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PREVENDO DEPOIS QUE ACONTECE

Não tenho dúvida alguma sobre o fato de que a história da humanidade não se explica pela razão. Sempre que leio bobagens do tipo: O cérebro humano se desenvolveu por ser carnívoro; a revolução francesa se deveu à ação de Voltaire e Rousseau; comunismo é a evolução natural do capitalismo ( essa até os comunas fizeram questão de esquecer ); dou gostosas gargalhadas. O que vejo, sempre, são pessoas prevendo a evolução histórica depois que ela já aconteceu. ---------------------- Não há planejamento que suporte o kaos natural da história. E quanto mais um grupo político tentar controlar a vida, maior será seu fracasso. Eis o porque do capitalismo sempre vencer ao final. A esquerda não consegue sequer imaginar ( eles não são muito bons em imaginação ), que o capitalismo não tem e jamais teve um plano global. O que o capital faz é dançar conforme a música, se adaptando de forma rápida àquilo que o kaos demanda. O capitalismo vive na crise, o socialismo necessita da ordem e do planejamento a médio e longo prazo, por isso sempre fracassa. A vida não comporta planos. ------------------------ A história, vista sob o ponto de vista da esquerda, ou seja, por 90% dos professores, é uma lógica sequência de ações e reações. Mas não é assim na realidade. Esse modo de ver a história só funciona se voce ignorar imensas fatias da realidade e se editar o tempo. Não há uma razão clara para o surgimento de Napoleão logo após a revolução de 1789, assim como não houve um motivo lógico para a Russia se tornar comunista e não a Alemanha ou a Espanha. Qualquer explicação será forçada agora, muito tempo depois da coisa haver ocorrido. ------------------------------------ Em 1980 não havia uma só pessoa no planeta que prevesse a queda do muro de Berlin. Depois, em 1992, um monte de sábios explicou o porque. Inventaram desde motivos religiosos até a ação da CIA. Não aceitam que a URSS caiu porque ela tinha de cair. Ela era a tentativa absurda de domesticar o indomesticável, a vida. --------------------------- No atual momento global pouco me importa se a China planejou a crise para ter vantagens ou não, se ela assim o fez irá fracassar completamente. Nunca funcionou esse tipo de objetivo. Do nazismo à União Europeia, toda tentativa de impor regras rígidas à história não sobrevive. A vida do mundo é como a vida de um só ser humano: imprevisível. ----------------- O capitalismo tem essa imensa vantagem: ele precisa do kaos para existir. Ele vive de crises, de novas ideias, da substituição de planos, do sucesso que ocorre por acaso. Ele é um espelho fiel daquilo que acontece na natureza e também dentro de nós. Ele é natural, instintivo. O socialismo é racional, portanto, artificial. --------------------- Nada explica a eleição de Bolsonaro como nada explica a eleição de Lula após tantas eleições perdidas. Explicar em 2021 algo que aconteceu ontem é muito, muito fácil, basta escolher uma teoria e insistir nela. Simples baboseira. ------------------------- O sucesso dos USA não pode nunca ser desvendado por uma teoria onde tudo faça sentido e pareça claro e lógico. Na sua evolução há muito de acaso, de improviso constante, de sorte, de imprevisto. Nunca houve um plano para ser o país mais rico do mundo, o que houve foi o desejo por sucesso liberado de forma como nunca antes na história do mundo. Liberou-se a ambição, o resto aconteceu. --------------------- Do mesmo modo, o domínio da Inglaterra já foi explicado até pelo fato de terem carvão nas ilhas ( a falta de senso de ridículo não tem limites ). A Espanha caiu por acaso, a Inglaterra tomou seu lugar porque foi levada à isso. Uma série de eventos aleatórios foram se acumulando, e sua ocorrência nada teve a ver com planajamento. Foi uma sequência de acasos, de sortes e de azares dos outros. Mesmo a educação: quando o reino criou Oxford e Cambridge, não houve um plano do tipo: OH! Vamos criar Oxford para dominar o mundo!.... Não!!!! O que houve foi um bando de padres e monges se unir para tentar preservar algum saber do passado. O plano era apenas esse: amor à cultura antiga. Nada de Hey! Vamos desenvolver este pedaço de terra!!!! ----------------------------------- Viver bem, tanto para um homem quanto para uma nação, é dançar conforme a música, sem planejamentos que não levem em conta o improviso, a anarquia e o acaso. Meu país, o Brasil, sofre desde sempre por ser um país naturalmente do improviso, mas que é obrigado a se adaptar às mais bobas teorias lógicas e delirantes. Nunca em nossa história fomos deixados livres para exercer nosso rumo natural. Sempre fomos domados por planos mirabolantes, teses importadas, objetivos artificiais. Soltem o brasileiro, ofereçam à ele 100 anos da liberação dos EUA de 1850, que voces verão um gigante acordar.

O QUE É ENVELHECER

Um amigo escreve dizendo que envelhecer é perder. Me solidarizo com ele e conto que comecei a envelhecer em 2008, quando meu pai partiu. Mas será isso mesmo? Porque na verdade eu não perdi meu pai em 2008, eu o perdi mais ou menos em 1973, quando eu tinha 10 anos e entendi que ele se dava melhor, combinava mais com meu irmão mais novo. Envelhecer é algo mais que isso. O que seria? ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Num fim de tarde em 1974, nunca vou esquecer desse momento, eu assistia Scooby Doo na Tv. Toda família na sala. Eu sozinho na minha poltrona, observe que me traio ao dizer sozinho, meu pai, mãe e irmão no sofá, conversando. Há pouca luz no ambiente. Então, como sempre acontece nesse cartoon, sai um vampiro de um caixão. E como um raio que caísse no meio do meu cérebro, eu penso: Tudo que está aqui vai morrer. Dentro de mim vem uma podridão. Da forma como só as crianças sentem, eu sinto em forma física aquilo que eu entendo, o óbvio, nós morremos. Freudiano que já fui, penso agora, 2021, se aquele não foi um desejo: Que morram todos eles. Não importa, sendo medo ou desejo, sendo ambos, posso dizer que envelhecer é ter certeza do fim. No meu caso, aos 12 anos. ------------------------------------------------------------------------------------- Então seria ficar velho uma soma: perder + saber? ---------------- Para mim muito mais cruel é nossa condição de mamífero sem espaço. Explico. E para esta explicação falo apenas como amante da ciência pura, sem nada de espírito. Como bicho, animal de sangue quente, que mama, que caça, nós temos nosso território. Aqui eu caço, aqui eu me abrigo, aqui é meu lugar demarcado. Meu cheiro está ao redor daqui. Este é meu mundo. Para mim, humano-bicho, envelhecer começou realmente aos 26 anos. Sim, 26, quando voltei ao bairro onde nasci e não encontrei nada daquilo que deixara. Envelhece-se melhor na Europa porque voce reencontra o velho café e avelha praça, intactas. Aqui nosso rastro some, desaparece. E com ele se vai o fio de nossa vida. Partido o fio, damos um salto de ruptura. Estamos velhos porque nosso ambiente se foi. Meu ninho sumiu. Estou só. ----------------------------------------------------- Mas tudo isso são etapas. E agora termino falando o mais evidente de tudo: em 2011 tive uma crise nervo ciático e passei um mês sem poder andar. Com dor, recurvado, gemendo. Velho. Então voltemos à simplicidade: envelhecer é enferrujar. Ande com uma bengala aos 25 ou aos 39 anos e voce se sentirá um velho. A coisa ao final é física. Digamos que saber da morte, perder parentes, ver a destruição do ambiente em que se nasceu, são fatos que nos deixam mais amargos ou talvez realistas. Mas a velhice é corpo, acima de tudo o corpo, e é a dor nas costas, a falta de fôlego, a enxaqueca que nos faz sentir que a máquina está usada demais e seu fim pode estar perto.

