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A DOCE VIDA EM PARIS um livro de DAVID LEBOVITZ

   Fecho o ano sempre com coisas de boa energia, ensinamentos de prazer, de bom viver. Assim, costumo assistir musicais, ouvir músicas que me deixam em êxtase e ler livros sobre viagens, bebidas, comida. Apenas o prazer é permitido.
   Neste divertido livro, um americano viaja à Paris com o objetivo de aprender mais sobre culinária. Chocolates é seu alvo principal. David mostra Paris sob os olhos de quem não é rico. Ele anda pelas ruas, mora num apartamento pequeno e precisa de trabalho. Assim, os lados bons e ruins da cidade são descritos. De pior, o egocentrismo do parisiense típico. O modo como eles furam filas, esbarram nas ruas, urinam nas esquinas, têm banheiros feios e pequenos, dirigem de modo suicida, amam a burocracia, riem pouco, fazem o pior café do mundo, e pouco se importam com dietas, câncer de pele e os males do fumo.
  Mas há todo o lado bom, que acaba por fazer com que ele more definitivamente por lá. O apuro em se vestir, a beleza física de simples vendedores de peixe, as feiras de rua, as padarias, o serviço de saúde público ( o melhor do mundo ), o prazer de andar pelas ruas, o chocolate, o capricho, a sabedoria na arte de viver bem.
  David exibe os detalhes de sutilezas que diferenciam a América, e cada vez mais nós, brasileiros, com eles nos parecemos; e franceses, com quem nós aqui, cada vez menos nos parecemos. Da administração do tempo ( tudo lá acontece no tempo lento dos latinos ), ao modo de se cumprimentar ( tudo deve começar sempre com um bonjour monsieur, de uma ida à loja à uma consulta ao banco ).
  É um gostoso livro para dias em que a gente está em movimento e requer leitura simples e leve.

FRANÇA

   Em 1975 minha família foi pela primeira vez à França. Lembro das cores do céu e do vento em Orly. Mas agora quero falar do era o aeroporto de então. Descemos do avião e fomos entrando no país. Um civil deu uma rápida olhada em nossos passaportes e passamos. Ninguém abriu nossa bagagem de mão, meu pai poderia ter uma bazuca ou meio quilo de pó, ninguém perceberia. Em todo o aeroporto, e minha mãe confirma que foi assim até recentemente, não se via um só policial. E assim foi por toda a Europa ocidental. Apenas na Espanha, ao entrar em San Sebastian, dois policiais olharam nossa cara e pediram para entrar.
  A pá de cal sobre esse mundo foi jogada ontem. Você meu jovem, que só conhece esse estranho mundo de câmeras, vigias, portões e grades, irá ter de se acostumar a mais vigilância. Os loucos das sombras querem nos fazer ovelhas assustadas, Faz tempo que conseguiram.
  Minha indignação é impossível de ser expressa. Estamos numa guerra contra as sombras que dura décadas. Mas os tolos relativistas colocam vendas de sofismo sobre nossos olhos. O mal está firme e unido, nós divididos e paralisados.
  Meu mundo nasceu com a dúvida de Sócrates. Depois recebeu o direito romano e a caritas cristã. Essa a trindade do ocidente que querem destruir. E sinto que conseguiram. A França não mais é A França. Ela perdeu.
Todos perdemos.

POEMA DO CID, EM FORMA DE PROSA POR MARIA DO SOCORRO ALMEIDA

   Escrito em 1140, o poema do Cid é o primeiro texto conhecido da península Ibérica. Então, em letras, pode-se dizer ser nosso mais antigo testemunho. Antes dele houve A Canção de Rolando na França, e o mais revelador é dizer as diferenças entre um e outro, já que ambos são sagas sobre cavaleiros medievais. Heróis fundadores de uma nação.
  Rolando é nobre. E em toda a canção só há lugar para nobres. O sangue azul manda. E o rei, Carlos Magno é Deus na Terra. Nas aventuras tudo pode acontecer. Magia acontece, donzelas morrem de amor e na verdade Rolando deseja morrer. Nada de real ou de cotidianamente vulgar acontece. Como nobre, nunca se fala em dinheiro, luta-se por honra. O inimigo é ruim, incrivelmente ruim. E o mais importante, o tempo nunca passa, na canção todos terminam como começaram. No mundo de Rolando o bom morre bom, o mal morre mal, nada muda, nada pode mudar.
  Vamos ao Cid. Ele não é nobre. Ele é um pequeno burguês que almeja ser rico. Caído em desgraça diante de seu rei, ele luta contra os inimigos para readquirir sua honra perdida. No Cid há de tudo: nobres, gente comum, judeus, árabes, reis. Inexiste a magia, magos não há. As lutas são ganhas por estratégia e por força, e o mais incrível: o Cid luta para ganhar bens, dinheiro e ouro. Ele divide os ganhos com seus soldados, todos lutando por isso, para enriquecer. O inimigo não é de todo ruim, ele pode se tornar aliado. E o tempo passa, as pessoas mudam, os lugares são descritos, o Cid envelhece, se cansa, e até mentir ele mente. A saga da Espanha é real, a francesa é nobre. A espanhola admite tudo do homem, os erros, e nunca conta com a magia. A de Rolando é irreal ao extremo. A magia salva o bem, ninguém muda jamais e um herói é perfeito. 
  Há como fazer analogias com aquilo que os dois países são hoje? Não, ambos mudaram demais em quase 10 séculos de história e de misturas. Mas algo ficou. A França continua se vendo como reino da nobreza, de finura e de perfeição. Dogmática, empedernida, protegida pelos deuses.
  Na Espanha ficou essa consciência do possível. Do relativismo, do caldo de interesses e do dinheiro como motivo central de tudo. Deus atende a quem se sacrifica. E para vencer é preciso lutar, sofrer e se precaver. Vale tudo, pois nada o ajudará. Para o espanhol o mundo é de pedra. Para a França o bem vence sempre. O corajoso, o inteligente, o belo, vencerá. O mal, irredutível, tentará, mas a França vencerá. Sempre. Para o francês o mundo é ideia.

