GAROTOS INCRÍVEIS - MICHAEL CHABON

Quem me conhece sabe de minha paixão pelo filme de Curtis Hanson baseado neste livro. A comparação do livro, que lí somente agora, com o filme, que já vi 4 vezes, serve para clarear os limites do cinema e fazer pensar em como deve ser cruel adaptar um livro tão bom.
Chabon, autor jovem, é das coisas mais "quentes" das atuais letras americanas. Já ganhou Pulitzer e consegue unir erudição com popicidade. Este é seu segundo livro e fala de um final de semana na vida em crise de um professor/escritor que não consegue parar de aumentar seu prometido novo livro : WONDER BOYS.
O livro é muito mais amargo que o filme. O editor gay, feito no filme por Robert Downey Jr com simpatia ( aliás o grande limite a Downey como ator é que ele não consegue deixar de ser simpático ) é um nada simpático e afetadíssimo, falso e maldoso homossexual no livro. Assim como James Leer, o garoto prodígio, é um suicida sensível, que tem na mão uma tatuagem onde se lê FRANK CAPRA ( a tattoo sumiu nas telas ). As alusões ao cinema dos anos 30 são constantes no livro. Fala-se da beleza arrebatadora do jovem Henry Fonda e dos atores que se mataram. Mas o livro e o filme se desencontram de vez mais a frente...
A aluna Hannah, que no filme é mera sombra, no livro é uma paixão do professor. Ela o assombra todo o tempo com suas tentativas de sedução, às quais ele resiste. Em compensação, Sara, a esposa do reitor e mãe do futuro filho do protagonista, é aqui coadjuvante. No filme ela aparece mais.
O miolo do romance é uma visita a casa da ex-esposa do professor, onde a família dela comemora a páscoa judaica. São as melhores páginas do livro e trágicamente no filme desapareceram sem deixar o menor rastro. Aliás não é só a quase pedofilia do autor com sua aluna que foi eliminada, toda alusão ao judaísmo também.
Como no filme, a vida do professor gira ao redor da maconha. No livro a coisa é bem mais pesada, seu vício é total. Nada há de cômico na erva, ele fuma por estar em crise e saber que seu livro é um lixo. A crise é absoluta. No fim ele perde tudo, carreira, aluna, carro, amigo, aluno. Mas o livro emociona com um dos melhores finais da década. As últimas páginas deste romance sobre a crise são de maravilhosa beleza. Um otimismo real aparece, uma paz possível.
Chabon escreve bem. Ele é fácil de ler, mas jamais é superficial; ele é pop sem fazer gracinhas. Consegue criar um personagem apaixonante ( Grady Tripp, o professor. No filme feito com inspiração por um carismático Michael Douglas ) para quem torcemos todo o tempo. Sua trajetória através desse louquíssimo final de semana é cômica, trágica, heróica e patética.
GAROTOS INCRÍVEIS é livro que faz com que a fé na literatura permaneça. Diversão soberba e escrita perfeita.
Um adendo : Como deve ter sido triste ao autor do roteiro ( premiado ) eliminar capítulos inteiros, cenas que poderiam render tanto na tela, diminuir personagens, cortar falas, abreviar desastres e passar sobre rostos e vozes. Penso em tantos livros destruídos no cinema, livros como MORRO DOS VENTOS UIVANTES que sempre deu filmes péssimos, ou ANNA KARENINA livro monumento que na tela vira uma novelinha frágil. Em compensação penso em David Lean, que filmou OLIVER TWIST e GRANDES ESPERANÇAS e conseguiu fazer dos dois livros filmes geniais. GAROTOS INCRÍVEIS o filme, está mais para GRANDES ESPERANÇAS que para ANNA KARENINA, Curtis Hanson sobreviveu a transposição.
Mas o livro é ainda melhor que o filme. Mais profundo, mais engraçado e muito mais febril. O cinema tem limites claros, e o tempo é o mais óbvio.
Faço aqui uma campanha : Peguem o que sobrou do livro e produzam mais um filme ! Please !

CINEMA DE CRIANÇA

O cinema dos anos 70 foi o cinema da droga. Mais especificamente, da cocaína. Os filmes ( os que marcaram a época ) são todos testemunhos da euforia, da paranóia e da deprê do pó branco. Cheirava-se muito, demais, era um absurdo. Atores, roteiristas, diretores, produtores, todos seguindo uma longa carreira rumo a destruição. Gente como Sam Peckimpah, Frankenheimer, Friedkin, Dennis Hopper, Coppolla, com seu caminho truncado para sempre. Os filmes eram desejos de viciados : montes de pó ficavam a disposição nas mesas dos executivos. As coisas tinham de mudar, ou todos morreriam e matariam a indústria.
Produtores como Jon Peters e Joel Silver assumiram o controle nos anos 80 e trouxeram com os anos Reagan a estética gay. É impressionante como todo filme dos 80 tem tiques e trejeitos homo. Rambo é o símbolo maior, boneco bombado gay com enorme falo nas mãos. É a era dos paletós brancos com ombreiras, dos cabelões armados, dos Armani, de Top Gun e dos David Lynch da vida. Nasce Almodovar, Van Sant, Greenaway, Fassbinder vira chic. As mulheres no cinema perdem seu espaço como musas e se tornam más, predadoras, perigosas sem o lado sexy do filme noir. Atração Fatal. As atrizes ficam com um jeito meio assexuado e os homens com ar de academia : suados e de peito nú. Gays.
Nos anos 90 o mundo e o cinema ( e estou falando básicamente de Hollywood. Mesmo quando cito Fassbinder falo de seu impacto em LA ) se tornam adolescentes. Todos os filmes giram ao redor do rompimento/reatamento com o lar. Tudo é adolescência, tudo é feito em torno do conflito com pais ausentes ou o final da escola. Paternidade ( o medo dela ) é tema recorrente e Hollywood abre mão, para sempre, do filme adulto. De Forrest Gump a Titanic, tudo é adolescente, tudo é vida entre 14/18 anos ( mesmo quando já parecem adultos, como em Pulp Fiction ou Magnolia, são velhos teens em crise com sua família ou brincando de matar ). No cinema dos 90 o único interesse é parecer sempre jovem.
Agora, nos anos 2000, retornamos ao mundo da criança. Tudo é fantasia e susto. Tateamos entre a verdade ( nunca aceita ) e a saudade do útero : mundo fechado onde tudo é um grande eu. Neste cinema há a pura infantilidade gaga, até a total negação do mundo adulto. É um cinema que foge do tempo, que tem olhos apenas para o brinquedo, o devaneio, a masturbação mental. O sexo se torna algo a ser evitado, a vida real vira empecilho e tudo passa a ser fantasia. Nas mãos de poetas esse mundo seria digno de Chagall ou de Klee, mas o cinema está nas mãos de banqueiros... É um cinema onde até a neurose é vista como brinquedo, o amor se torna um conto da carochinha e a violência uma brincadeira de bonecos e carrinhos.
Sempre há excessões. Nos 70 Woody Allen não tinha traços de pó branco e Altman expelia perfume de erva; nos 80 Indiana Jones nada tinha de gay e nos 90 havia um cinema americano não adolescente. Mas a linha central, a cara e o rg da década foi teen, assim como de 2000 até 2... ela cheira a fraldas e talco.

