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NEW YORK DOLLS, OS ÚNICOS PAIS DO PUNK ROCK

Então voce lê que os MC5 são pais do punk rock. E ao escutar o Kick Out The Jams sente que aquilo é um bando de hippies berrando e fazendo barulho, mas sem nada que lembre o formato do punk rock. Outro crítico diz que os Stooges são os tais pais do punk. Então voce escuta Raw Power e ouve Iggy Pop exibir um tipo de hard rock cheio de heroína. Punk? Não. Depois um outro te fala que o punk rock começou em 1966, com o rock de garagem. Então voce ouve Question Mark, Count Five, Leaves, e sente que aquilo pode até ser new wave, mas punk jamais. Quando um outro escriba anuncia que Patti Smith é punk....bem....voce desiste. E começa a achar que o punk nasceu com os Ramones e os Pistols e fim de papo. ----------------- Pois eu te digo bebê que em 1973 os NEW YORK DOLLS inventaram o punk rock sozinhos. E foi sem querer. Eles tinham adrenalina, tocavam mal, e na verdade queriam ser um Rolling Stones mais explosivos. Sem querer criaram o som do Clash e dos Pistols. O primeiro disco abre com Personality Crisis e essa canção não é punk. Mas a segunda faixa, Looking for a Kiss, já é totalmente punk. Stranglers e Damned na veia. Robert Christgau, o crítico mais duro da época, disse que eles eram a maior banda do mundo em 73. Mas não adiantou. O disco não vendeu nada. Frankenstein é a invenção do rock indie de 1988. Creia, ela está 15 anos adiantada. E agora eu digo: essa banda foi um milagre. Trash é uma canção do Clash!!!! Juro!!!!! Tudo o que o Clash fez está aqui. Eles copiaram descaradamente! Vou postar a faixa pra voce conferir. O LP inteiro não tem uma só faixa que seja menos que sublime. Mas Jet Boy....é mais que sublime. É um clássico absoluto. E punk claro. Esse primeiro disco foi produzido por Todd Rundgren. Mal produzido aliás. Todd era um cara, genial, do Pop e do Prog. Não casou com a turma glitter de David Johansen, Syl Sylvain, Johnny Thunders, Arthur Kane e Jerry Nolan. ----------------- O segundo e último disco é de 1974. Se chama TOO MUCH TOO SOON. Eu o acho ainda melhor. Its Too Late tem acordes que lembram demais Sex Pistols!!!!! A seguinte, Puss and Boots é totalmente Never Mind dos Pistols. Os ingleses realmente copiaram alguns riffs daqui. Então vem Chatterbox, uma faixa que é totalmente 1981, pós punk. É incrível. E agora eu pergunto: por que diabos os DOLLS não têm a fama de Iggy Pop? Talvez por não ter tido um Bowie na vida...muito provável. Então o que posso fazer é dizer que eles são sim uma das maiores bandas da história do rock e os pais únicos do punk e da new wave. Eles tinham a atitude, o ruído, o kaos do punk. -------------------- Em 1975, portanto antes dos Pistols, Malcolm McLaren tentou os emrpresariar. Malcolm queria os politizar. Não deu certo. Na sequência Malcolm inventou os Pistols. Foi assim. Ouça os dois discos.

GOODBYE YELLOW BRICK ROAD- ELTON JOHN. O MAIOR FENÔMENO DE INSPIRAÇÃO DA HISTÓRIA DO POP.

Eu tive sorte de viver minha puberdade entre 1973-1974. Ouvir rádio nesse tempo era uma experiência rica, e dentro dessa riqueza, ninguém era mais onipresente que Elton John. Nem Elvis ou Michael Jackson tiveram tantas músicas rodando no rádio mundial ao mesmo tempo. Apenas os Beatles podem ser comparados a ele. E olhe que em 73-74 Elton tinha de disputar espaço com Paul, John, George e Ringo, mais Stevie Wonder, Marvin Gaye, Bowie, Abba, Bee Gees, Carpenters, James Taylor, Paul Simon, Diana Ross, Dylan, Rolling Stones, Who, Led, Rod,Sabbath, Yes, Jethro Tull, Purple, Alice Cooper, Jackson Five, Suzi Quatro, T. Rex, isso falando apenas dos que ainda são lembrados hoje. Dos que venderam muito. Elton bateu à todos. --------------- Entre 73 e 74 ele lançou quatro albuns. Sim, isso mesmo, quatro albuns. HONKY CHATEAU, DONT SHOOT ME IM THE PIANO PLAYER, GOODBYE YELLOW BRICK ROAD e CARIBOU. Honky é o melhor. Caribou é meu mais querido porque foi aquele que ganhei em 1974, meu primeiro disco. Todos esse LPs chegaram ao number one. E todos são cheios de singles que fizeram muito, muito sucesso. Não vamos esquecer que nessa época, Elton ainda lançou dois singles que não fazem parte de nenhum desses discos: sua versão brilhante de Lucy in the sky with diamonds e com Lennon Whatever gets you thru the night. Sua inspiração é um milagre. Entre 1970-1976 ele mandou. ----------------- Goodbye yellow brick road era um LP duplo, dura 70 minutos e é considerado hoje sua obra prima. Em 1974, num país periférico como o Brasil, todo mundo ouvia no radio 7, eu disse sete!, canções tiradas desse disco. Candle in the wind, Beanie and the jets, Goodbye yellow brick road, Sweet painted Lady, Ballad of danny bailey, Saturday night is alright for fighting, Roy rogers, todas tocavam no rádio. Todas saíram em single. Todas têm inspiração. O fogo da criação. Veja a melodia de Goodbye Yellow brick road. O arranjo vocal de fundo, ( ninguém aprendeu tão bem a usar coros vocais como Elton ). O refrão que vem num crescendo orquestral. Os riffs da guitarra bem lá no centro. A bateria de Nigel Olsson, sempre ribombante. A harmonia que se constroi de um modo tão sinuoso e complexo. Até hoje, 2022, essa canção soa diferente, não cansa, não enjoa, emociona. Os 3 acordes de piano que a anunciam evoluem de modo fatídico. É uma melodia que mudou a vida de um menino de 11 anos, eu. --------------- Sweet Painted Lady é uma canção à francesa. Tem até acordeão. Gaivotas. Um ar de sonho, mar, praia. Ballad of Danny Bailey é de uma originalidade grave, escura, soturna. Na música de Elton há sempre uma melancolia trágica ao lado. Em Danny é explícita. A introdução é tétrica. O final, orquestral, maravilhoso. Mas há muito, muito mais. Hã as canções que não viraram singles. Grey Seal, agitada, grudenta, solar; I've seen that movie too, linda e chique, Harmony, perfeita. A única faixa fraca entre tantas é jamaica jerk off, um reggae torto; as demais vão do sublime ao perfeito pop. ------------------ Elton compunha do modo mais difícil que há. Bernie Taupin lhe dava letras prontas e Elton musicava. Não era a composição em dupla normal, mais comum, em que se faz cada verso dentro de uma melodia chave. Bernie, um inglês com mania de cowboy, enviava à Elton seus poemas já prontos e o pianista tinha de se virar. Ouvindo este disco a gente percebe como deve ter sido duro musicar, por exemplo, goodbye yellow brick road, como a letra deve ter parecido anti-musical e como Elton conseguiu a musicar quebrando a melodia e fazendo com que a harmonia seguisse sinuosa por cada verso longo. Elton era o sonho de todo letrista. Deixava o literato escrever do modo que quisesse, não interferia, e musicava a coisa sem mudar nada. O milagre é que dava certo. Quando os dois brigaram, em 1977, a magia de Elton morreu. Pelos anos seguintes ele continuaria a vender muito, muito mais do que eu pensava, eu pesquisei, ele é nas décadas de 80, 90 e 2000 um dos maiores vendedores de discos, mas nunca mais seria um fenômeno como um dia foi. Os dois voltariam a compor juntos, mas o momento se fora. Elton, como todo grande artista, é um joia criada por seu tempo. E o tempo de Elton foram os anos 70. Ele é a cara e a voz da década. E os anos 70 meu jovem, foram felizes.

