It's So Audrey! A Style Icon



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AUDREY HEPBURN, UMA BIOGRAFIA- WARREN G. HARRIS

   Quando estreou no cinema americano em 1953, com A PRINCESA E O PLEBEU, Audrey havia feito apenas pontas em filmes europeus e uma peça de teatro. Nessa estréia, subitamente ela se torna a estrela mais amada da América e leva o Oscar de melhor atriz. Começo melhor que esse, até hoje, ninguém conseguiu ter. Mas foi fácil?
   A origem de Audrey Hepburn é nobre. Nascida na Bélgica, criada na Holanda, por parte de pai e de mãe, Audrey tem sangue azul e uma linhagem que chega até 1530. Foi criada em palácio de 50 quartos e desde sempre teve como característica a educação esmerada e gestos de quem sempre dormiu em dosséis de seda. Estudou ballet, e de repente as coisas começaram a ficar muito esquisitas. Os pais se filiaram a partidos fascistas, a mãe principalmente, tinha orgulho de suas ligações com Hitler. Mudaram-se na década de 30 para a Inglaterra, o pai era grande executivo de empresa mercantil, e lá se uniram ao odiado partido fascista inglês. Audrey era então uma criança, mas o mundo em que ela vivia lhe cobraria um preço. A guerra começa, e num erro de cálculo, a mãe resolve que a Holanda seria mais segura. Voltam e vêem a miséria da guerra de perto. Perdem propriedades, passam fome ( como toda a Holanda de então ), sentem frio, ficam doentes. É então, aos 11, 12 anos que Audrey adquire a silhueta que a faria famosa e que mudaria o conceito feminino de beleza. Ela se torna muito magra, por fome, não por opção.
   O pai ficara na Inglaterra, e Audrey ficaria 25 anos sem saber dele. Ele é preso por suas ligações com o fascismo, e depois da guerra passa a viver na Irlanda, em condições ruins. Na Holanda Audrey vê trens levando judeus e sua mãe começa a cair na real. Talvez Hitler não fosse a melhor escolha para nobres com medo do comunismo.
   A guerra acaba e a adolescnte Audrey ainda estuda ballet. A familia volta a ter conforto, mas nunca mais o exagero de antes da guerra. Nessa Europa devastada, a mãe, uma baronesa, trabalha em loja, e Audrey vende flores em floricultura. Recebe convites para desfiles e pequenas participações em peças e filmes. Daí os deuses da sorte interferem. A grande escritora Colette estava a dois anos procurando uma atriz para ser a Gigi de sua peça. Ao olhar Audrey pela primeira vez exclamou: -Eis minha Gigi!!!
   Audrey fugia de todo o conceito de glamour da época. Não usava peles, cabelões, piteiras ou decotes. Por ser muito magra e alta, ela se apresentava em entrevistas de sandálias sem salto, saia simples, e blusa comum. Cabelo curto e sem jóias ou adereços. Mas segundo Colette, o efeito era o de se estar diante de uma princesa. Veio Hollywood, e o mito nascia.
   Depois de A Princesa e o Plebeu, vieram Sabrina, Cinderela em Paris, Charada, My Fair Lady...eu nunca havia notado, mas Audrey tem apenas 5 filmes que eu realmente adoro. E para a história do cinema, se incluem apenas mais uns três. São oito filmes. Oito que são chamados de clássicos de Audrey Hepburn. Na carreira inteira são 20. O cinema tem apenas vinte filmes com Audrey...um quase nada em quinze anos de carreira. Uma pena.
   O livro expõe o longo casamento com o medíocre ator Mel Ferrer, ator que se pensava um novo Orson Welles, e que se ressentia do sucesso de sua esposa ( Audrey era a atriz mais bem paga de então ). Ela viveu casos em sets de filmagem, com William Holden, Peter O'Toole, Albert Finney. E são revelados os bastidores de My Fair Lady, o filme mais luxuoso já feito, onde Cecil Beaton e o diretor George Cukor brigavam sem parar. A ligação de Audrey com Givenchy é mostrada em tons nobres de amizade sem interesse, e temos bastidores de Oscar e de estréias. E na parte final de sua vida, o trabalho com a Unicef, na África. Para quem como eu, aprendeu a amar Audrey em filmes como o soberbo Charada e o encantador Cinderela em Paris, o livro é obrigatório. Harris não inventa, escreve simples, correto e corrido. Tem alguma elegância, é sóbrio e nada maldoso. Digno de seu tema.
   Livro da Nova Fronteira. Procure que é bom presente de Natal.
  

