WALTER SALLES E PONDÉ ( TRECHOS OU THE BEST OF... )

   Limpeza de arquivo de fim de ano. Vai pro lixo este ano minha coleção de Trips e recortes de Pondé e Walter Salles ( gosto de tudo isso, mas preciso de espaço ). Reproduzo o que mais me pegou dos dois.
   24/06/09. Walter Salles fala sobre o fim do cinema independente. Cito, não comento:
   Em vários países o cinema independente passa pela maior crise desde que há 50 anos a Nouvelle Vague e Cassavettes o inventaram.
   Nos EUA os estúdios fecharam várias distribuidoras que haviam criado para lançar ou co-produzir filmes. A New Yorker films, responsável pelo lançamento nos EUA de Godard, Kiarostami e Zhang-Ke, fechou. Mais de 90% dos filmes apresentados em Sundance nunca serão exibidos em salas de cinema. O paradoxal é que com a crise, se tornou mais fácil produzir um filme de 200 milhões que um de 5. A lógica dos estúdios é menos filmes com massivo lançamento. Produzir só o já testado. Não correr riscos. E tome sequels, adaptações de HQ e séries de TV. A safra de 2007 será a última interessante ( ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, NÃO ESTOU LÁ, SANGUE NEGRO ).
   Na Europa a politica cultural protecionista entrará em crise com a quebra do mercado. A TV, que lá ajuda a financiar filmes, passa a só produzir aquilo que possa dar ibope.
   Wim Wenders diz que um filme como ASAS DO DESEJO, hoje não encontraria produtor. Na época a decisão sobre uma produção era outra. Pensava-se a longo prazo, colocar um filme em poucas salas e dar tempo, para que ele criasse seu público. A questão é: mesmo se colocado hoje em poucas salas, há público para um filme como ASAS DO DESEJO?
   Foi-se o tempo em que EASY RIDER ficava vinte anos em cartaz numa sala de Paris. Essa sala, aliás, fechou em 2008. Uma rede de fast-food comprou o lugar.
   A crise de agora ( 2009 ) se refletirá em 2011/2012... que é quando o que se produz hoje ( 2009 ), entra em cartaz.

  Textos de Pondé, publicados entre julho de 2009 e outubro de 2010.

  Lembro-me do impacto que o livro MORRO DOS VENTOS UIVANTES teve em mim. Vi as versões do livro no cinema inúmeras vezes.
  A alma romântica habitando um corpo moderno enfrentará o mundo devastado pela arrogãncia idiota dos modernos, pela objetividade morta da ciência, pelo niilismo do dinheiro, pela certeza cética da inutilidade da verdade. Em uma palavra, será exilada.
  Romanticos aprendem a falar a lingua do mundo banal. Se voce o encontrar num desses jantares inteligentes o confundirá com a espécie mais cínica de pós-moderno. Rirá do amor, defenderá os bebes de proveta, afirmará a vitória do relativismo. Ele manipulará, como quem manipula germes, os códigos da vida devastada.
  O romântico não é um idiota nostálgico, ele é um sobrevivente. Sente-se como uma espécie caçada, um mutante nascido em ambiente hostil. Esse ser é mais perigoso que voce, que ri cercado pela crença boçal de que o mundo seja seu.
  Quem se sabe desde o inicio derrotado detém uma fórmula de poder invisivel que o torna perigoso. Porque não combate pela vitória, mas sim porque sua natureza é combater pelo não-futuro. Resistir é nesta alma uma primeira natureza.
  O romantico é uma espécie de contradição insolúvel no progresso definitivo da vida programada. São caçados como praga. São inimigos de uma vida perfeita.
  O desafio para um romantico é aprender a lidar com suas sensações num mundo onde elas nada significam.  Ao encontrá-lo devemos ter por ele o respeito que merecem as espécies em extinção.

  Um homem deve reconhecer seus ancestrais. Existem várias formas de ancestralidade. Nossos autores prediletos são nossos patriarcas.
  O ceticismo dos gregos, de Montaigne, de Hulme abalou para sempre minha capacidade de ter fé na razão, não em Deus, como pensa a vã filosofia. Nunca acreditei muito no ser-humano. Santo Agostinho e Pascal me ensinaram que o cristianismo é a história de um homem combatendo, ingloriamente, sua natureza afogada no mais sofisticado orgulho e na mais profunda inveja (de Deus ).
 
 

