreviver?
Pois saiba que desde antes do judaísmo já havia esse sentimento. A busca do eu-verdadeiro, do eu que não pode morrer porque jamais foi criado.
Escrevo agora alguns pensamentos de Henry Corbin, o mais renomado estudioso dessa fé ( Sim, não tema a palavra fé. Sem ela voce não consegue nem mesmo atravessar a rua ).
A divisão mental entre abstração e razão tirou toda a possibilidade de se entender a vida. Já fomos capazes de ler tudo o que há na existência. Hoje só podemos ver aquilo a que fomos ensinados a perceber.
Se buscamos a nós-mesmos fora de nós-mesmos, encontramos a catástrofe. Catástrofe erótica, na forma de amores-paixóes fadados a insatisfação; e ideologias, onde tentamos nos ver naquilo que foi criado por outro.
A linguagem poética faz com que conheçamos aquilo que está dentro de nós. Cada grande poeta nos dá a possibilidade de um nascimento interior.
Religião individualista, fé daqueles que passam a vida atrás de conhecimento, crença em eu-interior que não pode deixar de ser, o caráter mais terrível dessa corrente mistica é a certeza de que toda a verdade existe desde sempre dentro daquele que a procura. Dessa forma, padres, guias, lideres, passam a ser supérfluos. Viver a vida que vale a pena é andar só e confiar apenas no seu interior.
Existe religião que seja mais a cara dos dias que agora vivemos?

A AUTO-AJUDA DAS SOMBRAS ( PONDÉ, O VAMPIRO FUNKY )

  Está escrito no rosto de Pondé o deslumbre pela fama. Quando ele fala tudo tem um acento de "veja como falo as verdades". E pior, por várias vezes ele cai na tentação da piadinha fácil. Seria delicioso se fosse um cara tipo CQC, mas é um filósofo. Pondé não sabe, mas em seu reducionismo tolo, faz o papel de auto-ajuda dark, um tipo de new-age para quem se vê como muito superior à new-age.
   Uma hora falando o óbvio: "Gente! O ódio é real e existe em todos nós!" Caramba! Ninguém sabia disso! Ele conseguiu ser mais primário que o mais banal dos consultores-psicólogos de programa feminino. O triste é que eu sei que de banal Pondé não tem nada. O problema é seu deslumbre.
   Ele simplificou tanto algumas coisas que me dá a sensação de que ele pensava estar falando para um bando de crianças. Dizer que irmãos têm como laço apenas a trepada acidental dos pais é reduzir algo de hiper-complexo a uma piadinha imbecil.  Um irmão, no mínimo, é alguém que interfiriu poderosamente no destino de uma criança. Alguém que compartilhou uma casa, um afeto, um estado emocional familiar. Foi testemunha participante de um drama. Muito mais que mera trepada acidental.
  Quando ele falou de cristianismo, aí a coisa degringolou para a pura tolice. A base do cristianismo não é e nunca foi o "ame a todos". A frase é "Amar o próximo como a si mesmo", e o centro da proposta é o terrível "Como a si mesmo". Amar a si mesmo é a grande dificuldade. Esse amor NÂO é uma imposição, é um alvo inatingível, mas que deve ser tentado. A virtude está na tentativa. Culpa por não conseguir amar? Aprenda a conviver com ela baby.... É isso que nos dá o livre-arbítrio.
   Pondé quase se trai quando fala da inveja. Dá pra ver em sua cara uma coisa tipo : "EPA!"  Ele fala das invejas e cita o dinheiro, o sucesso, as mulheres...mas esquece, para mim de propósito, a principal: a inveja da bondade. Temos um ódio invejoso terrível de quem é bom, de quem parece inocente. Invejamos aquele que parece ter pouco ódio e nos consolamos o imaginando reprimido, fraco ou simplesmente estúpido.
   A marca da auto-ajuda é o reducionismo. Transformar o complexo em simples. Todo livro desse estilo fala de coisas muito importantes de um modo retardado. Pondé se faz um tipo de auto-ajuda das trevas. Seu show de humor cansa.
   Invejo seu sucesso. Deploro sua babaquice.

Gene Vincent - Be-Bop-A-Lula



leia e escreva já!

BUDDY HOLLY - Peggy sue - Vidéo clip



leia e escreva já!