LEAN/ FREARS/ MALKOVICH/ LANG/ WOODY ALLEN/ POLLACK/ MERYL STREEP

   UM GATO EM PARIS de Felidoli e Bagnol
Melancólico. As crianças que assistirem esse desenho terão péssimas lembranças. Tem uma menina meia-muda que está deprê por causa da mãe, tem um ladrão de jóias meio down, tem um gato cool...Os traços do desenho são simples, esquisitos, feios. Este desenho parece servir apenas para preparar as crianças para os filmes que assistirão em sua vida adulta. Argh! Nota Zero.
   ADEUS, PRIMEIRO AMOR de Mia Hansen-Love
A jovem diretora francesa diz em entrevistas que Truffaut e Rhomer são seus mestres. De Rhomer não há nada em seu filme, de Truffaut há muito: delicadesa nas imagens, suavidade na edição, interesse genuíno pelos sentimentos. Na história simples e dolorida de um amor adolescente ( inocente ), há a constatação de que bom cinema é ainda possível. Bonito. Nota 7.
   LAWRENCE DA ARÁBIA de David Lean com Peter O'Toole, Omar Shariff, Alec Guiness, Anthony Quinn, Jack Hawkins
Qual o segredo de Lean? Este filme tinha tudo pra dar errado: um herói antipático, um enredo que fala de um momento histórico que poucos conhecem, excesso de metragem, pouca ação para um filme pop e caro. E milagrosamente tudo deu certo: o herói se faz um enigma, o roteiro diz o que quer com clareza, a duração do filme parece a exata, e a ação é percebida como ação-interior. Sucesso de público, sucesso de crítica, sucesso de premiação. A união de arte e entretenimento. A beleza plástica e boas atuações. Peter O'Toole era um desconhecido, aqui se tornou uma estrela ( e esse é outro procedimento que graças a Lawrence se tornou uma regra, fazer uma super produção com vasto elenco de astros, mas colocando um novato promissor no centro ), sua atuação é multi-facetada, complexa, por mais que o vejamos, menos o entendemos. Peter seria sempre um ator especialista em homens divididos, um grande ator. Nota MIL.
   AS LIGAÇÕES PERIGOSAS de Stephen Frears com Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Uma Thurman, Keanu Reeves
A trilha sonora de George Fenton é feita de belas fugas. A fotografia é do melhor fotógrafo de cinema dos últimos vinte anos, Philippe Rousselot, e o roteiro de Christopher Hampton ganhou todos os prêmios em todos os festivais. Este filme concorreu a vários Oscars, mas era o ano de Rain Man... De qualquer modo, revendo-o agora, após tanto tempo, seu impacto fica bastante diminuído. Em 1989 o considerei fascinante, hoje, após tantas obras-primas vistas em dvd, me parece apenas um bom filme. Glenn Close está maravilhosa em sua maldade, e na hora em que sente ciúmes, a transformação em seu rosto é fantástica. Malkovich não está tão bom. Seus olhos passam maldade, obsessão, mas não possuem a sedução que Valmont deve transparecer. Falta-lhe sexo envolvente, absorvente, o sexo que ele promete é frio e desinteressante. Michelle nunca foi tão bela ( poucas mulheres foram tão bonitas de um modo tão inocente ). O roteiro se baseia no famoso livro de Choderlos de Laclos, a história de um sedutor que é seduzido ( no livro, que é uma obra-prima, Valmont é muito mais cruel ), é o século XVIII, era de hiper racionalismo cínico, Valmont e sua amiga se divertem em seduzir e destruir. Stephen Frears continua a ser um dos mais interessantes dos diretores. Após este seu sucesso, ele voltaria ás produções pequenas ( por escolha pessoal ) e nos daria Os Imorais e Alta Fidelidade. Mas seu melhor filme é ainda The Hit, com Terence Stamp e John Hurt. Nota 7.
   O SEGREDO ATRÁS DA PORTA de Fritz Lang com Joan Bennett e Michael Redgrave
Uma milionária se casa com homem misterioso e passa a temer esse mesmo homem. Ele será um assassino? Este filme de suspense, que lembra dois ou três filmes de Hitchcock, não dá certo por vários motivos, os principais sendo o fraco roteiro e o desinteresse de Michael Redgrave. Ele é um excelente ator, às vezes mais que excelente, mas aqui dá pra perceber seu ar de tédio e sua expressão de sono. Joan se empenha, mas a mulher que ela faz é um cliché. Lang, é até ridiculo dizer, foi um dos grandes do cinema. Mas teve uma longa e irregular carreira. Ele era capaz de fazer uma obra-prima em janeiro e um lixo indesculpável em dezembro. Este não é um lixo, dá para se assistir até com algum prazer, mas não faz justiça a quem nele trabalhou. Nota 5.
   DESCONSTRUINDO HARRY de Woody Allen com Woody e mais Judy Davis, Billy Cristal, Tobey Maguire, Elizabeth Shue, Demi Moore, Paul Giamatti e Kirstie Alley
Quando o vi pela primeira vez, adorei. Mas ele não resiste a uma revisão. É enfadonho ( sou fã de Woody Allen, é triste dizer que ele é chato ), irritante até. Isso porque Allen nunca fez um "Woody Allen" tão sem graça. Ele passa do ponto e a história desse pequeno Dom Juan se torna um tipo de auto-elogio a uma alma atormentada. Quando ao final ele descobre que o culpado por seus fracassos afetivos não era ele, mas elas, a sensação que temos é de engodo. Ele era o culpado sim. Passamos hora e meia na companhia de um ser extremamente egoísta que nos entope com suas confissões nada interessantes. O pior lado de Woody Allen se mostra aqui: um hiper-narcisista que usa o cinema como sala de analista. Não me interessa sua dor, seu pessimismo. A familia que ele critica é um tiro pela culatra, eles parecem mais interessantes que ele mesmo. A relação com Shue chega a ser constrangedora. Judy Davis, grande atriz australiana, tenta e consegue dar vida ao fiapo de papel que lhe deram. Ela deveria ser Harry. Fujam!!!!! Nota 2.
   OUT OF AFRICA ( ENTRE DOIS AMORES ) de Sydney Pollack com Meryl Streep e Robert Redford
Os primeiros dez minutos anunciam uma obra-prima que ele não é. Nessas primeiras cenas há poesia e sentimento. Assim como no excelente final, digno de um grande filme. Mas as duas horas e meia que recheiam esses dois ótimos extremos, são "quase" grande cinema. Apesar de ter ganho um caminhão de prêmios, e de ter levado milhões de adultos ao cinema, Pollack erra em sua tentativa de fazer um filme à "David Lean". Pollack usa todos os ingredientes de Lean: uma longa história passada em lugar misterioso e exótico, ótimos atores, belíssima fotografia e trilha sonora grandiosa. Pontua tudo com cenas típicas de Lean, sol se pondo, um rio, um trem que passa. Mas porque, mesmo seguindo a receita, este filme nunca parece ser de David Lean? Qual o segredo de Sir David? Coragem. Pollack teme ser pouco pop e corta onde Lean deixaria alongar e alonga cenas que Lean cortaria. Quando Lean exibe uma paisagem ele se deixa relaxar, usufrui a beleza, nos faz entrar no filme. Pollack mostra a paisagem como quem exclama: -Olhem que bonito! E corta. Já Pollack estica diálogos sem interesse, cenas que Lean sempre interrompe para mostrar a vida lá fora. Bem...Pollack levou seu Oscar com este filme. Filme que se deixa ver, baseado em livro da grande Isak Dinesen, livro que conta sua experiência de plantadora de café na África. Meryl faz bem a escritora, mas há uma qualidade em Meryl que nunca mudou, a frieza. Admiramos Meryl Streep, não amamos. Redford é um caçador amigo e amante, homem radicalmente livre que adora ouvir as histórias que Dinesen lhe conta. Ele é a melhor coisa do filme. Redford é sempre bom de se ter numa produção. Nota 6.