WHITE HUNTER BLACK HEART- CLINT EASTWOOD

   Em 1950 John Huston se mandou pra África. A ideia era filmar em locações reais THE AFRICAN QUEEN, tendo Kate Hepburn e Bogart no elenco. Mas o que Huston queria mesmo era caçar elefantes. Peter Viertel foi um dos roteiristas do filme, e depois do lançamento da pelicula ( que deu Oscar de ator a Bogey e fez um grande sucesso ), editou um romance sobre os bastidores da obra. É considerado um dos grandes livros sobre cinema. Em 1989 Clint Eastwood fez um filme sobre o livro de Viertel. É excelente.
   Acompanhamos John Wilson ( Huston ) da Inglaterra, em seu palácio ( mas apesar desse luxo, trata-se de um homem falido ), até a África. E o que vemos é a exposição detalhada de uma filosofia de vida: Só vale a pena na vida aquilo que põe em cheque tudo o que voce já tem. Só vale conhecer aquilo que vai contra o que voce conhece. E a felicidade só pode ser achada onde o risco absoluto mora. Clint Eastwood interpreta de verdade aqui, faz um trabalho de ator. O modo como ele segura o cigarro, o tipo de riso, a tosse seca, é tudo John Huston. O filme é um estudo sobre essa personalidade, sobre suas manias, sobre sua loucura. Mais que isso, ele exibe o tipo de Homem-sem-medidas, um tipo de macho pré-dietas, pré-feminismo, um ser inconsequente, desbocado, sem firulas. John quer o que quer, pouco liga para o que seria correto fazer. E sempre paga por isso, sem culpar alguém. É uma figura realista, desencantada, desiludida, que nada espera da vida a não ser poder viver.
   No filme ele diz várias vezes que a melhor arte é simples. Que Stendhal, Flaubert eram simples. Não se engane, ser simples não significa ser simplório; ser simples é ir ao que realmente importa, não enrolar com falsas ilusões, sempre atacar o cerne das coisas. Para John o ser simples é pensar sempre em vida e morte. O que tem valor é essa oposição/complitude: viver e morrer. Todo o resto é fantasia. Por isso a caça, o risco, a falta de cuidado.
   François Truffaut quando critico de cinema adorava falar mal de Huston. Para o francês, era ele o pior diretor do mundo. Um cineasta sem estilo, que fazia filmes sem paixão pelo cinema. Truffaut errou. Ele, cineasta que vivia só para os filmes e as mulheres, jamais poderia compreender o cinema de alguém que não vivia para os filmes e as mulheres. Antes do cinema e dos casamentos, John colocava várias coisas. Viajar, apostar, caçar, escrever, brigar, pintar. E é delicioso ( para um certo tipo de expectador ), ver Clint Eastwood/John Huston se mover, falar, brigar, mandar tudo à merda, rir, xingar e começar a dirigir seu filme. Errar todo o tempo, mas  como ele diria: "Por Deus, que magníficos erros!"
   Não é o melhor filme de Clint, mas nenhum outro de seus filmes me dá tanto gosto, me ensina tanto ( jamais esqueçam que Clint é um cineasta moral ), e me dá prazer como este admirável Coração de Caçador.

Diego Velazquez



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A PINTURA SERVE PRA QUÊ? ( VELAZQUEZ )

   1599. Nasce Velazquez em Sevilha. 1599. Shakespeare está escrevendo na Inglaterra. 1599. O barroco se aproxima. Tempo de escuros e de sóis, de céu e de danação. A carne e a alma em movimento. A Espanha começa a se afundar e França com Holanda serão o presente. Velazquez jamais passará necessidades, será o pintor do rei, viverá no palácio onde pintará a familia real e tudo que a cerca. Será ao mesmo tempo um escravo desse mundo, sua vida está dentro daquelas paredes e ao lado daquela gente. Faz duas viagens à Itália e lá se maravilha com Caravaggio e Bernini.
  1625. Velazquez é um homem belo, forte, de bigodes e veludos, de sedas e de ouro. E pinta. Talvez tenha sido o maior pintor que o mundo já viu. Talvez não, esse pintor maior pode ser Rembrandt. Os dois viveram nesse período, a época das sombras, das peles rosadas, das carnes opulentas e dos espíritos inquietos.
  As Meninas é a mais famosa pintura de Velazquez, e não é dela que vou falar. Não posso me dar esse esforço, é arte que está distante da minha escrita, seria como uma formiga tentando escrever sobre o planeta. Mas talvez eu possa simplesmente escrever impressões, jogar imagens como quem pinta. Mas As Meninas é vasto demais, grande demais, tem tantas possibilidades de abordagem que vários volumes não o esgotariam. Na verdade ele não é um quadro ou uma pintura, é mais como uma realidade colocada diante de quem a olha, vida congelada para sempre, um momento de realidade mais vivo que a própria vida. Um continente de significados. Não, não falarei das Meninas.
   1635. As Lanças. Está no museu do Prado, em Madrid. Nos esmaga. Nesse encontro de dois exércitos que assinam a carta de paz, eu vejo a vitória da arte. Lá há mais engenho que em qualquer ciência, mais razão que em toda equação, mais narrativa que no melhor romance. O castanho do cavalo brilha e os pretos e os vermelhos hipnotizam. Os rostos surgem em meio a massas de escuridão e cada um desses rostos é único. Ninguém nunca pintou rostos como esse espanhol. Respiram, me vêem, falam comigo. Sei que não podem se mover, mas se movem melhor que eu. Velazquez conseguiu o maior dos milagres, venceu o tempo. O tempo aqui é cativo de seu pincel. Aquele dia está escravo, para todo o sempre. E as lanças apontam aos céus, retas e duras, abstratas. E o castanho do cavalo se move indiferente a mim. Esses homens me humilham, são maiores que eu. Me humilham, são melhores que eu. É uma arte perdida, Velazquez criava vida.
   1650. Vênus ao Espelho. Sobre o veludo que é mais macio que o veludo que eu posso vestir, um corpo de mulher, nú, exibe sua indiferença. A pele é a mais bela pele que um homem pode imaginar, Velazquez a realiza. A curva do dorso é a mais sensual curva que um corpo de mulher pode um dia ter exibido. Velazquez a congela para que nós possamos atestar sua beleza. E a opulência das carnes redondas é o mais insistente apelo ao sexo que um homem pode suportar. Pois Velazquez cria esse apelo, cria e o dá para nós. Essa Vênus, mais perfeita imagem, é a constatação daquilo que um homem vê quando vê o amor primeiro. O pintor soube rever e reter.
   1622. Retrato de Luis de Gongora. Em meio ao negro das vestes pesadas, o rosto brota como algo que será jamais esquecido. Esse rosto discursa, blasfema, reza, e vê. Esse rosto não é apenas para ser visto, eu juro que ele pode nos olhar. Velazquez faz uns olhos que são a imagem primeva dos olhos. Esse homem vive nessa tela, vive e nos vive.
    E é para isso a pintura. De todos os nossos sentidos, é o olhar o mais desenvolvido. Somos o que vemos, vemos aquilo que entendemos. Então entender Velazquez, saber saborear sua genialidade, é ver melhor, entender melhor, viver melhor. Cortar a face apressada da vida e olhar o além do tempo. Interromper o fluxo sem sentido do nada e obter o testemunho da eternidade. Olhar, olhar, olhar, olhar, e conversar com esses quadros, com essas pinceladas. Deixar-se ser olhado por elas e suportar o confronto com essa magnifica grandesa. Não se deixar intimidar por ela, tentar subir até sua altura. Ser nobre.
   Nunca houve pintor mais nobre. Sua arte é inteligência visual. Tudo fala, tudo se move, tudo vence.
   Tenho orgulho de ser de sua espécie. Me embaralho nesses tecidos cheios de dobras e de meandros, me fascino com os bordados dourados e os desenhos vermelhos. Sinto a sensualidade dos escuros e dos cantos e me surpreendo com os graves rostos iluminados pelo fogo e pelo desejo. Mundos dentro de mundos, vidas dentro de tintas, segredos de magia, de rendados e pesados destinos. Os olhos grandes do rei, os pelos dos cachorros e a saia da infanta. E Velazquez, entre anões e bobos, pintando e pintando sem parar. Capturando, enclausurando, nos dando tanto. Maravilhoso século XVII, maravilhosa Espanha, Sevilha... Quero viver nessa penumbra quente.