OS 100 GRANDES DA ROLLING STONE MAGAZINE

   Gente da minha geração adora fazer listas. Já quebrei a cabeça tentando fazer uma lista com meus filmes favoritos, discos ou romances. Impossível ! A nova geração, percebo, não faz listas. Talvez seja porque já as fizemos para eles. Ou talvez porque eles não pensem mais em termos de excelência. Eu, como Nick Hornby, tenho a mania das listas. Jogadores de futebol holandeses mais importantes, meninas que mais amei, séries de TV mais estranhas, melhor baterista do mundo....
   Sobre a nova lista da Rolling Stone só posso falar bem. Finalmente os artistas negros são reconhecidos. Dos 10 primeiros, 6 são negros ( e ainda tem os Stones, que são pretos sim ). Às vezes me irrita a previsibilidade de se colocar Beatles, Dylan e Elvis entre os top 3. O Velvet não seria mais atemporal que os Beatles? James Brown não é mais influente que Dylan? E Johnny Cash não foi mais pioneiro que Elvis? Mas é tolice pensar assim. O rock tem sua história já cristalizada. Colocar Beach Boys ou Led Zeppelin acima de Beatles seria apenas um ato de fã. Ou então excêntricidade de quem quer chamar atenção. Shakespeare é o maior escritor do milênio, isso não mais se discute. Os Beatles se firmaram no topo. São o Cidadão Kane do rock.
   Voces garotos deveriam comprar a revista. Quem sabe voces não se animem a escutar alguma coisa fora dos seus padrões de "novas bandas sensacionais". Os textos são de caras do rock. Músicos, cantores e produtores. Alguns são maravilhosos. Outros são banais. Todos despertam a vontade de reouvir os discos.  E já aviso, o texto de Eddie Vedder sobre o The Who e´emocionante. Ele mata a charada. The Who é como religião. A melhor banda ao vivo fez do rock um ritual de êxtase místico.
   Bono escreve. muito bem, sobre Elvis- Porque queremos que nossos ídolos morram na cruz que eles mesmo fizeram, e se não morrem pedimos nosso dinheiro de volta?
   Um belo texto de Rick Rubin sobre James Brown. Ele confessa que em todos os discos que produziu o que tenta é soar tão natural como Brown. Cada instrumento com seu tempo, com sua chance de aparecer. "A importância de sua lenda perdurará, porque nela está o ritmo da vida".
   Little Richard é o único cara a escrever sobre si-mesmo. E é um texto triste, onde ele fala, sem medo, que ele deveria ser o número um sempre. Porque veio primeiro, inventou o rock, criou a coisa toda. Richard é o número 8 aqui.
   Van Morrison escreve sobre Ray Charles e Wyclef Jean sobre Marley. O legal dos textos é que são de fãs. Nada de enrolação, tudo é homenagem. John Mellencamp fala de suas lembranças caipiras de Buddy Holly e o mais bonito dos textos são as lembranças de infância. Assim como sempre falo da primeira vez em que ouvi Elton John, Led Zeppelin ou Stones, eles falam da primeira audição de Buddy Holly, Beatles ou Elvis.
  Dave Grohl vai direto ao ponto: o Led Zeppelin é a maior banda da história do rock e fim de papo. E ele explica porque. Conta inclusive que tem várias tattoos no corpo em homenagem a John Bonham. Bacana ele contar do clima de se passar os discos do Led de mão em mão nos anos 70, como se fossem um baseado... Os meus rodaram pela escola toda....
  O texto sobre Stevie Wonder é de Elton John, e é dos mais bem escritos. Para Elton, Stevie é músico tão bom que poderia ter tocado com Charlie Parker ou John Coltrane.
  Um texto divertido é de Julian Casablancas sobre o Velvet Underground. Ele se revolta com o fato do Velvet não ser popular. E confessa que sua banda sempre desejou ser um Velvet Underground. Se lamenta por não ter copiado mais os Velvet.
   Iggy Pop escreve sobre Bo Diddley. Fantástico! Iggy tem uma sacada genial: Bo tocava só uma nota, mas a atacava com uma mão pesada, forte, viril. Hoje, a maioria dos guitarristas tem um super equipamento, mas tocam com mãozinhas femininas, leves, flácidas...
   Há Steve Cropper que conta como conheceu Otis Redding. Moby falando de Jerry Lee Lewis. E Questlove falando de Prince. When Doves Cry como a mais improvável da canções de sucesso e a carreira de Prince entre 1982/1991 como coisa de pura genialidade.