CAFÉ DA MANHÃ DOS CAMPEÕES, OK KURT VONNEGUT....VOCE VENCEU

Nos anos 60-70 não havia internet. E menos de 10 canais de TV. De qualquer modo nessa época pessoas que se diziam cultas não viam TV. Mesmo que tivesse passando Leonard Bernstein. Então o que faziam em casa? Liam. Liam muito. Jornais. Revistas. HQ. E livros. Se vendia muito livro. Havia best sellers ruins, como em qualquer época: Sidney Sheldon, Harold Robbins, Irving Wallace, Jacqueline Susann. E best sellers bons: John Le Carré, Agatha Christie, Georges Simenon, Graham Greene. E havia, e isso era e é uma surpresa, escritores metidos a artistas que vendiam aos milhares e milhares: Norman Mailer, Truman Capote, Saul Bellow, John Updike, e mais uma montanha de gente. Kurt Vonnegut era famoso. Daqueles que escreviam contos para a Playboy, davam entrevistas na TV e faziam palestras na UCLA. Adoro o filme Matadouro 5, baseado em livro seu. Mas nunca gostei de nehum dos livros que li. Tento mais um. ---------------------------------------------------- Café da Manhã é de 1973. O estilo de Kurt, para quem nunca o leu, é tipo um bom filme dos irmãos Coen. Um rocambole cheio de personagens esquisitos com um humor amargo bem colorido. Todo mundo é meio louco e o mundo é um kaos disperso. Aqui temos um autor de ficção científica que publica seu trabalho em revistas pornô e que se torna famoso aos 80 anos. Há um dono de lojas de carros que enlouquece. Esses os dois centrais. Mas há bem mais. O livro não para de correr. Estradas, moteis, lojas, lanchonetes, estradas vazias, cidades. Kurt conta como se fossemos aliens: ele mostra desenhos das coisas. Tipo, veja, isto é um hamburger: e então há um hamburger desenhado. Sim, nos sentimos estranho. É um livro que te dá estranheza e que ao mesmo tempo voce lê sem parar. As pequenas sinopses dos livros que o escritor velho escreve são brilhantes. ---------------------------------------------- Este livro foi editado aqui em 2019. Questão: ainda se lê Vonnegut? --------------------------------------------------------------------------- Escrevi no título que Kurt venceu. Por que? Ora, o homem que escreve o livro era um outsider em 1973, mas hoje ele é o mainstream. Impressiona como a visão de Kurt, sobre os negros, a guerra, a história dos EUA, as mulheres, a economia, é hoje a visão de qualquer garoto de 18 anos de classe média. A criatividade de Vonnegut é excelente, mas sua filosofia é hoje simplória e por isso mainstream ( só se torna dominante uma filosofia quando ela é simples e barateada ). É aquele bla bla bla do tipo Thomas Jefferson tinha escravos, somos escravos dos nossos carros, o homem destroi tudo que toca, a Europa destruiu a paz dos índios americanos ( mentira sórdida, eles viviam em guerra entre si ), animais são seres sagrados etc etc etc. Eram pensamentos da minoria em 1973. Hoje são leis imutáveis na mídia, universidades e até em igrejas. Mainstream. Kurt Vonnegut repete esse ponto de vista sem cessar e assim cheira à lugar comum. O que é estranho, pois temos uma novela criativa e anárquica recheada de clichés de bom mocismo e política do bem. --------------------------------------------------------------------- É um livro velho. Como tudo que em seu tempo parece brilhante de novo, ele se torna carcomido por traças em 50 anos. E em literatura, 50 anos são nada, uma simples página virada no volume grosso da história. Esqueça Kurt.

GODARD E SEU DESPREZO.

   Como disse em algum outro post, ando me livrando de bagagem. Objetos e também modos de pensar. DVDs são alvos simples e bastante simbólicos. São mais de 500 que já viraram pó.
  Então no começo de uma noite, resolvo dar uma chance para Godard e BB. Muitos críticos ainda tecem loas à este filme. Vamos ver...
  Uma câmera aponta para seu rosto, o rosto de voce, espectador. Isso após Godard recitar os créditos do filme. Em seguida temos a bunda de Brigitte Bardot. Ela pergunta para Michel Piccoli se sua derriére é bonita. Fritz Lang anda pela rua, Jack Palance é um produtor americano. Cartazes ao fundo, Hatari! de Howard Hawks, filme que Godard adora. Numa sala de edição, fala-se de Homero. Até aí são 20 minutos de filme. O que achei?
  Em 1963 havia surpresa em apontar a câmera para meus olhos. E era uma brincadeirinha de criança divertida o diretor recitar os nomes dos atores. Mas quando ele discursa sobre Homero a coisa fica chata demais. Vemos um intelectual se exibindo para um público, que por saber quem foi Homero, se acha mega especial. Godard é um adolescente. Masturbatoriamente, enamorado de seu ego, ele alegremente mostra que sabe muito, não nem aí pra nada, faz o que deseja. Seu público, ávido por se sentir adolescente e inteligente, usa seus filmes como diploma de superioridade mental. Hoje, em 2020, me dá nojo.
  Já tentei fazer videos e peças de teatro. E sei o quanto é árduo o trabalho de se criar personagens críveis. Nada em um filme é mais brilhante, e mais imune ao tempo, à ferrugem do tempo, que uma personagem viva, com respiração, ficcional e ao mesmo tempo real. Godard " genialmente" abre mão disso. Ele não cria personagens, ele fala "a verdade". Oh God. Nem vou falar de como me compliquei e entendi então como é difícil a arte de se inventar uma trama. Um gancho que nos faça amar o enredo, nos emocionar. O enredo de Godard é sempre seu cérebro. Ele não cria, discursa. E quem discursa é ele, somente ele. Único assunto: Eu.
  Se os filme de Kurosawa ou de Bergman sobrevivem melhor, isso se deve ao fato de que eles criaram personagens. Mesmo que esses personagens falem aquilo que o autor quer dizer, eles falam dentro de outras máscaras, e dentro de uma situação criada. Kurosawa usa reis, samurais e velhos pobres para falar; Bergman cria professores, crianças e adolescentes para exibir sua neurose. Acima de tudo eles narram uma história. Penso que Godard não sabe narrar. Então ele discursa.
  Todo discurso fica velho. Porque depois que sua mensagem é absorvida, tudo que resta são palavras. Uma boa história nunca fica velha. Porque ela se renova ao ser vista pela primeira vez por uma outra pessoa. Nós amamos histórias desde quando ficávamos à fogueira, em círculo, esperando o lobo ir embora. Um discurso é útil em seu momento. Depois morre e vira pó. Penso que o excesso de biografias feitas hoje revela a incapacidade de se criar personagens.
   O Desprezo já está no lixo.
   Nem o corpo de BB o salva. 