HUSTON/ BOGART/ HITCHCOCK/ SAM SHEPARD/ POWELL/ DIETRICH/ HARRISON FORD

   UMA AVENTURA NA ÁFRICA ( THE AFRICAN QUEEN ) de John Huston com Kate Hepburn e Humphrey Bogart
Alguém não conhece a história? Na África alemã, em plena guerra, Kate, uma missionária, tem sua igreja destruída pelos germanos. Bogey é um grosseiro barqueiro que a tira de lá. Na viagem que os dois fazem pela África ( a African Queen é o nome da velha barcaça enferrujada ), vemos o encontro de dois tipos distantes: uma senhora bem comportada e rígida e um ingênuo beberrão das classes mais baixas. O filme deu o Oscar de ator a Bogey ( derrotando Brando em "Um Bonde..." ). Peter Viertel escreveu um livro sobre as filmagens. A equipe isolada na mata, insetos, água contaminada, caçadas, tribos hostis. Clint Eastwood fez um excelente filme sobre a feitura deste filme. Clint faz um ótimo John Huston. O filme é ingênuo, tem sabor de velhas matinês, de sessões de cinema com muita pipoca e poltronas de veludo. Os dois atores estão brilhantes, Kate dando um show fazendo um tipo de velha de igreja que aos poucos se encanta com a aventura e cai de amores por Bogey. Bogart domina o filme. Faz um tipo de grosseiro sujo de bom coração. É bonito ver como ele vai perdendo a vergonha e começa a encarar aquela senhora fria como uma mulher. Um clássico. Nota DEZ.
   PAVOR NOS BASTIDORES de Alfred Hitchcock com Jane Wyman e Marlene Dietrich
No livro de Scorsese ele tece imensos elogios a O Homem Errado, um dos filmes de Hitch menos conhecidos e dos melhores. Este também é pouco conhecido, mas não é dos melhores. Há uma falha da qual Hitch nunca se perdoou: um falso flash-back no começo. Nesta história em que devemos descobrir quem é o assassino falta um vilão mais forte, mais absorvente. Nota 6.
   AS 3 FACES DO MEDO de Mario Bava
No começo dos anos 60 houve uma voga de filmes italianos de horror. Filmes baratos, exagerados, cheios de clima. Bava foi um dos principais nomes desse momento. Aqui temos três histórias de medo  e de desespero. A primeira é fraca, mas as outras duas são muito boas. Há a história de uma aldeia assombrada por vampirismo. Um visual maravilhoso ( e cliché ) leva nossa atenção até o fim. Mas a terceira história é realmente assustadora. Fala da maldição sobre uma ladra de cadáver. Bava cria um horrendo clima de pesadelo. É quase uma obra-prima. Na média, nota 7.
   ASSALTO EM DOSE DUPLA de Rob Minkoff com Patrick Dempsey e Ashley Judd
Se voce desculpar a infantilidade das falas e a tolice da situação poderá até se divertir. É sobre um assalto duplo a banco. Um bando hiper modernoso e organizado, e uma dupla de caipiras fazem esses dois assaltos. Dempsey é um "esquisito" que estava lá e Judd a caixa do banco. É uma comédia. Ok dá pra passar uma sessão razoável no cinema. Pelo menos ele é curto e não tenta ser "de arte". Minkoff dirigiu 'Stuart Little". Judd, que sempre foi belíssima, está perdida no filme, seu papel é quase nada. Nota 5.
   BLACKTHORN de Mateo Gil com Sam Shepard, Stepehen Rea e Eduardo Noriega
Todo diretor sonha em fazer seu western. É uma questão de honra. Aqui temos um western espanhol com equipe americana. Duvido que passe nos cinemas daqui. Fala de Butch Cassidy. Mas não é um tipo de continuação do célebre filme com Paul Newman e Redford. Vemos Butch morando na Bolivia, velho. Ele resolve voltar aos EUA. Mas nessa tentativa de retorno se envolve com ladrão espanhol e tudo acaba dando errado. Porque todo western de hoje tem de ser triste? Pudor de fazer um simples faroeste escapista? Shepard dá dignidade ao papel. É um cara admirável. Autor de teatro, escreveu o roteiro de Paris Texas de Wenders e de Zabriskie Point de Antonioni. Foi o herói, perfeito, em The Right Stuff ( o Chuck Yeager que ele faz é inesquecível ), e se casou com Jessica Lange!!! Que cara!!! Mas este filme é meio flácido. Nota 5.
   CAVALGADA TRÁGICA de Budd Boetticher com Randolph Scott
Um cowboy leva mulher que fora raptada pelos indios de volta a seu marido. Um bando de tipos suspeitos o acompanha. Budd faz westerns simples, crús, como devem ser. Mas este dvd recém lançado tem um grave problema: péssima imagem!!! As paisagens se tornam pálidas, o filme perde todo seu visual. Sem nota.
   COWBOYS ALIENS de Jon Favreau com Harrison Ford e Daniel Craig
Mais uma turma que sonhava em fazer seu western. Mas isto é mesmo um filme do gênero? Tem cowboys, cavalos, poeira e tiros, mas não tem espirito, alma, vida. É apenas uma barafunda de socos, sangue, correrria e pulos no vazio. Craig é um ator que segue a cartilha Stallone de interpretação: cara de fodão e grunhidos de besta; e Harrison Ford, o nobre herói de tantos filmes não soube administrar sua carreira, chega a dar pena vê-lo fazer escada para Craig. Se voce abstrair que aquilo tenta ser um western e esquecer que Craig tenta ser um ator, pode até rir das cenas de ação e do visual falso. Nota 3.
   O DETETIVE DESASTRADO de Robert Moore com Peter Falk, Ann-Margret, e um vasto time de bons atores.
Ann-Margret foi uma das atrizes mais sensuais do cinema. Vulgar, ferina, tola, esperta, bonita, inebriante. E Falk um grande ator, um soberbo comediante, e o "Columbo" da Tv. Este filme satiriza filmes de Humphrey Bogart e tem roteiro de Neil Simon, escritor que foi um dia ( anos 60/70 ) um tipo de rei da Broadway. Com tudo isso, o filme não engrena. Voce ri muito de algumas cenas, mas em seguida o ritmo cai. Daí voce dá gargalhadas, e vem outra vez uma longa sequencia sem interesse. É um exemplo de filme mal dirigido. Nas mãos de um Mel Brooks seria delicioso. Uma pena... Falk faz um Bogey maravilhoso. Nota 4.
   OS CONTOS DE HOFFMAN de Michael Powell com Moira Shearer
Powell... que diretor ambicioso!!! O que dizer deste filme? É uma obra de arte? É um fiasco? É lindo? É vulgar? Trata-se de uma ópera, não tem um só diálogo. Dança ( tipo ballet ) e canto. Fala de amor todo o tempo, do poeta e seus três tipos de amor, o puro, o profano e o artificial. O filme, hiper-colorido, com aquele technicolor do qual Scorsese tanto sente falta, tem algumas cenas que são de jamais se esquecer. Há uma que mostra uma carruagem estilizada que chega perto do sublime. Por outro lado tem várias cenas dignas de carnaval. O filme é todo feito em estúdio, cheio de trucagens, de fantasia ( penso no que Powell faria com os efeitos digitais de hoje ). Se voce viu Moulin Rouge sabe do que falo, Luhrman é fã deste filme. O elenco tem alguns dos melhores bailarinos da época, e se Moira Shearer é responsável pela inspiração de várias meninas que se fizeram bailarinas, Ludmila Tcherina é tão bonita que chega a parecer um pecado. O filme, cansativo, produz um efeito de sonho, e causa uma surpresa: ao assisti-lo voce se irrita com seus defeitos e se entedia com seus momentos longos, mas dias depois voce sente desejo de o rever. Powell foi um gênio. Barroco, exagerado, sem medidas, mas brilhante e jamais comum. Sem nota.
  