   E vem o texto de Eddie Vedder sobre o The Who, melhor texto da revista. Uma peça de amor a uma banda, uma oração misitica a Pete Townshend. E eu continuo querendo saber: Porque The Who traz essa idolatria mistica-existencial à mente? Vedder diz que é a mais religiosa das bandas e ao mesmo tempo uma usina de barulho e de virilidade. Leiam o texto. Ele conta inclusive que a apresentação no Rock'n'roll Circus é o apogeu do rock. Eu postei isso num texto sobre o Who em dezembro de 2011. Vejam.
   Kris Kristofferson em poucas linhas desvenda Johnny Cash. O texto é melhor que o filme. Cash é um monumento americano e é de espantar que sua face não esteja no monte Rushmore. E Iggy volta a escrever, sobre o Nirvana. Diz que eles eram Beatles com Torazine.
   Flea ama Neil Young. A tosqueira sincera de Neil e o fato de ele jamais se repetir. E de nunca ter vendido uma música para propaganda. Lou Reed fala de Bowie e é um texto cool. Lou fala e diz pouco. O que destaca é a voz maravilhosa de Bowie... Mas eu sinto que a posição 39 para Bowie é muuuuito injusta!
   ( Espero que já tenham notado que pulo vários textos. Elvis Costello escreve sobre os Beatles, mal. Lenny Kravitz fala de Lennon e o texto é piegas. Mas nada é pior que Britney falando de Madonna.... )
   Marilyn Mason consegue explicar direitinho o que são The Doors. O mesmo faz Adam Yauch sobre o Public Enemy. Wayne Coyne demonstra todo seu amor pelo Pink Floyd e mostra uma visão nova sobre a banda. Destaca sua simplicidade. Belo texto de Gerard Way sobre o Queen...aliás é muito legal a Rolling Stone dar ao Queen seu devido respeito!
   Peter Buck do REM fala dos Kinks e fala muito bem! Conta que Kinks é banda de poucos e que esses poucos os amam muito. Surpresa! Justin Timberlake produz um texto muito bom sobre Al Green, o cantor com a felicidade na voz. E Roger Waters se revela um fã do Cream.
  Rick Rubin acha o AC/DC a maior banda da história do rock e Dave Mathews revela sua inveja do Radiohead. Em seguida Beck descreve Hank Williams e Thurston Moore confessa sua paixão pelos Stooges. Eu não sabia que Iggy é filho de pais intelectuais. O que confirma aquela teoria de que rock stars de origem humilde costumam ser mais pop ( Beatles, Elvis, Elton John ) e filhos de classes privilegiadas são mais descompromissados ( Lou Reed, Roxy Music, Zappa ), atenção, isso nada tem a ver com qualidade, falo só de postura perante a audiência.
  Stephen Malkmus relembra o Creedence Clearwater e Keith Richards tece belas lembranças de Gram Parsons. É bacana lembrarem de Gram. É bacana Keith dizer que sente sua falta até hoje. Mas pra mim, Gram Parsons é um dos 50 grandes e não o 87. Mas é uma lista sem Roxy Music, sem Kevin Ayers e sem Love....não foi feita por mim....
  Bowie manda uma pequena obra de arte sobre Nine Inch Nails. Irônico, elegante e bastante literário. É de todos os textos o mais metido, o mais erudito e o mais criativo. É a cara de Bowie.
  Colin Meloy faz uma lembrança bonita sobre o que era amar o REM na década de Bon Jovi e Garth Brooks. Muito como eu.... É claro que tem Stones, Elton John, Sabbath, Van Morrison, Muddy Waters e um vasto etc. Mas são linhas indignas de seus homenageados. Os textos sobre The Band e Marvin Gaye chegam a parecer patéticos.
  Entre os caras que escolheram os 100 discos leio os nomes de Quentin Tarantino, Kurt Loder, Greil Marcus, Moby, Joe Perry, Santana, Slash, Butch Vig, Adam Yauch....
  Nas estatísticas me surpreende os artistas com mais sucessos entre os top 40:
  Elvis teve 114 !!!!!!  Caramba!!!! 114 !!!!!!!!
  Depois vem Elton John com 58, Beatles com 52 e Madonna com 49. Aretha Franklyn e Stevie Wonder têm 45, James Brown 44 e Marvin Gaye empata com Stones com 41. O que prova que os grandes rivais dos Beatles em vendas eram mesmo os artistas negros americanos.
  PS: Há uma enorme quantidade de nomes dos anos 50/60. Para os que reclamarem, uma explicação ( que deveria não ser necessária ). Foi a década da criação do idioma, da afirmação dos estilos. Depois de 1969, de realmente novo só o RAP, que está bem representado. Assim como em romance sempre serão citados Balzac, Flaubert, Dickens, Dostoievski, Tolstoi e Stendhal como modelos, em rock para sempre teremos Beatles, Dylan, Velvet, Hendrix e Led como os paradigmas a serem desafiados.
  