USUFRUA SUA VIDA

Tenho uma amiga, escritora, de direita, então voce não a conhece, que fez um belo texto sobre algo que muito a surpreende. A incapacidade das pessoas usufruirem uma experiência. Ela tem amigos que passaram por aventuras, viagens incríveis, conheceram pessoas fantásticas, mas que não tiraram nada do que viveram. Ela não está falando de aprendizado. Fala de simples narrativa, de ter o que contar, lembrar, descrever. Mais que falta de vocabulário, são pessoas cultas, que possuem leitura, o que ela precebe é a incapacidade de maravilhamento. A alma, ou coração, está morto. Ela diz que nunca houve tanta quantidade de maravilhas ao nosso alcance, mas estranhamente, nunca houve tantos zumbis no mundo. ------------ Falo à ela da minha experiência, tudo que escrevo neste espaço sempre é baseado em minha história pessoal, e lhe conto que meu ano mais rico em memórias, maravilhamentos, descobertas, foi aquele que aparenta ser o mais rotineiro e que sem dívida foi o mais solitário. Passei um ano, por razões que não cabe aqui dizer, sem amigos. Larguei a escola aos 15 anos e me distanciei dos amigos que tinha. Foi um ano em que minha rotina consistia em ler, ver TV, pouca, ler mais, ouvir música, ler. E dentro dessa vida, tão aparentemente banal, eu tiro os momentos mais mágicos, plenos, ricos, complexos, de toda minha existência. O que me faz crer que a pobreza atual se deve a ausência de solidão física, de tempo morto, de nada para fazer, de vazio espacial. De silêncio. Eu sei por experiência própria que a internet mata a alma. A telinha nos aliena de nós mesmos e nos torna um objeto que capta coisas e não as usufrui. É preciso vazio, vazio de tempo e de espaço para se absorver um livro, um filme, uma canção. É vital ter vazios para amar uma paisagem, a cor de uma manhã, o ar frio de uma noite. O aumento da velocidade diminui a apreciação. Comer com pressa é viver com pressa. -------------- O córrego que cruzei, numa estreita ponte de madeira, aos 10 anos, é uma lembrança muito mais rica que a primeira viagem à Paris. Porque cruzar aquela ponte foi um momento parado na vida, foi uma ação de total concentração, foi uma narrativa sem acessórios. Já a viagem foi uma ação entre várias, uma imagem em meio a centenas de outras imagens, uma corrida dentro do tempo que voa e se desfaz. Desse modo, o eu que cruza a ponte vive para sempre dentro de seu tempo particular, e o eu que desce do hotel em Paris faz parte da história do mundo, não da história dele. -------------- Acho que aí está o segredo. A vida do garoto de 15 anos que fui ERA DELE É SÓ DELE. A vida do cara de hoje, conectado no mundo 24 horas por dia, é a vida de todos, do planeta, do mundo. O que ele vê é aquilo que o mundo vê, portanto ele não pode e não sabe mais ter uma experiência só dele. Aos 15 eu lia meu livro, livro que eu pensava só eu ler, só eu ter, só eu ser como eu era. Hoje leio sabendo quentos mais estão lendo, quantos mais comentam, quantos mais estão comigo. O livro não é meu, é do mundo. A experiência não é minha, é geral. ---------------- Hoje é preciso uma força imensa para criar algo de único, particular, individual, só seu. Por isso a pobreza de experiências. Ver um disco voador no Vietnã não é mais uma coisa úncia e sagrada. É só mais um post sobre ovnis na net. Graças a Deus eu vivi meus 15 anos em 1977. Completamente isolado. Só. Com um Voltaire só meu. Um Truffaut que só eu conhecia. Um Roxy Music que cantava só para mim. Minha casa parecia ficar em uma rua sem vizinhos. Meu quarto era uma caverna secreta. Eu era o descobridor e inventor de uma vida, a minha. Foi um ano mágico. Porque foi e continua sendo parte de mim e só de mim. Dura. Vive. Respira e é pra sempre. E é assim.

DILLINGER, UM GRANDE FILME

Baby Face Nelson. Pretty Boyd Floyd. Bonnie e Clyde. Machine Gun Kelly. E John Dillinger, o maior de todos. Nos anos 30, esses eram os ladrões e assassinos que faziam a delícia de jornais. Logo se tornaram mitos e viraram temas dos filmes policiais da Warner da época. DILLINGER, primeiro filme dirigido por John Milius, é um grande filme. --------------- Rápido, simples e sem frescuras. Dillinger e seu tempo não são mostrados com saudosismo ou poesia romântica. Ele não é um heroi. Não é bonito. E não parece um monstro. É um cara que rouba porque quer dinheiro. Muito dinheiro. E adora a adrenalina da coisa. Só isso. A violência abunda nas cenas. Não são mortes espetaculares, são realistas. As pessoas gemem, gritam, sentem muita dor. Baby Face ama matar, Dillinger mata quando preciso. Extremamente bem dirigido, atores e imagem se integram. O filme é uma aula de ritmo. Acelerado sem nunca parecer apressado. --------------- Warren Oates, que no mesmo ano, 1973, faria um filme seminal com Peckimpah, nasceu para ser Dillinger. É um arrogante amoral. Macho ao extremo. Elegante. Inteligente. Vemos o filme e não esquecemos sua voz. Pouca gente tem a voz de Oates. Ben Johnson, ator veterano dos filmes de John Ford, faz o delegado hiper eficiente e metódico que o caça. Ele quase domina o filme. Uma atuação majestosa. Há ainda Harry Dean Staton ( sim, o elenco é um whos who do cinema novo dos anos 70 da América ), Richard Dreyfuss, Michelle Philips, Cloris Leachman, são faces que a gente conhece de tanto filme cult. E há o roteiro brilhante e a direção perfeita de John Milius. ----------------- John Milius era um dos mais atuantes nomes da geração de Scorsese-Coppolla-Spielberg. Andava com eles, dava palpite em todos seus filmes, arrumava roteiros mal escritos, era centro de encontros. Fez os roteiros de Apocalypse Now e de Star Wars, de Dirty Harry ( não creditado ) e até de filmes de John Huston, seu ídolo. Com charuto eternamente na boca e uma visão agressiva da vida, Milius tinha tudo para ser o Huston de sua geração. Mas....eram os anos 70 e drogas mais política destruíram aquilo que ele poderia ter sido. A agressividade virou paranoia, e quando ele revelou uma visão direitista do mundo, bem....os críticos trataram de o cancelar. Vai por mim, é um dos nomes mais interessantes de sua geração e ninguém mereceria uma biografia maior. Foi surfista nos anos 60, estudante de cinema, agitador cultural, mulherengo, bebedor, viajante, homem de ação sempre. ------------------------- Dillinger é a cara de Milius.