EXUBERÂNCIA

   Vivemos tempos tímidos. As coisas são cada vez maiores, as pessoas, menores. Grandes gestos, paixões sem noção, sonhos absurdos. Descontrole. Tudo isso está em baixa. É um tempo de filmes tristinhos e de música certinha. O louco visionário sem rumo e sem segurança já era, morreu.
   Veja o video abaixo. Sim, o vulgar e pop video abaixo. Nele vemos um baixinho vestido com penas. E que vai a beira do palco mostrar o peito. Como uma criança nerd que acabou de descobrir o álcool, ele pula e batuca ao piano. Olhe o público. Pulam e jogam coisas e pasmem: dão gargalhadas! Enquanto isso, a banda, colorida, também ri todo o tempo. O que eu vejo sobre aquele palco tem um nome: exuberância. Nada de modéstia, nada de censura, nada do profissionalismo de carnavais programados. Simples e saudável exuberância.
  É disso que sinto falta. Da pouca vergonha dos sapatos plataforma e das bandas mal ensaiadas. Dos filmes caros, grandes, loucos e que não tinham nenhum público alvo. Do rock como festa de absoluto mal gosto. Exuberância total.
  Ter tido doze anos e vivido e amado e ansiado por tudo isso ( como mostram os filmes QUASE FAMOSOS e VELVET GOLDMINE ), isso não tem preço. É memória eterna. Memória que brilha, que ri, que arregala os olhos.
  Que coisa boa...

The Bitch is Back



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CARIBOU- ELTON JOHN ( O PRIMEIRO DISCO A GENTE NUNCA ESQUECE )

   Foi num Natal dos anos 70. Na loja Yaohan. Meu pai me deu dinheiro, e um dos meus presentes foi um vinil. Criança, eu adorava Wings, Harold Melvin e Elton John. Nas prateleiras da loja, lugar cheio de escadas rolantes e aço cromado, peguei o disco e mandei embrulhar. Na rua, atulhada de gente, pessoas com enormes pacotes, andei cantarolando "Beannie and The Jets". Era minha música favorita. Ela não está em Caribou.
   A banda de Elton John, a Elton John Band, entre 1972/1975 era do cacete!  Dee Murray, Ray Cooper, Davey Johnstone e o super baterista Nigel Olsson. Se voce ouvir as músicas gravadas nessa época, vai reparar que o instrumental é rock, é country, é soul, faz o diabo.
   Foi uma grande época para o pop. Tínhamos o pop negro arrepiando com o som da Filadélfia, o funk e o groove de New York. E um majestoso e adulto pop branco, que ia de Steely Dan à Rod Stewart, de Cat Stevens à Sweet. Mas quem reinava era Elton. Entre 71 e 76 ele colocou dez singles em primeiro lugar nos EUA e mais oito nos top ten. Na Inglaterra ele era chamado de rei do pop, o herdeiro dos Beatles. Não era. A praia de Elton era muito mais Elvis e Beach Boys que Beatles e Dylan. Em termos de música pra rádio, de melodia harmoniosa e arranjos sublimes, foi um mestre. Desde então, o único que obteve seu alcance, no pop branco, foi Madonna.  De U2 a REM, de George Michael a Coldplay, ninguém tem o número de hits de Elton. O único cara que pode fazer um show de duas horas só de sucessos como ele faz, se chama Paul MacCartney.
   Caribou é de 1974. Auge da Elton- mania mundial. A capa é das coisas mais ridículas já feitas. Uma enorme foto de Elton, camisa aberta, peito peludo, a camisa feita de pele de tigre e um cenário falso atrás. Na contra-capa, fotos da banda e de Elton com seu parceiro, Bernie Taupin. Abrindo essa capa, vemos uma foto imensa do rosto de Elton, autografada, e as letras das canções. Um detalhe: Elton não era levado a sério pela crítica. Era um tempo de letras políticas ou surreais. Bernie Taupin fazia letras simples. Era subestimado.
   Bitch is Back abre o disco. As guitarras rasgam o som, é um riff poderoso. O piano de Elton paga sua dívida a Jerry Lee e os metais negros da Tower of Power atacam. Mas é o ritmo, o baixo funky e a batera de Olsson que me aturdiam em 1974. Ainda me comovem. Bitch é uma festa. A cadela, após o imenso sucesso de Goodbye Yellow Brick Road, lançado meses antes ( Elton lançava um lp a cada nove meses e mais alguns singles cada seis meses. A concorrência era feroz), está de volta.
   Pinky vem em seguida. Uma doce e muito bela balada. Os vocais de fundo são de alguns dos Beach Boys. Harmonia pop de gosto muito refinado. Por favor me digam: alguém em 2011 faz música assim? Espero que sim.
   Grimsby volta a ter um riff de guitarra poderoso. É rock, é festeira. Tem baixo sacolejante, tem vocais de fundo harmônicos, tem bateria do cacete. E emenda com Dixie Lilly, uma canção do Mississipi, com apito de barcaça, banjo, violões e muita alegria. É deliciosa!
   Solar Prestige A Gammon é uma gozação com a nobreza inglesa. Cantada com sotaque de opereta, é estranhíssima. Não é rock, nem soul, nem folk. É anos 20. O antigo vinil terminava o lado A com You're So Static, onde os metais da Tower of Power dão um show. Vem o lado dois.
   I've Seem The Saucers é uma obra-prima. Começa solene, se torna sonhadora, e tem um arranjo sutil, com um milhão de vozes e de instrumentos. É linda, linda e sublime.
   Stinker é outra obra-prima. Um soul invocado das antigas. Elton canta de forma agressiva, forte, e a bateria de Olsson faz misérias. É um som áspero, negro, noturno.
   Don't Let The Sun vem agora e eu imagino a criança George Michael a escutando então. Todos a conhecem. É magnífica, ambiciosa, orquestral. E para fechar, Ticking, só voz e piano. Triste.
   Deste disco quatro canções viraram single e duas chegaram ao number one. Em 1974 ainda foi lançado o single de Lucy in The Sky With Diamonds e One Day. Em 1975 teríamos Pinball Wizzard, Philadelphia Freedom e o lp Captain Fantastic. Todos number one. Em 1973 o recorde: os singles de Goodbye Yellow, Beannie and the Jets, Candle in the Wind e Saturday Night, todos no topo, e mais os lps Goodbye Yellow e Don't Shoot Me. Mais os singles Sweet Painted Lady, Roy Rogers e Daniel. Tudo isso tocando no rádio do mundo todo. Trabalhava muito o cara...
   Mas em 1976, Elton cometeu dois erros: disse ser gay e comprou um time de futebol inglês. Ainda conseguiu enormes sucessos como Don't Go Breaking My Heart, mas a magia se desfez. Elton não era mais um "esquisito" e bem humorado ídolo pop. Ele agora parecia ser um debochado gay perigoso e muito grotesco. Se Bowie podia dizer ser gay e continuar no alto, isso se devia ao tipo de público que o adorava. Para eles, Bowie ser gay era mais uma qualidade do ídolo. O público de Elton não aceitou. Ele perdeu seus fãs infantis, seus fãs ingênuos, seus fãs conservadores. Sobraram os caras como eu, que amavam Bowie e Roxy e pouco se lixavam pra aquilo que eles faziam na cama.
   Quem começou a ouvir discos nos anos 80, percebe Elton como um tipo de Phil Collins. Quem começou a escutar música nos anos 90 o conhece como um tipo de George Michael velho. Entendam, ele deve ser comparado a Beatles, Beach Boys, Elvis, Stevie Wonder, Marvin Gaye ou Paul Simon, os grandes artífices do pop, do single, da harmonia. Phil, George, assim como Billy Joel e uma imensa constelação de cantores pop são sub-Eltons.
   Eu adoro Elton.
   PS: na internet Jack White diz que seu disco fundamental é um de Son House, um velho cara do blues. No video ele o coloca pra tocar e vemos que todo o som que Jack fez e faz é aquele. Eu devo ser um cara muuuuito pop. Apesar de adorar Son House, meu disco definidor é Rocket Man. Pra mim, o single perfeito.