PARA ONDE FOI TUDO AQUILO?

   Foi no centro da Idade Média. A maior revolução psicológica dos últimos 2000 anos. A mente humana, preparada para essa quebra desde séculos anteriores, tem a última visão de um mundo, e se fecha depois disso. Mas nada do que foi um dia se perde. O mundo que se desvaneceu ( desvaneceu de fato ? ), permanece dando suspiros e pistas, mas viramos nossas costas. Porque? Como?
   A melhor maneira de não ser religioso é sendo um católico. Como a melhor maneira de não ser revolucionário é se filiando a qualquer organização marxista. O melhor modo de não ser poeta é sendo O Poeta. E um modo infalível de não se compreender nada da mente humana é fazendo parte de qualquer associação de "estudo da psique". O agrupamento destrói o auto-conhecimento. O denominador comum desfaz toda chance de originalidade. E originalidade é o único caminho de renovação.
   No meio da era medieval começa a nascer algo parecido com o mundo de agora. Cidades crescem, estradas se fazem, associações comerciais, a religião organizada se torna poder. O espirito se recolhe. Os xamãs se tornam passado ( voltarão e eu direi como ), a lingua da alma, do inconsciente, passa a ser um idioma para poucos. Alguns resistem. Seitas hereges, filósofos herméticos, poetas trovadores. Todos serão devidamente perseguidos. Eis o universo que reprimimos, que ridicularizamos, que sufocamos.
   Na época de Homero toda arte era poesia e todo homem sabia cantar em modo poético. A história, o teatro, a religião e até os discursos eram poemas. O homem nasce como poema. Constatação: sempre que sonhamos poetamos. A lingua de nossa mente profunda é sempre poética. Um homem que queira ler a mente tem necessáriamente de ser um poeta. Um poeta com temor da alma é uma contradição.
   No meio da idade média pegamos toda essa fonte de sabedoria e a reprimimos, transformando-a em paixão. Toda a magia passa a ser depositada em um único altar, o amor de um homem por uma mulher. A diversidade de canais, a exuberãncia lida em toda a vida, torna-se aprisionada em um único foco: A amada. É nela que passamos a crer, é nela que confiamos e é só nela que nos permitimos ser "poetas". Triste realidade. A mágica da vida que existia em cada um de nós, se fez dependente do encontro casual com a musa. Amor artificial, criado como compensação de uma perda irrecuperável, fadado a decepção.
   Porque perdemos o dom de ler a vida. Sabíamos ver todo sinal. Confiávamos em tudo aquilo que vinha do invisível. Não procurávamos explicações, entendíamos. Hoje precisamos de alfabetos codificados por terceiros. E só lemos e entendemos aquilo que nos foi ensinado.
   Mas há algo em nós que não lê e ao mesmo tempo sabe.
   Disse que falaria do xamã.
   O xamã era o ser que recebia dos homens as mensagens e as devolvia como soluções. Interessante observar que nossos "sábios" são todos voltados ao passado. É sábio quem sabe o que foi escrito e feito no passado. E todo nosso avanço nasce desse passado. O extremo dessa ideologia do passado-como-futuro, atinge seu apogeu no século XIX, com Darwin, que explica a vida como evolução determinada pelo passado; Freud, que tenta explicar a mente como organismo determinado pela infãncia; e Marx, que adivinha o futuro com um estudo do passado histórico. Em comum todos têm esse desejo de crer, crer que o passado condiciona completamente o futuro. Mas essa distorção vem de muito antes. É na época medieval que nasce o "homem sábio" como aquele que domina o passado. O xamã nada sabe do passado, numa sociedade xamanica, o futuro nasce do agora, nada tem a ver com o passado, que deve ser morto e esquecido. Quando um xamã recebe do "cliente" uma indagação, ele intui um futuro, sem qualquer compromisso com o que aconteceu antes. Uma sociedade assim não precisa de escrita. O passado deve ser ignorado. Francis Crick diz hoje ( é um neurologista ), que sonhamos para esquecer. O futuro confirma a necessidade xamanica.
   Um dia eu sonhei que uma mulher que eu amava terminava comigo. Sonhei com o diálogo, o local onde ele se dava e as posições em que estávamos. Acordei e contei esse sonho à minha mãe. Na mesma manhã esse diálogo ocorreu com as mesmas palavras, no mesmo local, nas mesmas posições. Minha mente racionalista berra para que eu creia que de certo modo eu dirigi a situação, que sem querer eu provoquei a repetição do sonho. Seria confortável e seguro crer nisso. Seria claro e me sentiria no controle da vida. Mas não teria sido um presságio? A irrupção daquilo que antes era comum nos homens e que hoje é tão raro? Admitir isso faria de minha vida escuridão, força incontrolável, daria a tudo um imenso caráter de mistério. Ou não.
  Tenho estudado o mais absorvente dos assuntos. Vida, morte, espirito, instinto, inefabilidade, crenças. O gnosticismo, um modo de pensamento que permeia todo o mundo moderno. No mundo da hiper-informação, dos super-heróis, da new-age, da cabala, do rock eletrõnico, das drogas, tudo é gnosticismo mal entendido, vulgarizado ao extremo, disneyizado. Mas não se engane. Em cada leitor de Paulo Coelho ou de vampiros teen, em cada jovem que se balança em pseudo-extase, em cada homem que procura luz em astrólogo, psicólogo ou templo, existe a lembrança de uma herança viva, pulsante, pressentida, dentro de nós.
   Harold Bloom diz que essa massa de gnosticismo pop faz com que o verdadeiro gnosticismo se perca para sempre. Prefiro pensar que não. Em meio a massa podem nascer interesses e verdades reais. Essa profusão de eus pode dar em algum tipo de consciência nova e profunda. Conseguimos sair daquele cientificismo baboso do século XIX e de grande parte do XX. Talvez esse encontro mortal com o oriente nos queira dizer algo. Talvez essa caminhada à solidão, que é marca do século XXI, se revele no fim um caminho necessário. Quem sabe?