O FIM DAS NAÇÕES ( E PORQUE CÉLULAS DE TERROR SÃO SEDUTORAS )

   Vejo um filme italiano, com o grande ator Totó, e um filme francês, com o mítico Raimu. E percebo, daqui do século XXI, que a França e a Itália não têm mais razão de ser. Usamos esses nomes como uma saudade, ou pior, como marca de produto. Existe hoje a comida italiana, assim como o vinho francês. Se vende para um turista a fantasia do romance na Itália ou de uma semana na Provence...Mas é tudo uma ficção. Porque assim como a Inglaterra é hoje apenas uma rainha e um sotaque, os dois países europeus são apenas uma memória na mente de pessoas razoavelmente cultas.
   Totó é todo um modo de falar e de gesticular que não mais existe. Seus valores, que são a amizade, a vagabundagem, a malandragem e o coração de manteiga não mais existem. Como se foi aquela nação de gritadores, de casas atulhadas, de montes de crianças e de tempo livre. O mesmo na França. Parecida com a Itália e ao mesmo tempo seu oposto, a França das longas conversas, das discussões, do jogo de bocha e das mentiras sem fim se foi. Hoje os dois são países higienizados, de arte sem sabor, sem sal e pimenta, e onde tudo parece uma Miami de coisas antigas recém pintadas. As originalidades de cada canto se foram. Viúvas de véu preto faleceram. Como faleceram os moleques de lábia afiada e os poetas de paletós imundos. Isso se vê em tudo. Cada vez é mais dificil ver um filme tipicamente italiano, ouvir uma canção bem francesa ou até mesmo perceber o caráter que fazia do calccio uma coisa diferente do futebol arte da França. É tudo o mesmo. ( E imigrantes logo absorviam o forte sabor do país. Não esqueçamos que o time francês de 82 tinha mais da metade composta de imigrantes ). 
   O mesmo se dá aqui e em todo o mundo. Dificil achar um brasileiro. Não que eu saiba o que isso seja, mas eu sei que ele, o brasileiro, não é como um peruano ou um chicano de L.A. Mas fica tudo cada vez mais parecido. Isso é bom ou ruim?
   Diziam, com suprema ingenuidade, que a globalização traria paz ao mundo. Que quando as diferenças específicas de cada país fossem esquecidas, todos se veriam como humanos, apenas humanos. Não é isso que vejo. O fim das especificidades trouxe o crescimento da individualidade. Se não existe mais o caráter original e único que me unia a meu concidadão, o sentimento de solidão aumenta e com ele o ""cada um por si"". O país de cada um passa a ser seu eu, somente o eu, e esse eu guerreia o tempo todo contra os estrangeiros, todos os outros. 
   Sem as festas populares folclóricas, sem os mitos da comunidade, sem o gestual e a história particular de um lugar, tudo o que resta é eu e minha história pessoal. ---Que horror!!!!!
   Não é por acaso que jovens desiludidos se unam a células terroristas. Elas prometem aquilo que as nações não mais oferecem: uma identidade, uma fé e irmãos com corações em comum. O homem precisa ter uma raiz. Itália sem alho e sem Totó, França sem creme de leite e sem Raimu não são um país. São apenas um lugar. 

UM PUNHADO DE GITANES- SYLVIE SIMMONS, A VIDA DE SERGE GAINSBOURG

   Quando o li pela primeira vez, em julho de 2005, adorei. Recém saído de uma relação, sedento por sexo, por esquecimento, passei a considerar Serge um ídolo. Mas o tempo passou e eu mudei com o tempo.
   Começando a ler o livro, penso: -Um francês bêbado, chato, suicida....tudo o que mais odeio!
   Quase desisto. Mas o livro é ok e continuo. E acabo gostando. Um pouco.
   Ninguém em nove anos assiste tantos filmes, lê tanto, estuda letras, muda de emprego 3 vezes, conhece putinhas, rainhas, bobos e doidos, atletas e nobres empobrecidos sem mudar. Nesse nove anos tomei porres colossais, amei mulheres frias, tive casos sujos e platonismos inconvincentes. E mais que tudo, envelheci. Muito. E como consolo me tornei um pretenso anglófilo. Imaginar-se vitoriano consola a solidão. E Serge?
   Não me interessa mais sua vida. A bebida e as mulheres...Jane Birkin. E daí? Mas nessa leitura quero saber da obra, da música. A história das gravações é o que de melhor há no texto. Sua música é melhor que sua vida e não o oposto.
   Ele era um timido que usava a bebida para se soltar. O cigarro era companhia fiel. Seu maior medo era o de ser abandonado. Na verdade ele nunca foi. As mulheres o abandonavam mas continuavam em sua vida. Como amigas presentes e atenciosas. Penso que Serge não era sexy, ele acendia seu instinto de proteção, de mãe. Acho que ele nunca pensou isso.
   Cèst tout.

PARIS- ROBERT DOISNEAU, O FOTÓGRAFO DA VIDA SIMPLES

   Porque precisava de dinheiro, pois nem todo fotógrafo tem a sorte de ser rico desde sempre como Bresson, Doisneau conseguiu um emprego de fotógrafo de publicidade, na Renault. Mas faltava tanto que logo foi mandado embora. E essa é a filosofia de Robert: "Desobedecer é uma questão de viver bem". Este belo livro da Cosac Naify, fotos da cidade de Paris, desde os anos 30 até a década de 90, exibe a vida de Doisneau, a mistura das fotos com seus comentários.
  Primeiro que ele nada tem contra o progresso. Diz jamais chorar sobre um edificio que desaba. Mas se assombra com a nova Paris. Tece um comentário perfeito sobre a impessoalidade dos novos prédios de aço e vidro:: "São todos idênticos. Querem o anonimato, a não-personalidade. Pessoas que lá vivem têm um anúncio de conformidade."
  Nos anos 50 Doisneau foi convidado para trabalhar na Vogue. Ficou apenas dois anos. E chegando sempre atrasado. A Paris que vemos em suas lentes é suja. E rica, muito rica. Ao contrário de Capa que buscava o drama, ao contrário de Bresson que sempre trazia o abstrato, Doisneau é um poeta, suas imagens são sentimentos. Todo o tempo.
   Fotos das ruas em labirinto, cheias de crianças, de gente, de ação, as fachadas que nunca s repetem. Cenas de Les Halles, com seus açougueiros, o sangue, o lixo na sarjeta. Bares de strip, as moças peladas, e a tocadora de acordeon, o rosto de pedra. Os moços da resist6encia, nas trincheiras, belos como modelos da Dolce e Gabanna! Vida real que parece um anúncio de modas...Doisneau é esteta por instinto!
  Crianças brincando, maio de 68, jovens bonitas de minissaia. Chuva no chão, fotos com cachorros, a França e seus chiens. Diz Doisneau que era comum um músico tocar na rua ( ainda é ), a diferença é que as pessoas cantavam com ele, em coro. Se cantava muito no metrô também. Em grupo.
   Bares com seus copos de Marc, de Absinto e de Calvados. O rio, bateau, muita gente pescando nas margens do Senna. E vinho.
   Robert Doisneau é feliz, porque ele vê a alegria mesmo no açougue. Percebe o medo na foto do bombardeio, mas mesmo assim a foto é bonita, tem equilibrio, tem charme...
  Se viver em SP tendo consciência de sua decadência é uma bosta, viver em Paris agora e saber aquilo que foi perdido...une merde!
  Mas...a vida segue, e Doisneau sabe viver. Os escuros das gráficas onde franceses imprimem panfletos, os discursos nas ruas, o homem com um falcão no ombro, o nobre com sua limousine cheia de cachorros, o salto sobre a poça de chuva, o olhar discreto na bunda de uma pintura... Discrição, sutileza, charme, o charme sempre, a discrição bonita, a sutil afirmação da presença.
  E o beijo, que tanta gente pensa ser foto de Bresson. A mais chic das fotos ( apesar de tão batida! ), a Mona Lisa das fotos de pessoas na rua... Não negue, ainda mexe!
  Que prazer de livro!!!