Joe Cool at the supermarket



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PEANUTS- CHARLES M. SCHULZ

   Minduim passava na TV quando eu era criança. Eu adorava. E tinha o jazz de Vince Guaraldi que me dava uma sensação boa, de bolo recém assado. Tinha um lado tristonho. Eu pressentia que seria um Charlie Brown da vida. Nunca um Snoopy. Com a idade fui me transformando em Linus.
   Tantos anos mais tarde ainda me emociono com Peanuts. E admiro o fato de Schulz ter desenhado todas as tiras, sózinho, por toda a vida. Ele era um poeta. Um poeta de verdade. Há tanto para falar de Charlie Brown. Ele antecipa o humor de Woody Allen em mais de dez anos. Um pequeno neurótico, com medo de tudo, sempre perdendo, sempre suspirando. O sorriso de Charlie Brown é profundamente comovedor. Não há sorriso mais triste que o dele. Mas Peanuts não é só Charlie Brown. Já foi dito que na galeria de personagens de Schulz estão presentes todos os tipos de neurose moderna. De Marcy até Schroeder, toda a gama de tristezas e de ilusões está representada. Mas em meio a eles há Snoopy.
   Snoopy representa a saúde mental plena ( não são palavras minhas, mas as assino embaixo ), ele é realista, apesar de seus sonhos com o Barão Vermelho e o Legionário. Snoopy percebe o ridiculo das vidas ao seu redor e é feliz com seu prato cheio e sua casinha de madeira ( onde há uma biblioteca e uma sala de jogos ). Snoopy não fica apavorado a toa, e quando resolve se mover, resolve as coisas. E sonha. Sonhos reais, sonhos dos quais ele não tem vergonha. Sinto que Schulz, como eu, adoraria ser Snoopy.
   O que me encanta na vida dos Peanuts é seu espaço. As ruas são imensas, as casas têm jardins, há lugar para as crianças viverem. Mas ao mesmo tempo tudo é desolado, vazio, melancólico. O fato de tiras tão tristonhas serem as mais populares do século XX diz muito sobre o que foi essa época. Charlie Brown arremessa a bola e sabe que vai errar. Mas continua arremessando. Snoopy vem e lhe mostra a lingua... o que mais Charlie Brown pode fazer? Suspira, diz "Que puxa...", e continua jogando. E erra.
   Snoopy dança, o que confirma a teoria de que todo filósofo verdadeiro deve saber dançar. Não que ele "saiba" dançar, mas ele dança como sabe... então ele sabe! Quando Snoopy vira o personagem Joe Cool o mundo faz sentido.
   Guardo os livros de Schulz ao lado dos livros de Rilke, Yeats e Whitman. Pra mim faz todo o sentido. É culminância de um tipo de arte. Schulz foi um gênio intuitivo.