PS: Muito tenho falado do cientificismo. E um amigo disse que sou um tipo de Thoreau, anti-progresso. Cientificismo não é ciência. Adoro a ciência. Adoro esta tela de PC, adoro o DVD, sou fascinado pela neurologia, adoro todos os remédios que curam ou deixam a vida menos dura. Ciência é aquilo que é sólido, que independe de se crer ou não. Ciência não admite discussão. Ninguém discute o movimento da Terra ou a força da gravidade. Um coração doente não admite discussão. A artéria está bloqueada. O cientificismo depende de fé. Voce acredita naquele chute ou não. Isso eu acho deplorável e bastante ridiculo. Não por eu condenar uma fé ( a vida é um ato de se crer ou não ), mas por eu gargalhar com a pose racional de certas proposições inverificáveis. Cientificistas geralmente condenam as fés que vão contra as que eles defendem. São xiitas. Para eles a verdade é una, a deles e só a deles, que depende 100% de se crer ou não.
Prefiro a mais fantasiosa das teorias. Desde que se saiba "teoria".
Deu pra entender?

A GNOSE....POESIA, EXISTÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA

Voce escravo do tempo. Que segue as horas em seu incessante antes e depois. Seguidor de dogmas e reduzindo tudo a explicações simples e simplórias. Pois voce só se sente confortável onde tudo é causa e efeito antevisto e testado, não é isso, my dear ?
Voce cientificista, que tem fé naquilo que parece sólido e domesticado em leis criadas por mentes sólidas e domesticadas. Não venha depois reclamar da vida cinzenta e cheia de coisas previsiveis. Esse é o mundo criado por vós a sua semelhança e segurança.
Voce ansioso desejante. Conquistando tudo aquilo que é fora de seu eu e portanto sem qualquer valor para voce-mesmo. Não sabe então que coisas exteriores serão sempre exteriores? Nada vindo de fora fará parte de voce-mesmo.

Transcendencia.
Momento fora do tempo e dentro do mais profundo de mim mesmo. Mas não a glorificação do eu vazio ou do eu maravilhoso ou do eu egoista. E também não o eu dogmático em comunhão com Deus.
Momento em que readquiro a doce certeza do primeiro eu no mundo: tudo como meu e eu como tudo. E então cresce em mim o eu. Cresce junto a vida e ligado a vida.
Livros escritos por poetas. Portas de entrada para esse encontro. Êxtases sentidos por outros e dados a conhecer através de palavras. Imaginação que é a realidade mais verdadeira e profunda. Pois é a verdade que independe do tempo e do lugar. É a última verdade do eu-mesmo.
Minha vida é justificada pelo caminho que partiu do centro e se perdeu no vazio. Com pavor tateou no escuro e temeu exatamente tudo aquilo que era um lembrete do que eu sou. Medo de qualquer dúvida, medo da transformação, medo do que vive dentro.
A certeza de que estão certos aqueles que nunca têm certeza.

Transcendencia.
O reencontro de mim com o eu que sempre fui. E a sensação, mágica, sempre mágica, pois não há outro nome, de ver o eu que é sempre. O eu que fora eu antes e será eu depois. A afirmação da inteligência mais inteligente por ser intuitiva. O discurso que é clareza e certeza. Uma religião de solidão e de criatividade, onde cada ser tem seu caminho único. Onde o eu que sou é diferente e igual ao eu que voce é. Igual por termos o mesmo fim, diferente por vivermos caminhos distintos. Sem dogma e sem igreja.

A língua dos poetas e a voz dos sabedores.
Eis o que é o gnosticismo: a certeza de Deus vive dentro do eu mais profundo. Ele em nós e nós nele. Ele é eu.

Mas neste mundo de nenhuma solidão consciente e procurada, de nenhuma criatividade original, onde toda expressão de intuição é criticada como ilusão ou vendida como new- age, onde ouvir essa voz do eu?
Ela está exatamente naquilo que voce mais teme.
Onde voce menos quer ir.
No lugar em que voce pensa poder se perder.
Pois esse voce que teme não é "voce".
É o "voce" que foi imposto a voce.
Onde mora o medo voce verá que mora o seu eu.
Onde voce se perde é onde te espera a verdade.
Onde voce não quer ir é onde seu eu lhe espera.
Falo porque temi e fui.
Falo porque senti e vi.
E esse é meu caminho e talvez não seja o seu.
Mas sua transcendencia passa pelo encontro solitário com a voz que sempre viveu dentro.
Poesia, sonho e estrada vazia podem te ajudar a achar. Ou melhor, a se deixar ser achado.
Eis o grande prazer.
É o que dura.
O que fica.
O que é.