DEIXA ENTRAR, DEIXA PASSAR, APERFEIÇOE. Quando uma canção fala algo.

   Não há como provar a vida, no que ela tem de melhor, sem a simplicidade. Para viver bem, é preciso aceitar, sem nenhum obstáculo, aquilo que ela é: Movimento incessante. Sendo movimento, ela é completamente imprevisível. Sendo imprevisível, ela requer criação constante. E para criar, para poder dançar o fluxo da realidade, é preciso simplificar.
 Estou desenvolvendo a base do pensamento de Bergson. Voce pode ler mais detalhes no meu post abaixo. Mas antes desse post há um clip de uma canção de Paul MacCartney. Ela exemplifica esse fluxo e essa simplicidade de um modo magnífico.
 Observe como a canção começa em silêncio. Toda canção começa em silêncio, mas só as melhores destacam isso. Nesse silêncio, que harmonizará toda a música, nascem os acordes de um lembrete: A campainha toca. Há alguém lá fora. Querendo entrar. Paul poderia ter usado 3 batidas na porta. Ou uma voz chamando. Mas ele sempre entendeu de silêncio. John era barulhento, ele não. Então são alguns toques de delicadeza. Onde o silêncio é mais importante que o som.
 Então vem o piano.
 Nunca se fez tanto com quase nada. E é isso a criação. O piano repete um acorde. Invariável. O mesmo, sempre o mesmo. Voce sente que lá está o tempo. Mas atenção! Sem saber racionalmente, por pura intuição, Paul exemplifica Bergson. O piano marca o tempo, aparenta ser o mesmo acorde, sempre o mesmo, que passa e se repete, que é circular, mas não! Sua sensibilidade sabe que não. QUE TODO TEMPO NUNCA SE REPETE. QUE NÃO HÁ CÍRCULO, QUE HÁ UM PASSAR INCESSANTE.
 O acorde que parece se repetir nunca se repete. Porque voce que o escuta já o escutou uma primeira vez. A segunda. A terceira...Então a primeira vez já é passado, e portanto é irrecuperável.
 Paul fala do encanto da rotina e da simplicidade. Na verdade em 90% de suas obras é disso que ele fala. Dentro do mundo do rock, e ao contrário do que muitos achavam, Paul MacCartney aos 23 anos já era um adulto. Em 1966 ele já sabia tudo. E sua meta era a simplicidade. Em estilo de vida. E em som. Enquanto todos falavam, como adolescentes frustrados, em projetos utópicos ou espaciais, Paul cantava uma cadela chamada Martha ou a felicidade da Mãe Natureza. Era como se ele estivesse em outro futuro. Ele intuía que toda aquela balbúrdia era apenas isso : Ausência de silêncio.
 Como Tom Jobim fazia, Paul coloca o mínimo no que faz. O acorde que se repete é adornado com metais, uma bateria, um contra baixo, vocais de fundo. Mas jamais com exibicionismo. Esses instrumentos obedecem o piano. Eles estão acomodados dentro do acorde que se repete. Há uma tensão. Pois todo movimento é tenso. E ela parece jamais se resolver. Fica sem resposta, fica no silêncio. Ou não.
 A leveza do todo e sua fluidez fica explícita no acorde final. São duas notas apenas, e ela respondem à tudo que houve antes. O Tio Jim de que fala a letra está na poltrona e todos os outros estão vagando pela casa. Ele os deixou entrar. Ele aceitou o tempo. Ele entendeu o acorde que é sempre o mesmo mas que nunca se repete.
 Por intuição Paul diz tudo sobre Bergson.

A EVOLUÇÃO CRIADORA - HENRI BERGSON. A inteligência em tempos de crise.

   Nossa inteligência se desenvolveu para prever, planejar e lidar com objetos. Essas não são apenas suas funções principais, são as únicas a que ela se presta. Ela sabe que se eu bater duas pedras surgirá fogo. Que o fogo assa a carne. Que sal deixa a comida melhor. Para ter carne é preciso caçar. Hoje, ter um emprego. Que o dinheiro ganho será gasto em contas. A inteligência planeja o que fazer com esse dinheiro. E é ela quem lida com tudo aquilo que o dinheiro pode comprar. Até aqui tudo está perfeito. E continuaria perfeito se soubéssemos como manter a inteligência em seu lugar, lidando com aquilo que à ela cabe.
  Mas não é assim que acontece. Em um momento de nossa evolução, passamos a crer que a inteligência pode prever tudo, planejar tudo, lidar com tudo. É nesse momento que perdemos nossa intuição e negamos a imprevisibilidade da vida. O acidental passa a ser visto como anomalia, quando na verdade ele é regra. Esse é o ponto mais interessante do pensamento de Henri Bergson.
  Vamos ver se consigo passar a ideia para voce de um modo bastante claro. Voce já deve ter lido algum livro de auto ajuda. Notou como nele o acaso não existe? Se voce fizer isto voce obterá aquilo. Sorria que o mundo sorrirá para voce. Deseje. Se voce quiser de verdade a coisa acontece. Até mesmo a fé foi enfiada nesse saco de causa e efeito. Tenha fé e voce obterá.
  Eu falei em causa e efeito? Sim, pois a inteligência só funciona no esquema imutável da causa e efeito. Para algo acontecer algo aconteceu antes. Se isso acontece aquilo acontecerá. Hospícios estão lotados de gente que pensava assim. E entraram em parafuso ao notar que fizeram X e não obtiveram X, mas sim YWZ. São mentes matemáticas que quebraram no momento em que a conta não fechou.
  Observe que a física começa sempre com o mesmo postulado: Em um dado momento. Numa dada distância. Neste segmento de reta. Ou seja, ela só trabalha em um recorte do real. Jamais no todo. O movimento tem de ser pensado como um início e um fim, e esse movimento não é um movimento, pois ele é analisado em um tempo recortado. Mas a realidade é um tempo que não cessa e um espaço sem fim. Então é lógico dizer que a física trabalha com pedaços mortos do tempo e micro fragmentos do mundo. Pois nossa inteligência é desenvolvida para entender apenas aquilo que tem começo e fim. Aquilo que pode ser medido e pesado. Aquilo que pode ser contado. Ela reduz a vida à um rebanho de cabras. O universo visto como um curral.
  A biologia não é diferente. Ela estuda órgãos e células, jamais o organismo completo em funcionamento. Ela sabe como uma célula se divide, não porque ela se divide. Um aminoácido provoca tal reação, mas não o que faz ocorrer tal reação. É um estudo da causa e efeito em que se sabe das duas pontas do fato, começo e fim, mas nunca o durante. Antibiótico mata uma bactéria. Mas não como ela é morta. Muito menos de onde ela surgiu ou o porque de ter surgido.
  Homens muito inteligentes tendem a querer saber o porque de tudo. Inclusive porque ela me ama, ou porque ela deixou de me amar. Não percebem o básico: a inteligência não existe para responder a nada. Ela existe para fazer coisas sólidas e para prever aquilo que foi provado várias e várias vezes.
Podemos ir adiante? Se a inteligência só sabe lidar com objetos e com aquilo que ela conhece por repetição, haverá no homem que se guia apenas por ela, a tendência a ver tudo como objeto e sentir a vida como repetição. O homem preso apenas à inteligência sufocará o imprevisto e a intuição. Pior ainda, será incapaz de perceber a imprevisibilidade radical da vida.
  Sem a inteligência voce não estaria lendo isto. Mas apenas com ela voce não fará nada com aquilo que lê. Apenas repetirá tudo para sempre. A inteligência odeia tudo que é imprevisto. A crise atual é mais uma prova disso. Tentam saber o porque. É preciso uma causa e um efeito. É preciso ver tudo como um objeto a ser lidado. É preciso tirar algo de útil de tudo isso. É preciso prever o futuro do mundo após esta crise. A inteligência, pega de surpresa, reage do único modo que sabe reagir quando colocada em choque: Pavor. Em seguida ela começa a procurar acomodar tudo em causa e efeito. E aposta em futuros.
  Para Bergson, o tempo é real, independente de nós. E se tudo que existe reside dentro do tempo e é por ele dominado, então tudo é movimento. Eis um fato que a inteligência é incapaz de lidar. A mudança. Para lidar com um objeto é necessário saber que ele não mudará. Que ele estará ali e permanecerá ali. E que suas características jamais se transformarão. Isso porque ela precisa prever uma ação. Planejar. E se ela aceitar que o tempo é real e que assim tudo está sujeito à ele, toda previsão se mostrará falha. A inteligência abstrai o tempo. O que é agora será amanhã. O progresso é o hoje transformado em um mesmo hoje, apenas melhorado, nunca transformado. Desconfie do aperfeiçoamento das coisas. É o mesmo com novo rótulo.
  Mas então seríamos apenas escravos do tempo? Brinquedos incapazes de lidar com ele?
  Não. Pois mudamos com ele. Estamos nele, ou mais que isso, somos ele também. Daí o pensamento radical de Bergson: Nunca somos o mesmo. Nosso caráter, nossa personalidade imutável é uma ficção criada pela nossa inteligência. Se ela só sabe e só pode lidar com objetos mortos, ao olhar para nós mesmos, ela matará nosso EU, transformando-o em objeto estático. Para ela, o que sou hoje serei sempre. E voce será para mim o mesmo. Eternamente. Só desse modo a inteligência tenta apreender a vida. E falha miseravelmente.
  Nossa intuição vive dentro do tempo. E é nela que ele se revela. Ela que nos diz que tudo muda o tempo todo. Pois se o tempo é movimento, tudo se move com ele. E assim muda sem cessar.
 