O GRANDE CIRCO- PIERRE CLOSTERMANN, MEMÓRIAS DE UM PILOTO DE CAÇA DAS FORÇAS DA FRANÇA LIVRE DA RAF.

   A editora C&R lança livros de guerra no Brasil. Preenche um buraco, esse gênero tem muito prestigio em todo o mundo, aqui mal se encontra. Livro bem cuidado, belas fotos e desenhos dos aviões.
   O pai de Pierre lutou em 1914/1918. Perdeu as duas pernas na carnificina, mas mesmo assim apoia o filho quando ele resolve se alistar como voluntário na segunda=guerra. Familia rica, negócios pelo mundo, Pierre poderia continuar sua vida na segurança do Canadá ou do Brasil. Mas não. Vai lutar na Royal Air Force, a RAF, a aviação inglesa, única força a deter Hitler em 1940.
   A França não. E o livro, o diário real desse piloto, começa com o lamento pelo triste papel feito pela França. Ela não lutou, ela se rendeu. Mas, fora do país, De Gaulle organiza o ataque, franceses das colônias, franceses americanos, lutarão. Pierre estranha a Inglaterra. Mas logo se sente em casa. É 1943. As batalhas de Pierre Clostermann começam.
   O estilo é admirável ! Nos sentimos dentro do avião. Ele sabe descrever a surpresa do inimigo que chega, as batalhas feitas de medo, de suor, frio, confusão. Os aviões se misturam, se caçam, atiram e erram, se perdem. Amigos morrem. Aos montes. Eles levantam vôo de manhã, de tarde, de noite, sentem fome, sentem sono, dor. E o medo que não se vai.
   Pierre odeia a guerra. Ama a aviação. Ao final do livro ele fala de sua admiração pelos ases da aeronáutica alemã. Pilotos soberbos, que venceram 200 duelos. O luto que se abateu sobre a base quando Nowotny, um inimigo, foi morto. Porque acima de tudo eles eram aviadores, irmãos nos ares que deviam lutar. Pierre contrapõe a terrível carnificina da infantaria, com sua lama, seus membros despedaçados, a sujeira, e a guerra nos ares, limpa, fria, elegante, homem a homem.
   Mas sim, ele sente a dor de ter bombardeado cidades. Aviões ainda a hélice, o que os obrigava a ver a explosão, ver o fogo, gente sendo explodida. Guerra olho no olho, se olha o piloto inimigo que atira.
   Numa das folgas Pierre vai pescar. E faz amizade com o dono das terras onde ele pesca. Um velho inglês, de cachimbo e tweed. Esse homem, que janta com ele, morrerá num bombardeio. E Pierre descobre que a esposa e o filho do velho inglês já haviam morrido em 40, ele na batalha da Grã=Bretanha, ela em Londres, num bombardeio. Pierre passa a admirar a Inglaterra. As bombas caem e eles jogam cartas. A casa em chamas e o chá sendo servido em ponto. O fato que Hitler nunca entendeu, os ingleses não saem do costume, a fleuma permanece.
   Pierre não gosta dos americanos. Porque até mesmo Hitler manteve as cidades de pé, nunca bombardeou para arrasar. Os americanos, e os russos, não. Para deixar seus soldados mais "protegidos" eles fazem um bombardeio arrasador. Destroem tudo. Sem pensar, sem remorso. Dresden, Munique, Berlim, Caen, Strasburgo, Dieppe, todas são incendiadas, anuladas, riscadas do mapa. É uma vingança fria, sem honra.
   Churchill e Roosevelt discutiam muito por esse motivo, Churchill queria que se preservasse o máximo possível, Roosevelt ( e Eisenhower ) queriam a aniquilação. Venceram.
   As missões se sucedem. Novos aviões, os nazis lançam o primeiro jato, o primeiro missil, mas é tarde. A guerra em seu fim é desespero. Batalhas aéreas gigantescas. 90 aviões contra 120...Os alemães constroem fábricas subterrâneas, 400 novos aviões por mês, 500, 1000...Mas a Inglaterra não desiste! Spitfires, Hurricanes, Typhoon, os nomes dos aviões são lendários! Pilotados na unha, com sangue saindo do nariz, sem ar, a 25 abaixo de zero!
   Pierre Clostermann sabia escrever. E viveu muito! Morreu aos 92 anos, em 2002.
   Homens como ele? Não mais.

Á MESA COM MONET, DE CLAIRE JOYES, NAUDIN E ROBUCHON, VIVER COM GOSTO

   A editora Sextante lança dois livros nesse estilo ( e cheios do mais graúdo style ), "'A mesa com Proust", que ainda não li, e este. Terei de ser didático com voce? Penso que voce sabe da história desse admirável homem chamado Claude Monet. Então, claro, voce conhecer Giverny, a casa de campo, perto de Paris, que ele construiu. O jardim, as hortas, e o lago, tudo feito como se fosse "selvagem", natural, a toa; e tudo de uma precisão estética insuperável.
   O título engana. Não vamos apenas a mesa, entramos no dia a dia do pintor. Sua rotina é descrita. Seus pic nics e seus jantares. O que ele comia, bebia, pedia. Comida feita por batalhões. Comer bem em 1900 dava trabalho e levava tempo. Aliás, o texto, belo e com sabor francês em ritmo e dicção, de Joyes, ressalta o tempo. Ela nos recorda que Monet foi dos primeiros franceses a ter automóveis em casa. Sua esposa amava a velocidade dos carros. Monet foi dono de três máquinas fumarentas. Um de seus amigos, um dos muitos, Heredia, abominava. Numa bela frase do livro ele diz que passear de automóvel destruia a capacidade de apreciar a viagem. Num carro toda árvore deixa de ter individualidade, ela vira apenas mais uma árvore. seja castanheira ou carvalho, apenas um monte de folhas que passa...
  A obra, em capa e fotos bem cuidadas, é um prazer. Os amigos entram na casa, louças amarelas e azuis, paredes amarelas, lilás, e sentem o aroma: patos, tomates, vitela, galinhas, omeletes, saladas, sorvetes, tortas, frutas. Pêssegos, uvas, bananas, melão. Vinhos e champagnes. O marc e o calvados. Chá e café. Chocolate. O dandy Whistler, o melhor amigo, Rodin, o bem-vindo Mallarmé, Paul Valéry, Clemenceau, Sacha Guitry...e Degas, Renoir, Pissarro...Se come, se canta, se caça, se ri muito. A familia enorme, os genros americanos, ingleses, Sargent.
   Terminar 2013 lendo esta delicia é uma homenagem a este belo ano que se vai e a este belo ano de 14 que começará.
   Paz, cor e calma. Luxo. É isso.