RAN AKIRA KUROSAWA, UM MONUMENTO

A cor. Vermelhos de sangue e verdes de mato ao vento. Imagens de nuvens e um sol. Esse é o visual do filme : sangue, relva, cavalos de castanhos brilhantes e nuvens. Há filme melhor fotografado que este ? Cada imagem é uma aula de estética.
Drama. Não há romance aqui. Este é o mundo da guerra. Universo de homens sem heróis. O inferno. RAN é o testamento de um gênio. Talvez do maior mestre dentre todos os mestres.
Ver o filme dá uma estranha sensação. Entramos em outro planeta, outra era. De seu início, plácido, até seu final, belíssimo, nós fomos jogados numa odisséia que vai do vazio ao nada. Quando o filme termina nos sentimos como de volta de uma viagem. RAN é uma jornada.
Sentí um ódio profundo quando o filme se encerrou. Pensei : -Como Kurosawa ousou fazer um filme tão genial ? De que adiantará agora ver outros filmes ? Todos parecerão pequenos !
A cena final do filme : um cego à beira do precipício. A beleza do kaos. O filme é belíssimo, mas é o inferno.
Em três horas vemos apenas cenas pefeitas. Todo movimento de câmera é discreto, todo enquadramento é riquíssimo. Cinema puro. Não há a menor influência de tv ou de teatro.
Uma sequência em que se exibe uma batalha. Não ouvimos o som da batalha, apenas música. Cenas coreografadas de sangue e crueldade. Uma das maiores sequências já filmadas. Kurosawa, o mais talentoso dos diretores.
Fazia algum tempo que eu não via um filme do mestre. Revendo RAN reencontro toda a amplitude que o homem pode ter. Nos seus filmes o homem nunca é pequeno, ele é um monumento.
Todos os locais onde RAN acontece têm a profundidade da melhor poesia. Um filme Shakespeare com tons de Dostoievski. Um Kurosawa.

CIÊNCIA, UMA NOVA RELIGIÃO

Juro que assisti isto na GNT.
No futuro nosso cérebro será transformado num software. Dessa forma, quando o hardware morrer, basta colocar o soft em outro aparelho. Teremos então a vida eterna ! ( E fico pensando qual seria o valor de uma vida eterna... mas o cientista nunca pensa em "valores", o raciocínio é sempre em termos de "solução de equação" )
No futuro teremos a nossa disposição a escolha : estaremos conectados a uma virtualidade em que poderemos viver com o rosto que escolhermos e o cenário que criarmos. A nanotecnologia, implantada em nosso cérebro, fará com que possamos viver amor, sexo e desejo apenas mentalmente. Fantástico ! É a velha "lógica" da humanidade : destruir o que nos foi dado para em seguida refazer tudo. Voce suja para limpar e destrói para reconstruir. Num mundo de seres em cadeiras, ligados em seus sonhos "reais", "onde iremos não só ver e ouvir, mas viver o sexo na cabeça, criando o que quisermos", bem, nesse mundo o acaso é ignorado, tudo se torna aparentemente controlável. Pois é... mas o telhado ainda terá uma goteira para ser tapada e as enchentes ainda levarão gente embora. Esses FRANGOS DE GRANJA conectados, ignorarão isso ?
Daí o idiota falou algo de uma irresponsabilidade absoluta : o planeta pode, tranquilamente, suportar 10 bilhões de seres, ou mais. Porque a ciencia SEMPRE irá criar uma saída. Esta é a lógica do tolo : como nunca morri, jamais morrerei. Diz ele que a energia solar e os alimentos criados em laboratório poderão suprir quantas pessoas existirem. E mais, que criaremos água. OK. Ele só esqueceu de dizer de onde será criada a água e o alimento. Ele não disse que NADA é criado do nada ! A Terra, por mais que os babacas ignorem, tem um limite físico. Tudo o que fazemos é feito a partir de algo que existe antes. Se voce fizer um tomate em laboratório ele será feito de algum componente colhido da Terra. A única forma de sair desse círculo seria sair do planeta. Sair para onde e como ?
O que esses deslumbrados infantís não conseguem notar é que a vida é circular : tudo o que voce faz tem um resíduo que não desaparece magicamente ! O que voce faz volta, nada é eliminado, tudo fica. Já o homem pensa em reta : eu deixo meus restos para trás, e eles desaparecem... Isso não existe, é a ilusão de nosso modo de pensar. Tudo o que é feito permanece. A energia solar será usada para produzir alguma coisa e essa coisa deixará resíduos. Para produzir água é preciso alguma matéria prima, qual e de onde ? Todo ato tem um eco no sistema.
Em outro canal, o oposto.
E nesse oposto uma idéia que jamais havia notado :
Se a Europa e os EUA fossem uma ilha ( como foi a ilha de Páscoa ) completamente isolada, sem nenhum contato ou troca com um vizinho, eles já teriam sido extintos. O que existe HOJE no continente europeu não basta para garantir a sobrevivência autônoma da própria Europa. Sem o comércio com o resto do mundo eles estariam extintos. Não há desenvolvimento econômico ( no atual modelo ) sem a destruição completa do equilíbrio natural. È impossível. Pois o desenvolvimento é baseado em exploração frenética e constante de energia e matéria, e toda matéria é finita e toda energia produzida transforma alguma coisa em outra coisa.
Interessante o palestrante usar a imagem do automóvel. Uma máquina que desde 1910 é básicamente igual : um trambolho de 3 toneladas, com uma capacidade energética imensa, usado para transportar um corpo de 65 quilos. É a imagem da absoluta falta de lógica. Nada na natureza é assim : nela a energia x é usada numa função x. Conosco, uma energia x é usada para realizar menos y.
Quando se fala em modelo de desenvolvimento não pense em crítica ao capitalismo. Russos e chineses poluíram e poluem mais que europeus.
Assitindo os dois programas eu observo como o otimista falando se aproxima perigosamente da religião. Ele consola e fala de um paraíso futuro baseado não em fatos, mas apenas na fé. Chega a prometer a vida eterna e a transformação do homem num tipo de deus, capaz de criar vida. Volto a dizer que essa besta consumada não percebe o óbvio : que se destrói com facilidade para depois se tentar recriar com imensa dificuldade.
A ilusão de que podemos não só viver sem a natureza, como até mesmo recriá-la e melhorá-la é não só burra, é criminosa. Somos o que afinal ? Viemos de onde ? Não estamos sujeitos as leis naturais ? Comemos, bebemos, desejamos, tememos, apodrecemos, criamos...
Mas sempre existe aquele homem que não aceita suas imperfeições, que acha sexo um nojo, que ignora tudo o que é resto, tudo o que escapa de sua idéia de vida auto-construída. Que crê na mente pura ( como se existisse tal coisa ) na perfeição da idéia. Não vejo nenhuma diferença entre esse escroto e o stalinista ou o nazista. É a mesma crença em organização, planejamento e eficiência. Meu espírito rebelde indignado chucro indomável se exalta e se rebela contra suas crenças cegas e seu sorriso falso.
Ligados aos nossos chips e nossa vida virtual continuaremos a defecar. Quem vai limpar a sujeira ? E onde ela irá aportar ?

PORQUE O CINEMA HOJE É TÃO IRRELEVANTE ?