SINCRONIA E ANARQUIA

   Li um artigo bem legal ontem. Quando digo Universo, como voce o imagina? Provável que seja um lugar imenso, sem fim, sem começo e velho pra caramba. Ok? Só que não é assim. No texto que li, sim, física quântica, o Universo não é uma só coisa. Ele é um conjunto de pequenos Universos. Estranho? Não é mais estranho que tentar imaginar uma coisa sem começo e sem um fim.
  Tudo seria formado por hiper mega ultra minúsculas partículas. Até aí nada demais. Mas são coisas menores que um elétron. Menores que um bóson. E cada uma dessas coisas é em si um Universo. Bem...qual a diferença de chamar essas coisinhas de partículas ou de Universos?
 Um Universo tem suas próprias leis físicas. Então, fica claro, que cada fragmento obedece suas próprias leis. Parece absurdo pensar que logicamente tudo seria então uma anarquia onde cada coisa seguiria sua lei própria. Mas, é exatamente isso que essa teoria propõe. A ordem de tempo e espaço é apenas uma ilusão criada por nossa mente. Na verdade, o universo é um amálgama de mundos. Melhor explicando, para um pedaço de cortiça, tempo e espaço nada significam. Assim como para um coelho, nada vale naquilo que o relógio diz. Um ET que chegasse aqui teria imensas dificuldades em se adaptar, ou mesmo começar a entender o que significa tempo e espaço. Na multiplicidade de universos, tempo não existe e espaço é ilusório.
 Escrevo isso por um motivo. Há uns três meses estava andando na rua quando de súbito veio à minha mente a lembrança de uma menina. Nada tão especial ela. Nada me fizeram lembrar de seu rosto. Não a via a mais ou menos cinco ou seis anos. Eu andava e pensei nela. Pois bem...dois minutos depois a vejo parada na calçada, prestes a cruzar a rua, e topo com ela. Digo olá etc etc etc.
  Hoje, na academia, lembro do nada de um amigo que não vejo a mais de dez anos. Não era um grande amigo, apenas um colega. Então, ando até uma padaria, depois compro coisas num mercado e na avenida o vejo vindo em minha direção. Olá etc etc etc
  O que esses dois fatos têm a ver com o que escrevi sobre física? Tudo. Minha mente, universo próprio, já havia encontrado com eles em outro tempo. Ou, numa realidade paralela eu os vejo todo dia e tive um pequeno acesso à isso.
  Parece loucura? Mas é exatamente isso que a física anda estudando. A cada escolha nossa criamos mais uma realidade. Nossa mente não reconhece tempo e vive em passado e futuro como coisa normal.
  Escrevo mais outro dia.
  Ou já escrevi?

MINHA VELHA VELHA ESCOLA

   É um final de tarde de primavera. O sol generoso parece fazer sorrir o chão e as fachadas dos edifícios anos 50 das ruas. Passo pelos portões e estou de volta após 40 anos distante.
  Não há emoção nos primeiros passos, mas após alguns segundos olho para o lado esquerdo e vejo uma alameda. Os pequenos prédios de tijolos marrons, as árvores com suas sombras calmas, as escadas que levam às portas de madeira escura, as janelas altas...meu coração se alarma. Sim, eu estou de volta ao lugar onde fui completamente infeliz. E o que sinto é apenas alegria.
  Lágrimas brotam nos meus olhos. Eu poderia me ajoelhar e chorar. Eu sorrio então. Minha alma sente-se em casa. Como posso sentir coisas boas se estou aqui?
  Lá está a construção onde eu estudava. Seu aspecto limpo e funcional. Uma fachada que sorri, aberta, clara, permitindo luz. Aqui a praça cercada, bancos, e depois os caminhos onde eu me escondia. E então a biblioteca. Alta, o aspecto de igreja sem Deus. Elegante e vitoriana. Escura, sombria, úmida, linda. Eu a beijaria se estivesse só. Nela tenho lugar. Ninho. Completamente em casa.
  Se lá fui tão infeliz, e sei que fui, e agora me sinto em casa, então a conclusão me vem: É porque a tristeza que eu sentia então, hoje me parece acolhedora. Naquela escola nasceu a pessoa que sou, e esse parto foi dolorido, sofrido, solitário, quase um trauma. Muito tempo se passou e agora, hoje, a alegria vem não só da vitória de ter sobrevivido e retornado, mas principalmente por conseguir reconhecer nos tijolos marrons e nas árvores escuras, um berço. Sim, aquele local maldito é minha pátria mãe.
  Tenho de sair de lá. Me conduzem para fora. Olho os muros que não mudaram. Os porões onde existiam os laboratórios. Me lembro da minha incapacidade para aprender. E do quanto era duro fazer um amigo. A timidez que me sufocava, o medo das meninas bonitas, a sensação de que eu sobrava. Mas houve um outro lado. O nascimento do que eu sou. A luta para ser. A vontade de sobreviver.
  Pego o metrô e volto para casa.
  Em todos esses anos sonhei muito com essa escola. Eu sonhava sempre estar nela e não conseguir voltar para casa. Estar fora dela, na rua, mas sem conseguir sair de onde me encontrava. Pois hoje entrei e saí. Estive e retornei. E sinto que mergulhei em mel.