LAWRENCE DA ARÁBIA- DAVID LEAN ( O FILME QUE SPIELBERG SEMPRE TENTOU FAZER )

   Em 1988 causou surpresa quando Steven Spielberg se uniu a Martin Scorsese para fazer algo que nenhum cineasta fazia na época: restaurar um filme. Ainda mais que era um filme, então, recente ( 1962 ), e nada obscuro. O filme era LAWRENCE DA ARÁBIA, obra que Spielberg sempre disse ser seu mais amado filme. Vencedor de vários Oscars, sucesso de crítica e de bilheteria, Lawrence se tornou uma mania tão grande que recordo que em minha sala de quinta série, em 1975, existia um aluno chamado Laurêncio, e outro de nome Lawrence. Homenagens ao filme que a professora de português logo confirmou.
  É um filme de arte. Ele tem pouquíssimos diálogos e cenas longas, sem ação. Mas os diálogos não são necessários, Lean fala com as imagens. Os cortes, poucos, chegam a ser milagrosos. Há logo no começo um corte que vai de um fósforo para um nascer do sol no deserto, que é milagroso. E a ação está presente não em tiros ou correrias, ela se faz naquilo que os personagens realizam. O filme é imagem fascinante, miragem.
  E é um filme popular. Com dinheiro gasto às toneladas ( quem o produziria hoje? ). Algumas cenas têm figurantes a perder de vista. O elenco é todo estelar ( menos Peter O'Toole, desconhecido na época ), e a equipe técnica é a mais brilhante. Começando por seu diretor. David Lean é um mestre, um tipo de diretor guia.
   T.E.Lawrence foi poeta, intelectual e soldado aventureiro. Acima de tudo ele foi uma figura estranha. Escreveu um livro, clássico, sobre sua experiência árabe: OS SETE PILARES DA SABEDORIA. O filme exibe sua ação em 1917, durante a guerra da Inglaterra contra a Turquia. A Turquia era a força que dominava o mundo dos árabes, e Lawrence, indo contra as ordens inglesas, se infiltra nesse mundo, se torna um árabe e tenta unir todas as tribos contra a Turquia. As tribos, hoje sabemos, jamais iriam se unir, o que causaria a construção das rivalidades entre Iran e Iraque, Siria e Jordania...
  Lawrence nada tem de herói convencional. Ele tem enormes crises de depressão, se perde em delirios, é muito vaidoso, tem medo da violência, erra. Jamais o filme mostra Lawrence como um homem simpático. Ele é um enigma, e ao final se transforma num tipo de deslumbrado biruta. Amamos o filme e admiramos o herói, mas nunca o compreendemos. David Lean atinge seu objetivo: Lawrence nos absorve, não nos convence.
  David Lean começou com obras-primas sobre Charles Dickens nos anos 40. Depois viveu uma fase de transição e a partir do final dos anos 50 construiu sua fama de diretor de épicos de arte. A PONTE DO RIO KWAI foi o primeiro. Depois vieram LAWRENCE DA ARÁBIA, DOUTOR JIVAGO, A FILHA DE RYAN e PASSAGEM PARA A INDIA. Aqui, como em PASSAGEM PARA A INDIA, o imperalialismo inglês é questionado. A Inglaterra ajuda a luta árabe contra os turcos para depois ser a nova metrópole. A história sempre se repete.
  Existem filmes que se tornam o paradigma de seu gênero. Desse modo, toda comédia romântica sempre aspira a ser ACONTECEU NAQUELA NOITE de Capra, e todo épico quer ser LAWRENCE DA ARABIA. De GANDHI a IMPÉRIO DO SOL, de A COR PÚRPURA a O PACIENTE INGLÊS, de CORAÇÃO VALENTE a O SENHOR DOS ANÉIS, todos esses filmes procuram o sucesso popular e de crítica que a obra-prima de David Lean conseguiu. Mais que isso, todos bebem em seu estilo. Trilha sonora, imagens imensas, movimento de figurantes, metragem ( LAWRENCE tem 4 horas que passam tranquilas ), tudo nesses outros filmes lembra, em modo de fazer e de tentar fazer, este filme. É um divisor de águas. Após Lawrence, o épico deixou de ser Cecil B. de Mille, e passou a ser David Lean.
   Mas acima de tudo o filme é uma experiência estética. Uma viagem mental e sensual pelas imagens do deserto. Já foi dito que Lean fez um filme sobre a areia. Sobre a luz e o calor. O que acrescento é que é também um filme sobre a arte de se fazer filmes. Filmes que dão tudo ao seu público, filmes que o entretém enquanto o enriquece. Filmes que são um evento.
   Spielberg falou em entrevistas que seu sonho era fazer um filme como este. Que ver LAWRENCE em 70mm, numa tela gigantesca, mudou sua vida para sempre. Que a cena de Omar Shariff vindo ao longe, como miragem, até surgir imensa e clara em seu orgulho de nobre, foi decisiva em seu estilo. Acrescento que mesmo em tela caseira, o filme se mantém impressionante. Lean faz as mais belas imagens e consegue nos conduzir pela mão atrás do louco soldado poeta. Inglês que pensou ser árabe e que se perde no deserto de sua ilusão.
   Assistir LAWRENCE DA ARABIA é um privilégio.