DE NIRO/ WC FIELDS/ BLAKE EDWARDS/ PT ANDERSON/ LAUREL AND HARDY/ TRUEBA

   A DANÇARINA E O LADRÃO de Fernando Trueba com Ricardo Darín e Abel Ayala
No Chile dois homens cruzam suas histórias. Um é um ladrão famoso recém saído da prisão, o outro é um jovem gatuno que se envolve com bailarina traumatizada pela morte dos pais por Pinochet. Trueba, vencedor do Oscar de filme estrangeiro pelo ótimo Belle Epoque, erra muito aqui. O filme tenta ser tão poético que se perde. A gente procura gostar do filme e não consegue. Há uma coisa ótima: Abel Ayala brilha. Faz um garoto das ruas que é belo e tolo na medida exata. Mas o resto é tão vago...Nota 3.
   ENCONTRO ÀS ESCURAS de Blake Edwards com Bruce Willis e Kim Basinger
Este é o filme que transformou Bruce em ator de cinema. Famoso na TV, é aqui que ele passa a viver como astro da telona. Blake foi um grande diretor de comédias ( e de dramas também ) nos anos 60. Mas de repente ele se perdeu. Após 1970 sómente "VITOR OU VITÓRIA" foi digno de sua fama. Mestre do humor visual, há aqui apenas uma cena que demonstra esse dom, a do restaurante em que Kim fica bêbada. Aliás ela está excelente como a garota que fica doida quando bebe. Mas o filme é até mesmo desagradável, tem apenas um pretexto de tema que não se sustenta. Uma decepção. Nota 3.
   OS FILHOS DO DESERTO de William A. Seiter com Laurel and Hardy
Cresci vendo O Gordo e o Magro na Tv Tupi. Este é um dos seus bons longas. São dois maridos que desejam ir a convenção de seu clube masculino, mas suas ferozes esposas não querem permitir. Então armam um plano para enganar as esposas... A dupla demonstra um dos segredos do humor, o afeto. Não há tipo de ator que precise ser mais "gostável" que o humorista. Para o humor funcionar deve ser criada uma cumplicidade entre público e artista. E os dois são muito amáveis. Nós sentimos afeto pelo abobado Hardy, que sempre se vê como esperto, e o infantil Laurel, que nunca percebe o que acontece. A reunião dos dois é um desses acidentes milagrosos que aconteciam nos primórdios do cinema. Vemos com carinho, com prazer calmo e familiar, a tentativa tola que os dois fazem. Seus filmes são como canções de roda, comida da mãe, cobertores velhos. Uma ilha de inocência e de vida simples. Eu realmente amo essa dupla. Nota 8.
   AS IDADES DO AMOR de Giovanni Veronesi com Robert de Niro, Monica Bellucci e Michele Placido
São 3 histórias sobre as 3 idades do amor. O amor jovem, o maduro e o da terceira idade. A primeira história é a pior. Um advogado descobre os prazeres da vida na Toscana. A terceira é a melhor, De Niro é um senhor desencantado que redescobre o amor com uma prostituta de luxo quarentona. Triste cinema da Itália... Aquele que já foi o mais forte dos cinemas é hoje irrelevante. Uma simples e simplória cópia de milhares de historinhas de amor made in USA feitas para senhoras românticas. Banal. Nota 1.
   SANGUE NEGRO de Paul Thomas Anderson com Daniel Day-Lewis
Upton Sinclair foi um dos escritores socialistas americanos dos anos 20/30/40.  Steinbeck, Sinclair Lewis, Sandberg, Lillian Hellman e mais tarde Arthur Miller são outros desses nomes. Escreviam grandes painéis sobre o capitalismo, os trabalhadores e as convulções sociais. Neste filme Anderson abre mão do caráter mais social do livro e se concentra no individuo ( reflexo de nosso tempo não-politico ). Anderson tem um estilo de que não abre mão. Seus filmes, sempre sentidamente cristãos, mostram a perda da inocência, a treva e ao final a catarse redentora. A chuva de sapos em Magnólia é seu momento mais bíblico e este filme é aquele que menos admite redenção. O personagem de Lewis vem do fundo da terra, um diabo que destrói os conceitos de familia, de natureza, de paternidade e na cena final aniquila a simplória figura da igreja. Vence. Não pode haver redenção porque não há aqui um só personagem que mereça a salvação. É um mundo sujo, pecaminoso, e estranhamente sem mulheres. Críticos incultos chegaram a falar de influências de John Ford !!!! Ao final dos letreiros Anderson dedica o filme a seu mentor, Robert Altman. Este filme tem o espirito e o visual de "ONDE OS HOMENS SÃO HOMENS", assim como Magnólia era uma citação de Short Cuts ( Cuts é profundamente ateu, Magnólia é uma leitura cristã da obra-prima de Altman ). Para mim, este filme falha naquilo em que mais foi elogiado, seus atores. Dano, que faz o pastor, está inconvincente, e, sorry, Day-Lewis beira o caricato. Jamais sinto o horror que o personagem exige. Ele parece um inglês fazendo um caipirão americano. Mas fora isso é um filme forte. Nota 7.
   THE BANK DICK de Edward Cline com WC Fields
É o mais odiado dos humoristas. Da grande geração de Buster Keaton, Chaplin, Laurel e Hardy, Harold Lloyd, é Fields o menos lembrado. Fácil saber o porque, ele é completamente anti-politicamente correto. Odeia crianças, mulheres, cães e trabalho. Fuma e bebe galões de qualquer coisa alcoólica. Seus filmes são um kaos. Aqui ele é um pai odiado pela esposa, sogra e filha. Por acaso dirige um filme de cinema, captura um ladrão e se torna um guarda de banco. Desvia dinheiro do banco e tudo acaba da forma mais implausível possível. Nada tem sentido, não há um fio condutor, qualquer coisa vale. E é delicioso! Fields era um´péssimo ator, mas era engraçado, de um modo desligado. Ele interpreta com preguiça, sem vontade, com sono. Poucos filmes são tão mal feitos e ao mesmo tempo tão interessantes e atraentes. Um humorista para poucos, Fields é um ícone do cool. Nota 7.
   FESTIVAL W.C. FIELDS
Um dvd que traz uma série de curtas de Fields. Todos são engraçados, mas alguns beiram o sublime ( e sempre naquele estilo amador e "qualquer coisa" de Fields ). O Dentista é uma loucura onde as situações vão ficando cada vez mais absurdas. Já O Barbeiro é genial. Desde o modo como ele toca contra-baixo, até o final com o bandido, tudo é um prazer. Fields nos libera do bom-gosto, do verossímel, da coisa certa. Há um relaxamento que funciona, um acaso que leva à graça. Este dvd funciona como um tesouro secreto para os amantes de cinema. Nota 7.
   O NOIVO DA GIRAFA de Victor Lima com Mazzaropi e Glauce Rocha
Tenho meu gosto "pecaminoso", gosto de Mazzaropi. E não é nostalgia, pois até recentemente eu o detestava. Ele é péssimo ator, mas seu tipo tem algo que me atrai. Há ali uma paz, um modo à toa de levar a vida que me encanta. Este é seu melhor filme. Tem bom roteiro e boa produção. Fala de tratador do zoo que é dado como doente terminal. Claro que é um engano. Uma bela diversão inocente. Nota 5.