VIRGINDADE.

   Fazia um calor dos diabos e eu corri pra janela e a fechei. ( Na verdade era um vitrô. Acho que hoje ninguém mais usa essa palavra francesa, vitreaux ). Os insetos começaram a bater contra a janela e eu ouvia o tunc tunc tunc de seus desastres aéreos. Era verão e acontecia a irrupção de uma nuvem de "oito". Oito era o nome que a gente dava pra um inseto voador formado por uma bola preta grande e uma menor, daí o oito. Eu estava no campo e era três da tarde quando vi a nuvem se aproximar. Corri pra casa da minha tia e me tranquei lá dentro. A coisa durou só uns cinco minutos, talvez menos. E logo a paz preguiçosa do verão voltou.
   Mas eu recordo outra nuvem, essa de cigarras, eu ao lado da minha mãe, e ela se defendendo com um guarda chuva que ela usava pra se proteger do sol. Ela e uma amiga conversando na rua, como se nada houvesse de estranho, e eu sentindo um aturdimento enorme. Os insetos se chocavam contra nossa roupa, caíam e voltavam a decolar. Como eu disse em outro post, a vida nunca estava longe da gente.
  Crianças têm olhos imensos e com eles bebem tudo que está ao redor. São as impressões que gravam como tatuagem no cérebro. A mente está ansiosa por receber imagens, virgem de impressões, e os olhos dissecam cada cor e cada movimento ao redor. Desse modo, uma teia de aranha é um universo completo e um tom de azul uma maravilha sem fim.
  A felicidade do adulto seria a de jamais ter perdido essa virgindade.

UMA AULA SOBRE FREUD QUE HABILITA FREUD PARA MIM ( SE É QUE FREUD FOI ASSIM ).

   Vamos direto ao ponto: Nossos instintos estão relegados à simples função vegetativa. Nossos olhos piscam, nosso estômago digere, nosso coração dispara ao sentir medo. E então, falemos do medo. O medo é instintivo a qualquer animal. E quando se sente medo ou se foge ou se ataca. Mas não o homem. Nosso medo precisa ter um porque, precisa ser entendido, combatido e refletido. Então não será mais um instinto, será uma série de narrativas, uma história. O homem é então o único animal que transformou o instinto em palavras. Não se sente medo, se sente medo "de algo", "de um certo modo" e "porque tal coisa representa tal perigo". Conheço bem o medo, não o escolhi à toa. Quando vivenciei o medo sem porque, puro instinto solto, só voltei a sossegar ao saber o porque e o como desse medo "irracional".
  O homem não nega o instinto. Ele simplesmente o perdeu. Na verdade amamos o instinto, idealizamos a vida instintiva, usamos a palavra a toda hora, mas eles foram educados, racionalizados, contidos, e quando as palavras, a razão toma o instinto, ele morre.
  Um aluno pergunta se a linguagem não seria "instintiva". Não, pois instinto não se aprende, e o bebê aprende a falar. ( Instinto é aquilo que não se aprende, que não varia em tempo e lugar, que é comum a todos os homens em qualquer tempo, e que se faz sempre do mesmo modo, sem evolução ou variação. Por exemplo, todo leão caça do mesmo modo, todo lobo vive na mesma ordem social, todo elefante cria os filhos do mesmo modo, todo gato mia nas mesmas situações, não importa se em 500ac ou 2017, todos fazem tudo sempre do mesmo modo ).
  Outro aluno pergunta se os bichos seriam felizes. A resposta é que se ser feliz é viver de acordo com seu sistema vegetativo, sim, animais são plenamente adaptados e felizes, DESDE QUE não tenham contato com humanos, pois nós reprimimos seus instintos.
  Ver um gato dormir, um sabiá comer, um tigre caçar, é ver um ser plenamente livre, em uso completo de tudo aquilo que ele é. Um homem jamais terá essa chance, pois ele dorme pensando, come sonhando com outros planos ou desejos e não caça, e se o fizesse teria montes de vontades e medos misturados ao ato. Nunca somos plenos, pelo simples fato de que pensamos.
  Mas esse fato é inescapável, portanto, podemos viver razoavelmente bem apenas pelo uso das palavras. Se somos "amaldiçoados" pelo conhecimento, é esse conhecimento nossa maior arma. O que nos tirou do Eden é ao mesmo tempo nossa salvação.
  Mas há um fato que se sobressai cada vez mais: nossos instintos, tão fracos, precisam cada vez mais de motivação-pulsão. Comer precisa de variedade, temperos, novidades; o sexo precisa de aditivos, rotatividade, brinquedos, clima; e o próprio instinto de viver e de sobreviver passa a necessitar de motivações, metas e respostas. O sexo instintivo não requer troca de parceiro, ou climas ou imagens; idem para a fome ou a vontade de viver. O instinto requer satisfação simples, e se possível sem variação. Um leão será feliz com a mesma carne por toda a vida e um boi cruzará com qualquer vaca. Mas o homem, com seu instinto fraco-domesticado-mudo ( instinto não fala ), precisa de pimenta e de erotismo.
  As palavras nos levaram ao paradoxo do suicídio, à anorexia, ao tédio e a depressão. O paradoxo de querer morrer, de recusar comida, de sentir vazio perante o universo e a não sentir desejo cercado por coisas que se desejou.
  A linguagem fez de nós ETs em nosso mundo e estrangeiros em nosso corpo. A minhoca em seu jardim está em casa. Completamente em casa. Já nós, quando dizemos "casa", criamos um conceito de "casa", e perdemos essa "casa" para sempre.
  Nosso mundo é feito de palavras. E por isso voce está aqui e nunca ali.