Bons filmes continuam a ser feitos. Bons atores e bons diretores continuam a existir. Então porque, para todas as pessoas que amam o cinema, ele passa uma sensação de total decadência ? Bem... não é dificil responder e há um texto de Pauline Kael, escrito já no final dos anos 70, que ajuda a entender. Vamos por partes...
O BLOCKBUSTER. Primeiro vem o grande sucesso. O filme que todo mundo vai assistir, que todos comentam, que o cara que nunca vai ao cinema sente vontade de ir assistir. É através desse filme que se julga o momento atual. E o grande sucesso de hoje é sempre tecnológico. Não existe mais o grande sucesso baseado num grande desempenho, numa grande história ou numa bela produção. O que existe é o grande efeito, e isso é circo, não é cinema. Um espetáculo em que o público vai para fazer : "aaaaaah !" quando o trapezista pula mais alto e "oooooooh" quando o leão abre a boca. Nenhum grande sucesso é baseado em diálogo ou roteiro. GOLPE DE MESTRE, E O VENTO LEVOU ou mesmo A NOVIÇA REBELDE seriam hoje filmes B. Devemos julgar 1973 por GOLPE DE MESTRE também. Julgamos o agora por AVATAR. Em que pese Avatar ser um bom filme, todo seu sucesso é baseado em Marketing e nos seus efeitos. Em circo. Seus atores nada podem fazer, seus diálogos têm o nível Stan Lee de dramaturgia. BASTARDOS INGLÓRIOS se lançado em 1973 seria o hit da estação. Hoje é considerado arte...
OS PRÊMIOS. Vencer em Cannes ou Veneza fazia do filme um evento. A repercussão desses prêmios hoje é nula. E fato estranho, mesmo o Oscar não repercute mais. GOLPE, E O VENTO e NOVIÇA venceram como melhor filme, graças a seu sucesso, mas também às suas qualidades. Quando o filme dos irmãos Coen venceu ( com maravilhosa justiça ) nada aconteceu. Ao contrário do que otimisticamente eu esperava, não se inaugurou uma nova fase em Hollywood. Se BASTARDOS vencer agora, infelizmente não se inaugurará uma fase Tarantinesca e se NINE vencer, isso não irá significar a volta dos musicais. Mas já foi diferente. A vitória de OPERAÇÃO FRANÇA trouxe a era dos anti-heróis radicais que durou até os anos Reagan, e o triunfo de O PODEROSO CHEFÃO ( e seu enorme sucesso nas bilheterias ) trouxe um bando de moleques ao poder total. Poderá isso se repetir ?
O OUTSIDER. Esse é o grande problema, " Poderá isso se repetir ?" Querer repetir alguma coisa, mesmo que genial, nunca é bom sinal na arte. E hoje, todo diretor de talento, fica tentando repetir aquilo que Scorsese ou Cassavettes fizeram. E vem então esses filmes espertinhos, com suas trilhas de rock, seus personagens malandros, seus cigarros e roupas 70's, suas cenas de improviso. São bons filmes, mas eles nada trazem de novo, não podem fertilizar nada, são lembretes da genialidade do passado. Mas pode ser pior : sempre no cinema o filme de arte foi a antítese do filmão. E hoje, quanto mais filmão o blockbuster é, mais "artísitico" o outsider tenta ser. A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA era o anti AEROPORTO. Para hoje um cara ser o anti BATMAN ele acaba sendo tão metido que se torna incomunicável. É a total negação.
A PRODUÇÃO. Se disputava um roteiro. Após comprá-lo, se escolhia diretor e depois o elenco. Hoje não. Se cria um produto. È encomendado um roteiro. Escolhe-se um diretor que tenha feito algo parecido com aquilo ( ou igual ). O grande filme é feito por produtores, mas quem são esses caras ? Executivos de publicidade ou de TV. Herdeiros de grandes empresas de petróleo ou de construção. Tudo, menos cinema.
O GÊNERO. Julga-se um momento do cinema não por seus melhores filmes ( que sempre podem enganar) mas sim pelo filme médio. Pela aventura, pela comédia, pelo drama médio. Posso dizer que morro de tédio com HOMEM-ARANHA, SENHOR DOS ANÉIS e HARRY POTTER. Por um motivo muito simples : eu adoro cinema ! Todos esses filmes são feitos para fãs de TV. São séries em tamanho big. Não há sutileza, não há criação, não se usa a linguagem do cinema. Tudo é edição e mais edição. Como na TV, luta-se violentamente pela atenção de um público incapaz de concentração. Vejo o Homem-Aranha pular e nada acontece comigo. Vejo apenas um boneco colorido saltar... será que ninguém mais percebe como aquilo é RIDÍCULO ? Quando olho Clint Eastwood em DIRTY HARRY dar tiros, quando vejo Bruce Willis se sujar em DIE HARD, quando vejo Mel Gibson pirar nas ruas, quando vejo Stallone pendurado num abismo... bem, há emoção alí. Mesmo Sylvester é um ator. Nós vemos sua expressão facial, seus gemidos, seu esforço, ouvimos sua voz. Há uma dimensão humana a ser superada. O bonequinho saltando nada me diz. Se é para fantasiar, vamos de SHRECK, ele é imensamente melhor.
A ESCOLHA. Então estamos reduzidos a idiotice de bonecos tolos, comédias românticas de debiloides e filmes políticos que se parecem com aulas de atualidades. E por outro lado, diretores que odeiam o cinema pop e fazem uma tristíssima mistura do pior de Bergman com o pior de Cassavettes. São aqueles filmecos deprê, em que para confrontar os filme HQs, NADA acontece. Filmes chatíssimos em que sempre os personagens são deprimidos, os cenários são mal iluminados e as atrizes se vestem como indigentes. E no meio dessa tristeza, tentando manter as coisas em algum nível de sanidade, os herdeiros da última grande geração, os Tarantinos, Coen, Haynes, Hanson, Payne, Burton... Mas todos eles sabem que seu cinema, por melhor que seja, é irrelevante. Pois ele dialoga com o passado, não reverbera agora, ecoa para trás. São filmes que sempre são homenagens aquilo que o cinema fez.
A CURA. Sempre que o cinema mudou, ele mudou porque havia um novo público querendo novos filmes. E esse novo público surgia SEM QUE OS PRODUTORES PERCEBESSEM. O público que fez de um filme tão radical como A LARANJA MECÂNICA ou O ÚLTIMO TANGO um sucesso, foi formado pelos livros e pela política. Se dependesse do cinema, tudo se resumiria a NOVIÇA REBELDE. Para o cinema mudar o público teria de mudar. Como ?
MUDANÇA. O último público novo no cinema foi o da geração 1977, que de certa forma é a nossa geração. Foi quando os jovens formados pela mistura de TV e quadrinhos se encantaram com STAR WARS e TUBARÃO. Fazem 32 anos que temos cada vez mais STAR WARS E TUBARÃO. Porém com cada vez mais robozinhos e bichos de borracha, cada vez menos Harrison Ford e Roy Scheider. Só não vê quem não quer : o grande sonho de todo produtor irá se realizar : cinema sem ator nenhum, sem diretor e sem roteiro. Circo, mágicos e palhaços. Até quando aplaudir ?
A VOZ. Spielberg disse uma vez que " Um bom filme deve ter um roteiro que possa ser resumido em 25 palavras... " Beeeeem... se é assim ( e não esqueçamos que Steven nunca escreveu um roteiro ) então estamos muito bem ! 2012 é o filme perfeito, sua trama pode ser resumida a 3 palavras.