TINTIM- HERGÉ

   Spielberg está finalizando um filme sobre Tintim, o herói criado pelo belga Hergé, herói que é a décadas imensamente popular em todo o mundo. Mais que isso, é Hergé o homem que inaugura um tipo de quadrinho europeu, de aspecto mais realista ( mas não real ), e de composição mais "limpa", organizada. Qualquer página de Tintim que voce abrir ao acaso lhe dará uma impressão de ordem, de quadrinhos bem divididos, de traços harmoniosos.
   A primeira experiência que tive com esse herói não foi boa. Foi numa série de Tv, que era exibida pela Tv Bandeirantes, décadas atrás. Não é a mesma série canadense, boa, que depois foi exibida pela Cultura. Eram desenhos de muito blá blá blá, e além de tudo, Tintim com aquelas meias de lã e o topete esquisito me parecia um nerd dos mais enjoados. Coloquei-o de lado e só voltei a Tintim na idade adulta. Foi quando li "O Segredo do Licorne" e me peguei vibrando com o talento de Hergé. Comprei todos, livros de capa dura, ainda da editora Record.
   Hergé não viaja. É Tintim quem viaja. Hergé pesquisa em casa, com fichas onde anota tudo sobre os países onde se passam as aventuras. E desenha. Desenha de forma naturalista, com detalhes, de uma forma clara, simples, correta. Hergé nunca vai te pegar pela criatividade, ele te encanta pela correção. E Tintim, um menino sem segredos, tipo de repórter, com seu cão Milou, um schnauzer branco, vai ao Tibet, a India, aos EUA, a Lua até. Sempre correndo de lá pra cá, sempre com pressa. O capitão Haddock surge após alguns números. Capitão bêbado, que tem um jeito engraçado de blasfemar ( seus sicofantas, macrocéfalo, rocambole, canibal, ectoplasma, filoxera, flibusteiro.... ), Haddock que se torna personagem mais "colorido" que Tintim, capitão pessimista, sempre nervoso, que não pensa.
   Será que Spielberg vai conseguir tornar Tintim famoso também nos EUA? Em entrevistas ele diz que quando o descobriu se apaixonou na hora. Mas haverá em meio a tantos heróis barulhentos e ultra-violentos, poços de neuroses e de machismo simples, haverá lugar para um rapaz que parece tão... cálido? Espero que sim. Seria muito bom se Tintim se tornasse um grande sucesso de cinema.
   Releio então alguns números de Hergé. Ainda são bons. Não me pego mais "dentro" da aventura. Infelizmente o tempo fez com que se criasse uma parede entre eu e Tintim. Mas ainda há prazer, ainda admiro a beleza dos traços, das linhas puras e limpas, do colorido suave. Na verdade é um filme que desejo muito assistir. Vamos esperar e torcer...