WARREN ZEVON E A CENA DA CALIFORNIA

Em 1978 nada no mundo da música vendia mais que o rock made in California. ( Caso voce não saiba, considerando apenas os EUA, o disco mais vendido da história não é Thriller, mas sim Their Greatest Hits, The Eagles ). Well....vou falar de um cara que destoa da onda californiana, mas antes é legal dar uma geral sobre o que era esse rock de L.A. --------------- Foi inventado por volta de 1971 e parece que seu DNA vem de gente como Carole King, Randy Newman, Stephen Stills e bandas como Poco, Flying Burrito Brothers e CSNY. O que o distingue do rock de NY ou do sul dos EUA? Acima de tudo a produção. São discos caros, gravados em estúdios de ponta, com os melhores engenheiros de som. É esse tipo de disco que atinge o mais alto grau sonoro. A música é sempre macia, redonda, muitas vezes tem um piano elétrico delicado e acordes de violão que parece de cristal. Muito backing vocal afinado, todo som é harmònico, não há ruído e jamais dissonância. As letras são amargas mas nunca revoltadas, falam de injustiças sociais ou de amores destruídos, ecologia e paz, mas tudo bem take it easy, bem soft, bem educado. É a trilha sonora dos anos Jimmy Carter, todos os nomes do som da California fizeram campanha para sua eleição, não a toa todos eles tiveram seu auge entre 1975-1980. ------------- Era a América da crise, do bode pós anos de hiper crescimento ( 1945-1973, auge da América ), era o som que consolava, que falava de amizade, de perseverar, de salvar a Terra. Ninguém vendeu mais na época que Eagles, a mais amada banda da história dos USA. Mas havia também Fleetwood Mac, uma banda que nasceu inglesa mas emigrou e virou hiper California. Tinha ainda Jackson Browne, Linda Ronstadt, Emmylou Harris, Rita Coolidge, e muitos nomes que não eram de lá, mas faziam discos típicos do som de L.A. : Billy Joel, Paul Simon, Neil Young, Doobie Brothers, America, e até os Steely Dan daria pra botar no bolo. Em todos esses discos vemos músicos de estúdio, os melhores, gente como Jeff Baxter, Waddy Wachtel, Jim Keltner, David Lindley, Russ Kunkel. ---------------- Warren Zevon não era do meio mas se fez nos arredores. Nos anos 60 tentou ser compositor. Lançou disco em 1969 que afundou. Outro em 1976 que deu em nada. Mas então foi descoberto por Linda Ronstadt que gravou 4 faixas de Zevon. Uma estourou: Poor Poor Pitiful Me. Em 1978 Zevon lança Excitable Boy e o resto é lenda. --------------- Acabo de o escutar pela primeira vez. A voz dele é original. Lembra Bob Seger. É adulta. O som é L.A, com fartas pitadas de ironia. Ele é do meio californiano de então, mas também não é. Os autores de livros policiais adoravam Warren Zevon e dá pra entender o porque: ele narra histórias sórdidas em letras de humor muito negro. Esbanja inteligência. E é rock n roll. -------------- Sua carreira começou a declinar em 1981 e desde então sua vida foi de recomeços. Em entrevistas, ele dizia adorar sua condição cult. Morreu nos anos 90, com apenas 50. Excitable Boy é um grande disco.

AO VIVO NO HAVAÍ EM 1973....ELVIS PRESLEY

Elvis fez um show no Havaí em 1973. Esse show virou filme e depois disco. Chegou ao número 1 das paradas, em ano que tinha Dark Side of The Moon e Led Zeppelin. Ouço o CD com o show. --------------- Primeiro fato: a banda. James Burton, Ronnie Tutt...a bateria de Tutt é maravilhosa. Ela é alegre, festeira. Não é por acaso que Tutt era sempre ovacionado no meio do show. E Burton tem uma guitarra que esbanja corte. É uma navalha. Então eu percebo que Elvis tinha os grande ao seu redor. Mas e ele? ------------------------- O show começa e a voz não tem energia. Elvis não parece cansado e nem doente. Está sem interesse. Ele canta blasé. Desafina várias vezes. I Can't Stop Lovin You se torna uma paródia. Johnny B. Good não tem punch e a letra é quase resmungada. Mas há Fever.... -------------- Em Fever Elvis se acende. Sua voz se torna sensual e eu entendo aquilo que Elvis sempre teve: Sexo. Com o tempo ele perdeu o tesão, e em 1973 esse elan já se fora a muito. Mas em Fever ele relembra aquilo que ele era. O público é dominado, a voz é viril, há milhares de insinuações, ele é O Rei. ------------------- Elvis tinha 38 anos na época. 38. E em 1973 ter 38 equivalia, no mundo do rock, a ter 80 hoje. Para minha geração, Elvis era tão antigo como Sinatra ou Liberace. 38. Mas isso talvez se devesse ao fato, e notamos isso no disco, de que Elvis era uma coisa dupla e muito esquisita. Ele inventara o rock como fenômeno de vendas, mas ainda tinha como parâmetro de sucesso, como auge da fama, o show estilo Las Vegas. Vindo antes dos Beatles, Elvis parecia tão velho, e ele tinha apenas 6 anos mais que John Lennon, porque seus valores eram os mesmos de Dean Martin ou de Marilyn Monroe. Hollywood, Vegas, calçada da fama, shows exclusivos, diamante no dedo. --------------- Mas ele era bom, era muito bom e seu gênio foi ter se soltado, durante 3 ou 4 anos, entre 1956-1960, e gravado aquilo que a América tinha mas ignorava: a canção simples dos caipiras. A união do sul e do norte. Do branco e do negro. A voz de quem não era chique. ---------------------- Meu pai era 9 anos mais velho que Elvis e quando, em 1974, comprei meu primeiro disco, meu pai ficou surpreso. Lembro do que ele me disse: Esse tipo de música é coisa de caipiras. Voce não entende que só caipiras ouvem isso? ------------- O disco era Diamond Dogs, de Bowie e Bowie não era um caipira. Elvis sim. ( Não fique bravo. De JJ Cale aos Allman Brothers, eu amo rock feito por caipiras ). ---------------------- Elvis, como Jerry Lee Lewis ou Chuck Berry, era um caipira que ficou famoso. E como só Elvis mesmo, ficou rico. ------------- O disco é um retrato perfeito do que o rock seria se os Beatles jamais tivessem existido.

OS PECADOS TÃO BONS

Pauline Kael uma vez escreveu sobre o prazer de assistir filmes pop. Os filmes deliciosos, sem pretensão alguma de ser arte, e que eram muito melhores que 99% dos filmes que venciam prêmios. Ela citava diretores como Raoul Walsh ou Michael Curtiz como alguns daqueles que faziam os filmes que davam saudades. ------------- Na música POP ou Rock existe isso também. Canções perfeitas que nos dão 3 minutos de absoluto prazer. Sublimes, elas condensam em alguns acordes e um arranjo todo o valor de uma obra completa. São lindas. São deliciosas. São imortais, e para quem já tentou compor uma, são muito difíceis de fazer. Quando um cara consegue repetir o feito mais de uma vez, pronto, vira estrela. A maioria acerta na mosca uma vez. E é só. ------------- Tudo é inesquecível, 90% foi composta no auge da venda de discos e no apogeu do formato CANÇÃO, entre 1969-1979. Era o tempo em que sentir dor de amor era parte do se tornar adulto, introdução, refrão e desenvolvimento era molde ainda fresco, boa voz era lei e tudo parecia sempre bonito e bem feito. Nos anos 80 isso viraria uma prisão e não mais uma fórmula. O excesso mataria o molde. Tudo passaria a parecer fake. ( E os arranjos, todos feitos para teclados programados, se tornariam anônimos ). --------------- Mas para quem, por volta de 1976, ouvia rádio e começava a comprar discos....como esquecer a primeira vez que voce ouviu Mama told not to come, com os THREE DOG NIGHTS? O bom humor e o piano elétrico safado, o coro afinado e a riqueza da mudança de ritmo, tudo isso em apenas dois minutos e meio!!!!! E a sofisticada pegada jazzy de Seals and Crofts com Diamond girl? O instrumental hiper profissional e sem esforço algum seus ouvidos aprendendo a escutar em detalhe. O rádio era uma escola. Dr. Hook teve When you are in love with a beautiful woman, o tipo da música que voce amava ouvir no rádio do carro, voltando pra casa de madrugada, a luz do dial iluminando o interior do veículo. MUNGO JERRY com In the summertime, otimismo em forma de som. As dores do primeiro amor cantadas pelos HOLLIES, The air that i breath era um tipo de Werther para minha geração, e IM DOWN era nosso Rimbaud. Sentir amor, sofrer por amor era coisa bonita. ------------- Cat Stevens tinha o dom de ser delicado e Oh Very Young tinha piano de gênio. Uma canção perfeita, mágica e profundamente melancólica. Por falar em dor, Gaye de Clifford T Ward era tão fofa e amarga que fazia chorar. Aos nove anos a gente já sabia que amor doía. Deus! Que canção bonita!!!! Gary Glitter dava o tom de esculacho, entre 71 e 74 não tinha ninguém que vendia mais na UK. Neil Sedaka teve Laughter in the rain e está pra nascer música mais contente. Eu falei contente? Taí uma palavra que sumiu. Alguém ainda se sente contente? Im not in love é a obra prima do pop. Meses para terminar a produção, um arranjo de vozes que deu um trabalho imenso e uma perfeição beethoviana. Chega ser um milagre. Ouça com atenção! ------ O Abba enfileirou dezenas de POP master, mas SOS é minha mais amada. Deliciosa! Como é o Exile cantando kiss you all over ou Andy Kim com Rock me gently. Linha de produção? Sim! E Beleza imorredoura também! Eu postei. Ouve. Aqui não é radio, mas elas são pra sempre. PS: All By Myself de Eric Carmen, que usava base de Rachmaninov, era desesperadamente bela, e que voz!!!!! Talvez seja ela o ícone da dor de amor em forma de POP magnífico. Já em termos de alegria juvenil genial, nada bate a farra de Sweet com Ballroom Blitz.