OS JARDINS EXIBEM A CARA DE SEU POVO

   Jardins franceses. Árvores plantadas em distãncias bem calculadas uma da outra. Alturas idênticas. Geométricamente podadas. Cubos, bolas, quadrados. A mão do homem deve ser percebida em cada folha e em toda flor. Natureza domesticada crescendo em ordem. Tudo é razão.
   Jardim inglês. Pequenos bosques que devem se desenvolver a moda de seu impulso. A mão do homem  não deve ser percebida, mas ela lá está. Ao jardineiro compete fazer com que a árvore atinja seu potencial máximo. Olhar e sentir conforto. Paz.
   Jardim japonês. Olhar uma pedra e ver nela todas as pedras do mundo. Jardim pobre que deve concentrar a mente. Detalhes diminutos que fazem com que a mente divague. Água que flui.
   Jardim italiano com estátuas e fontes e bancos. Tudo nele deve lembrar o lazer. A mão do homem se faz presente mas não como ordem ou como razão, sim como o belo. Jardim enfeitado com falsas ruínas de gosto duvidoso.
   Jardim dos EUA, com quadras esportivas, bancos de areia e escorregadores. Jardim que sempre convida ação. País da ação onde sempre se faz alguma coisa. Jardins que chamam à corrida, ao beisebol, ao basquete.
   Jardim do Brasil. Asfaltado para que as marginais corram. Destruído para que se estacionem mais carros.

OS INGLESES, OS FRANCOS, DARNTON, TV E JANE AUSTEN

    O excelente Joe Wright lança em Londres, agora, Anna Karenina. Keira Knightley faz Anna. Pelas criticas que leio, o filme é lindo. Mas nada tem a ver com Tolstoi. O melhor diretor jovem da Inglaterra filmou a obra-prima de Tolstoi após filmar Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito. Voce já vai entender o porque de eu ter escrito isso.
   A Tv às vezes surpreende. Robert Darnton foi entrevistado ontem no Roda Viva. Ele é o melhor historiador do mundo. E agora está digitalizando a biblioteca de Harvard. Fala uma coisa preocupante. Arquivos digitais podem desaparecer. Nada prova que eles vivam mais que um livro impresso. Temos livros de mais de 500 anos. Um livro digital pode sumir no ciberespaço. Um website dura em média 40 dias...
   Darnton é bem humorado, sabe falar e diz, brincando, que vive no ´seculo XVIII. Seus livros sobre o iluminismo são obrigatórios. Não pense que ele condena a internet. Ele é fascinado pelo assunto. Mas avisa: a época do autor como gênio, do homem que cria e sabe tudo está encerrada. Cada vez mais o homem será um ser grupal. Toda obra intelectual será um trabalho em equipe. Seja filosofia, romance ou cinema.
   Logo depois a Cultura passou um doc sobre Merce Cunningham. Trechos de uma obra com música eletrônica e cenário de Andy Warhol. Fascinante.
   Conheço um novo colega. Fez filosofia em Londres. Locke, Hume, Berkeley, Adam Smith.
   Ingleses são diferentes de franceses. Como cerveja e vinho.
   Franceses amam a comida. Ingleses vêm na comida um mal necessário. Preferem o jogo.
   Todo sonho de um francês remete a Paris. Ingleses sonham com casas no campo. Lareiras, xícaras de porcelana e sofás macios e imensos.
   Em maio de 68 franceses foram às ruas gritar por marxismo e liberdade sexual.
   Em maio de 68 ingleses estavam em casa estudando exoterismo, poesia medieval e tomando chás de ervas suspeitas. O protesto era em casa, na cama ou num comicio organizado. Em Paris faziam barricadas.
   Os franceses criam teses, planejam a vida, tecem utopias. E os homens devem se adaptar a elas.
   Ingleses observam a vida e depois tecem teses baseadas no que viram. Suas utopias se adaptam aquilo que foi visto.
   Para um francês a mente é um misto de desejo, preconceito e linguagem. Para um inglês é uma lousa em branco que vai sendo escrita aos poucos.
   Franceses metidos viram intelectuais.
   Ingleses metidos viram professores.
   Na França há o dever de se sonhar com um estado onde todos sejam iguais.
   Na Inglaterra o ideal é que todos possam ser diferentes.
   A França ama Napoleão e o ser que tem um grande destino.
   A Inglaterra ama o industrial que constrói e domina o mundo pelo trabalho.
   Todo francês termina por ser um entediado diante de uma taça de vinho.
   Todo inglês acaba por ser um conservador numa sala cheia de panos e pratinhos.
   Os franceses estão cheios de Descartes, Balzac e Rousseau.
   E os ingleses se entupiram de Wordsworth, Shelley e Keats.
   Um canta o homem politico e as construções da mente abstrata.
   O outro sonha com o campo e constrói o real.
   Ambos amam o dinheiro. Um tem vergonha disso. O outro o esconde.

   Pondé falou isso de forma mais Podeniana ontem.
   Volto a Joe Wright.
   Ingleses sempre retornam a Dickens. Ou Jane Austen, Keats, Shakespeare. Os pés firmes na cultura escolar. Um frenesi com a idade média. Não é outra coisa que fez Harry Potter, O Senhor dos Anéis. E um músico pop inglês sempre vai ter seu momento de "menestrel romântico".
   Detrás de um guarda-chuva sempre há um almirante, um pirata ou um bardo.
  