CONVERSAS COM SCORSESE- RICHARD SCHICKEL

   Martin Scorsese descreve, nesta longa conversa com Schickel, o bairro onde nasceu. Se voce assistiu a "Goodfellas", é aquilo, máfia, gangues de rua, becos sujos. O pai, estoico, tentava não se envolver com a máfia, a mãe, mulher sábia, cheia de ironia, cuidava de Martin, que sofria de asma. O pai o levava ao cinema toda semana, e em casa o jovem Scorsese desenhava os filmes que assistira. Ele amava westerns e épicos sobre a antiga Roma. E tinha um sonho: ser padre.
   Esse é o inicio desse belo livro de Richard Schickel, uma longa entrevista com aquele que é o principal diretor de cinema da América em atividade. Martin gosta de falar e mais que tudo, ele realmente ama o cinema. É bonito ler suas palavras sobre Gary Cooper, John Ford, Rosselini ou Howard Hawks. A descoberta do neo-realismo italiano com seus pais, na TV, e a longa análise que ele faz sobre "Rastros de Ódio".
  Várias curiosidades são expostas. O fato de que foi Martin quem deu o pontapé para Wes Anderson fazer a "Viagem a Dajeerling", Wes teve a ideia ao ver 'O Rio Sagrado" de Renoir ( e filmes de Satyajit Ray ), indicado por Martin. Os bastidores de Woodstock, filme-festival que ele co-dirigiu, mas do qual foi garfado. ( Interessante observar que Woodstock deveria ser um festival "normal". Nada havia sido programado em termos de filmagem ou cobertura de midia. De repente as pessoas vão chegando do nada e o evento se torna monstruoso ). A explosão de 'Caminhos Perigosos", e dá pra notar que é um dos favoritos de Martin até hoje. De Niro, um cara calado e cheio de ideias; e o mentor de Martin, Michael Powell, um gênio do cinema inglês e que acabou por se casar com sua montadora. Aliás, foi Powell que o aconselhou a aceitar a direção de Goodfellas.
   Scorsese recorda a beleza do Technicolor, as cores fortes ( ao contrário dos filmes de hoje, que têm cores esmaecidas, mortas, frias ). A produção de 'O Aviador", que tenta reproduzir o colorido dos filmes em technicolor, ( o sistema technicolor não existe mais. A Kodak aposentou a revelação e produção dessa película. Era um sistema caro demais. O último filme foi "O Poderoso Chefão II" ). É triste observar o fato de que hoje não se pode mais fazer filmes como 'O Poderoso Chefão" ou "Apocalypse Now". Existe toda uma gama de temas e custos proibitivos. Filme caro só se for para os teens, filme ambicioso tem de ser barato.
   O contraste entre o cinema de Martin e o de Eastwood. Martin, um italiano que cresceu com rock, ( ele é louco por Stones, Dylan e The Band ), e faz filmes intensos; e Clint, um tipico americano da California, que cresceu com cool jazz e faz filmes sóbrios, controlados. E observamos que isso se reflete até nos gostos pessoais. Se Clint vive citando Kurosawa, Leone e Huston; Martin cita Visconti, Fellini, Hitchcock, muito Bergman e um monte de Elia Kazan.
   O mais delicioso são os pequenos filmes geniais que Martin adora. Filmes de Wise, de Fuller, de Anthony Mann. Elogia Frank Capra, James Stewart e Henry Fonda. E diz que agora, mais velho, anda vendo muito Michael Powell, Carol Reed, Jean Renoir, e principalmente Carl Dreyer. Ele considera "A Palavra" uma obra-prima. E se emociona ao contar como teve sorte em ser um jovem cinéfilo nos anos 60. Bergman estreando filmes novos a cada nove meses, e mais Cassavettes, Pasolini, Olmmi, Bertolucci, Antonioni, Bunuel, Godard, Kubrick...
   Scorsese conta filme por filme. O mais dificil de fazer foi "A Ultima Tentação de Cristo", filme que sentimos ser aquele pelo qual ele mais lutou, mais se entregou, mais sonhou em fazer. E ficamos sabendo que a mais de dez anos ele sonha em fazer um filme no Japão, sobre missionarios católicos para lá enviados no século XVI. Ninguém quer produzi-lo. Enquanto isso ele faz "A Ilha do Medo" e prepara um documentário sobre George Harrison e um longa de ficção sobre Sinatra. Tudo na esperança de um dia fazer o tal filme japonês. Nos bons tempos da Warner ele já teria sido feito...
   Ele fala da barbárie. Que é óbvio que estamos caindo degrau a degrau e que pelos próximos duzentos anos estaremos em mundo de extrema violência. Filmes, músicas, jogos, linguagem, tudo nos prepara para esse mundo. Martin diz que os ídolos de hoje são todos guerreiros, lutadores e impetuosos, nada há que faça com que admiremos a doçura, a caridade ou a compaixão.
   Martin preserva filmes. Gasta seu dinheiro nessa paixão. Tira antigos filmes do ostracismo. E os exibe para seus elencos antes de suas filmagens, para que saibam o que ele deseja obter. Daniel-Day Lewis é um ator que conhece profundamente o cinema clássico, e Leo di Caprio aprendeu com Martin, ( "Out of Past" de Jacques Tourneur, se tornou o filme favorito de Leo nas filmagens de "Os Infiltrados" ).
   Fracassos ele experimentou vários. 'New York, New York" foi o maior. Uma tentativa desastrada de fazer um musical com as cores de Minelli e o drama de Scorsese. "Os Infiltrados" é seu Oscar, afinal, mas "A Ilha do Medo" é incrivelmente sua maior bilheteria ( um filme para ganhar dinheiro, e que parece estar longe de ser um favorito de Martin ). Mas me veio uma sensação estranha durante a leitura do livro. É a de que Scorsese é sem dúvida um dos grandes. Tão bom quanto Kazan. Ele fez alguns filmes que me deixaram muito impressionados ( TAXI DRIVER, O TOURO INDOMÁVEL, OS INFILTRADOS ), ou que me deram um soco na boca ( A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO, CAMINHOS PERIGOSOS, GOODFELLAS ), e até aqueles que me divertiram intensamente ( ALICE NÃO MORA MAIS AQUI, A COR DO DINHEIRO, THE LAST WALTZ ), mas ele não é o tipo de diretor que me dá vontade de rever e rever seus filmes. Com excessão de ALICE e de CAMINHOS PERIGOSOS, nenhum deles eu vi mais de uma vez. Os admiro muito, mas não os amo. Tenho uma teoria: sua energia é tão intensa, seus melhores filmes são tão nervosos, que vê-los é experiência cansativa, me esgota. Tenho de os ver, nunca me arrependo, mas não desejo repetir a dose.
   Mas como pessoa, o livro o atesta, Scorsese é bom para se conversar, para se conhecer, é um cara admirável. Eis um bom presente de Natal para cinéfilos.
   PS: Ao falar da morte ele diz: "Será uma pena não poder mais rever os filmes de Capra, de Ford, de Kazan..." Tenho pensado nisso. Morrer não me dá medo, o que me entristece é não poder rever certos filmes, ouvir certas musicas e sentir o sol na pele...Mas esse é tema pra outra conversa....

IMPRESSIONÁVEL ( LENDO O LIVRO NOVO DE SCHICKEL E SCORSESE )