PIRATAS DO ROCK/ BRUCE WILLIS/HITCHCOCK/PETER FONDA/DEMÔNIOS SOBRE RODAS

ZAROFF de Irving Pichel com Fay Wray e Joel McCrea
Um dos piores de todos os tempos. A história do náufrago em ilha que é caçado por conde louco. Mal escrito, péssimamente interpretado. Ridículo. Nota Zero.
DEMÔNIOS SOBRE RODAS de Richard Rush com Jack Nicholson
Turma de Hells Angels andam de moto e arrumam brigas. O filme é só isso. Mas tem um muito jovem Jack, fazendo um cara que se mistura com eles e no final vê o quanto eles são tolos. Machismo de montão num filme monótono. Nota 3.
SURPRESAS DO AMOR de Seth Gordon com Reese Witherspoon, Vince Vaughn, Sissy Spaceck, Jon Voight, Robert Duvall
Com esse elenco se conseguiu fazer um muito medíocre filme. Um casal que viaja para passar o natal com os pais. Não há uma só fala razoávelmente bem pensada, nem um minuto de bom cinema. Tudo é tolo, previsível, bobo, infantil. Os rostos estão tão retocados digitalmente que é impossível se ver qualquer sinal de interpretação. Reese, atriz que gosto muito, já não encontra papéis e está estranhamente parecida com Nicole Kidman ! Um lixo ! Nota Zero.
O HOMEM ERRADO de Alfred Hitchcock com Henry Fonda e Vera Miles.
O mais moderno dos filmes de Hitch. Um músico casado e bom pai, é acusado de assalto. É preso e tudo se volta contra ele. Não há suspense, não acompanhamos nenhuma investigação, nada. Tudo o que o mestre nos dá é a via-crucis de Fonda, sua prisão em cada detalhe, sua muda estupefação, suas reações discretas. É filme de imensa tristeza, de nenhuma concessão. Filmado com coragem exemplar, traz ainda um Henry Fonda estupendo ( ele comove o tempo todo usando apenas olhares e movimento de mãos ). Um filme para ser jamais esquecido. Nota DEZ !
PIRATAS DO ROCK de Richard Curtis com Philip Seymour Hoffman, Kenneth Branagh, Bill Nighy e Rhys Ifans.
Maravilhosa surpresa ! História real sobre as rádios piratas inglesas que em 65/69 mantiveram vivo o rock quando ele ainda era combatido na Inglaterra. A Radio Rock realmente existiu, transmitindo de um navio ancorado no mar do norte. O filme, bem-humorado sempre, acompanha a vida desses DJs. O filme é cheio de boas cenas, mas há uma, com uma xícara de chá e som de Leonard Cohen, que é genial : engraçada e humana, que milagre ! A trilha sonora é impossivelmente ótima, tem de Kinks ( começa com ALL DAY AND ALL OF THE NIGHT ) e não esquece Pretty Things, Small Faces, Who e Yardbirds. Um filme que te deixa lá em cima, que te faz gostar dos personagens, com lindas garotas ( uma faz o estilo Anna Karina, outra faz um tipo Anita Pallemberg ) e diálogos muito bons. O que mais voce quer ? O único senão é uma certa melancolia no final... sentimos que dalí em diante fazer rock seria mainstream e que o heroísmo ficava para trás... Porque este filme não fez sucesso ? Será que o público se imbecilizou tanto assim ? Nota 9.
OS SUBSTITUTOS de Johnathan Mostow com Bruce Willis e Rhada Mitchell
No futuro as pessoas ficam em casa controlando seus clones que vivem por elas. Sacou ? Não é genial ? Não é mudernu e ousado ? Não, não é. Trata-se de uma completa e muito burra bomba. Não sei quem foi que escreveu que com menos de oito segundos por take a reflexão num filme se torna impossível. Me dei ao trabalho de contar : 3 segundos em média. Chegou um momento em que tive a impressão de estar vendo um trailer : juro, parecia que aquilo não era um filme, era o anúncio de um filme que ainda ia começar ! Não tem diálogos, os personagens são bonecos sem pensamento algum, os atores estão digitalizados. Um absoluto exemplo do pior lixo de uma época descerebrada. Isto é o fim. Qualquer chance de cinema razoável morre aqui. Um dos mais detestáveis filmes que já ví. E olha que gosto muito de Bruce !! Nota ZERO !
THE TRIP- VIAGEM AO MUNDO DA ALUCINAÇÃO de Roger Corman com Peter Fonda, Dennis Hopper e Bruce Dern
Um cara toma um LSD. O filme é sua viagem. É exatamente o que voce leu : o filme mostra Peter Fonda viajando de ácido. Sabe de quem é o roteiro ? Jack Nicholson !!!! E tem Dennis Hopper, muuuuuito jovem, como um hiper maconheiro. Peter toma um ácido com seu gurú e viaja : cores, sexo, nóia, viagem ao passado, mergulho...... O filme é muito ruim, muito pobre, mas jamais irrita. Talvez porque ele seja estranhamente honesto, simples, bem intencionado. Um toque sobre Peter : filho do grande Henry Fonda. A mãe de Peter se matou quando ele tinha 7 anos. Aos 10 anos de idade, Peter enfiou uma faca na própria barriga. Na época deste filme ele era o segundo ator mais doido da Califórnia ( o primeiro era Hopper, imbatível ). Nicholson era o terceiro mais louco ( a mãe de Jack fugiu de casa e nunca voltou ). O trio faria Easy Rider um ano depois... Não dou nota a este filme. Tô viajandão....
A ARMAÇÃO de Robert Altman com Kenneth Branagh, Robert Downey Jr., Famke Janssem e Robert Duvall
Não deu certo. O modo livre, relax de Altman não combina com este suspense de Grisham. Além do que Branagh como um sulista americano está terrível. Altman fazendo suspense é tão estranho como seria Tarantino fazendo Bergman. Nota 3.

WILSON PICKETT, MOMENTO PARADISÍACO E INFERNAL DA PENÚLTIMA REVOLUÇÃO

Primeiro.
Um elegante baterista. Close. Ritmo perfeito. Mantido o close.
Então.
Funky Broadway. Pickett - A VOZ.
Então.
Eu pergunto :
Saberia aquela moça, branca, que 43 anos depois, um cara no Brasil, estaria assistindo seu frenesí, e sentindo estar testemunhando um momento sagrado ?
Teria ela consciência de que aquilo seria transformado em presente/futuro para sempre ?
Então eu te afirmo.
Que naquele palco, onde inesperadamente, não programadamente, não ensaiadamente, um povo invade o palco e assume o show - brancos e pretos juntos sexualizados - está uma fração mágica daquilo que a música pode e deveria sempre ser. Transcendência.
Agora.
Algo de profundamente emocionante acontece lá. Felicidade. Plena, total, instintiva e corporal. Naquele palco acontece o Eden já, o paraíso é agora.
Então.
Rostos riem nada afetados e cool é ser hot. Lágrima. Anjos bateram asas naquele palco. Com chifres.
Agora.
43 anos mais tarde, uma geração gaga pode olhar essa febre.
Mas gagas não sentirão nada. A esclerose do espírito e o alzheimer do coração mata toda chance de compreensão de nada que não seja tirado de seu mundinho cotidiano. Talvez para o gaga este palco em chamas seja somente um clip em preto e branco mal produzido e com figurantes feios.
Então.
Eu te digo : Ressuscita cara !
Que Beatles que Dylan que Iggy que nada. O símbolo de um momento revolucionário é este minuto de Wilson Pickett. A massa preta que pula como ondas em tsunami de extase é prova de que Deus deve existir.
Agora.
Que o futuro nos traga essa energia. O mundo gaga anda precisando de uma boa faxina !

( Acesse : land of 1000 dances - wilson pickett e depois funky broadway - wilson pickett ou htpp://www.youtube.com/watch?v=HcTWxJ )
PS: recentemente a revista ROLLING STONE escolheu o melhor cantor da história. Deu Aretha Franklyn ( valia homem e mulher junto ). Pickett foi o melhor.

COMO A GERAÇÃO SEXO DROGAS E ROCK'N'ROLL SALVOU HOLLYWOOD - PETER BISKIND

Num tempo em que Abbie Hoffman levou milhares de hippies ao Pentágono para fazer o prédio levitar e sumir no céu... ( E os caras acreditaram ter visto o prédio levitar )... surgiu um bando de freaks que invadiram a muito comportada e falida velha Hollywood...

Este é um livro que pode e deve ser lido por todo mundo. Não é preciso conhecer ou ser fanático por filmes. Peter escreve sobre gente, sobre sexo ( muito ), drogas ( muitíssimo ) e sobre luta por poder ( acima de tudo ). O estilo é puro Norman Mailer, curto e grosso, não há nada de elaborações sobre filmes ou sobre diretores, não... ele conta a história : louca, louquíssima e divertidíssima história.

Voce vai entender porque Scorsese e Spielberg levaram tanto tempo para ganhar um Oscar e porque Brian de Palma jamais irá ganhar o seu.
Há a descrição da primeira exibição de MEAN STREETS para os executivos da Warner e a reação que eles tiveram... as loucuras que Peter Bogdanovich fez por amor à Cybill Shepherd... o mau caratismo de William Friedkin e seu O EXORCISTA, filme que ressuscitou, sem querer, a velha Hollywood... o demente Dennis Hopper, tentando bater em todo mundo, arrumando confusões todo o tempo e se destruindo dia a dia... o modo como todos eles, diretores e técnicos, produtores e tietes, foram se destruindo, por excesso de tudo : grana, drogas, sexo, ego, rocknroll.






Num tempo em que os Panteras Negras iam ao cinema uniformizados, assistir Gillo Pontecorvo e ficavam anotando toda a tática de guerrilha que o filme mostrava





Num tempo em que todo universitário americano sonhava em entrar no cinema, assistia 12 vezes o novo Godard e o novo Antonioni e escrevia roteiros sobre a revolução enquanto fumava um e dizia coisas do tipo : " Aí cara, voce tem jeito de diretor de fotografia... tú vai ser o diretor de fotografia ! " " - Mas eu nunca fiz isso !!!!! " "- " Iiiiih... deixa fluir que as coisas pintam... "

E então surgiu a cocaina, e todo esse take it easy se transformou numa feroz guerra mafiosa de egos imensos. Megalomania que levou a destruição de todos os ideais construídos por eles próprios. Venceram a guerra com os conservadores, para depois entregarem tudo de volta.