SERGE GAINSBOURG- DU JAZZ DANS LE RAVIN ( SEX, GALOISE ET JAZZ )

   Serge era o cara que todo mundo na França adorava....odiar. Para a esquerda ( e na França de 60/70 essa dualidade fazia todo o sentido ), ele era um americanizado inconsequente, e para a direita ele era um tipo de vampiro imoral e perigoso. Bem...para mulheres interessantes ele era um desafio e para a molecada anárquica um provocador. Serge entra no século XXI sobrevivendo muito bem. Hoje ele é mais vivo que em seus últimos anos de vida.
   Como pessoa, ele estava em todas. Musicalmente foi jazz, foi chanson, fez rock e fez reggae. No cinema só fez bobagem, mas são sempre bobagens curiosas. Escreveu, fez TV, não parava nunca de inventar. E tinha um jeito hiper-mega-super cool. Serge é da linha de Robert Mitchum, parece sempre ausente, sonado, derrubado, indiferente. Mas quando voce se distrai ele surpreende, porque ele faz tudo sem esforço, sem drama de trabalho, parece fazer "sem querer". Isso é o cool moderno.
   Sua abordagem com as mulheres era a mesma, querer sem querer.
   Então, tudo o que ele fez, teve esse jeitão. Fazia um filme "sem querer" e um disco "sem muito jeito". E pegava todo mundo desprevenido.
   Veja este disco. Voce bota pra tocar e ouve piston e trombone. É jazz. Ele ouviu muito Gerry Mulligan. É cool jazz. Mas é mais cool que o cool jazz. É Le Cool Jazz.
   Ele coloca várias palavras em inglês nas letras. E as declama meio sonâmbulo e depois canta meio drunk. Tem bafo de sexo e de álcool. Cheiro de axila sem desodorante. Boteco com umidade. É sujo. Baforento.
   E voce se vê estalando os dedos no ritmo das músicas. Ele faz exatamente o que voce faria. Pega aquele cool jazz e o mistura com uma coisa muito dele mesmo, muito francesa. Uma coisa meio Rimbaud e meio Cocteau. Não é o jazz de whisky e negros alinhados de Chicago ou Orleans. É jazz com Pernod e jovens de boina e blusa listrada de St. German e Marseille. Os americanos odiavam. Era pra eles como ouvir rock feito por alemães. Pra nós, latinos, faz todo o sentido. Une dois mundos. Une o ótimo e o soberbo.
  E Serge vai então sem medo. No trombone que boceja e na bateria que sacoleja. E dá quase pra ver a fumaça do Gitanes ( ou será Galoise? ), sair do cd e entrar nos teus olhos. Dá quase pra sentir o cheiro da calcinha da menina bonita de cabelos à la garçonne. E daí voce pensa: Que bom! E depois acha: Quero ser Serge! E então conclui:
  É bom pra caramba!

O FLÂNEUR, UM PASSEIO POR PARIS COM EDMUND WHITE

   Eu sou um flâneur. O que é isso? É o cara que anda pela cidade sem objetivo nenhum a não ser o de ver. Ele não caminha para perder peso ou para encontrar alguma coisa ou alguém. Não deseja descobrir coisa alguma, não tem rumo estabelecido. Ele simplesmente vai andando... uma rua leva a outra rua que leva a outra rua.... É uma arte refinada. Não são todos que conseguem fazer isso. Deixar que os pés o levem, a curiosidade de ver o que existe além e depois desse além, o que há depois e depois e mais depois.... levado não só pelo desejo dos pés, mas também pela vontade de ver. O flâneur é um estudante, ele educa seu olhar.
  Paris é a melhor cidade do mundo para essa arte. Porque ela é interessante como Roma, mas é tão grande como Londres. Ela é plana, cheia de recantos, de segredos, de lendas. Edmund White não fica nos cansando com descrições. Ele anda e fala do que pensa em cada rua que passa. Cada capítulo é um aspecto de seu caminho, e que bom!, o livro é solto e vago, interessante e vivo, como flaneur!
  Começa falando da atração que Paris exercia sobre artistas de todo o mundo e depois constata que hoje New York ou Tokyo são centros muito mais relevantes. Paris se debate entre a dúvida: ou se torna uma Roma, um tipo de museu a céu aberto, ou admite sua cor mestiça e se faz a capital multicultural do século XXI. White conta histórias enquanto anda ( apesar de o bom flâneur não falar. O flâneur é um solitário ). Fala dos exsitencialistas, de Colette e de Baudelaire. Do jazz. De Sidney Bechet, o sax negro americano, que em Paris encontrou a fama, a fortuna e onde foi aceito. Josephine Baker e o sexo. O livro fala das diferenças entre o racismo americano e o francês, a raiz puritana da América e o catolicismo light francês. Ele fala então dos escritores negros que foram viver lá: Baldwin. Himes e Wright.
  Edmund White penetra então nos bairros árabes, no antigo gueto judeu. Relembra a questão da Argélia, a cultura que os árabes têm trazido e nos emociona ao falar da saga de famílias judaicas. Algumas extintas durante a segunda-guerra.
  Ele enumera a quantidade absurda de museus que há em Paris. Vai em dois, um deles é uma antiga mansão, decorada como casa do século XVIII, e o outro é um museu dedicado ao pintor Gustave Moreau. A descrição ferina que ele faz das "obras" desse pintor é talvez o melhor capítulo do livro.
  White é um escritor gay ( ele se apresenta assim ), e então ele nos exibe o mundo gay de Paris. E mais uma vez expõe as diferenças entre a abordagem americana e francesa ao tema. Para nós há a única referencia ao Brasil: uma das coisas mais divertidas em Paris é apreciar os glamurosos travestis brasileiros...weeelllll....
   No final Edmund White visita os realistas e monarquistas, fala das histórias desses herdeiros, de suas particularidades. Com humor, com penetração, com amor também.
   Edmund White viveu 15 anos em Paris. Hoje ele mora na América, que é onde nasceu. Ele fala de Proust, de Degas e de Genet como se os tivesse conhecido. Ele nunca pinta a cidade como um paraíso na Terra, mas consegue colocar diante de nossos olhos aquilo que ela tem de mais original, sua humanidade, sua complexa mistura de passado e futuro, de requinte e individualismo puro. Uma cidade toda planejada, racional, e ao mesmo tempo uma rede de sombras, de memórias e de recantos esquecidos. É um livro que dá o prazer de se flanar, de se olhar e olhar... sem rumo, sem objetivo e sem hora. Leia que voce vai gostar.

GARGANTUA - FRANÇOIS RABELAIS, UM MALOQUEIRO.