TELEVISION - MARQUEE MOON

1977. Eis um ano que a crítica adora. Talvez seja na verdade o ano favorito deles. Eu lembro dessa época. Lembro bem de julho, agosto de 77. Eu lia a revista POP e nela se falava de um tal de punk rock. Do jeito que falavam, parecia que Punk era um tipo de Rolling Stones mal tocado. Pois é. O Made in Brasil, banda de SP, dizia ser agora punk. Eu tinha um amigo, Darcio, que se auto proclamava Joãozinho Podre do Brasil. Ele usava uma corrente amarrada na cintura e um cadeado no pescoço. All Star preto e jeans justo e curto. Darcio era o cara mais burro da sala. Quase um demente. Com seu cabelo muito curto, era tudo que eu conhecia como "um punk". ---------------- Se falava de Sex Pistols. E de Patti Smith. Os críticos da POP amavam Patti Smith e New York Dolls, mas tinham certo desprezo por Sex Pistols. Lembro que uma matéria sobre as novas bandas colocou Ramones lá embaixo. Não sabiam tocar. The Clash chamaram de "não muito ruim". Houve o lançamento de LPs punks: The Runaways, Eddie and The Hot Rods. Nada disso era punk, mas faz de conta que era. Num gibi meio podre que comprei numa banca suja se falava de New York Dolls, Patti Smith, Ramones e de Television. Era a cena de New York. ----------------- Eu tive o disco Marquee Moon em 1981 e fiquei com ele duas semanas. Logo passei adiante. Diziam parecer Velvet Underground mas tudo que ouvi foi uma voz muito, muito ruim. Perdi o interesse. --------------- Ouvi de novo hoje e ainda acho a voz de Tom Verlaine muito, muito ruim. Mas as guitarras, as famosas guitarras de Tom e de Richard Lloyd são muito boas. Uma vez disseram que eram como as de John Cippolina, do Quicksilver Messenger Service. Mas Tom diz que não, sua fonte é The Ventures. E claro, Lou Reed + Sterling Morrison. ------------ Fred Smith é um belo contra baixo. E sim, há algo de Velvet aqui. Mas não a banda barulhenta dos tempos de John Cale. É o Velvet no final, do tempo dos irmãos Yule. Pixies. Lembrei dos Pixies. Television é pai, óbvio, da cena indie dos anos de 1987-1990. Weezer. Replacements. Em 1975 eles criaram a coisa. Coisa que eu acho de uma chatice atroz. Mas que tem seus momentos ( tou falando dos indie ). ----------- O disco em si, tão incensado até hoje, ele é legal e é uma merda. A dinâmica das duas guitarras é ótima e Guiding light por exemplo, é tão boa que poderia ser faixa do Exile on Main Street. Mas a voz de Tom Verlaine é tão ruim que faz a gente achar que David Byrne é um grande cantor. ------------- Aliás, 1977 teve este disco, e além dos citados, Talking Heads 77, Low do Bowie e Before and After Science do Eno. E Trans Europe Express do Kraftwerk. Foi um grande ano.

NIGHTMARE ALLEY E AQUELES QUE NÃO SABEM NADA. ( música pop )

A Band TV disse que Charlie Watts é o primeiro stone a morrer. Waalll....exigir hoje que um jornalista saiba que Brian Jones existiu parece ser pedir demais, quanto mais querer que ele saiba que Ian Stewart também foi um stone. Recentemente numa transmissão de esporte, um jornalista passou minutos entoando homenagens a um esportista que havia falecido. Seria Okay se esse esportista não houvesse morrido nove anos antes. A coisa nas sessões de arte é ainda mais grotesca. Como dizia Roger Scruton, não se julga mais uma obra, simplesmente se segue o espirito do grupo ao qual se deseja fazer parte. Se o veículo for de viés X, o criticozinho irá dar óbvios e surrados elogios aos artistas permitidos pelo grupo X. Formar-se-a um círculo de pessoas contentinhas: voce divulga o produto X, eu consumo o produto X e o novo artista será X, que será elogiado pelo escriba X e consumido pelo povo X e por aí vai. Uma repetição sem fim e de caráter entediante. ------------------------- Veja o cinema por exemplo. Faz mais de vinte anos que o filme moderno é o mesmo tipo de filme moderno. E vinte anos em cinema é um século em pintura. Nem vou dizer que esse foi um tipo de modernismo que infantilizou de vez o público de cinema. Criou o eterno adolescente tristinho de 40 anos. Pior, deu ao público desses filmes, esnobes por natureza, e depois te explico o que é um esnobe, o estatuto de sábio sobre filmes. Gente que, vi isso recentemente, elege Pedro Almodovar o maior cineasta "clássico" da história do cinema. Clássico... ( Não suporto o chorão Almodovar, e de clássico ele não tem nada. Sua carreira teve um auge de quantos anos? Cinco? ). Esse povo, preconceituoso até a alma do umbigo, adora discorrer sobre a beleza do preto e branco ( e viram apenas alguns clips em pb e talvez uns trechos de Metropolis ), falam de Godard sem jamais o ter assistido ( sorte deles ) e citam sempre Kubrick e Hitchcock como bons diretores do passado ( viram Laranja Mecânica e o acharam "profundo" e encararam Psicose e Janela Indiscreta, só isso ). ----------------- Para esse povo, Hollywood era uma fazedora de filmes em série, comuns, caretas, todos iguais. Daí eu revejo ontem O BECO DAS ALMAS PERDIDAS, Nightmare Alley, filme de 1947, dirigido por Edmund Goulding ( quem ? ), escrito pelo grande Jules Furthman. Do que ele fala? Do mundo dos shows de feira, do que se chamava na época GEEK SHOW. ( Sim, geek era o mesmo que freak ). Bêbados que comem galinhas vivas no palco, cartomantes de araque, homens forte doentes.... Um cara, Tyrone Power, hiper ambicioso, mal caráter até a medula, é o heroi desse filme sem herois. Repulsivo. Ele cresce com um ato de adivinhação. Conhece uma psicóloga que grava suas sessões de psicanálise para chantagear gente poderosa, e unidos dão um golpe imenso. O filme, que voce assiste milagrosamente com prazer, é tudo aquilo que o esnobe acha que o cinema dos anos 40 não é: sem glamour, realista, sujo, sem gente legal, repulsivo. Sem moral alguma. ------------------ Eu estava ouvindo algumas bandas bem bobinhas dos anos 60. Coisas como The Associations. Beau Brummels. Lovin Spoonful. Esses caras nasceram todos entre 1940-1950. Foram crianças em 1954-1964, por aí. Lembrei então que no rádio, em sua infância, tocava muito jazz de big bands, cantores como Sinatra e toneladas de música clássica. Na TV havia os desenhos de Tom e Jerry, Pica Pau e Pernalonga, e suas trilhas sonoras, se ouvidas com olhos fechados, são pura música erudita modernista. ( Deus salve Carl Stalling ). No cinema havia os grandes musicais dos anos 50. E as trilhas grandiosas dos westerns de então. Percebo que é por isso que mesmo na música mais POP de 1966-1976, há sempre o desejo de fazer um arranjo mais elaborado, mais erudito em clave mínima. Os Beach Boys provam isso. ------------- Toquei nesse assunto para mostrar como pode ser nociva o tipo de cultura que se propaga hoje. É a cultura do esnobismo. Tipo: Eu sei o que é bom, eu sei como isso é ( sem o conhecer ), eu me basto a mim mesmo. Já disse em outros posts que aqui no Brasil, nos anos 70, rádios misturavam na plau list Benito di Paula com Bowie, para ouvir um voce tinha de ouvir o outro. Era fantástico. ------------------- Fico com pena dos garotos que escolhem no spotify passar a vida inteira ouvindo apenas aquilo que já conhecem, mas pior ainda são os "cultos" que passarão a vida ouvindo aquilo que seu círculo X permite. Não à toa eu sinto uma limitação de estilo brutal em cada nova banda que escuto. Eles ouviram 30000 coisas na vida, mas todas dentro de um mundo X. ----------------- Morou?