É nesse tempo romântico, ingênuo, perigoso, que se inicia este fantástico livro de Peter Biskind sobre cinema. Ele mostra que cinema já foi tão amado e discutido como é o esporte hoje. As pessoas vestiam a camisa, brigavam por um filme, amavam. Diretores queriam ser Kurosawa, queriam fazer filmes realmente novos, diferentes, originais. Mas a ironia da história é que sem querer ( e O PODEROSO CHEFÃO foi o inventor disso ) eles criaram o blockbuster. Todos aqueles idealistas doidões são os grandes produtores de hoje ( Simpson, Bruckheimer, Geffen, Katzenberg..... ) Produtores que chegavam a comprar tijolos de maconha para servir no set e deixar a equipe feliz. O CHEFÃO foi o primeiro filme a ser lançado em rede, antes das críticas, caindo pesado no público e batendo recordes em uma semana. De lá em diante, todo filme seria lançado assim, como terremoto, operação militar.

É engraçado saber que em STAR WARS Han Solo foi baseado em Coppolla e que o roteiro ( ? ) escrito por Lucas era tão ruim que provocava risos em quem o lia. George diz várias vezes ter feito um filme para crianças de 8 anos. Desde então, toda grande produção é para crianças de 8 anos. A equipe inglesa durante as filmagens dava risadas da sua falta de habilidade na direção...




No começo havia Warren Beatty. Sim, Warren foi o jovem ator classe A que bancou a nova geração. Foi com seu esforço que a Warner bancou BONNIE E CLYDE, e é com esse filme que a velha Hollywood é fulminada ( para ressuscitar nos anos 80 ). De repente tudo pode. É momento fascinante ! O que notamos hoje é que apesar de aquela ser a primeira geração ( e última ) de diretores americanos livres, ela acabou sendo também a grande última geração de atores americanos. Os diretores, que não gostavam de estrelas, pois eles diretores queriam ser as estrelas, terminaram por criar super estrelas. De Redford, passando por Warren, Jack Nicholson, Al Pacino, Dustin Hoffman, Robert Duvall, Jon Voight, Clint Eastwwod, Woody Allen, Robert de Niro, Harvey Keitel, James Caan, Steve McQueen, Stallone, Gene Hackman, Gene Wilder, Richard Gere e inesgotável etc.
Agora atente : eu não sei se Johnny Depp é pior que eles. Nunca saberemos. O problema é que em vinte anos de carreira ( na verdade são 23 ) Depp, assim como Nicolas Cage ou Tom Cruise, não tiveram a disposição os papéis que essa outra geração teve. É assustador ver a filmografia de Depp e constatar a falta de verdadeiros desafios nos filmes que ele fez. Se olharmos os vinte anos iniciais de Pacino, De Niro ou Hoffman constatamos o quanto os atores de hoje estão sendo sub-aproveitados. Sem falar em Jack Nicholson, o muito doido Jack, que emerge do livro como o poderoso chefão de toda aquela geração. ( Foi em UM ESTRANHO NO NINHO que a equipe recebia quilos de maconha do produtor, Michael Douglas !!!!!! Alguém lembrou de GAROTOS INCRÍVEIS ? )





Primeira lição : É incrível como o cinema de hoje se parece com o cinema americano dos anos 50. Toneladas de péssimos filmes sempre iguais e meia dúzia de bons diretores trabalhando totalmente ilhados. A maioria dos novos diretores é enquadrada pelo esquemão e lá se acomoda, alegremente. E é só. O cinema é hoje irrelevante culturalmente. Milhas atrás das artes plásticas, da música, do teatro e até da arquitetura. Intelectualmente, um zero.
Quem tem ânimo para tentar salvar o cinema ?
E salvar pra quê ?





Mas já foi diferente. Bergman tinha a estatura de Samuel Beckett e Fellini era tratado como Saramago é hoje reverenciado. O ULTIMO TANGO, MASH ou FACE A FACE eram tratados como um novo livro de Saul Bellow ou de Philip Roth.

Truffaut, que foi ator de Spielberg em CONTATOS IMEDIATOS gostava de Steven. Mas não entendia como podia seus diretores favoritos serem Claude Lelouch, Robert Enrico e Philippe de Brocca ! O HOMEM DO RIO de Brocca, Spielberg assistiu 9 vezes !




É bacana ver que foi Warren Beatty quem lançou Woody Allen no cinema. Ou ver o impacto que Blow-Up de Antonioni causou nos velhos executivos ( " Não entendí nada !!!!!!" ). Hilário Woody sendo entrevistado para seu primeiro filme ( com Warren ao lado )
Woody : - Quero 60 mil pelo meu roteiro mais 10% dos lucros "
Produtor : - Tá doido ?
Woody: - Tá bom, me dá uns trinta e negócio fechado !

Scorsese após TAXI tornou-se um nojo. Quando sua filha nasceu ele abandonou a esposa no mesmo dia para se drogar com Liza Minelli. O clima era muito ruim. George Lucas viu o copião de NEW YORK NEW YORK e disse que se no final De Niro e Liza caminhassem juntos rumo ao pôr-do-sol... bem, o filme faria mais dez milhões ! Foi nessa hora que Scorsese diz ter sentido que seu tempo já era... o futuro eram filmes com finais felizes feitos para gente com 8 anos de idade.




E voce vai ler sobre o lançamento de BONNIE E CLYDE. De como toda a crítica arrasou o filme, menos Pauline Kael, que comprou a briga e o salvou. A exibição que Beatty fez para Jean Renoir, George Stevens e Billy Wilder e os aplausos dos 3. Finalmente as pessoas notavam que tiros e roubos a bancos TAMBÉM podia ser arte.
Na verdade esses diretores queriam parecer europeus fazendo filmes americanos !
Assim, BONNIE seria um filme de gangster dirigido por Truffaut e MASH uma comédia de guerra à Godard.




Vai ler como um filme era lançado na época : lançamento em uma sala. Daí se esperava pela publicação das críticas e o boca a boca do público. Dependendo dessa reação vinha o tamanho do lançamento. No futuro se mandaria a opinião geral à merda- lançar o filme em circuito gigantesco ANTES que alguém possa dar sua opinião. ANTES de voce saber se o filme vale a pena- violentamente lançado.




Leia sobre Coppola vestido sempre como Fidel Castro, o primeiro cara a mandar a velha guarda para casa. E sobre George Lucas, o super tímido Lucas, que ficava seguindo Coppolla tentando aprender. E conheça a frase que Lucas disse na época : " Hollywood morreu ! O cinema agora é feito pelo povo e para o povo ! "







Entenda como foi feito EASY RIDER. Dirigido por um paranóico que usava dois revólveres na cintura e esmurrava a equipe: Dennis Hopper.

E então surge um diretor hiper-careta, amigo dos produtores ( mas também de Coppolla e de Lucas ) que sem querer destrói todo o novo-cinema da época. Com TUBARÂO, Spielberg transforma o cinema na arte do conformismo. No lugar de filmes centrados em pessoas ( MEAN STREETS, O CHEFÃO, CHINATOWN ) surge o cinema centrado em coisas (TUBARÃO, CONTATOS IMEDIATOS, BLADE RUNNER ). É o cinema classe B ( o filme de ficção científica e o filme de terror ) elevado a classe A. Com TUBARÂO os grandes executivos viram que cinema podia ser um negócio muito rentável e no lugar de boas críticas e público tocado, nascia a ambição por números arrasadores. O que O EXORCISTA fizera sem querer, a partir de TUBARÃO se torna lei : Blockbuster ou morte. Todos os diretores passam a ser cobrados : "- Sim Marty, TAXI DRIVER venceu em Cannes... mas veja o que TUBARÃO está fazendo..."