Gargantua nasce filho de rei e cresce como gigante. Come, come e bebe vinho. E tudo no livro de Rabelais se resume a isso: vinho. A lei é: bebamos!!!!!
Dizem que o francês cartesiano é uma farsa. Que Montaigne e Racine não são a alma francesa. Que a verdadeira França está em Rabelais e em Villon. ( E consequentemente em Asterix ). Comida, bebida e escatologia, isso é o que define o francês real. Gargantua tem como palavra mais usada "cu" e há um capítulo sobre a arte de limpar o olho do cu. Rabelais escreveu no inicio do século XVI um livro que é uma das obras capitais do começo da moderna França. O espírito gaulês está todo lá. E ele é anárquico, sujo, glutão e bêbado.
Gargantua cresce, e come 13000 bois, bebe 800 barris de vinho e ao mijar afoga 20000 parisienses. Tudo nesse livro é assim: imenso, exagerado e despudorado. Bebês são fazedores de bosta, reis vivem a peidar, e nas batalhas os soldados morrem com paus enfiados no cu. Rabelais desconhece a palavra pudor e vai desabaladamente contra o tal bom gosto. O livro fede. E é divertido. Escrito antes da divisão da literatura em alta-literatura e baixa-literatura, ele escreve o que o diverte.
Bons tempos em que escritores eram mais que "empurradores de canetas". Eram soldados, navegadores, nobres perseguidos ou ladrões. Nas horas livres, escreviam. O romantismo ainda não criara essa imagem maldita do "escritor como ungido de uma missão". Montaigne ou Machiavel até poderiam se ver como "escritores", mas jamais como "autores". E Rabelais, que teve vida aventurosa e cheia de altos e baixos, escreveu um sucesso: Gargantua, que foi seguido por Pantagruel. Lê-lo é adentrar o fim da idade média. E o que define esse fim é o esculacho.
Marcelo Coelho escreveu nesta semana que Heine às vezes parece brasileiro. Pois Rabelais parece um maloqueiro. Se maloqueiros desejassem ser autor central, todos seriam Rabelais.
No mais vale dizer que o livro é engraçado, ainda, e que seus palavrões ainda causam espanto. A alma francesa tem aqui sua sombra. E veja bem: uma nação que se destaca por seus perfumes, roupas, finésse e que tais, com certeza é porque tem em sua sombra muito cu e muita merda para esconder. Aquilo que mais exibimos SEMPRE revela o que queremos esconder. A França nos exibe Montaigne e Descartes, e esconde as almas ( mas não as obras, pois ambos são clássicos ) de Villon e Rabelais. Tá dito.

GAINSBOURG, HERÓI, um filme de JOANN SFAR

Existem 3 modos de se ver o filme-homenagem de Joann Sfar. O primeiro é vê-lo como alguém que conhece e ama Gainsbourg. É meu caso e ver este filme tem algo de frustrante. O cinema é por natureza um simplificador e Sfar fez um filme que torna a vida turbulenta, rica, perigosa de Serge, uma vida quase linear. Pior, é um filme com o rosto de 2011, puritano. Sfar consegue o milagre de fazer um filme sobre Serge sem uma cena de sexo. Nada se fala sobre seu filme provocante de 1976, e se mostra o homem alcoólatra que ele se fez, sem jamais se exibir uma garrafa de bebida. Para o Gainsbourg fã, o filme é bastante não-gainsbourgiano.
O segundo modo de vê-lo é como alguém que nada sabe sobre Serge e que quer descobrir quem ele é através do filme. Esse é o típico personagem-alvo do cinema para inteligentinhos do cinema atual. Aquele cara que nunca leu Tolstoi e que tenta conhecer o gênio russo através da "Última Estação", ou o cara que não ouve Bob Dylan mas acha que conhece Dylan pelo filme genial de Todd Haynes. O inteligentinho irá agora conhecer Serge via Sfar. E que Serge é esse? Um cantor/compositor francês que fazia músicas bacaninhas ( e que antecipavam o som bacaninha de pessoas fashion de hoje ). Um feioso que namorou BB ( e chega a ser humilhante para Laetitia Casta o quanto ela é menos bonita que a diva BB ), um chato que teve a sorte de ser casado com Jane Birkin. Fica a imagem de um cara meio perdido, levado pelo destino, solto, e sempre com seu Gitanes aceso. Um cara simpático, e eis o erro: Serge nunca foi simpático! Voce o amava ou o odiava, simpático jamais! Mas estamos em 2011, a ditadura da simpatia...
O terceiro modo é vê-lo como cinema, sem se preocupar com Gainsbourg. Fazendo de conta que tudo aquilo é ficção. E é então que o filme cresce. Como cinema em si, é um filme encantador. Joann Sfar ama tanto a Serge Gainsbourg que lhe fez uma fábula. Jogou fora a pretensão de exibir sua caleidoscópica e labiríntica persona e se concentrou em dar de presente à Serge e a seus fãs um poema de amor. O filme exibe suas canções, ama seu rosto de rato, apaixona-se por seus cigarros e cresce muito na parte final, ao mostrar a relação com Jane Birkin. O ator, Eric Elmosnino é mais feio que Serge ( e menos viril ). Gainsbourg era muito mais rouco e bruto. Atraía pela virilidade explícita. Joann suaviza isso, mas homenageia seu herói mostrando seu lado mais suave, engraçado, "simpático" então.
É um belo filme, léguas à frente de biografias tolas como RAY. Quando o filme se encerra sentimos um imenso respeito pelo homem Gainsbourg e reside aí o segredo do filme.

A CANÇÃO DE ROLANDO

Guerra e guerra. A CANÇÃO DE ROLANDO, texto que funda a literatura francesa, traz para nosso cínico mundo pós-moderno a lembrança de que nossa história é a história da guerra. O texto, escrito por volta de 1ooo anos atrás, discorre sobre a morte de Rolando, herói de França, e de seus onze companheiros, dentre os quais Olivier, mortos em batalha contra os árabes em terras de Espanha.
A guerra dói. Vísceras são expostas no livro. Intestinos e fígados escorrem pela barriga, miolos saem pelos ouvidos. Cada golpe de espada é um jorro de sangue. Cavalos são estropiados. E em meio a toda essa sujeira, todo esse horror, irrompe o riso de Rolando, primeiro herói francês. Que herói é esse? Rolando guerreia. E vemos que toda a arte, todo o engenho, toda a inteligência humana se realizam, então, na batalha. Eles avançam com júbilo e matam com prazer. Morrem em dores terríveis, porém, certos da glória. O livro nos choca. É mais imoral que a mais imoral das transgressoras peças de arte moderna. Matar e morrer são o ponto mais elevado da vida de um homem.
Na história real Carlos Magno e seus pares de França ( Rolando e Olivier ) foram pegos encurralados no país Basco. Quem os atacou foram os bascos e mais alguns espanhóis. No livro, escrito cerca de 300 anos após o fato, são os árabes que os atacam. Milhares de árabes matam 60 franceses. O modo como o ódio se manifesta sem culpa nos é hoje odioso. Os inimigos são bestas desprovidas de sentimento. Todo árabe é mentiroso, cruel e traiçoeiro. Uma raça de demônios dos infernos. Matá-los é ter lugar cativo no céu.
Amanhece e o sol brilha sobre relva verde e plana. De cada lado do campo, inimigos se ofendem e se preparam para avançar. Uniformes coloridos, brasões, bandeiras e tambores. Os inimigos avançam. ( Futebol ou Rugby? ). Nada é mais belo para a mente medieval que esse combate. O sangue manchando o verde da mata, cavalos relinchando e armaduras brilhando ao sol. Gritos de ataque. Avante!
Cem anos mais tarde a cavalaria seria tomada pela paixão à Virgem e a mulher ideal, e o amor menestrel se tornaria o centro de sua missão. Rolando celebra o mundo da guerra pré-mulher. Em tempos cínicos, onde fingimos ser tudo paz, a caçada e execução de Bin Laden ( para mim, um assassino indigno de julgamento ) nos mostra que nada mudou. A única diferença, imensa, é que hoje fingimos não ver e não ter nada com isso.