JOBRIATH? QUEM É ESSE CARA?

Em todo o globo cerca de 60 mil pessoas o conhecem. Eu desconhecia Jobriath até ontem. Estava pesquisando na net uma lista de discos. Os grandes albuns de estreia dos anos 70. Então leio um nome estranho: Jobriath. Penso: que droga será isso? Entro na página desse disco e vejo que foi um cara do movimento glam. Me interesso. De Sweet à Rubettes, tudo que é glam me importa. Olho fotos. Jobriath é gay, hiper gay. Bowie perto dele parece Bruce Springsteen. Mas como será o som? Ouço o tal disco. CARAMBA! Como pode Jobriath estar esquecido? Ele é o mega blaster cult. -------------------------- No começo dos anos 90, Morrissey aproveitou seu poder para tentar relançar Jobriath. Morrissey lembrava dele desde sempre. O vira na TV, quando tinha 13 anos de idade. A busca pelo rastro de Jobriath deu trabalho. O plano era produzir seu retorno. Mas Morrissey descobre que Jobriath morrera no anonimato, no início dos anos 80. Fazia dez anos que ele não mais era parte da terra. ---------------------------- Agora estamos em 1998. E Todd Haynes faz Velvet Goldmine tendo os poucos videos de Jobriath em mente. Eu descobri isso ontem. Mas quem é esse cara? ------------------------------------------------ Em 1973 ele foi lançado como o novo Bowie-Bolan. Mas não deu certo. O preconceito contra os gays o isolou. Bowie era aceito por um fio. Bolan nunca assumiu quem era. Mas Jobriath era assumido, era exagerado, era ofensivo. E pior: era americano. Ingleses, apesar do fim de Wilde, sempre souberam lidar com a coisa gay. De Noel Coward a John Gielgud, ingleses amam artistas gays. Mas a America não. Seu disco o lançou para o anonimato. Ele desaparece. Quem lembra dele? ------------------------------------------------- Em 2012 fizeram um documentário sobre Jobriath. Henry Rollins é um fã. Jayne County. David Johanssen. Jobriath permaneceu com aquilo que Bowie e Iggy tiveram de perder: o cheiro de underground. Num dos videos que postei ele se apresenta na TV americana. Um desbunde. Seu som é rock-cabaret. Sua voz é Bowie sem empostação. Uma versão juvenil de David. Dizem no doc que ele surgiu dez anos antes da hora. Ele teria estourado em 1983, no tempo de Boy George e Marc Almond. Eu já penso que ele seria perfeito para 2020. Ele lembra até mesmo o russo Vidas. ----------------------------------- Se gostei? Agradeço por ainda ter tanta coisa boa a ser ouvida. Eu passei a vida sem conhecer Scott Walker e agora encontro Jobriath. ---------------------------------------------------------------------------------------------------- MAS A QUESTÃO NÃO É RESPONDIDA: ELE FOI REAL? Posto entre seus videos um onde ele toca piano em sua casa. É emocionante. E como diz um leitor, muito triste. Pois se choramos quando um artista como Bowie ou Lou Reed parte, por sabermos ir sentir falta de sua presença, com artistas que não realizaram nem 10% de seu potencial a tristeza é exponencial. Jobriath, Cole Berlin era seu nome, foi encontrado morto sobre seu piano branco. Fazia 3 dias que ele morrera. Aquele que deveria ter sido morreu só. ------------------------------------------------------------------ Veja Morrissey cantando Jobriath. É mágico.

GRAVAÇÃO

Era assim: Um rádio, mono, sintonizado na Difusora ou na Excelsior. Muito raramente na América. Das 9 até as 13 horas. Depois do almoço eu ia pra escola. Um gravador Aiko. Com um microfone. Uma fita k7 TDK ou Basf. E o suspense. Toda manhã, o suspense. Será que eles iriam tocar a música que eu queria gravar? E se enquanto eu estivesse na Excelsior ela tocasse na Difusora? As músicas das paradas de sucesso eram faceis de ouvir, mas e aquelas do ano passado? E se durante a gravação minha mãe entrasse na sala e fizesse barulho? E se o cão latisse, a campainha tocasse ou um carro buzinasse? Pior de tudo: e se o apresentador falasse alguma coisa no meio da música, tipo "Excelsior, a Máquina do Som" ou "Di Fu So Ra, Jet Music"? Todas as músicas eram gravadas sem os primeiros segundos, que era quando o cara falava: " Harold Melvin and The Blue Notes!!!! " ou " A nova de Billy Paul!" O final também era cortado, para evitar o "Voce ouviu David Bowie com Young Americans". Era uma luta! Mas, como toda luta, com derrotas horrendas e vitórias que me dão prazer até hoje. Lembro por exemplo de mudar para a Difusora e ouvir os últimos segundos de Sugar Sugar, canção dos Archies, então já antiga, e que eu sonhava gravar a meses. Com ódio gravei só o último refrão. Lembro de perder Sorrow, do Bowie, que eu caçava a mais de um ano, por ter ido ao banheiro. Pior eram aquelas que eu não conhecia, escutava e sentia que devia ter gravado. Já era. Algumas só voltei a ouvir já neste século, graças à net. Mas existiam as vitórias. E a emoção era a mesma de um caçador conseguir capturar um tigre branco. Com 12 anos eu já tinha várias canções velhas, que eu havia ouvido aos 8 ou 10 anos, e que rezava para que tocassem e eu pudesse gravar. Uncle Albert do Paul MacCartney foi uma enorme alegria. Na Difusora, Flash Back era a sessão, eu apertei o REC-Play com o coração na garganta: Thank You God! Eu ia poder ouvir agora quantas vezes eu quisesse. Fã dos Monkees desde os 7 anos, um dia tocou She na rádio Excelsior e eu gravei aos pulos. Que vitória! Lembro ainda de uma sequência que gravei numa TDK aos 13 anos: Sweet-America-Suzi Quatro-Alice Cooper-David Essex-Casa das Máquinas e Left Side, típica play list da Excelsior. Cada emissora tinha um estilo: a Excelsior era mais rock inglês, lá tocava glitter, alguma coisa de rock pauleira e muito rock nacional. A Difusora era mais black music, tinha muito Stylistics, Commodores e Barry White. Mas também tocava Rebel Rebel do Bowie, Bad Company com cant get enough e Grand Funk com Locomotion. Era uma salada, no meio de Stevie Wonder e John Lennon rolava um Benito di Paula e Originais dos Samba. A gente se educava assim.