   Ainda não terminei de ler o livro, então não é especificamente dele que vou falar. O que falarei agora é de um detalhe visto numa fala de Martin. Ele conta de sua "fase impressionável". É a fase da vida em que nos deixamos tocar profundamente pelas coisas, em que não criamos ainda uma barreira crítica. Época em que amamos filmes, músicas e pessoas com uma paixão sem reflexão, atirada, dada, completamente inteira.
   Nessa fase da vida ( entre 11 e 13 anos ), Scorsese ia muito ao cinema com seu pai e via filmes na Tv também. Faroestes e épicos sobre os tempos antigos ( Roma, Egito, Grécia ), esses foram os filmes que lhe marcaram a alma. E também "O DIA EM QUE A TERRA PAROU", de Wise. É um capítulo lindo, e Scorsese diz que até hoje é apaixonado pelos westerns ( John Ford é seu diretor favorito ), e por filmes sobre os tempos romanos.
   Eu já lera, tempos atrás, um psicólogo falar sobre esse assunto. Que na verdade nosso gosto estético é todo definido nessa idade, e que tudo aquilo que nos apaixona depois paga tributo àquela época. Bem...eu não ia muito ao cinema aos 11/13 anos. Mas os poucos filmes que vi se tornaram um tipo de parâmetro pelo qual comparo tudo aquilo que vejo. Claro que de forma instintiva.
   Uma reprise de Pinóquio, no imenso cine Astor. A sensação de sair do sol forte da rua, do barulho e do calor, e de repente entrar num ambiente sagrado ( Schickel compara salas antigas de cinema com as catedrais ), um ambiente escuro, silencioso e frio. O veludo da cortina cobrindo a tela e o lanterninha de uniforme azul me levando até meu lugar. O gongo soa e as cortinas se abrem. A cor. O colorido dos vermelhos e dos azuis, a imensidão da imagem. Senti vertigem, quase medo daquele universo tão vasto. Esse mundo criado pela imaginação, essa festa de cor e de cenários, o movimento súbito e a sensação de estar em presença de outra realidade, é tudo isso que sempre procuro num GRANDE filme ( e às vezes encontro em SAPATINHOS VERMELHOS, MY FAIR LADY, ERA UMA VEZ NO OESTE, LAWRENCE DA ARÁBIA, RAN ). Nesse tempo também assisti no cinema ANNIE HALL, JULIA e BANZÉ NO OESTE. Quando os vi, ao contrário de Pinóquio, já havia em mim a consciência do cinema como arte. Pinóquio foi visto aos 10 anos, Annie e Julia aos 13. Eu lia críticas de jornal, sabia quem eram Woody Allen e Fred Zinnemann. E de Annie eu peguei a liberdade, a sensação de que num filme tudo poderia acontecer, que o diretor podia fazer aquilo que desejasse fazer. E de Julia, que foi uma experiência muito forte, eu senti a poesia da imagem, a beleza plástica que um filme pode ter. E me peguei querendo ser Jason Robards, querendo escrever como ele, aconselhar como ele, ter um bangalô igual o dele.
   Será que é isso que me norteia? Será que eu procuro a emoção que tive com esses filmes? E muitos outros, vistos na TV. A sensação de medo que vivi com OS PÁSSAROS na velha Tupi, VIAGEM AO CENTRO DA TERRA com James Mason, em Sessões da Tarde de chuva e frio. As comédias de Jerry Lewis, os filmes medievais, Hatari de Hawks, filmes de guerra de John Ford e filmes de monstros de Ray Harryhausen. Eu me encantava, mergulhava naquilo, sentia tudo. Será esse o meu padrão?
   E os primeiros discos: Elton John, Alice Cooper, Rolling Stones, Stevie Wonder, Led Zeppelin, David Bowie, Rod Stewart, Wings, Black Sabbath e Deep Purple. O rádio onde toda manhã eu escutava Secos e Molhados, Novos Baianos, Tim Maia e Jorge Ben. Minha mãe ouvindo Roberto Carlos sem parar e meu pai com bandas marciais. Shows de Tom Jones na Tv, e minha maior paixão da vida inteira: OS MONKEES. Nada me tira da cabeça a ideia de que meu gosto musical foi feito pelos Monkees ( e por Hardy Boys, Gatolândia, Familia Dó Ré Mi, Archies, Sabrina, Josie e as Gatinhas ), bandas de cartoons que passavam na TV. O que entendo por musica pop está toda aí.
   Mas na verdade, o que mais me deliciava, eram os filmes que eu via com minha tia. Ela era completamente americanizada, adorava e delirava com tudo que fosse BEEEM americano. E com ela eu via filmes de Doris Day, de Tony Curtis, Rock Hudson e musicais, musicais que passavam de tarde na tv Cultura, Astaire e Rita Hayworth... Ah... mas havia Os 3 Patetas na Record e O Gordo e o Magro na Tupi....
   Scorsese diz bem, voce não via apenas um filme ( ou escutava um disco ), voce queria ser aquele cara, e conseguia ser.
   Pra sempre.

A CEIA DOS ACUSADOS- DASHIELL HAMMETT

   Nick e Nora formam um casal urbano que passa seus dias em doce usufruir de seu afeto. Entre dúzias de drinks e frases cheias de ironia afetuosa, eles perambulam entre bares e restaurantes. Ricos, alegres e corajosos, são a síntese daquilo que os americanos da época da depressão queriam ser. Quem os criou foi Dash Hammett, um ex-várias coisas, dentre elas ex-detetive da Pinkerton. Ah sim...Nick foi um detetive. E neste livro, volta a ação.
 O enredo é complicado. São montes de suspeitos, montes de pistas e ambientes variados. Nick anda em meio a tudo isso sempre acompanhado por whisky, vinho, gim, martinis e algum café. Era uma época em que beber era saber viver, então Nick bebe. E fala. Se fala muito neste livro. Autores mais "sérios" adoravam Hammett por causa de seu talento em diálogos. O livro tem a prosa americana típica: poucas descrições de cenários, muito diálogo. O livro todo é construído em frases trocadas entre duas ou mais pessoas, e as frases de Nick e de Nora são sempre brilhantes, leves, engraçadas, esvoaçantes.
 Os fãs de Dash Hammett ( são muitos ), não vão gostar do que vou dizer, mas prefiro o filme dos anos 30 baseado neste livro. Nick e Nora são feitos com enorme carisma e simpatia pelos adoráveis William Powell e Myrna Loy. Vê-los é se apaixonar pelos dois. Dentre os livros de Hammett prefiro muito mais "Continental Op", uma coletãnea de contos de detetive.
 Dashiell Hammett, inventor do moderno detetive americano, autor do "Falcão Maltês", teve um destino funesto. Casou-se com Lillian Hellman, autora "relevante", chata de galochas, que sugou tudo o que podia de Dash. Alcoólatra, impotente, sem conseguir escrever nada, Hammett viveu muito, mas foram décadas de total aposentadoria. Hoje é um tipo de herói americano, o tipo de autor macho, íntegro, vivido, que todo escritor iniciante ingênuo tenta parecer. O filme de 1976, "Julia", ajudou muito nessa mitificação. Hammett é feito com simpatia e sabedoria pelo grande Jason Robards ( levou Oscar pelo papel ) e Lillian é feita por Jane Fonda ( um absurdo, pois Hellman era famosa pela feiura ). É um filme excelente, de Fred Zinnemann, belo e emocionante... quem viu o filme tende a querer ser um escritor como Hammett, e ter uma "amiga" como Lillian.
  De qualquer modo, voltando ao livro, ele não deixa de ser uma aula na arte de se escrever diálogos. E é engraçado observarmos como até hoje ainda se percebe a influência desse estilo em livros policiais, filmes estilosos e até em música pop. Nick e Nora ( e seu cão Asta ) eram encantadores. Viver como eles deveria ser uma experiência fascinante.