A MINHA PREGUIÇA

   Entre 2 e 7 anos de idade. Eu me exibia. Cantava na sala para meus primos e tias e era aplaudido. Vaidoso, eu dormia muito e comia demais. Minha vida de príncipe era um sonho. Eu despertei meu ser no olhar. Eu via rostos femininos que me olhavam e sorriam para mim. E eu cantava para elas. Ao mesmo tempo eu via. Olhava o mundo com amor porque o mundo me amava. Desenvolvi o olhar então. Mais que a linguagem da fala, aprendi a ler com os olhos. Com eles eu podia gozar o amor por tudo o que eu via. E recebia de volta a luz entre a cortina, o azul da capa de um livro, o branco das nuvens que corriam.
  Mas veio a perda do público. Fui destronado e de príncipe me tornei pajem. Meu irmão veio como um furacão instituindo a república do ruído. Ele chorava, ele nunca dormia, ele ficava doente. Impedia meus pais de dormir. Pior, roubou de mim os olhares que eram só meus. Nasceu em mim a imagem do "herdeiro deserdado", do "nobre decadente". Meu público se foi. Eu não cantava mais. Me vi gaguejando por meses. Perdi a música e perdi a fala. Mas ainda olhava. Amava o mundo com olhos agora melancólicos. Mas ainda amava.
  Então não mais me pus a prova. Pois ao fim, eu sinto sem saber, virá a perda. Escrever um livro infindável é jamais o perder. Nunca sair de uma escola é continuar nela. Esticar a canção para não perder o público. Não encerrar o recital para não correr o risco de ver rostos virados.
  Isto não explica minha depressão. Muito menos minha SP. Mas dá uma luz sobre esse manto de vaidade destronada. Sou essa mistura esquisita de egocentrismo envergonhado e orgulho aviltado. Me sinto roubado. Sempre roubado. E roubo de mim mesmo o que me é de direito.
  Saboto-me.
  É assim.

AVENIDA PAULISTA - JOÃO PEREIRA COUTINHO ( E JUCA CHAVES )

   Pego num sebo um livro que reúne crônicas de Coutinho escritas entre 2005 e 2008. O autor tem belo estilo: leve. E belo pensamento: conservador na tradição de Burke, que ele cita. Coutinho em nada se parece com Paulo Francis, mas o seu gosto estético recorda muito o do mestre mais velho. Ler Coutinho é adentrar o mundo do bom gosto e mais que isso entender que sem bom gosto não existe vida que valha a pena ser vivida.
  Assim ele fala de Scruton e ainda de Nelson Rodrigues, de pintura, de Woody Allen, de nazismo, da revolução francesa, do futebol, de mulheres e ao final de SP. Leitura de verão, boa e nunca tola. Coutinho é muito mais sério do que deixa se entrever. Sabe onde a Europa se rebaixa e porque os EUA salvam. Seu texto sobre a Estátua da Liberdade é o melhor entre todos. Nossa ingratidão ao ideal americano é a ingratidão do mendigo ressentido pela esmola que recebe.
  Somos todos ressentidos. Nietzsche acertou o sintoma mas errou o motivo. Não suportamos a alegria. Dos outros.
  Falo agora de Juca Chaves. Ele foi tão famoso quanto RC ou Chacrinha. E um país que produz e conhece Juca, o Juquinha, é um país nem de todo condenado. Seu humor é fino, cristalino e o modo como ele sente a mulher e a política é o mais fora de moda possível. Por isso, é superior. Ele se diz um menestrel. E como figura medieval, perdeu seu lugar no mundo de funkeiros e sertanejos óbvios. Imaginas Juca chamar sua musa de vadia ou piranha, imaginar Juca chorar a dor de ser corno, sem humor, é tão impossível como pensar na esquerda usando a ironia para falar de politica. O Brasil que deu voz a uma figura como essa era país com chance de futuro. Hoje tudo que nos resta é a chance de voltar ao começo.
  PS: Juca é o Kevin Ayers brasileiro e carioca da gema.

LUZ ANTIGA - JOHN BANVILLE

   Um velho ator de teatro recorda um caso tórrido que viveu aos 15 anos com a mãe de seu melhor amigo. Ao mesmo tempo ele começa a rodar um filme com uma estrela internacional. E vive o luto por uma filha morta a dez anos atrás. De todas essas correntes narrativas, a que mais tem espaço é a do caso sexual aos 15 anos. E devo dizer que esse é infelizmente o mais chato dos casos. O problema é simples: não há nada de muito interessante nesse caso. Ele é um suburbano hiper excitado e ela é uma dona de casa de 35 anos bem comum. O comum, o banal pode ter encanto e genialidade, se for exposto por ângulo inusitado, mas esse não é o caso. Este livro, escrito em 2012, é o livro mais fraco de Banville, um autor dos melhores em vida.
  O subtexto é o tempo. O modo como nossa memória edita e embaralha as recordações. Confundimos lugares, datas, e mais grave, erramos os participantes de cada momento vivido. O narrador-ator tem surpresas desagradáveis. As coisa foram mais simples do que sua mente romântica quis crer.
  O final do livro, as últimas 15 páginas, são muito tocantes. Mas as outras 300 são difíceis de percorrer. Não por serem exóticas, confusas ou impenetráveis, elas são apenas chatas, terrivelmente chatas. Tão chatas como seria esse ator sessentão se vivo ele fosse.

OS CARETOS RAPAZES DE SANTO ESTEVÃO DA TORRE DE DONA CHAMA.

   Existe uma vila onde acontece uma festa. E essa festa tem sido estudada por gente do mundo afora. A vila, hoje com dez mil habitantes, tinha, até 2000, cerca de quatro mil almas. Essa vila é vizinha de várias outras vilas e cidades. Tem estradas, tem um rio, e não fica entre montanhas. Se localiza no nordeste de Portugal, a alguns quilômetros da Espanha das Astúrias e da Galizia. Pois bem, o que ninguém consegue entender é o porque dessa festa só acontecer nessa vila e nunca em nenhuma outra. Desde sempre. O que aconteceu que fez com que essa festa só ali sobrevivesse por tantos séculos, ou, o que parece mais certo, só ali acontecesse, pois só existem registros de festas lá e não nas outras vilas.
  No inverno, em fevereiro, rapazes colocam roupas coloridas. Cheias de fitas, babados, listras, bolas, flores, arabescos. Empunham tambores e saem pela cidade fazendo barulho. Nos rostos têm máscaras. E vem daí o mistério. Nos desenhos dessas máscaras não se percebe influência de lugar nenhum. Não são gregas, romanas, árabes, africanas, nada. Parecem primitivas, muito ancestrais. Ninguém entende como e porque foram criadas.
  Esses carretos andam pelas ruas assustando as pessoas, e se alguma casa estiver destrancada eles a invadem. E só saem após comer e beber. Todos os jovens fazem parte dessa procissão. Dessa festa. Dessa coisa ancestral.
  Minha mãe nasceu em 1941 nessa vila. Toda a família dela é 100% de lá. Meu pai nasceu em 1926 numa vila a cerca de 20 quilômetros de lá. E nunca viu essa festa.
  Desde criança ouço minha mãe falar dos carretos. Do pavor que ela tinha deles. Ela gritava. E seu irmão foi detestado por fazer parte deles uma vez.
  Os tambores tocando, a fria noite zunindo, e as máscaras, essas máscaras zumbis, andando por vielas e caminhos, no escuro, sem tochas, batendo em portas e janelas, pedindo para entrar.
  Isso é celta, óbvio. Algumas cerimônias de inverno lembram muito essa procissão. E o fato de escolherem Santo Estevão leva a essa direção.
  Eu adoraria estudar isso.
PS: Há festas chamadas Caretos em todos o nordeste de Portugal e na Galizia. O que intriga é que a da Torre é diferente em design e em canções de todas as outras. Parece ser a raiz pura da festa.