AQUELAS CANÇÕES DE AMOR

Eu sei que bandas indie continuam fazendo musiquinhas fofas. E que o rythm n blues ainda tem cantores falando de sexo e namoro. Mas houve um tempo, mais ou menos entre 1969-1979, em que 80% do que vendia muito era sobre o amor romântico, aquele que vem direto dos menestréis. Adolescentes, e mesmo crianças como eu era então, consumiam essas dores de amor. Como dizia Nick Hornby, ninguém passa por isso impunemente. Somos a geração mais vidrada em amores frustrados da história recente. Nós, que hoje temos entre 50-60 anos, somos viciados em amar errado. Hey, foi Cazuza quem disse isso! E ele teria 60 se vivo fosse. Claro que sempre houve música de rádio romantica. Sinatra fez a fama assim. Mas era diferente, era adulta. Por mais que Sinatra em Bewitch sofra, há controle naquilo. Frankie pode estar quase cortando os pulsos, e estava, mas ele mantém a pose. Virilidade era o nome disso. E maturidade também. Era um tempo em que aos 15 anos um moleque acendia um cachimbo e imitava Bing Crosby. Ser adulto era cool. Mas então vieram, adivinha quem, os Beatles. E de repente todo mundo passou a querer ser Peter Pan. E assim, as canções românticas passaram a ter o desespero adolescente. Uma canção de amor não falava mais de um homem e uma mulher, falavam de um garoto e de uma garota. E como todo amor juvenil, o coração se abria na canção. Era ingênuo. Era puro idealismo. E era às vezes lindo de morrer. Daydream Believer dos Monkees foi a primeira canção desse tipo que eu amei. Pasmem, eu tinha 8 anos. Com essa idade eu já me emocionava com o mel dessa canção ( que hoje me parece tão boboca ). Depois veio If, do grupo Bread, aos 9 anos. Acho incrível o fato de como as pessoas amavam essas músicas tão tristes. As tears go by dos Stones, Hamburg dos Procol Harum, Nights in White Satin, dos Moody Blues. São milhares. Aos 12 comecei a colecionar discos e eu amava Elton John por causa de sua melancolia. Eu e toda a torcida do Flamengo. O que Elton vendia era Your Song e Dont Let The Sun Go Down On Me, Goodbye Yellow Brick Road e Candle in the Wind, não seus rocks espertos como Bitch is Back. Nunca vou saber o quanto, mas crescer ouvindo no radio, dia e noite, All By Myself do Eric Carmen e Mandy do Barry Manillow muda sua vida. Mesmo artistas mais frios, mais artísticos, como Bowie ou Lou Reed, tinham seu sucesso garantido pela balada de amor. A hora do choro. A parada da Billboard começava em Without You do Nilsson, em 1972, e ia até My Love, com Paul e Wings. Ter 10 anos de idade era começar a sofrer por amor. Aqui no Brasil era ainda mais forte esse romance de mel e fel. Roberto Carlos, Antonio Marcos, Morris Albert, os sambas de amor de Martinho, Paulinho e Tom e Dito, Benito ah eu vou embora...tinha coisas lindas, de um romantismo sem pudor, assumido, inteiro. Não era uma geração da depressão, era a época do exagero e da histeria, que seja.

HARD RAIN - BOB DYLAN E A ROLLING THUNDER REVUE

   1976 foi o ano mais legal do século XX. O filme do Richard Linklater, Dazed and Confused diz isso. E todo mundo tipo Tarantino, Anderson e Burton concorda comigo. Well...voce pode dizer: Vocês acham isso porque em 1976 tinham 12, 15 anos...OK. Daí eu te respondo: Faz as contas e veja em que ano voce tinha 12. E me conta: Voce acha que foi o melhor ano de todos?
  1976 foi cool porque via o nascimento de disco e punk ao mesmo tempo. Não era mais hippie, mas ainda era free. Foi nascimento da moda esporte também, principalmente skate e surf. Essas duas ondas ainda eram alternativas. O cinema clássico ainda estava vivo, mas já era moda Spielberg, Lucas, Alan Parker tava dando as caras, assim como Ridley Scott, John Carpenter, James Cameron, e a comédia tipo Saturday Night Live. Os atores quentes eram Paul Newman, Al Pacino, Burt Reynolds e Clint Eastwood. Em 1976 ver TV era muito bom, apesar de só ter 6 canais. Tinha uma montanha de séries: Baretta, Kojak, Columbo, SWAT, As Panteras, Starsky e Hutch, Cannon, O Homem do Fundo do Mar, MASH, Kolchak, Bill Cosby, Mary Tyler Moore, Happy Days.
  1976 foi o bicentenário dos EUA e houve festa o ano todo por lá. Pra comemorar, BOB DYLAN excursionou o ano inteiro dentro do país. Ele tocou em New York, mas também em cafundós do Idaho ou de Iowa. A excursão recebeu o nome de The Rolling Thunder Revue e muita gente seguiu ele por todo o país. Dylan comemorou a América como cowboy, Whitman e beatnik, tudo ao mesmo tempo. Ele levava uma banda fixa de cinco músicos, mas dependendo do lugar, às vezes tinha 30 pessoas no palco. Alguns shows contaram com Neil Young. Outros com Joni Mitchell. Teve show com Van Morrison. Ou Gordon Lightfoot. Paul Simon. Robbie Robertson ou Neil Diamond. Os shows duravam 4, 5 horas. Não tinha roteiro. Podia acontecer até um desastre em meio a erros e chuva pesada.
  Gravaram um disco. Hard Rain. Eu o comprei em maio de 1977. Matando aula, tava frio pacas. Fui numa loja de discos, faz tempo, ainda existia isso, na rua Teodoro Sampaio, e peguei um Eric Clapton, No Reason to Cry, um Robin Trower, Live, e o Hard Rain. Odiei. Muita gente odiou. A mixagem do disco era horrenda! Som de lata, de radinho de pilha. Era impossível ouvir aquela bagunça onde a voz zumbia como um pernilongo rouco e a bateria havia sumido. Era um disco sujo, porco, mal feito. Recordes de devolução. Fiquei puto. Foi meu primeiro Dylan e abominei.
  1976 foi época de muito gibi. O Homem Aranha e O Demolidor estavam em fase ótima! A Abril tinha umas 15 revistas mensais e a EBAL mais de 25. Era quadrinho de monte! De Tarzan à Mandrake, eu lia tudo. E ainda colecionava as revistas de mulher pelada: Homem, Status, Ele e Ela, Fiesta e Lui. A gente ficava muito na rua.
  2020 tem uma pandemia. E eu pego num sebo o cd de Hard Rain. Meu vinyl de 1976 eu troquei faz séculos. Ouço. Mick Ronson, da banda do Bowie, toca em Maggies Farm. Quer saber? Bob nunca esteve tão bem. Aos 36 anos ele estava tinindo. Quer saber? Minha imagem da América é o país de 1976: Josey Wales nas telas e os Eagles em primeiro lugar nas paradas. Dr J nas quadras.
  1976 nunca acabou não é?