HENRY FONDA- TONY THOMAS ( UM AMERICANO TRANQUILO )

   Existem atores que conseguem, ninguém sabe como, simbolizar toda uma época, ou, mais que isso, têm em si tudo aquilo que um povo gostaria de poder ser. Gary Cooper é tudo aquilo que os americanos sempre desejaram ser: belo, elegante sem ser dandy, frio, corajoso e de poucas palavras. Fred Astaire é a imagem de uma época. Será sempre o retrato perfeito de uma era de cartolas, jazz, bengalas e chiffon. Henry Fonda, assim como James Stewart, não é aquilo que todos querem ser e nem representa época alguma. Ele é o homem que os americanos ( e eu ), gostaríamos de ter como médico, como chefe, como amigo, como presidente. No rosto de Fonda há integridade, inteligência, verdade. Nasceu para ser um herói, mas não herói de fantasia como Erroll Flynn ou John Wayne, Fonda é o herói anônimo, comum, o herói não-aristocrático, é o herói da democracia.
  Leio sua bio e vejo que até a idade adulta não há grande drama em sua vida. Pais de classe média ( a mãe conheceu a mãe de Brando ! ), escola, irmãos. Alguns trabalhos comuns e o sonho de ser ator. Ator de teatro. O grande diferencial de Henry Fonda é esse: o cinema sempre foi secundário pra ele. Nunca pensou em ser rico ( mas sim em viver bem ) e cinema era para ele um modo de sobreviver e de levar gente às suas peças. Ele odiava o ambiente de festas e namoricos de Hollywood e suas peças eram daquele tipo que fica anos em cartaz.
   Mas no inicio ele passou dificuldades financeiras no teatro e aceitou um convite para Hollywood com a intenção de sobreviver. Acabou preso a um contrato de sete anos com a Fox, mas sempre que podia escapava para New York. Fez muitos filmes ruins, mas ele pessoalmente jamais teve uma atuação fraca. Da maioria de seus filmes ele preferia não falar, mas de alguns ele sentia orgulho. "AS VINHAS DA IRA" de Ford, "CONSCIÊNCIAS MORTAS" de Wellman, "LADY EVE" de Preston Sturges, "THE 12 ANGRY MEN" de Lumet, "YOUNG LINCOLN" de Ford, esses seus filmes favoritos, mas ele ainda fez outros grandes papéis como em "THE WRONG MAN" de Hitchcock, além de outros com Fritz Lang, Otto Preminger, Anthony Mann e Sergio Leone. Em todos esses filmes ele sempre soube ser o personagem, jamais uma estrela. Os olhos eram seu segredo, quem o viu em qualquer um desses filmes sabe do que falo. O olhar de Henry Fonda era uma aula de atuação.
   Casou-se cinco vezes, os quatro primeiros casamentos duraram cada um menos de 5 anos. Casou-se com uma atriz ( Margaret Sullavan, durou um ano ), uma ricaça da Europa ( que se matou logo após o divórcio cortando a garganta ), e outras menos badaladas. Pai de Peter Fonda e de Jane, jamais se deu bem com ela, ele não entendia uma mulher que namorava alguém como Roger Vadim e que posava em fotos com os vietcongs.
   Foi indicado ao Oscar apenas 3 vezes e venceu na última. Dizem que não ganhava exatamente por ser sério demais, por ter desprezo pela política do cinema. Quando perdeu pelo papel de Tom Joad em VINHAS DA IRA, o mundo do cinema entrou em parafuso. É um dos maiores desempenhos da história. E é um filme que não envelheceu um dia.
   Em 1981 teve a justa homenagem. NUM LAGO DOURADO lhe deu a chance de contracenar com a filha Jane Fonda, e com Kate Hepburn, com quem nunca havia trabalhado. E no filme, ele fazia um pai que se reconciliava com a filha neurótica. Um pai frio, distante, ranzinza, chato. O filme fez sucesso ( tempos em que um filme com dois velhos ainda tinha chance ) e deu a Henry seu muito merecido Oscar, ( vencendo Warren Beaty, Burt Lancaster e Paul Newman. Kate também venceu, e suas concorrentes eram "apenas" Diane Keaton, Meryl Streep e Susan Sarandon ). Foi um justo final, dias depois Henry Fonda morria.
   Tenho alguns amigos que sempre souberam amar o cinema clássico, o velho veículo em seu apogeu. Para esses nada preciso falar. Eles sempre souberam o que significa ver hoje numa tela alguém como John Wayne ou Robert Mitchum. Mas são a meus amigos, que começam agora a sentir a força dessas personalidades, que escrevo. Ver na tela, em mais um papel, um ator como James Stewart ou Henry Fonda é mais que observar o trabalho de um grande ator. É reencontrar um amigo, um guia, um consolo. Não importa se na vida pessoal eles fossem como eu ou como voce, o que importa é que a máquina da produção e a arte de escritores e de diretores, criava uma imagem mítica, um símbolo para mundo carente de transcendência, uma luz que emanava da tela e entrava na vida.
   Voce aprendia a ser homem com Bogart, a ser sexy com Gary Cooper, a ser engraçado com Cary Grant. E a ser elegante com todos eles. E com Henry Fonda voce aprendia/aprende a ser um homem bom, digno, um verdadeiro herói.