LIVROS AO LIXO.

   A biblioteca da escola coloca livros no pátio para que os alunos os levem. Como eu já esperava, eles os pegam e rasgam, chutam, fazem guerra de livros voadores. Livros, para a maioria deles, são como celulares para babuínos.
  Os livros, velhos, considerados inúteis, despertam minha pena. Eles são como amigos para mim, amigos sempre a postos, cães. Antes desse massacre eu salvei alguns. Um velho livro completamente desatualizado sobre linguística. MEMÓRIAS DE UM BURRO, de Herberto Sales, um delicioso livro sobre um burro mais inteligente que os homens burros. O livro ensina ética, bons sentimentos, moral, ou seja, tudo aquilo que não tem mais valor. Leio em duas gostosas horas e o trago para casa.
  Trago também NO PAÍS DAS FORMIGAS, de Menotti del Pichia, um esquecido autor brasileiro. Esquecido porque, ao contrário de seus amigos Mario de Andrade e Oswald, ele disse ser católico e conservador. O livro fala de duas crianças que são enfeitiçadas e diminuem de tamanho. São salvos pelas formigas. Legal.
  Encontro um modesto livro-homenagem. O filho dos Nogami escreveu um livro, COLETÂNEA, em que ele fala da sua família japonesa. De como vieram ao Brasil, da história de seu pai engenheiro. Não é um bom livro, mas é interessante. E doloroso.
  Uma joia é por mim garimpada: CONVERSAÇÃO COMPARADA PORTUGUÊS DO BRASIL E INGLÊS. É um livro vermelho, capa dura e papel macio e brilhante. Quando o abro encontro um lindo selo grudado nele. Escrito em japonês, é o selo da casa imperial. Entendo então que o livro ensina japoneses imigrantes a se comunicar ao chegar no Brasil. Para isso ele usa os dois ideogramas japoneses, os traduz para o inglês e então para o português. Mas o melhor vem em seguida: a data de publicação é de outubro de 1944 ! Ou seja, aquele livro foi editado para japoneses que fugiam da guerra. Em dez meses as bombas cairiam em Hiroshima e Nagasaki.
  Ele ensina coisas bem 1944, como ir ao chapeleiro, pedir tabaco, mandar fazer um sobretudo...me pego imaginando um Toshiro ou um Jun andando pela Liberdade, perdido, e mostrando o livro aberto, apontando com o dedo uma frase tipo: "Por favor, poderia me dizer onde fica um hotel..."
  É um tesouro.

O HOMEM DO OUTRO MUNDO

   Ele morou na Barra Funda. Numa pensão. Pegava bonde para ir ao cinema. Na sessão das 6, em salas da São João, Ipiranga, via os filmes de John Wayne, Gary Cooper, Rock Hudson e Gregory Peck. Trabalhava num bar. Cultivava um bigode e jamais saía de casa sem um paletó.
  Antes disso ele morara em Santo Amaro. No tempo em que o bairro era feito por quarteirões de casas classe média e outras áreas de fábricas. Acordava às 4 e de carroça entregava pão e leite nas casas. Fazia quase sempre neblina e o cavalo trotava preguiçoso no calçamento de pedra. Ele tinha uma carta de condutor de animais. O leite, em garrafa de vidro, ficava na frente da casa, com os filões de pão embrulhados em papel claro.
  Depois se mudara para cá, já casado, onde moraria com a irmã. Era uma casa entre morros de capim e mamona, a vista ia longe, quilômetros de distância. A oeste o Pico do Jaraguá e a sul as estradas para o Paraná e interior. O trabalho era distante, no Brooklyn.
  Esse mundo morreu a muito tempo. Morreu nos anos 70, com as dinamites, as empresas de demolição, as avenidas largas e o metrô. Meu pai não reconheceria a cidade se estivesse vivo e pudesse andar por aí. Tenho certeza que odiaria aquilo que Pinheiros virou, mas talvez gostasse do Brooklyn e da Barra Funda de agora. Mais que a cidade, homens como meu pai não existem mais. Ou estão em vias de sumir. Homens com papel definido a cumprir, homens provedores, homens pai. Conheço dois ou três amigos que ainda seguem bravamente esse roteiro. Mas eles são questionados e se questionam todo o tempo. Pois nosso tempo tem a ilusão de que se pode viver sem um roteiro. Ignora que não ter um roteiro é um tipo de roteiro ( que já ficou velho aliás ).
  Ao sair do cinema meu pai tinha a certeza de ser um cara legal. O Gary Cooper da avenida Ipiranga. E como ele, um monte de Garys Coopers voltavam para suas pensões com essa certeza. É um outro modo de ver o mundo. E por isso, era outro o mundo.
 

A PEDRA DO JAPÃO. ( UM MODO DE TENTAR EXPLICAR O QUE NUNCA PODERÁ SER EXPLICADO.

   A manhã surge e nós a encaramos como uma imagem. Ou melhor, não a encaramos, apenas a aceitamos. Por não haver um passado, não a comparamos com outra manhã. E assim, não temos como concluir aquilo que ela será antes de ser. É manhã. Ei-la.
  ( E talvez ao reencarnar percamos toda a memória de outra vida exatamente para que possamos ver a manhã como a primeira manhã. Isso faria todo sentido. Pois para que voltar e ver a manhã de número milhão... ).
  Isso é a criança. A manhã é aceita como manhã. E é tão aceita que a gente a pega e brinca com ela. A manhã se torna mais uma parte de nós mesmos. E inventamos funções para ela. Ao brincar começamos a destrinchar as coisas e ao destrinchar a gente as destrói.
  Mas eu falo de antes. Antes de brincar. Falo de quando a manhã era uma coisa aceita em passividade. Falo de quando a gente é quase cachorro.
  ( Escrevo isto no jardim. E uma mulher passa com um nenê lindo no colo. E esse nenê não me nota. Nem mesmo nota meu cachorro. Nem as plantas ou flores. Ele ri e aponta a arara de madeira pendurada na parede. Vermelha e azul.  )
  Todo artista pensa e trabalha para poder despensar e destrabalhar. Ele tenta olhar a arara e se maravilhar só mais uma vez. Ou, ele tenta fazer alguma coisa que nos faça ver a manhã e a aceitar como ela é e não como foi ou como deveria ter sido. A gente embaralha. Mas embaralhar é estragar tudo. Pois o embaralhamento só pode ser feito por quem conhece o baralho.
  A linguagem humana nasceu para contar o número de sacas de trigo. E para prometer pagar o que se deve.
  A linguagem humana é apenas isso.
  Quando usamos a linguagem humana para falar de Deus, ou do amor, ou mesmo da criança, transformamos Deus em trigo, o amor em quilos e a criança em débito. A linguagem foi criada para contar, pesar, cobrar e prometer.
  Nem Deus, nem o amor, nem a infância e nem mesmo a guerra, nada têm com isso. Ao falar delas as vulgarizamos.
  Em 1971 meus olhos se abrem  e vejo a janela com sua cortina branca. Ela voa e a luz do sol passa e entra e bate no chão. Um galo canta longe. Minha mãe canta ao longe. Sinto no peito uma explosão. Essa explosão, e o galo e a cortina e a mãe e o sol são todos manhã. E eles são tudo naquela hora.
  Essa hora, nove da manhã em abril de 1971, não é, ali, hora. É sol e galo, mãe e explosão no peito. A hora não faz parte de nada que vive ali. O tempo está ausente. E por isso o sol, a mãe, o galo, a cortina são sempre. Além do lá.
  A intuição é o pulsar dessa vida infantil. Melhor dizendo: primordial.
  Intuir é o breve momento em que nosso corpo inteiro balbucia sem voz, em imagem: Eis o que é. Ou então: Nunca.
  Intuir é ver sem considerar a experiência. E sem temer ou desejar uma consequência. Não pesa. Não mede e não cobra. Então é sem linguagem.
  Traga-me uma pedra do Japão.
  Não sei para que ou por que.
  Mas traga.