A RELÍQUIA- EÇA DE QUEIRÓS, A VERDADE SE CONSTRÓI NA INSISTÊNCIA

   A moral da história é: em se tratando de igreja como de ciência, uma coisa se torna "a verdade" quando é repetida a exaustão. É a tal "coragem de persistir", que nada tem a ver com a verdade. Entenda que falo aqui de igreja e não de religião e falo da ciência dos "ismos" e não da simples verificação empírica. A persistência, sem jamais dar chance a dúvida, fez a pseudo-verdade de centenas de teorias cientificas e de crenças misticas. De existencialismo a behaviorismo, de cientologia a feng-shui, de marxismo a psicanálise, de astrologia a angeologia, tudo depende de fé inabalável, de se crer naquilo, repetir como um mantra e o principal, jamais demonstrar dúvida perante o descrente. O "herói" deste livro, obra-prima cômica, se deixa duvidar por um momento. Perde tudo.
   Eça escreveu A Reliquia no fim da década de 1880, e ele abandona o realismo de sua primeira fase. Aqui temos um romance romanesco. Uma mistura de Voltaire com Stevenson ( como notou Bloom ), uma sátira sobre a alma portuguesa e que consequentemente diz muito da alma do Brasil. Portugal sofre o mito do gigante que se tornou pequeno, do reino senhor dos mares que perdeu mar e senhoria. O Brasil sofre do mito do país do futuro e do gigante adormecido. É surpreendente ver neste livro que um dos males de Portugal é mania do brasileiro. A febre pelo "rabo de saia". Vamos ao livro.
  Teodoro Raposo é criado por tia milionária. Essa tia é uma beata extremada. Tem tanto asco das "relaxações" que fala do grande erro de Deus: ter criado os dois sexos. Ela recebe padres para jantar e deixará sua fortuna para a igreja. Mas nosso Teodoro não aceita isso. E ansiando pela morte da velha, finge ser mais beato que a beata. Ele tem apenas uma certeza na vida, adora as mulheres e vive caindo na tentação. É revelador que toda vez que Teodoro vai a igreja, pensa em Deus ou em algum santo, logo uma imagem de sexo lhe vem a mente. Ele chega a ver a amante nua, na cruz cristã.
  Ele é traído e humilhado pela amante e parte para Jerusalém. Vai com a intenção de impressionar a tia. Conhece Topsius, um alemão que estuda ruinas e na viagem se envolve com Mary, uma inglesa. Tudo que Teodoro vê é expectativa de experiência sexual. Seja Egito, Palestina ou num navio ao mar, o que o move é o dinheiro, dinheiro que lhe trará mulheres e luxúria.
  Então Eça nos surpreende. O herói dorme no deserto, naquela imunda Jerusalém, e tem um sonho onde ele "acorda". Está no ano zero, e vê com seus olhos, o julgamento e a morte na cruz de Jesus Cristo. Eça de Queirós era ateu. Mas o modo como ele descreve aquilo tudo é emocionante. Ele vê Jesus como um louco sublime, um homem que ousou desafiar o poder dos juizes hebreus, dos mercadores palestinos e das autoridades romanas. Eça descreve seu sofrimento na cruz como o sofrimento de um inocente, de um homem bom. Teodoro se sente despersonalizar, sente que ali está o marco zero da história, a gênese de toda uma civilização. Quando acorda ele tem o alivio da volta de sua personalidade. Lhe volta o tédio e o desprezo por Jerusalém. Fabrica lembranças "sagradas" para impressionar a tia e volta a Portugal.
   O fim do livro é de grande ironia. Teodoro perde a herança e depois vence ao se casar com mulher rica e feia. E a conclusão é de que a mentira é o melhor caminho. Teodoro se arrepende...de não ter insistido na mentira. Não ter tido a tal "coragem em insistir".
   Eça mostra Portugal como um país de religião falsa, hipócrita, fadada a tristeza e a mesquinhez. Ao mesmo tempo, é uma nação onde só se pensa nas mulheres da vida, nas amantes, nos bares de putas. A vida se faz nessa maré: padres comilões e ambiciosos e camas luxuosas e cheirosas. O povaréu pobre copia essa bufonaria em termos menores. Padres e putas, viúvas beatas e moços interesseiros. Todos esses tipos vivendo em função de uma só ideia, de um só objetivo, cegos a vida em sua complexidade e inaptos para qualquer tipo de mudança. Teodoro é esperto, mas é incapaz de se auto-analisar. Ele jamais pensa em seus valores, nunca se observa, não tem dúvida alguma daquilo que é e daquilo que faz.
   Livro de humor terrível, cheio de imagens grotescas, Eça de Queiros se mostra aqui em toda sua genialidade. Inesquecível.