GLAMOUR- DIANA VREELAND

   Saiu agora um livro, luxuoso claro, sobre glamour e elegãncia. São fotos, belíssimas, que trazem curtos e preciosos comentários de Diana Vreeland. Como? Voce não sabe quem foi Miss Vreeland? Vogue lhe diz algo? Ela é o diabo que vestia Prada. Captou?
   Para Diana, a elegãncia vive apenas em pensamentos e também em alguns animais. As pessoas, raras, que conseguem refletir esses pensamentos e essa animalidade têm elegância. O livro as exibe.
   As fotos são de Irving Penn, Richard Avedon e Cecil Beaton. São os três reis do glamour. Para os cinéfilos, lembro que Avedon foi feito por Fred Astaire em Funny Face ( filme que teve a consultoria visual do próprio Avedon ), e que o mais elegante filme da história, My Fair Lady, contou com a consultoria de Beaton ( além dos desenhos de figurinos e de cenários, feitos por Sir Cecil, único fotógrafo da história a ser nobilizado pela rainha ).
  Vreeland diz que as fotos de Beaton parecem emitir luz, como se fosem pedras preciosas. Há uma foto de Audrey, feita por Cecil, que realmente emite luz. Uma fria luminosidade branca vinda da mão e do rosto de Audrey.  Audrey que Diana chama de gazela, comparação que ficou famosa.
  A maioria dos fotografados viveu seu apogeu entre os anos de 1930/ 1950. Alguns podem dizer que é saudosismo de Diana, digo que não é. E explico o porquê.
  Tenho um gostoso saudosismo dos anos 70, mas sei muito bem que não foram anos de elegância. E nem do melhor cinema ou literatura. Foram anos de aventuras primais, de loucura adolescente, de exageros irresponsáveis e da melhor música pop. E é por isso que adoro os anos 70. Mas não foram elegantes. Pois bem, qualquer foto de rua, tirada em Londres, Milão ou New York, entre 1930 e 1965, mostra um glamour que não é fantasioso. Esse glamour se percebe na luz que emana dos postes, nos enormes automóveis, nas vitrines discretas e nas pessoas, com suas camisas engomadas, foulards, vestidos rodados e piteiras. Era uma vida mais lenta, mais posada, cuidada, e muito mais trabalhosa. Hoje se vestir é simples. Mesmo as marcas mais caras economizam em tecido, costura e detalhe; em 1950 havia uma profusão de cortes, pontos, tecidos e enfeites. Cabelos penteados, barbas bem feitas e calçadas para se flanar: elegãncia possível. Em 2011 vemos gordos de chinelos e bermudas sujas, mocinhas de shorts e cabelos desgrenhados e senhores de calça amassada e blusas "de marca" que não deveriam valer dois reais. Pagam quinhentos. ( Roupas simples e não-duráveis, que na verdade são sempre práticas, para que nos sobre tempo para a ação, o trabalho ).
   Mas, lógico, estou falando das ruas de então e de agora. E ver Copacabana em 1958 é aula de glamour ( há um livro com fotos do jovem Pelé que é de chorar de prazer. O cara, até ele, era um dandy... hoje temos o "elegante" Neymar ). O jovem Tom Jobim chega a irritar de tão glamouroso.
   No mundo da alta roda, os gurus da elegãncia atendiam pelos nomes de Audrey Hepburn, Cary Grant ou Fred Astaire. Audrey sempre se parece com um pensamento perfeito e irreal, Cary dá a sensação de ter acabado de sair do banho sempre, e Fred... bem, Fred não parece real, ele é como um elfo moderno. Hoje temos Lady Gaga, Justin Bieber e Chris Brown. Ah... e os cultores do passado, os muito fakes, tipo George Clooney ( que imita Cary Grant até no jeito de olhar, com o queixo para baixo e os olhos erguidos ), e uma infinidade de pseudo-Audreys.
   Tempo de ciência não pode ser tempo de elegância. Não há cientista que pense em cor ou em estilo. Pensam em efeito final, jamais em trajeto. Gozo não é elegante, a elegância vive na sedução.
   Acabei falando muito de roupa e de luz, mas voce sabe, esse glamour existe principalmente em atos, no modo de falar, no andar, naquele savoir faire e joie de vivre de quem sabe sempre onde está o melhor e o mais bonito. Na tal animalidade de gato, de cavalo, de pássaro ou de peixe. No belo pensamento transformado em movimento, em vida. Eis o glamour.