PLATAFORMA- MICHEL HOUELLEBECQ

Ninguém é mais quente na França hoje que Houellebecq. Aos 54 anos, ele é o cara. Tem até um disco do Iggy Pop que homenageia seus livros. Plataforma fala de um funcionário público francês, chamado Michel, que pensa em sexo e sexo e às vezes em seu vazio. Ele conhece uma executiva bem sucedida e juntos eles fazem sexo e sexo e sexo. Ela trabalha com turismo. Eles vão à Tailândia. E fazem sexo e sexo e sexo. Mas porque Houellebecq é tão famoso?
As cenas de sexo são escritas como por um adolescente. Felação, sodomia, sadomasoquismo, bissexualismo, ménage à trois.... tudo aquilo que se tornou banal. Dá pra se notar que Michel leu Henry Miller e Bukowski. Mas ao contrário dos dois americanos, o ambiente é de grana, muita grana.
Houellebecq é famoso por ter a "coragem" de dizer o que pensa. Mas até que ponto isso não é calculado? Ele mira nos franceses, lugar onde todos se tornaram administradores burocráticos. Os italianos, o povo mais previsivel do mundo. Espanhóis, perigosos e ambiciosos. Americanos, puritanos e militaristas. Japoneses, um povo de gente ruim. São Paulo é descrita como uma cidade onde os carros são blindados, os bandidos te matam na rua com fuzis militares, ricos vivem ilhados sem jamais pisar na rua e a cidade é na verdade de bandidos, prostitutas e miseráveis. ( Ele descreve Paris como cidade de gangues e estupros ). A conclusão de Houellebecq: o mundo terminou. O capitalismo é o máximo a que o homem pode chegar, ou seja, este mundo de barulho e trânsito ruim, de solidão e sujeira é o céu do capitalismo. Os europeus, povo que nada sabe fazer de útil, vive apenas para viajar e morrer de tédio. Um europeu, segundo Houellebecq, se deixado sózinho em mundo destruído, nada saberia fazer de bom. Seria incapaz de plantar, de caçar, de construir uma casa ou de fabricar ferramentas. É um povo que vive cercado de seu glorioso passado, mas que no hoje e agora é absolutamente patético.
Mas as coisas não são melhores fora da Europa ( apenas mais reais ). No oriente ( Tailândia, Vietnã e Cambodja ) pelo menos ainda se faz sexo direito. Pois os europeus e americanos, mortos em seu desejo sempre satisfeito e sempre incompleto, perderam o interesse por sexo. Não sabem dar, porque vivem em egoísmo narcísico, e não sabem receber, orgulhosos que são. O sexo entre eles se tornou apenas um exercício higiênico. Daí a paixão pelas viagens. Na verdade o que o europeu quer ao viajar é encontrar sexo de verdade, sexo no terceiro mundo, mundo onde as mulheres ainda se submetem ao seu macho e onde as européias encontram homens que ainda pensam em se arriscar. Ilusão. Para esses seres do terceiro mundo um europeu é uma nota de euro. Já estão corrompidos, vendem o corpo por não ter mais nada a vender. ( E aqui ele faz um adendo interessante: Nike, Adidas, Vuitton, Chanel... são marcas que devem seu valor ao terceiro mundo. É no Brasil e na Costa Rica que se vê essas marcas como coisa de primeiro mundo. )
No mundo de Houellebecq, de todos esses virus, nada é pior que o islamismo. Ele chega a dizer que "não existe muçulmano que não seja um boçal", e os poucos que se salvam são ex-muçulmanos. Uma religião que começa por dizer "Deus é único e único é meu Deus", não dá espaço algum para a dúvida, a reflexão ou a criação humana. Houellebecq vê no catolicismo uma religião bastante mais humana, com sua trindade, santos, anjos e mártires, catolicismo que dá margem para a dúvida, a heresia e a complexidade. Ele fala do fato de o islã ter aniquilado a cultura do Egito e do Irã e não por acaso, o livro termina com ataque terrorista islâmico.
A melhor tirada de Houellebecq, e que justifica o livro, é aquela em que ele diz que o mal sempre existiu. Mas que os habitantes da Europa de 1700, por exemplo, sofriam e morriam, matavam e eram cruéis, mas ao mesmo tempo eles amavam aquela vida, aquela perspectiva, ilusória ou não, de se estar construindo algo de melhor para o futuro. Tinham amor a vida que era possível viver. Hoje detestamos o ambiente em que vivemos, o mundo em que existimos, a vida que nos obrigam a levar. Duvidamos do valor do futuro, nada há que mereça nosso sacrificio, nosso amor ou nossa fé. O que nos resta é nos fecharmos em casa, cheios de drogas ou vinhos finos, filmes e jogos, e sexo sexo sexo e sexo. O que nos rodeia só nos toca em situação extrema ( tragédias ), pois no dia a dia nada nos interessa.
Há como discordar?