UM DIA F &**%$## NA VIDA DE TONY ROXY.

   Sei lá porque o cara sentou ao meu lado no banco e perguntou se eu havia assistido MATRIX. O primeiro é um filme absoluto e os outros um lixo. Então a gente falou de que no espaço não existe alto e baixo ou ir para a esquerda ou para cima. E que se a gente acha que esses conceitos são universais é porque existe uma matrix que conforma nosso cérebro ou mente ou o que for.
 Conto pra ele o papo da escrita em linha. Por causa da gente ler em linha reta a gente acha que todo pensamento é uma linha, linear. Mas não. O pensamento nosso é conformado numa linha para poder ser lido pela nossa mente racional e lógica. Mas pensar é circular. Explosivo.
 Vou pra casa e boto uma pulseira que muito raramente uso. Volto à escola e de noite um garoto chinês vem falar comigo. Pergunto se a menina que ele namora é japonesa. Ele diz que não. Mas que ela parece japa de tanto ler mangá. Então a gente fala do Japão e ele me pergunta se conheço Akira. E daí ele pergunta se já assisti MATRIX. É, ele pergunta.
 Então a gente conversa de física. Ele quer ser físico nuclear. Falamos do tempo como conceito abstrato, das distâncias ilusórias. Ele fala que Jesus Cristo pode ter sido uma ilusão colocada em nossa mente. Ou o contrário, que o milagre pode ter sido obstruído de nossa mente. Nunca saberemos ou talvez a gente já saiba.
  Um homem deixa a chave de sua moto cair na grade de um bueiro. Então ele pergunta se um de nós tem um gancho, uma corrente, um imã...Lembro que o fecho da minha pulseira é um imã. Pego a chave dele e noto que o comprimento da pulseira é exatamente o mesmo da profundidade onde a chave caiu.
  Volto pra casa e minha ex escreve que a vida é uma luta. Cabe a nós perceber a linguagem.
  Tá.

UMA HISTÓRIA DA MINHA VIDA

   Minha relação com a igreja começa já estranha desde cedo. Meus pais não eram casados no religioso e portanto achavam que entrar numa igreja, "solteiros", seria uma afronta à religião. Mas me faziam ir à igreja, aos domingos, com minha tia e meus primos. O que lembro dessa época é o calor, a igreja lotada, pernas de homens de pé, paletós e mulheres com véu. A igreja era a de Santo Antônio, no Caxingui, e a família toda sempre estava lá. Menos meus pais. O Caxingui era um bairro de casas grandes e chácaras, havia um sentimento de pioneirismo. Comunidade. Na calçada, na saída do culto, uma pequena multidão dava abraços e beijos e partia para o almoço do domingo.
  Eu não entendia absolutamente nada.
  Meu quarto era um horror. Quase uma cela da inquisição. Minha mãe o enchera de santos nas paredes. Havia um Cristo com o peito aberto, o coração vermelho exposto, sorrindo; havia uma Nossa Senhora em um altar de gesso, uma lâmpada vermelha acesa noite e dia iluminando sua figura azul. Eu sentia medo. Um medo inconfessável. A luz vermelha me apavorava.
  Fiz a primeira comunhão, fiz a crisma. Gostava do cheiro da Bíblia nova. Gostei de ser o leitor do versículo lá no altar. Mais nada. Um incômodo me cutucava. Eu não conseguia amar à Deus. Mal pensava nessas questões.
  Descobri a morte aos 12 anos, tive minha crise de finitude aos 16, e meu consolo não havia. Por mais que minha mãe falasse de Deus, eu sabia que Deus era somente um consolo para os fracos. E eu era forte. Havia lido Nietzsche. Era socialista. Sabia que a vida era um nada. Lera Sartre.
  Entrei em contato com Freud, e assim sabia o que nós éramos: apenas um ser que deseja. Me acostumei com esse modo de viver. Sentia superioridade perante os bobos. Eu era racional.
  Mas... eu queria crer em amor. Não para crer em Deus, não para vencer a morte, mas para ser feliz. Queria crer que o amor não era apenas vontade de procriar. Tinha de ser mais que isso.
  ...
  O tempo passa então. Décadas. E me encontro numa certa idade. Impossível precisar. E nada tenho para contar. O que devo dizer é que passei para o outro lado. E fazendo isso não me sinto mais feliz, e continuo temendo a morte como sempre temi. O que mudou em mim então que me faz ver a vida sob outro ponto de vista...
 Não tive  nenhuma experiência de quase morte. Não tenho nenhum amigo, namorada, parente, professor ou guru que me falem de religião. De concreto houve a morte de meu pai, brigado comigo. Mas antes de sua morte, oito anos atrás, eu já vinha num caminho que, lento e constante, só tem se tornado cada vez mais claro.
  Eu questiono. Eu me sinto fora de lugar. E ao mesmo tempo sinto fazer parte de algo. Mas jamais fui tão só. Sozinho e sendo parte.
  Continuo longe de Deus. Não sinto amor. Mas ao mesmo tempo sinto um profundo compromisso com a vida, com este mundo, com a continuidade. E sinto, profundamente, o quanto toda verdade não mora na razão.
  Caminho. Apenas isso, caminho uma estrada que não escolhi, vivo uma vida que não construí e sinto uma vontade da qual não dependo para ser. Vejo a vida como um dom. Tento a namorar.

TEMPO

   Vivi noites que repercutem como séculos. E vivi anos que nada deixaram atrás de si.
Vamos então ter a coragem de dar ouvido à nossa intuição e perceber, entender, aceitar que o tempo é outra coisa bem diversa daquela que a gente é ensinada a acatar. Com absoluta certeza não se trata de uma reta e muito menos de um peso.
  Aquela noite, 15, 20 anos atrás, durou anos, e aqueles anos, 15, 20 anos atrás duraram dias.
 Uma vida pode durar milênios, ou durar meses, segundos, um nada.
 ( Mas estou barateando a coisa enquanto falo em dias, anos ou milênios. É difícil fugir das armadilhas da linguagem ).
 A língua foi criada para contar cabras e para narrar guerras. Ela foi forçada a falar de sentimentos e de intuição.
 Aquela noite não pode ser descrita com linhas e letras. Talvez possa ser cantada em pura melodia.
 E é só.