Saiba que a Warner, MGM, Fox e Universal faliram entre 59/69. O povão parou de ir ao cinema e o pessoal mais "in" só assistia filmes europeus. Isso fez com que toda uma molecada tomasse esses estúdios de sopetão. Bastava o cara ser jovem para ter um emprego no cinema, e os roteiros mais esquisitos eram aceitos, porque Hollywood estava totalmente perdida. ( Já pensou se durante 3 anos todos os filmes dessem prejuízo ? Se avatar/batman/sherlock/2012... tudo não se pagasse ? O que aconteceria ? Uma nova geração de talentos livres para ousar ? O livro acha que não por dois motivos : 1- não existe mais um público culto e ávido por novidades. Os jovens vão hoje ao cinema para reencontrar o que já conhecem. Número 2- jovens irriquietos e brilhantes não levam mais o cinema a sério. )





Julie Christie, a atriz que só filmava quando precisava de dinheiro, recusando pilhas de roteiros e flertando com todos os movimentos de esquerda. E o incrível Robert Altman, o cara que aos 30 anos pegou um carro e sumiu, largando mulher e filhos e se mandando para L.A. Mais dez anos de trabalho em TV, de queimação de filme geral ( Ninguém nunca foi tão sincero como Altman, ele brigava com todos os executivos ) e o estouro aos 42 anos com MASH. Altman, o mais radical dos diretores americanos, o cara com quem todo mundo queria trabalhar... e um doidão total, cheio de colares e haxixe, que filmava sem cuidado algum, sempre em busca de good vibes.

O livro joga sutilmente uma idéia : Spielberg e Lucas tinham um enorme ressentimento de Brian de Palma, Scorsese e principalmente de Coppolla. Esses diretores conseguiam dobrar Hollywood, fazer filmes pessoais, misturar arte com pop. A geração blockbuster se vinga desses "metidos artistas" fazendo seus assumidos Disneys/HQ, e esfregando suas contas bancárias na cara dos "egocêntricos artistas ".
Existe desde então uma clara divisão entre o cara que faz cinema e o cara que faz um produto, com imensa vantagem, cada vez maior, para o último. O cara que faz cinema filma com uma grande preocupação : conseguirei ser deixado em paz pelos executivos ? O cara que faz um produto pensa : estarei agradando os executivos ? Coppolla filmava "apesar" dos executivos, Spielberg filma "com" os executivos.

Há no livro uma revelação que eu não conhecia : TAXI DRIVER é também uma homenagem a Godard.





Voce vai saber que os loucos tomaram conta do hospício, e que havia uma verdadeira guerra entre velhos executivos e cineastas contra a nova geração : arrogante, cheia de ácido e de filmes de Godard, Fellini e Kurosawa na cabeça. E o fim dessa geração, numa overdose de narcisismo e drogas ruins.

É tanta história cabeluda, tanta coisa boa, que minha tentação é ficar aqui contando o livro inteiro. Quer saber ? Se voce quer se divertir, leia ! Se voce adora cinema, leia ! Se voce gosta de ler bons livros, leia ! LEIA LEIA LEIA LEIA !!!!!!!!!!!!

Este livro é bom demais !!!!!!!! e é :
Puro rocknroll !!!!!!!
É o melhor livro sobre cinema que já lí. E é um puta livro, qualquer que seja o assunto.
LEIA !

HERÓIS, COTTARDO CALLIGARIS II

...E na vida existem coisas mais importantes que a própria vida. Esse é o motivo básico do herói, ir ao fim e desprezar sua segurança por algo maior que ele mesmo.
O homem vive isso por toda a vida. O homem vive no devaneio. Ele espera poder viver essa vida de herói, ele necessita dessa vida heróica. Ele quer ser "o homem que sua mãe sonhou"...
Acho bonita essa imagem "o homem que sua mãe sonhou..." Mas eu realmente não sei se concordo com ela. Ou melhor, não sei se a aceito. O que aceito é que nessa busca por heroísmo, nos tornamos soldados, amantes suicidas, drogados ou bandidos. Nos arriscamos.
Calligaris dá uma linda resposta a uma moça que diz : "Então estou cheia desses homens. Coragem é cuidar dos filhos e ir ao mercado ! " Eis a resposta : "- Meu pai era um idealista cem por cento masculino. Não ia à feira, não cozinhava e não educava os filhos. Mas se não fossem homens como ele, hoje a Europa seria um continente fascista. Pois foi ele que carregou a família para as montanhas, sem leite, sem água, com filhos pequenos, para se juntar a luta contra Hitler." Um mundo sem heróis sonhadores seria um mundo conformado. Ninguém arriscaria seus filhos em nada. Para a mulher, a vida é sempre o mais alto bem.
Uma idéia que me toca : os EUA pegaram a missão de ser a usina de heróis do mundo. Eles é que devem escrever a história heróica do planeta. É isso que os mete em guerras constantes, é isso que move seu cinema ( todo filme americano, mesmo os mais artísticos, têm heróis ), sua música, seus escritores ( desde Whitman, Poe e Twain ). Isso vai tão longe que os americanos jamais poderão aceitar algo como seguro social ou socialismo. Para eles um estado provedor é a capitulação do herói. O herói tem de viver e morrer só.
Cottardo cita OS BRUTOS TAMBÉM AMAM E CASABLANCA como os dois mais perfeitos exemplos de heroísmo. Pois o homem julga amor verdadeiro apenas o que é amor-ideal. Sacrificar o amor para manter vivo o amor, eis a estranha sina do herói. Na verdade, namorar, casar, ser pai, ser bem sucedido, são formas de frustrar o desejo de ser herói. A não ser que o namoro seja dificil, o casamento cheio de percalços vencidos e a paternidade seja ato de desafio. Flertar sempre com o abismo.
Como Dalilas, as mulheres tentam cortar os cabelos de Sansão e fazer com que o homem fique mais em casa, viva no mundo real. O trágico é que assim que esse ex-herói se aquieta, Dalila passa a sentir saudades do herói e joga suas expectativas no futuro novo Hércules : seu filho. Está perpetuado assim o ciclo.
Neste mundo, em que não existem mais tantas chances de ser herói (ir à guerra, matar um urso, construir uma cabana no mato, salvar a mocinha do bandido ) o jovem se atira a rachas, drogas, crime e pura violência cega. Nesta vida hiper protegida, o herói, longe do abismo, ansia por abismos artificiais onde se jogar.
Que belo programa de TV este Café filosófico !