CLINT EASTWOOD/ JEWISON/ HELEN MIRREN/ DE NIRO/ HUMPHREY BOGART/ TRUMAN CAPOTE/ JENNIFER JONES

   CAÇADOR BRANCO de Clint Eastwood
É o filme em que Clint faz o papel de John Wilson, diretor de cinema que parte à Africa para fazer um filme. É lógico que esse diretor é John Huston e que o filme é UMA AVENTURA NA AFRICA. Em 1989 foi este o filme, feito após Bird, que calou a boca da crítica que via em Clint um mero Charles Bronson que dirigia. O filme é belíssimo e tem uma grande interpretação do Eastwood ator. Nota Dez.
   ROLLERBALL, OS GLADIADORES DO FUTURO de Norman Jewison com James Caan
Eu odiei muito este filme! E o pior é que ele foi refilmado recentemente ( e foi um fiasco outra vez ). Fala de um futuro onde grandes corporações dominam tudo. E regem um esporte, o Rollerball, tipo de patinação onde vale tudo, inclusive matar. Jewison, que fez alguns bons filmes nos anos 60, erra feio aqui. Tem todo um pseudo-clima de 2001, uma seriedade tola, um visual pessimista e personagens desinteressantes. Um trombolho insuportável. Fuja!!!! Nota Zero.
   A TEMPESTADE de Julie Taymor com Helen Mirren, Chris Cooper, Alfred Molina, Djimon Noujou, Tom Conti e David Strathiam
Tenho uma enorme dificuldade para falar deste filme. O motivo principal é que sou apaixonado pela peça de Shakespeare. A Tempestade é uma sinfonia de poesia com algumas das mais belas falas já pensadas por um homem. É um texto canônico. Pois bem, Taymor toma algumas liberdades com a peça. Primeiro transforma Próspero em Próspera. Helen Mirren faz o papel. O mago que domina uma ilha se torna maga. Ok. Mas... porque? Segunda mudança: Miranda, a filha de Próspero/a vira uma magrelinha típica de filmes como Crepúsculo. E é óbvio que tanto Ariel como o amado de Miranda usam rostos e roupas de filmes teen. São todos péssimos. O filme abusa de efeitos especiais, luta para ser atraente aos jovens novos- românticos- tristinhos. Se torna um tipo de Shakespeare vampiro- pop. Em papéis menores, bons atores, atores que fiz questão de citar. E uma criação maravilhosa de Djimon Noujou, um Calibã cheio de lama e de ira, meio bicho, que domina o filme. Observe o modo como ele olha, como ele move o corpo. Uma pena o resto do filme não acompanhar esse nível. Julie Taymor faz concessões sobre concessões. Nota 3.
   OS ESPECIALISTAS de Gary McKendry com Jason Statham, Robert de Niro e Clive Owen
Os filmes de ação têm dois problemas hoje. O primeiro é a falta de vilões "aceitáveis". Os bandidos não podem ser mais simples comunas ou ladrões do terceiro mundo. Uma série de tabus, de leis do politicamente correto impede a criação de bandidos que não sejam parte do próprio país produtor do filme. Assim, os vilôes hoje são sempre parte de alguma corporação americana ou de algum grupo de ex-agentes ocidentais. Aqui os vilões são ex-soldados ingleses. Usando isso, faz de conta que o filme é "consciente". Eu prefiro a liberdade escapista de antes, os bandidos eram do mal e pouco importava de onde eles vinham ou de que raça haviam surgido. O segundo problema é aquele que aflige todo filme de ação desde que o cinema existe, a incompreensão do público "inteligente". Desde os anos 20 que filmes de ação são chamados em seu tempo de descerebrados, para trinta anos depois serem chamados de clássicos. Foi assim com Raoul Walsh, com Hawks, com Curtiz e com Hitchcock. Foi assim com Spielberg e Ridley Scott. Em seu tempo todos são chamados de vazios ou infantis, depois de algum tempo se descobre seu charme, sua eficiência, seu apelo. Creia-me, o western em seu tempo era tratado como lixo, assim como os filmes de pirata e de espiões. Hoje são o melhor do passado. Dito isso, este filme nunca será um clássico e jamais se tornará um novo Bullit ou Dirty Harry. Mas me divertiu e me deixou ligado. Jason nasceu para ser o "solitário", o cara que se vira sózinho. De Niro, pasmem, está aceitável como um velho assassino. É bacana ver em meio aquelas rugas e barba branca o velho olhar de MEAN STREETS. É o homem que fez Taxi Driver!!!! E temos Owen, que insiste em seu olhar de pedra e voz de robot. Funciona. Mas continua a me incomodar estes tempos em que assassinos assumidos são aceitos como "heróis". Matar é bonito? É cool ? Nota 6.
   O DIABO RIU POR ÚLTIMO de John Huston com Humphrey Bogart, Jennifer Jones, Robert Morley, Gina Lollobrigida e Peter Lorre.
Vejo pela terceira vez o muito famoso filme escrito por Truman Capote para John Huston. Foi o maior fracasso da vida de Huston ( que é cheia de fracassos ), é o grande "magnífico fiasco". Mas aconteceu algo de surpreendente com o filme, e com o tempo, a partir dos anos 70, ele foi criando uma fama de cult, de filme adiante de seu tempo, de modernismo radical. Hoje é chamado de obra-prima. Não é. É uma coisa estranha, carnavalesca, viva. De alegria estremada, fala de grupo de malandros, que ancorados na Itália, tentam dar golpes. É famoso o modo como ele foi feito. O roteiro era escrito por Capote no hotel, noite adentro, Huston pegando as folhas e as filmando pela manhã. Bogart nada entendia e acabou por brigar com Huston ( Bogey era o produtor e perdeu muito dinheiro com o filme ). Jennifer Jones está maravilhosa, de peruca loura, fazendo uma mentirosa obsessiva que seduz Bogey e é traída pelo marido. Todos os atores estão excelentes e são tipos engraçadíssimos. O filme é cheio de cenas hilárias. Há um naufrágio, árabes no deserto, policiais italianos e cenas de pastelão. Uma festa, mas... há algo nele que não funciona. As cenas não se grudam umas as outras, o filme parece não andar. É estranho, o filme é fascinante, nada intelectual, leve e alegre, mas ao mesmo tempo ele é truncado, sem rumo, vago. Sem dúvida um dos mais originais. Nota 7.