UMA DAS PIORES PRAGAS DOS ANOS 70

   Em sites atuais, gente da minha geração, e de gerações bem mais novas também, tecem loas ao disco ao vivo. Tem até rankings, vários, que vão da Rolling Stone à All Music. Da BBC ao Times. Gostam de falar que bandas mais recentes não lançavam e não lançam discos ao vivo porque em shows não criam nada, apenas repetem o que foi já gravado. Acho que não. Penso que pararam de lançar Live In Concert a partir dos anos 90 simplesmente porque o DVD com o show se popularizou. Tão simples isso...
  Nos anos 70 TODA banda e todo cantor lançava pelo menos um disco ao vivo. Ás vezes a cada 4 anos. 90% era um lixo. Lixo mesmo! E o motivo era simples: cocaína. A maioria desses discos são ego trips movida a pó. Músicas de 3 minutos viram exibicionismos de 15 ou mais minutos insuportáveis. Nem na época, com 12 anos de idade, eu suportava isso.
  Tudo começou, claro, nos anos 60. E a culpa é de Eric Clapton. Cream foi a primeira banda a pegar uma musiquinha linda, pop, perfeita, e no palco esticar essa canção em até meia hora de "viagem cara, viagem"... Em alguns blues, como Crossroads, a coisa até fica legal, mas quando eles fazem Toad durar vinte minutos...aí o saco explode. Grateful Dead veio logo na cola. Há quem pense que foi a banda de Jerry Garcia quem inventou o ego trip. Mas não. Jerry pegou de Eric. O Dead explodiu ainda mais, tinha canção ao vivo que durava duas horas. Sim baby, duas malditas horas de improviso sem fim. Tem um disco deles, LIVE DEAD, com o pior solo de bateria já gravado. Há quem adore.
  Ando ouvindo tudo que tenho, e hoje tentei ouvir dois discos que estão sempre entre os 10 mais citados entre os melhores ao vivo da história. LIVE AT FILLMORE EAST, dos Allman Brothers é geralmente o número um para os críticos, e MADE IN JAPAN, voce sabe de quem, é o mais citado como number one para o povo da Harley e barriga. O disco do Allman consegui escutar quase todo inteiro. O outro...só a primeira faixa. Deep Purple toca 7 músicas em um disco duplo, sendo que Starstrucker, que é uma ótima faixa, dura aqui 20 minutos e se torna insuportável. Um lado de vinyl inteiro. Pra quê??? Ego trip pura. The Mule tem um solo de bateria de uns 10 minutos. Ian Paice é jazzy, é excelente, e eu amo bateria. Mas o limite são 3 minutos. No máximo 3, por favor. Não há baterista, nem Buddy Rich, que mantenha o nosso interesse ligado solando por mais de 3 minutos.
  O disco dos Allman Brothers, de 1971, é super amado. Por que??? Sim, é uma delicia o som da banda. Duane Allman é um mito e Derek Trucks, o outro guitarrista, é tão bom quanto. Greg Allman canta de verdade, tem voz, mas caramba!!!!! Pra que essa mania de parar tudo e ficar uma guitarra tocando solo à procura de um riff??? Whipping Post é mágica, mas não em 15 minutos!!!!!! De qualquer modo, ele é infinitamente melhor que Made in Japan.
  Ah ! Ouvi também o disco ao vivo de Bob Dylan de 1976, Hard Rain. Postei video do show. Olhe.
  Pior disco ao vivo dos anos 70? O do Led, claro. THE SONG REMAINS THE SAME é o mais ego dos egos. Eles não fazem música, apenas se exibem. O disco triplo dos Wings, de 1977 também é um horror. Mas que tal falar dos melhores?
  ITS ALIVE! dos Ramones, 1977. Tem 28 faixas. 2 minutos cada uma. Talvez o melhor ao vivo de todos os tempos.
  Viva! do Roxy Music. De 1976. Sem solos longos. Todas as faixas estão melhores que as originais.
  Rory Gallagher, Irish Live! de 1974. Muito amado em listas de melhores. É realmente ótimo.
  The Who live at Leeds, de 1970. Tem muito bla bla bla entre as faixas. Mas tem energia pra caramba. A versão de my generation é muito longa, mas não por causa de solos, são arranjos enfiados no meio da música. Funciona.
  Wellcome to the Canteen, do Traffic. De 1971. Muito bom.
  Tem ainda discos legais ao vivo do Robin Trower, The Band com Bob Dylan, um grupo com Eno e Manzanera, o do Bob Marley é ok. MC5, ótimo. Foghat ao vivo, muito bom.
   Ah!!!! Fuja de David Bowie. Os dois ao vivo da década são muito ruins. O ao vivo dos Faces é das coisas mais nada a ver já gravadas. E é óbvio que estou ignorando as bandas progressivas. Nunca ouvi. Nem vou. Lou Reed também lançou dois ao vivo nesse tempo. Ruins. E tem Metallic KO do Iggy, que apesar do nome ótimo, é insuportável.   E chega que este solo já deu né não?
  PS: pode ouvir GET YER YAS YAS OUT. A versão de Midnight Rambler vale o disco. Mas que diabos Mick!!!! Pra que tanto disco ao vivo na carreira??

TUBARÃO JAWS SPIELBERG

   Em 1975-76, quando a mania Jaws se instalou, eu não tinha idade para o ver. Depois assisti trechos em Sessões da Tarde. Um final aqui, um meio alí. Mas nunca sentei para ver inteiro. Vi ontem.
   Visto em 2020, 45 anos depois, o que é este filme? Quase nada. Não vou falar do suspense ou do medo, não há. E não vemos um filme antigo em busca de medo ou suspense. Medo e suspense envelhecem rápido. Quando procuramos um filme antigo desse estilo o que procuramos é entretenimento, diversão, algum tipo de encanto com a combinação imagens, música e roteiro. É isso que faz com que Hitchcock sobreviva bem, mesmo despido do suspense, e é isso que faz com que Jaws pareça sem graça, visto agora e para sempre.
  Ele parece um filme de TV dos anos 70. Parece estranhamente pobre. Modesto. Encurralado, Duel, o filme de Spielberg de 1972, seu primeiro filme, é modesto e é feito para a TV, mas visto hoje, eu o revi, mantém seu encanto intacto. Já Tubarão parece um prato sem tempero. Será por ser conhecido demais? Psycho é conhecido ao extremo e ainda nos perturba. E aí posso apontar o primeiro problema: Psycho tem uma grande atuação, Anthony Perkins, Tubarão não. Roy Scheider, ator que admiro por causa de ALL THAT JAZZ, é um policial covarde bem mal desenvolvido. Richard Dreyfuss faz Richard Dreyfuss, o cara boa praça de sempre, e Robert Shaw é uma caricatura que beira a paródia. Tivesse um cachimbo seria Popeye em versão bêbada. Filmes antigos sobrevivem lindamente quando contam com grandes atuações. Não é o caso. O que resta então? O bicho? Que bicho? O pobre Tubarão não tem nenhuma personalidade. esqueceram de lhe dar um caráter. Ele não causa medo, apenas espanto por ser tão pouco assustador. Mas há a trilha sonora. John Willians se tornou um mito com ela. O tã tá tã é realmente excelente. Mas escute....o resto da trilha....que lixo é esse? Não, não me xingue, escute de novo! Música de desenho Disney, super feliz e brilhosa em cenas do barco perdido no mar? Um irritante exibicionismo sinfônico em cenas que ficariam muito melhor sem música nenhuma! Spielberg ama John Willians e deixa o volume da trilha no máximo. É quase risível. É muito ruim...
  Tubarão é longo, longo demais. A gente se cansa de ver as boias amarelas arrastadas pelo bicho. Com uma trilha que ficaria melhor em Dumbo ou Peter Pan. Este filme pode sobreviver se voce o assistir como apenas mais um filme dos anos 70. Mas se voce o encarar como um famoso clássico dos anos 70...Deus meu! Que coisa chata!
  É isso.

CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU. A INFANTILIZAÇÃO DO CINEMA.