MY FAIR LADY/ FRED E GINGER/WALLACE E GROMITT/A FELICIDADE NÃO SE COMPRA

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO de Max Rheinhardt e William Dieterle com Mickey Rooney, James Cagney, Olivia de Havillande, Joe E Brown, Dick Powell
Devo ter assistido num Natal aos 5 anos de idade. Suas imagens entraram em mim e passei minha vida pensando que fossem um sonho que tive. Ao assistir o DVD recordo tudo e vejo que não foi sonho, foi cinema. O visual é fantástico : fadas descem do céu, bosques que brilham, casacatas e lagos. Rooney aos 10 anos dá uma interpretação de gênio : seu Puck é aterrador. Um leprechaun de riso maldoso, um diabinho pulando e aprontando sem parar. O filme é desigual, tem momentos ruins. Mas tem outros ( Joe é humorista completo, James Cagney tem carisma para o papel ) que redimem tudo. Nota 7.
DANÇA COMIGO de Mark Sandrich com Fred Astaire e Ginger Rogers
Fred é psiquiatra que se apaixona por paciente. Todo fim de ano revejo musicais. São presentes que me dou. Este é delicioso, mas não é uma das obras-primas da dupla. Ginger era de uma sensualidade espertíssima ! Ela dá calor ao muito etéreo Astaire. Nota 8.
A HISTÓRIA DE VERNON E IRENE CASTLE de HC Potter com Fred Astaire e Ginger Rogers
É a bio de uma dupla de dançarinos que realmente existiu. Portanto, os dois têm de dançar no estilo 1910 dos Castle... é frustrante. Considerado o mais fraco da dupla, tem falta do humor que sempre abundou em seus outros trabalhos. Nota 6.
A ALEGRE DIVORCIADA de Mark Sandrich com Fred Astaire e Ginger Rogers
Ginger faz um tipo um pouco mais retraído, quase tímida. O filme é típico do estilo da dupla : ela o detesta, ele a ama, depois ela começa a amá-lo, vem um mal entendido e então o final feliz. Quando Fred canta NIGHT AND DAY para ela, a conquista. Vemos um orgasmo musical na tela ( que termina inclusive com um cigarro ). Essa cena é histórica : uma canção transforma indiferença em amor... e cremos no que vemos ! O filme é perfeito : os dois dançam e nos fazem rir, nos fazem rir e dançam. Os coadjuvantes brilham, os diálogos ricocheteiam, o filme é um iate de luxo. DEZ!
BROADWAY MELODY de Norman Taurog com Fred Astaire e Eleanor Powell
Dois amigos dançarinos disputam o amor de dançarina famosa. Powell, muito famosa na época, dança pesado. Seus pés têm chumbo. Fred dança poucas vezes, mas rouba o filme. Nota 6.
O MÁSKARA de Chuck Russell com Jim Carrey e Cameron Diaz
Porque este filme fez sucesso ? É tremendamente amador, mal dirigido, muito mal escrito e pior interpretado. A trilha sonora é de karaokê e os cenários de filminho pornô. Vai entender... Cameron, um pouco mais cheinha, nunca mais foi tão bonita. Nota 1.
WALLACE E GROMITT NA BATALHA DOS VEGETAIS de Nick Park
O cão, Gromitt, é criação de grande talento. Com poucos movimentos de sobrancelha ele transmite milhares de expressões. O roteiro mistura suspense e horror, cheio de humor. Uma delícia !!!!!! Nota 7.
MY FAIR LADY de George Cukor com Rex Harrison, Audrey Hepburn, Stanley Holloway, Gladys Cooper e Mona Washbourne
O mundo se divide em dois : os que desprezam esta obra-prima de Alan Jay Lerner, e os que a adoram. Não há meio termo : ou voce vê este filme como enfadonha frescura pseudo artística, ou voce a adora como exemplo perfeito de artesanato imortal. Eu fico com a segunda opinião, e ainda acrescento que é lembrete daquilo que perdemos nos últimos 40 anos : bom-gosto. O filme é aula de diversão adulta e elevada, suas músicas exemplo de genialidade. Rex e Audrey estão em pleno vigor : apaixonantes ! É um de meus cinco filmes favoritos. Nota... Ora ! Que nota dar ? Um mero número desmerece tanta perfeição.
A FELICIDADE NÃO SE COMPRA de Frank Capra com James Stewart, Lionel Barrymore, Donna Reed, Ward Bond
Capra, cineasta de imenso sucesso, voltou da segunda-guerra mudado. Seus filmes que eram odes à democracia, plenos de otimismo, adquiriram um travo amargo. Este foi fracasso de público e crítica na época, mas na década de 70, ao ser reprisado na TV no Natal, , foi descoberto e se tornou desde então um clássico desta época de festas. Não há filme atual sobre fim de ano que não o cite. O filme é pura fantasia, começa com estrelas conversando no céu. Stewart abre mão de seus sonhos para ajudar sua cidadezinha, o filme é a história de sua vida. James Stewart prova mais uma vez o que ele foi : o mais simpático dos astros. Seu George Bailey é complexo, mostra doçura e amargor. A cena em que ele grita com a filha no Natal é das coisas mais dolorosas já filmadas, choramos, não há como evitar. É um filme que nada teme : ele é piegas, tolo e infantil; e ao mesmo tempo é profundamente humano, verdadeiro e atemporal. Filme favorito de meu amigo Tucori ( que foi quem me convenceu a o assistir ) é uma aula de bons sentimentos e de bom, grande cinema. Nota DEZ.