SAUDADES DO SÉCULO XX - RUY CASTRO ( UM LIVRO QUE VALE POR UM ANTI-DEPRÊ )

  Não me lembro exatamente em que Dezembro li este livro pela primeira vez, ( 1993? 1992? ), mas posso recordar que foi um prazer enorme. Na época Ruy Castro estava no auge de seu humor leve e borbulhante, humor que com os anos ele foi perdendo. Hoje ele é bem menos interessante.
  O livro traça breves perfis ( 20 páginas em média ), de 13 pessoas que para ele definem o século xx. Todas, ele diz, com vidas tão interessantes quanto a arte que produziram.
  De cara ele já explica: toda lista é discutível. O século xx de Ruy começa em 1920 e acaba em 1960. O que veio antes e o que surgiu depois não lhe é relevante. Mais que isso, é para ele um século americano, 11 são nascidos nos EUA, e os outros dois, o inglês Hitchcock e o vienense Billy Wilder, viveram décadas na América. São eles: Billie Holiday, Anita O'Day, Doris Day, Fred Astaire, Mae West, Orson Welles, Billy Wilder, Alfred Hitchcock, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, Humphrey Bogart, Glenn Miller e Frank Sinatra.
   A primeira coisa que se percebe nessa lista é a coragem de Ruy. Seria muito mais "pop" fazer uma lista SEM gente como Doris ou Anita, Glenn ou Mae West. Mas Ruy foi sincero, ele não fez uma enciclopédia sobre o século, como ele avisa, esse é O SEU século xx. Portanto não são os mais importantes ( embora Hitch, Sinatra, Bogart e Astaire sejam impensáveis fora de qualquer lista ), são seus ídolos, as pessoas que definem seu século. Mesmo assim ele diz ter sido cruel ter deixado de fora Bing Crosby, Duke Ellington, Groucho Marx, Cole Porter ou John Ford ( dentre outros ).
  Mesmo que voce não goste ou não conheça algum deles ( talvez voce seja filho do século xxi ), os textos são tão bem escritos, tão leves e brilhantes, que lê-los é sempre uma festa. E na verdade eu na época não conhecia Anita O'Day e não tinha interesse em ler algo sobre Glenn Miller. Valeu a pena, são ótimos e Anita se tornou uma cantora querida para mim, graças a Ruy Castro.
  Minha lista de 13 teria Astaire, Bogart, Hitchcock e Sinatra. Mas no lugar de Billie eu colocaria Miles Davis, em vez de Anita, Thelonious Monk. Substituiria Doris Day ( de quem gosto ), por Kate Hepburn e Mae West por Buster Keaton. Orson sairia para dar lugar a John Huston e John Ford tomaria o posto de Billy Wilder. Hammett cederia seu lugar a Evelyn Waugh e Chandler a Cole Porter. Por fim, Glenn Miller sairia para a entrada de Count Basie. Esse seria meu livro. E para quem reclamar de o porque de não nomes mais "sérios", minha resposta é a mesma de Ruy: é meu século. Pra mim o século xx é americano e tem esse jeito jazzy-hollywood, é o que mais vale a pena em tempo tão miserável de gênios e de heróis.
   Mas é claro que Ruy dá uma bela ideia, porque não fazer um SAUDADES DO SÉCULO XX- França, ou Itália ou Brasil ? Seria uma delicia!!!
   Não vou citar as frases engraçadas de Ruy Castro. Leiam o livro, ele é fácil de achar. O que direi é que ele vai te deixar louco pra conhecer todos os caras descritos, e ainda te dar uma bela sensação de conforto, luxo e calma. Aliás, luxo, conforto e calma é uma das características de todos esses campeões do século. Por mais dura que tenha sido a vida de Billie ou de Anita, por mais frustrante que tenha sido o destino de Orson ou de Mae West, o que eles nos deram ficou grifado como artigo de luxo, produto cheio de estilo, de requinte, de volúpia. O século xx de Ruy Castro é século de hotel novaiorquino, de drinque secreto, de gravata e chapéu e de estola de peles.
   Se define num filme de Fred Astaire, na elegância sob-pressão de Bogart, na voz de Sinatra e nas tiradas de Wilder. Como diz Ruy Castro, o resto é rocknroll.