LUXO, CALMA E VOLÚPIA, TOUJOURS PROVENCE, LIVRO DE PETER MAYLE

Perto do Natal, verão, como em todo ano, eu me dou presentes. Só leio o que significa prazer. Filmes que sejam como festa para a alma ( musicais, muitos musicais ). Natal para mim é luxo, calma e volúpia.
Então releio Peter Mayle e sou de novo tomado pelo sol da Provence. Mas a terra descrita pelo inglês Mayle, é real ? Ah bon.... seus vizinhos Ridley Scott e Russel Crowe dizem que sim. Os parisienses dizem que sim. Pois então a Provence é um tipo de Bahia da França, terra de preguiça, onde as pessoas nunca têm pressa, onde nada funciona, terra anti-Inglaterra, terra em que relógios não são usados e a produção inexiste.
Peter se apaixona pelas pessoas. Por sua falta de afetação, pela sua calma, pelo fato de que cada uma delas é "um tipo". Tipos com seus carros velhos e sujos, os cigarros fedidos, as roupas à vontade e os gestos amplos e livres. Esse povo que só tem um assunto: seu estômago.
Eu sei o quanto minha familia fala de comida e bebida. E do belo e civilizado costume que eles têm de à mesa só falar de comida. Á mesa deve-se comentar a delicia da salada e o frescor do vinho. Jamais falar de outra coisa a não ser: comida. E como se come!!!! E como se bebe!!!!! Adoro ler os livros de Mayle perto do Natal porque eles dão essa vontade louca de comer, beber, celebrar, viver.
Vinho, trufas, queijos, pão, escargots, alecrim, salvia, frangos gordos, peixes, rabanetes, linguiças, aperitivos, conhaques, doces, sorvetes, salsichões, omeletes.....
E esses dias de siestas, de almoços que vão até de noite, de longos cafés, e do nada de pressa nada de stress. A Provence, com sua poeira, sua falta de chuva, seu calor africano, seu povo malicioso e aberto, seus recantos romanos. Peter se esparrama em tardes de preguiça, de champagne gelada, de cuidar do jardim. De luxo.
( E vejo na tv uns caras falando do que seria luxo hoje. Para a classe C, luxo é o mais novo celular, o mais moderno computador, o carro mais chamativo. Para a classe C, todo o luxo está ligado ao que é novo. Para a classe A, luxo é conforto. É não precisar ter esforço, trabalho. São roupas macias e exclusivas, uma casa com jardins e espaço, um iate. Mas aí vem a diferença, existe a classe AA, e para eles, luxo é uma casa antiga, um velho restaurante, peças de herança de um avô, ter tempo livre, almoçar sem pressa. Para esse povo, todo o luxo está ligado a simplicidade e a antiguidades. Ah bon....então Mayle é o A dos A )
Assim como assistir um filme de Fred Astaire ou Cary Grant, ouvir um disco de Duke Ellington ou dirigir um velho Bugatti, luxo é fazer ou valorizar tudo aquilo que está inevitávelmente fora de moda, que é execrado e ridicularizado pelos novidadeiros classe C. Luxo é Peter Mayle. Que é Provence. Toujours Provence.

GUERRA!!!!!!!! ( TALVEZ ESTE SEJA MEU MELHOR TEXTO )

Frase de Thomas Mann: A Alemanha tem o direito de lutar por seus direitos de dominação e administração do planeta.
Frase de Freud: Eu dou toda a minha libido à Austria-Hungria!
Frase de Robert Musil: A guerra é bela e fraternal....

Alegremente, com sorriso no rosto e flores nas mãos ( dadas por belas moças ) soldados em 1914 foram fazer uma guerrinha logo alí. Pensavam que ainda era época napoleônica. Que se capturaria o general inimigo e se assinaria um pacto de não agressão. Quando abriram os olhos, após 4 anos de miséria, viram que dez milhões de jovens haviam morrido, e pior, que vinte milhões estavam destruídos para a vida, e pior ainda, que o mundo estava literalmente fodido.
Abriu-se uma chaga no psiquismo humano. O mundo ordenado de duques e condes, de burguesia que aspirava a ser "nobre" ruiu. O que veio foi a tomada de poder pelos revanchistas,´pelos radicais, pelos esquisitos. A Europa deixa de ser centro. Está esfacelada e dependente dos EUA. Fim.
Se o homem pode ser tão destrutivo e se a ciência pode ser tão danosa, se o bem que a era vitoriana anunciava era ilusório, e pior, se o europeu pode ser tão bárbaro quanto os povos dominados da África/Ásia; então tudo que nos resta é correr. Vamos beber, dançar, gozar agora, viver já, pois TUDO PODE SER DESTRUÍDO.
Pela primeira vez o homem vê o que significa DESTRUIÇÃO.

Arte e vida se tornam anúncio de destruição. Fé no homem, jamais outra vez.

Agora olho uma foto de outra guerra.
Nela, um grupo de judeus recèm libertos me olham. Livres de um lugar onde se matava industrialmente e com modos e motivos baseados na racionalidade. Eles me olham e mudos me acusam. A culpa não é dos nazis, nem dos alemães. Nazis e alemães são humanos como eu. A culpa é do mundo que construiu nazis e alemães. A culpa é do ocidente, da ciência, da filosofia, da arte, da América, de latinos e de nórdicos. A culpa é nossa.
Aniquilação final do psiquismo: o homem como monstro racional. A racionalidade como insensibilidade.
A segunda-guerra bateu forte demais. O mundo acabou alí. Hiroxima foi seu epitáfio.

Após o pesadelo o mundo acorda e nega esse sonho maldito.
Passado não mais. Eu e voce desistimos de pensar. Toda a velocidade à frente!!!!!
Se nós podemos construir uma máquina de matar e um matadouro humano, então só nos resta correr. NÃO SE APEGUE A NADA. NÃO ACREDITE EM NADA. TUDO É DO MAL.

Um amigo acabou de voltar da Europa.
Bacana, legal, aquele povo que festeja, consome e viaja por aí fazendo o bem em ongs.
Aquele insignificante povo, povo que sabe morar em lugar traumatizado, onde tudo é negação, onde se vive como bezerrinhos em boa manjedoura. Continente que morreu, sem futuro, onde tudo é um shopping de passado e um presente leve e irreal.
Que importância eles têm hoje?

O futuro se decide na América, na China, no Oriente.
Após a carnificina a Europa se tornou insignificante e irreal. Divaga em teorias, flerta com o nada, festeja a derrota. Moços e moças, tão bonitos, tão bonzinhos, tão sem destino, nada têm a acrescentar.
A terra de beethovens e de rembrandts é uma sala de azulejos e de aço: limpa, fria, onde se curam vícios, onde se dá um remédio.
A segunda-guerra nos aniquilou.
Europa é terra de impotências.

MAS.....
Há a taça de champagne bebida de manhã no campo francês. O sol nascendo e o cheiro das uvas no ar. Há para quem souber saber, o sabor do pão e da manteiga gordurosa.
Existe ainda um velho espanhol tomando sol na praça de Madrid. Ele ainda tosse e crê nos anarquistas. Mas esse velho fala entre ruínas. Quem passa é de pedra e de sal. Mas esse velho ainda fala e compra jámon na feira de rua. ( E como é linda a feira de rua ).
O Zé e o Luis ainda se jogam no rio Douro ( se fala Doiro ) na cidade que é um Porto. Ainda se pode fechar os olhos e ouvir as vozes que ecoam meus avós. "Ó Jórggge!", "Fala aí, ó Mánuel !!!"
Se voce souber ver existem migalhas de um mundo que já foi e ainda tenta o ser. ( Não consegue ).

Quando a primeira metralhadora disparou na Bélgica, não foram apenas vinte jovens franceses que morreram. Não foi apenas Jacques que deixou de beijar Marie, ou Ludovic que não mais escreveria à Isabelle. Aquela rajada fez com que eu não mais pudesse crer na bondade do homem, pudesse ter a certeza de que o mundo caminha para o bem e para a paz, e matou minha fé no cavalheirismo e na honra natural de todo bom cidadão.
Quando aquelas balas penetraram em Jacques e em Ludovic, penetraram em mim.

Que os olhares dos judeus me perdoem um dia.