MY FAIR LADY - ELEGÂNCIA E PARAÍSO

Primeiro são as flores. Closes de flores em variadas formas e cores. Durante um minuto e meio é tudo o que vemos : flores. Estão jogadas as cartas : o filme trata de estética, a estética da visão e a estética da língua. Mas é também a estética do amor e do cinema em sí. Vêm os créditos do filme : Jack Warner produziu pessoalmente, o que significa muito. Audrey Hepburn significa perfeição. Audrey fez algum filme ruim ? Rex Harrison, que Paulo Francis tanto amava, significa civilidade em grau absoluto. A Warner queria Cary Grant, mas foi o próprio Cary, com sua elegância de sempre, quem disse ser um crime tirar Rex do filme. Rex Harrison era o professor Higgins da Broadway, e ele é Higgins. Temos ainda Stanley Holloway, que significa humor em alto grau e Wilfrid Hyde-White, que é simpatia suprema. Mas há mais. Hermes Pan cuidou da coreografia, e apesar de não haver dança propriamente, todos se movem com graça e leveza. Harry Stradling fotografou, esse mestre dos diretores de fotografia, e há no filme um brilho colorido que remete a conforto e solidez. Mas vem mais : Alan Jay Lerner escreveu o roteiro e fez as letras, adaptando Bernard Shaw. Foi este filme que me ensinou que em musicais as músicas não são "pausas", elas são o centro da obra, são elas que revelam a alma do personagem. Este filme tem as melhores letras, diálogos deliciosos e uma leveza de sonho. As melodias são de Frederick Lowe e os arranjos de André Previn. Todas as músicas desta obra são perfeitas. Todas são inesquecíveis, ele é o musical para quem não gosta de musical. Se após My Fair Lady voce continuar a detestar musiciais, bem... seu caso é perdido. Cecil Beaton cuidou do visual geral. Beaton foi o Oscar Wilde dos fotógrafos, o luxo dos luxos, o nome chave do esteticismo, o dandy supremo. O que mais este filme pode ter ? George Cukor na direção, o que quer dizer gosto e tato. Após tantos diamantes, eis que ele começa.
Um cenário que é Londres, talvez em 1910. Cenário que foi feito de verdade, com suas colunas, pedras e ruas. Vemos roupas elegantes, cartolas, calhambeques, carruagens, jóias, rostos asseados. É a tal era vitoriana. Estamos no mundo da elegancia e dos bons modos. Chove então, e se abrem guarda-chuvas. Observe, nada de importante aconteceu, mas seu senso estético já está desperto. Surge Audrey, suja e com voz deplorável. Ela é uma florista de rua. Com a fala das ruas de Londres. Surgem Higgins e Pickering ( nomes adoráveis ). Um é linguista, o outro é um coronel culto. Higgins diz que a língua é tudo, e o filme é ode de amor à língua inglesa. E vem a primeira canção.
Paulo Francis em belo artigo dizia que Rex Harrison, em Londres, colocou a audiência abaixo na estréia teatral de MY FAIR LADY quando abriu a boca para cantar. Rex era péssimo cantor, então criou um tipo de "fala cantante" que é simplesmente genial. E dificílima de ser imitada. Nesta primeira canção ele fala da língua inglesa. A letra de Lerner é coisa de gênio. Rimas e ritmo, tudo flui, apesar da complexidade das palavras. Estamos capturados : o filme triunfa.
Eliza Doolittle é Audrey. O mundo queria que fosse Julie Andrews, a estrela da versão teatral. A Warner, sem Cary Grant, dessa vez bateu pé : precisamos de uma estrela das telas : Audrey. Pois Audrey está como sempre : adorávelmente adorável. Na rua ela canta sobre a alegria que seria ter uma poltrona macia e um chocolate quente. Nos ajoelhamos. Que música linda ! Ela nos transmite uma beleza que chega a doer, a beleza da esperança. O filme cresce muito. O que já era excelente fica ainda melhor.
Uma cena de poesia suprema é aquela em que amanhece nas ruas de Londres. A cidade de Dickens e de Thackeray nunca foi tão bela. Eis o pai de Eliza, um malandro bêbado chamado Alfred Doolittle. Criação genial de Holloway. Ele canta na rua, unido aos pobres maltrapilhos. Fala de sorte, de futuro. Sorrimos. O filme é de uma alegria encantadora. O mundo de MY FAIR LADY é um tipo de paraíso estético. Entramos então no santuário de Higgins, sua casa.
Um esbanjamento. Observe as janelas. Vidros azuis e amarelos, desenhos em cristal fino. Veja o imenso tapete persa no chão. As maçanetas de cobre polido, as luminárias belgas. Madeiras que cheiram a verniz em todo canto e imensos sofás de couro. O banheiro com seus azulejos pintados um por um, à mão. O padrão do papel de parede. É o ambiente de luxo masculino vitoriano. Ambiente que pede charutos, um Porto, um volume de Conrad. Não queremos sair de lá. Rex e Wilfrid moram alí. São dignos daquilo tudo. Mas a "mulher" surge e a paz se vai.
Antes de Eliza irromper na casa como sujo furacão, Higgins canta. O hino supremo dos solteiros. Jamais ouvi tantos bons argumentos sobre a vida de solteiro. Obra-prima masculina. O filme sobe ainda mais : ele é também sobre a guerra dos sexos. Me surpreendo : letras de canções podem ser tão ricas ? Alan Jay Lerner é um gênio !
Pois bem. Os dois amigos apostam. Higgins fará de Eliza uma Lady. Em seis meses. A levará a festa da embaixada, onde todos serão enganados. Estará provado que voce é o modo como fala. Higgins passa a ensinar Eliza a falar corretamente. Eliza sofre, se submete, e de súbito, no momento mais feliz de um filme cheio de momentos felizes, ela acerta : the rain in Spain... Os três dançam. A música é sublime. Um dos maiores momentos da história da sétima arte : Rex, Audrey e Wilfrid cantando e pulando. A vida pode ser perfeita. Mas o amor complica tudo....
Ela se apaixona. E canta a canção mais conhecida do filme. Impossível saber qual a melhor. Não há uma que não seja perfeita. As letras sempre são fascinantes e a melodia inesquecível. A peça/filme é momento único. Vem então a primeira prova de Eliza : as corridas em Ascott.
Essa cena em Ascott é das coisas mais belas já filmadas. E artificiais. Um desfile afetado de roupas elegantes, mulheres em fantasias divinas onde Audrey/Eliza entra como fada. O diálogo que ela trava com os lords e ladys é comédia perfeita. E o final da cena é soberbo. O filme, que se iniciara lindo continua em seu crescendo. Ele sobe todo o tempo.
Vem então o baile. Nessa cena o filme se arrisca. Não ouvimos nada do que se diz. Ficamos como distantes espectadores. Danças, poses, silêncios, exibicionismos. Eliza triunfa ! O filme se aquieta em planície alta. Cessa seu crescimento. Em duas horas de incessante êxtase ele interrompe-se. MY FAIR LADY. agora, é drama.
O filme fala então de tragédia séria : Eliza adquiriu cultura, mas o que fazer com ela ? Seu passeio pela praça onde trabalhava antes é dramático. Não faz mais parte daquilo, mas faz parte do quê ? Ela é uma Lady, mas não nasceu Lady e não tem dinheiro. Reencontra o pai, que em frenética cena de pub celebra sua despedida de solteiro. O filme continua maravilhoso, mas agora ele é doído. Higgins é incapaz de entender Eliza. Ele é masculinidade pura. Ela é só feminilidade. Não se tocam.
Mas um precisa do outro. Rex Harrison se supera em cena onde ele confessa ter se acostumado com sua presença. Sem ela a casa é vazia. Mas Eliza o repele. Ela foi pisada demais. Rex volta para casa só. E vem o final, que é de uma falta de romantismo chocante, mas que é puro Bernard Shaw. Após três horas de projeção o que queremos é mais. Pena ter acabado...
MY FAIR LADY ganhou oito Oscars em 1964. Cukor, Rex, Warner... todos levaram seus prêmios. Menos Audrey, que nem indicada foi ( injustiça. Ela está sublime. ) Foi imenso sucesso ( o que depõe a favor dos frequentadores de cinema da época. ) Foi o filme que me fez entender musicais. O assisto todo ano desde então, sempre próximo ao Natal. Ele é um presente que me dou. A alegria de rever MY FAIR LADY é a mesma de reencontrar uma festa querida. Brilhos e cores amadas, vozes amigas, canções de sonho. Nenhum filme me é mais "precioso". MY FAIR LADY é como jóia de família, foto de infância, coração de amigo : não tem preço. Ele dignifica o cinema popular, enobrece a profissão de ator, faz de uma sala um salão. É ouro puro.
MY FAIR LADY é soberbo !!!!!

SHAKESPEARE AND COMPANY - SYLVIA BEACH

A foto da capa já é uma delícia : Miss Beach rí, enquanto George Antheil entra em seu quarto pela janela. O livro vai nesse clima.
Sylvia Beach nasceu no fim do século XIX. Sua tia conheceu Whitman e guardou alguns manuscritos que Walt ia jogar no lixo. A família dela sempre foi importante, aquele tipo de família sangue-azul americana, da região que vai da Philadelphia à Rhode Island. Mas Sylvia logo se mostrou diferente e vai para Paris. Lá conhece Adrienne Monier, francesa dona de livraria, e resolve fundar uma livraria especializada em livros em inglês. Nasce a Shakespeare and Company. Livraria que vende, mas que também empresta livros. Os associados pagam uma taxa e podem pegar livros a vontade. Logo Sylvia se vê no centro da vida intelectual daquele tempo, os anos 15/35, em Paris, na margem esquerda do Sena, no centro do modernismo.
O texto é simples, leve e agradável. Ela vai falando de seus amigos, de suas vitórias, de seus hábitos. James Joyce ocupa mais da metade do livro. Apesar dela ser homossexual, Joyce é uma paixão gigantesca na vida de Sylvia. Por ele, ela se aventura em editar Ulysses, único livro que a Shakespeare editou, por ele, ela se endivida. Joyce é um enigma. Como acontece na bio de Ellman, ao terminarmos de ler este livro, somos incapazes de decidir se o irlandês foi um santo ou um crápula. Gênio com certeza. E de magnetismo irresistível.
Mas há mais. Há DH Lawrence, Gide, o amigo fiel Heminguay, Dos Passos, Erik Satie e suas manias, há Huxley, Maurois, Gershwin, Valéry, Cummings, Pound, Eliot, o esbanjador Fitzgerald. A melhor história é do músico de vanguarda americano Antheil. Ele morava no sótão da livraria e quando esquecia as chaves realmente entrava pela janela. Convidou os amigos para a estréia de sua nova obra, o Ballet Méchanique. A obra consistia de uma pianola programada tocando uma melodia sendo esmurrada pelo pianista, e em meio a tudo, uma hélice de avião fazendo perucas e chapéus da audiência voarem ( e ensurdecendo a galeria ). O que aconteceu nessa prémiere ? Ninguém ouviu a obra : do primeiro minuto ao seu final, o que se ouviu foram xingamentos, aplausos, vaias, murros, assovios e "vivas". O absoluto caos. ( Recordei de um texto- qual ? - que dizia que estamos perdendo o dom da emoção. O que nos faria hoje reagir assim ? O futebol ? ).
A livraria seria fechada por Beach em 1944, quando um oficial alemão, fã de Joyce, ameaçou confiscar tudo dele que lá havia. Antes que ele voltasse para cumprir a ameaça, Sylvia esconde todo o acervo e fecha. Passaria seis meses em campo de prisioneiros. Seus relatos da resistência são belíssimos.
Hoje, em Paris, existe uma Shakespeare and Company. No filme em que Ethan Hawke autografa livros ( qual o nome mesmo ? É com Julie Delpy... ) é lá que ele está. Mas não é a livraria de Sylvia Beach. Depois que ela fechou, um americano esperto abriu uma nova SeC em outro endereço. E eu que pensei que fosse a mesma...
Se voce ama livros vai gostar de ler este. Se voce ama a década de vinte, vai gostar de ler este. E se voce ama a vida, vai gostar de ler este.
Boa leitura.