   Tenho este dvd desde 2006, mas só agora o assisti. São 3 discos, versões de cinema 1977, de cinema 1981 e do diretor. Não há prova maior do fetiche que se tem por esse diretor.
   Eu não o assistia desde que o vira no cinema, em 1978, com meu irmão. Cine Festival, na rua Lacerda Franco em Pinheiros. Quem não frequentou cinema de bairro em dia de semana não sabe o prazer que isso dava. Era como ver um filme na sala de casa. Era familiar. Era muito barato. Era como um clube. As pessoas da rua na sala. Sair da sessão, que foi mágica, nós ficamos hipnotizados pelo filme, e cair na rua, luz do sol e carros. Era um choque. Não era como sair da sala de cinema e dar de cara com luzes artificiais e vitrines de lojas. Não. Era sair da sala e ver o céu aberto, as vozes da rua, buzinas e fachadas de casas. Uma realidade penetrando outra realidade. Bem...chega, vamos à minha experiência de ontem.
  42 anos depois eu ainda lembrava de várias cenas. Provavelmente por terem se tornado ícones do cinema. Os brinquedos se movendo no quarto do menino, as luzes no carro de Richard Dreyfuss, toda a sequência final. Me surpreendo em como os primeiros minutos são fracos, uma sequência de aviões e barcos que surgem em locais estranhos. Me surpreendo também em como o filme é ótimo entre os 30 e os 70 minutos. Quase sem diálogos, é um primor de narrativa e de encanto. Esse ótimo filme dentro do filme acompanha todo o encontro na estrada até o começo da construção da "montanha" dentro de casa. O filme desaba outra vez e me lembro então como todo filme de Spielberg é sempre irregular. É um cinema feito de grandes cenas, mas nunca de filmes perfeitos.
  Eu havia esquecido a imensa quantidade de crianças no filme. É um filme infantil. Os ETs são crianças e o adulto que eles levam é fã de Pinochio. Nada há no roteiro de filosófico, não perca seu tempo procurando uma mensagem. O filme é o que vemos: um cientista criança, Truffaut, não podia ser outro, um pai criança e viajantes do espaço crianças. A mensagem é : Paz e Amor. Mais nada.
  Nos extras causa decepção ver o Spielberg de anos depois dizer que mudaria o filme se feito agora. Penso então que ele o deixaria mais complexo. Mas não. O que ele diz é que hoje não deixaria o pai ir com os ETs e largar seus filhos na Terra. Ele era um pai irresponsável. Well....
  Mesmo hoje, em filmes ditos adultos, como Schindler ou Lincoln, Spielberg não muda. Abusa da música para nos seduzir. Luta para criar grandes cenas que nos impressionem. Se esforça por agradar. E acaba fazendo filmes rasos. Um diretor com um talento imenso, com um senso de imagem tão perfeito, acabará sua carreira sem uma só obra prima. Mais frustrante ainda, ele, como Tarantino, nada tem a dizer. Ambos têm como único pensamento o amor ao cinema e uma grande cultura cinematográfica. Ambos passam a impressão de que tudo o que sabem sobre paternidade ou violência, guerra ou heroísmo, foi aprendido e vivido diante de telas de cinema. Todos os seus filmes, como de tantos outros diretores deste momento histórico, são filmes sobre filmes, histórias imaginadas enquanto se via um filme, relatos sobre experiências sentidas em filmes. Contatos Imediatos é 2001 em desenho Disney. É O Dia em que a Terra Parou como superprodução. A nave é a baleia de Pinochio.
  Muito já se falou sobre o mal que Spielberg causou ao cinema dos últimos 45 anos. A infantilização. Foi ele quem notou primeiro que o cinema seria salvo pelas crianças e não pelo público adulto. Essa foi uma guinada da qual jamais nos recuperamos. Todo grande filme, toda grande produção, graças à ele e Lucas, passou a ser dirigida à um público de 10-12 anos de idade. Mesmo que esse público tenha 40. Lucas e Spielberg não tiveram culpa nenhuma. Fizeram sempre os filmes que amaram ver. O problema foram os outros. A geração Coppola e Scorsese, com seus filmes excessivamente amargos que alienaram o público do cinema. Após Tubarão, e com Star Wars, o cinema se dividiu de vez entre filmes grandes e filmes pequenos, filmes de sucesso e filmes de festivais, filmes para todos e filmes para a elite. O Poderoso Chefão, em 1972, foi o último big big hit adulto. Feito para todos e com pretensões de elite. Nunca mais. Titanic é para meninas de 13 anos. Adultos de 35 choram. Voce entendeu....
  A sequência final deste filme foi estranha de rever. Em 1978 eu e meu irmão a assistimos como se aquilo fosse um tipo de cerimônia religiosa. Eu lembrava dela como algo longo, imenso, misterioso, incrível. Lembro que saímos do cinema nas nuvens. Foi uma experiência inesquecível. Mas visto hoje me pareceu muito curto, simples, bonito porém simplório. Gostei, mas não fui tocado.
  Bem...eis o porque: em 1978 eu era uma criança. Hoje não mais. Simplesmente isso.
  Sempre vou agradecer Spielberg por aquela tarde. Mas se quero magia e encanto...não são em seus filmes que vou procurar.
  No sir!

MORAES MOREIRA ERA UM CARA LEGAL

   Em meus mais de 50 anos de vida, afirmo sempre sem o menor medo de errar, que o Brasil nunca foi tão feliz como no período que vai de 1977 até 1983. Se voce quiser pode repetir a ladainha: Bah! Ditadura! Ok. Mas imagino que voce tenha uns 35, 25 anos né? Sim, havia uma ditadura, e nessa época eu tinha muita raiva dela. Não podíamos votar, e havia a odiada censura. Eu ficava frustrado com o fato de não podermos ver um nu frontal na Playboy. Nem na Ele e Ela. Era minha adolescência. Era isso que me atingia.
  Eu lia dois jornais por dia, o Jornal da Tarde e a Folha da Tarde. Voce não vai acreditar, mas tinha jornal que chegava às bancas de madrugada, 5 da manhã, e outros, como os dois citados, às 10 horas. Então eu sabia que havia censura, proibições, perseguições. Mas creiam-me, o clima geral era de otimismo absoluto. Foi o último período de otimismo neste país.
  Se voce duvida e acha que penso assim porque aos 15, 20 anos tudo parece colorido, ouça a MPB feita então. Por mais que Gonzaguinha seja amargo, os discos de Caetano, Gil, Gal, são de desbunde. É o auge do hedonismo. Em 1977 começou a lenta abertura. A volta dos exilados. É a época de Moraes Moreira.
  Em 1971-1972 ele já havia lançado ao mundo o melhor disco já gravado nesta terra brasileira: Acabou Chorare. Um disco que ainda hoje me causa orgulho de ser daqui. Ouvir esse LP é como encontrar a si mesmo. Tratamento junguiano que resolve tudo em meia hora. A partir de 1977, em carreira solo mas nunca solitária, Moraes cria a trilha sonora da felicidade. Nunca fomos tão felizes. E a gente sabia disso.
 Um parênteses aqui: Não foi uma época fácil pra mim. Fui um adolescente tímido e hiper solitário. Então eu passei por esses anos como um tipo de convidado que não aproveita a festa. Voltemos ao texto...
  Tinha topless nas praias. E mulher pelada no carnaval. A gente sabia que Bethânia e Simone eram lésbicas. Que Ney e Clodovil eram gays. Mas e daí? Tinha Zico e tinha Chacrinha, então o Brasil era o país mais feliz do mundo. A gente realmente acreditava nisso. O Rio era o melhor lugar do mundo para se nascer e a Bahia era um lugar onde ninguém era triste. Por seis anos a gente viveu nessa certeza. Era o Brasil pobre mas sorridente. Isso era certo? Era errado? Não sei. O que sei era que Gabeira e Brizola tinham voltado, Glauber elogiava os generais e nossa ditadura era um esculacho. Brasileiro não sabe fazer nem ditadura direito. Nas ruas e nos bares, sempre lotados, se falava alto e se ria muito. Na rua Augusta a paquera era ostensiva e madrugada adentro. A gente dormia na praça, bêbados. E Moraes e A Cor do Som cantavam pra gente.
  Teve Queen com Freddie Mercury em janeiro de 1981 no Morumbi. Gente de 15 anos ainda podia ir. Assisti entre 1980 e 1983 uns 3 shows do Moraes. O do ginásio do Ibirapuera foi o melhor. Todo mundo entupido de lança perfume e maconha. Como disse, a ditadura brasileira foi um esculacho. Eu voltava a pé pra casa. A gente, mesmo a classe média, tinha poucos bens e não sabia disso. Depois dos shows eu cruzava 10 km de ruas escuras, sozinho. Cantando alto.
  Todo domingo tinha jogo no Morumbi. Um ingresso custava o mesmo que um bilhete de cinema: quase nada. Então todo mundo ia. 100 mil pessoas em jogo médio. Eu levava rojão e bandeirão. O povo da escola todo lá. Depois do jogo ainda dava pra jogar bola na rua. A vida era na rua.
  Bazar Brasileiro foi o disco da época. Forró do ABC. Deus me fez brasileiro, o documento da raça, na festa da alegria...
  Na praia dava pra morar ainda. Praia era zona livre, sem divisão e sem preço. E as festas: Natal, Páscoa, Ano Novo, Juninas, eram na rua, enfeitadas, grátis, sem frescura.
  Mas em 1984 inventaram os anos 80 e a gente ficou fresco, metido, bobo. Pior, inventaram a tal hiper inflação, e esse foi um trauma muito pior que a ditadura. Nunca nos recuperamos. Os anos 80 trouxeram à tona o pior do Brasil: roubo. Corrupção. Cinismo. E um fatalismo atroz. A MPB hedonista virou rock brasileiro. Ficamos sérios. Ficamos velhos. Ficamos chatos demais.
  Moraes permaneceu. Ele ainda apostava na alegria.
  Morreu dormindo. Uma benção.
  Voce foi o brasileiro em seu melhor.