MANUEL BANDEIRA ERA SIMPLES COMO UM HOMEM PODE SER

   Manuel Bandeira luta para ser simples. O que ele quer, e isso é muito dificil de obter, é atingir a clareza de uma criança. Não nos iludamos, escrever complicado é menos dificil que ser simples. E por favor, jamais confunda simples com pobre.
   Se ele fala de uma maçã, começará descrevendo essa maçã diante de suas reverberações. A maçã recordará sangue, coração e seio. Mas na escrita ele vai despindo a fruta de tudo o que ela não é. Bandeira faz o contrário daquilo que o modernismo faz. Os modernos pegam o simples e o esfacelam, Bandeira pega o multi e faz dele aquilo que sempre foi, o simples objeto.
   Desde sempre Manuel Bandeira foi doente. A morte sempre esteve perto de sua vida. E apesar de ter conseguido chegar a velhice, o momento da descoberta da doença o marcou para sempre. A vida perante a morte fez dele um homem que só poderia ver o que era importante-crucial. Sem tempo a perder, ele passa a buscar a verdade, mais ainda, ele busca a vida e não o simbolo. Se voce pode morrer amanhã ( condição de todos nós, só que mais urgente nele ), tudo se torna mais real. No fio da navalha as coisas se fazem mais preciosas.
   Então ele olha, e vê o que se pode ver com o olho. A maçã é uma maçã e por ser uma maçã ela se faz única em seu caráter. Ela não é lembrete de algo maior, não é sinal de caminho rumo a sentidos maiores. Ela é o fim em seu começo. Maçã.
   Para se ler Bandeira tenha isso em mente. Se ele fala de Pasárgada, a terra onde ele é amigo do rei, é só isso que ele quer falar, é a terra onde ele é amigo do rei. Não procure na terra e no rei outras terras e outros reis. Simplifique e filtre. O poema é sobre um poeta triste que deseja ir a uma cidade boa.
   Mas apesar de sua busca pela simplicidade, que nega o modernismo complicado, Bandeira tem um aspecto que lhe dá radical modernidade. O desconforto com a poesia. Ele precisa fazer poesia porque ele sente a necessidade de criar sentido. Mas ao mesmo tempo, preso num ceticismo feroz, ele vive a coisa tão moderna da banalização das coisas. Eis o conflito. Fazer poesia é dar relevãncia às coisas, é restituir à palavra seu peso e seu valor; mas como fazer isso sendo um descrente radical? Fazer poesia que nega simbolos é uma contradição. É moderno enfim.
   Vários de seus poemas não se parecem com poemas. Não pense que isso é feito para parecer moderno, ousado, original. É na verdade a busca do poema sem artificios, sem enfeites, direto e limpo como uma maçã. O modo infantil de ver as coisas. Tudo é o que é e portanto torna-se digno de atenção.
   Contrário de Drummond, que sempre tem aspecto de trabalho, de coisa burilada, Bandeira trabalhava arduamente para parecer não-trabalhado, como se seus escritos fosse fáceis e francos. Um original, ele nos ajuda a ver, a ver sem julgar, sem procurar significados, sem trabalhar a mente. Ele nos fala do "antes da poesia ser pensada", do ser não-poeta, do que vem antes da inspiração. È certo e lógico que ele não conseguiu seu intento. Uma criança não escreve como ele e seu "simples" dá ensejo a vastas complicações. Mas ele é daqueles artistas, raros, que nos fazem pensar sobre suas buscas: "Que bela tentativa!"