FASCINADO PELA BELEZA- DONALD SPOTO ( A RELAÇÃO DE HITCHCOCK COM SUAS ATRIZES )

   Em 1966 François Truffaut, fã supremo de Hitch, disse que no futuro existiriam mais livros sobre Hitchcock que sobre Proust. Essa Truffaut acertou. Em qualquer livraria, em qualquer país do ocidente, sempre há um recente livro sobre Hitchcock na prateleira.
   Hitchcock adorava comida. Carne ( carneiro, frango, porco, boi ) e acompanhava tudo com batatas, pão e litros de sorvete. Conhecia vinhos e champagnes e também tinha afeto especial por charutos, cães e o time do West Ham. O cinema era para ele um prazer enquanto o podia fazer em casa, ou seja, na fase das ideias e da escrita. Dirigir nunca era um prazer. Daí que ele trazia tudo pronto para os sets. As cenas detalhadas, explicadas em folhas de papel. Na hora de rodar a equipe já sabia o que fazer, o que dava a Hitch a chance de dormir na cadeira ( é verdade, ele dormia durante as filmagens ) ou ir ler no camarim. Não que ele fosse desleixado. Ao contrário. Ele era daquele tipo de diretor que escolhia as roupas dos atores, o penteado das atrizes, a cor dos carros, o tom do verde das árvores. E é por isso que rodar o filme lhe era enfadonho. A obra já estava pronta, rodar era só fixar a coisa.
   Quando ligado, ele era um adolescente nos sets. Pregava peças ( portas que deveriam abrir que eram pregadas, poltronas que caíam ao chão, barulhos esquisitos ), e vivia falando palavrões pesados e contando piadas sujas. Provocava as atrizes, falava obscenidades em seus ouvidos e chegava a colocar enchimento na calça só pra ver a reação delas. Em tudo era como um colegial chato. O gorducho da última carteira.
   Não ligava pra sexo. Dizia que só o fizera uma vez na vida, e que fora o bastante. Era casado e essa única vez lhe dera a filha Pat. E os filmes são provas de sua vida "sexual". As mulheres são sempre mistérios ambulantes, os homens são seres curiosos sobre essa "alma" feminina. Hitch era duro com elas, ríspido, mal educado, e como todo homem sem sexo, imaginava que todas eram promíscuas. Na cabeça de Alfred Hitchcock, o mundo era um bordel no qual ele não fora admitido.
   Seus atores lhe eram indiferentes. Só notava sua presença quando eram ruins ou davam problemas. Se não, os deixava em paz. Não gostava de dirigir atores, apenas isso. Um filme para ele era feito de movimento de câmera, de cortes e de roteiro. O resto era blá blá blá. Mas com as atrizes ele se ligava. Normalmente se irritava com elas. Ou se apaixonava, sempre de forma insistente. E platônica. Ingrid Bergman foi uma grande paixão e foi a mulher que ele mais respeitou. Ela, rainha do cinema, soube levá-lo para a amizade. Grace Kelly foi outra paixão. E houve Tippi Hedren no fim, que foi aquela que mais sofreu com ele ( com Tippi, Hitchcock foi muito mais "direto". Houve assédio, um tipo de assédio que hoje seria caso de policia ).
  Ele fazia com elas aquilo que James Stewart em Vertigo faz, as recriava. Sonhava em criar uma mulher, fazê-la ser aquilo que ele desejasse. É um sonho adolescente. E é nesse conflito entre um modo infantil de ver o sexo, e uma maneira realista de ver a culpa e o crime, que Hitchcock construiu sua obra. Seus filmes têem o conflito básico de nosso tempo. A fantasia infantil versus a realidade crua e violenta.
   James Stewart era em seus filmes aquilo que ele era. Cary Grant aquilo que ele gostaria de ser.
   Spoto escreve de uma maneira simples e às vezes se torna "fofoqueiro" demais. Ataca o homem Hitchcock sem dó, mas defende apaixonado seus filmes. Pinta-o como sádico. Nem tanto. Ele era um gorducho inglês, recém saído do colégio jesuíta, um homem vitoriano, que se viu em meio a liberalidade do cinema, em meio ao sexo e às drogas. Como ele reagia? Com piadinhas bobas e agressividade vazia. E resolvendo seu interior com o "suspense". Suspense que ele criou ( não existiam filmes de suspense antes dele. Existiam filmes de crime ou de horror, mas não de suspense ), e em que ele podia brincar com seus medos e suas dúvidas.
   Não é um grande livro sobre cinema, mas é um divertido texto sobre a Hollywood em sua golden age. Leia.

ACUSAÇÃO MUDA ( MUDA MUNDO, MUDA )

   Não deu certo. A gente não entendeu nada, não aprendeu nada, não criou coisa alguma que valesse a pena criar.
   O que aconteceram foram apenas leves ameaças de melhora. Um poeta aqui, um lider lá, uma nova filosofia em dado momento. Mas essas possibilidades, essas "quase" melhorias deram em nada. Se fomos criados por um Ser superior, perdemos a conexão com esse Mentor e Ele de nós se apartou. Se somos um simples acidente, um acaso incriado, a direção desse acaso aponta para a extinção e o vazio absoluto. Falhamos. Somos fungo de laranja, nada mais que isso.
   ...
  O buraco foi cavado e o animal ficou mudo ao ser jogado lá. O destino daquele ser vivo é aquilo que aquele homem fizer e desejar. Ele desejou um buraco para ele, e jogou nesse buraco o cachorro vivo. A terra então foi jogada sobre esse bicho e com olhos mudos ele olhou o rosto do dono de seu destino. Olhos que foram logo cobertos por terra, pedra e lixo.
  A muda dor, o mudo protesto. Doze horas se passaram e nessas doze horas aquele ser soube que sua vida seria aquilo: terra, escuro, nada. Até ser resgatado, e poder, em outro destino sentir o ar livre outra vez. Mas ver a luz do dia, nunca mais.
 ...
  Eu não sou um idiota. Sei que neste momento crianças são jogadas no lixo, estupradas, acorrentadas. Eu sei. Mas eu resolvi escrever sobre esse cão sem nome, sem voz, sem nada. Porque vi em seu olhar a condenação muda de todas as nossas falhas. Estamos falhando. Quanto mais velho eu fico, mais certeza tenho de que nossa nobre missão ( a única ), seria a consevação da vida, de toda vida. Mas não é para esse lado que caminhamos. O cão é vitima de nosso mundo. Nós o envolvemos na rede de nosso tipo de vida, de nosso mundo. Ele somente estava lá, passivo.
  E seu olhar ferido nos condena. Mudo. Abismado. Para sempre calado.