LORCA - IAN GIBSON. UMA DAS MELHORES BIOGRAFIAS UM DIA ESCRITAS.

   Li em 2006 e reli agora, onze anos depois.
   Ian Gibson, irlandês, se mudou para a Espanha e depois de anos em pesquisas, lançou o livro em 1989. E desde então é considerado um clássico em termos de biografias. O livro merece toda a fama que tem. Gibson escreve bem pra caramba. Ele não fala apenas de Lorca, ele fala, e fala com autoridade, da Andaluzia, da história espanhola, da cultura árabe, de flamenco, do duende. Fala do modernismo, de poesia, do catolicismo espanhol, de homossexualismo. E de uma multidão de amigos de Lorca, de Buñuel e Dali até o bibliotecário que cuidava dos livros da escola.
  E com tanta informação, o livro consegue ser leve, fácil de ler, nada pedante, um prazer. Nunca há no texto o ranço do estudo, o que lemos é como um romance, um muito bom romance. Pouquíssimos homens tiveram a sorte de ter um biógrafo tão bem dotado.
  O Lorca que surge do livro é um homem alegre, brilhante, carismático e incrivelmente curioso. Ele desejava conhecer tudo. Lugares, pessoas, músicas, peças, livros. Lorca começa como músico, filho de família rica, e sua poesia, sempre musical, cantante, revela essa raiz. O melhor do livro está no começo, nas histórias da família e do Lorca jovem. Mas ele é todo interessante.
  De todos os escritores que um dia chamei de "meu favorito", Lorca é o que mais sofreu em meu conceito. Comecei a ler poesia já com mais de 25 anos de idade, e comecei por Lorca e Whitman. Amava os dois, e via em ambos um convite para a vida. Os dois foram geminianos como eu, cantadores da estrada, do rio, do caminho e dos homens em ação. Ambos faziam amizades fáceis, mas permaneciam sós, talvez por sua sexualidade mal resolvida. Lorca, mais que Walt, sentia a repressão do meio sobre sua homossexualidade. Nele se fixou um tipo de mancha trágica em meio a tanta vida. Walt parece ter lidado melhor com isso. Difícil saber de fato, mas o americano dá uma imagem de um homem mais solto. Com menos culpa.
  Lorca, sempre um nome forte, foi tão imitado, tão visto como herói, que tem sofrido nas últimas décadas. Há um excesso de pequenos Lorcas pretensiosos no mundo. Sua poesia não tem mais me comovido. Desde que mergulhei em Yeats, Eliot e Stevens, Rilke, Keats e Dante, ele perdeu muito de seu poder.
  Mas como todo grande, ele pode voltar a ter seu antigo encanto.
  O tempo dirá.

A CHEGADA - A QUALQUER PREÇO - DOUTOR ESTRANHO - CAPT FANTÁSTICO

CAPITÃO FANTÁSTICO de Matt Ross com Viggo Mortensen.
Lixo. Quando se tenta o humor ele é sem graça e quando se faz drama ele parece fake. Fala de um pai que cria seus muito filhos dentro de um tipo de ditadura da liberdade. Não sei se Matt Ross percebeu isso. O que sei é que o filme fica em cima do muro. Faz críticas ao mundo e ao mesmo tempo pega leve com um pai escrotíssimo ( sim, Viggo é um pai de merda ). O fato de existir um filme assim mostra o quanto o cinema está sem noção.
DOUTOR ESTRANHO de Scott Derrickson com Benedict Cumberbatch, Rachel McAdams, Tilda Swinton e Mads Mikkelsen.
É um dos Marvels que mais esperei, e foi uma meia decepção. Os primeiros trinta minutos são bem legais, com o super egocêntrico doutor Strange. Mas quando ele vai pro Nepal, tudo desanda. Filosofices de botequim, cenas de ação sem beleza ou emoção e um herói que nunca parece heroico. Para minha surpresa, Cumberbatch combina com o papel.
A QUALQUER CUSTO de David McKenzie com Jeff Bridges, Chris Pine e Ben Foster.
O elenco é sublime. Chris e Ben são dois irmãos. Eles roubam bancos pequenos de cidades miseráveis. André Barcinski tem razão, é um filme dos anos 70 feito em 2017. O clima é o de A Última Sessão de Cinema, os personagens são os de A Última Missão e o filme evoca ainda coisas de Mark Rydell, Lumet e Boorman. O foco é todo nos personagens. Mostra-se quem eles são, como fazem as coisas, seu papo furado, seu jeito de ser. Jeff Bridges quase rouba o filme como um velho xerife racista. O fato de não o roubar mostra como Chris e Ben estão bem. Tudo funciona aqui. Um pequeno grande filme. Seria um sonho ele ser eleito o melhor filme.
A CHEGADA de Denis Villeneuve com Amy Adams e Jeremy Renner.
O diretor não está a altura do tema. Objetos imensos chegam a Terra. São 12 em 12 lugares diferentes. Equipes militares e de cientistas vão travar contato com os ETs. O designer dos seres é ótimo e o clima do filme adequado. Mas todas as escolhas são erradas. Se opta sempre por explicar o supérfluo e em não se abordar o mais interessante. Penso que é um caso de se subestimar a inteligência do publico. Um erro sempre fatal. Assim, não se mostra o processo em que se desvenda a linguagem dos ETs. A linguista simplesmente começa a se comunicar rudimentarmente, do nada, de uma hora pra outra. Mas, entenda, o tema é tão bom, que mesmo assim o interesse se sustenta. Tinha de ser uma obra-prima. Perdeu-se a chance. ( Lembrei de Contatos Imediatos...o modo como eu e meu irmão saímos do cinema em estado de graça e de euforia otimista em 1978... )
CURVA DO DESTINO de Edgar G. Ulmer com Tom Neal e Ann Savage.
Um filme classe C, pobre e comum, que hoje é cult e considerado por muitos uma obra-prima. É original. É estranho. É inverossimel. E é muito bom. Fala de um pianista da noite que faz todas as escolhas erradas. Pega carona e daí em diante tudo dá errado. Savage faz a mulher mais assustadora da história do cinema. O filme é um pesadelo noir.
FORÇA DO MAL de Abraham Polonski com John Garfield e Marie Windsor.
Um advogado corrupto participa da corrupção do jogo ilegal. O filme é bom. Amargo a não poder mais, Garfield faz um cara mal, mas nunca superficial, é complexo, tem matizes de bondade. Um filme bom de se ver e que tem em sua equipe um punhado de perseguidos pelo MacCarthismo.
O MUNDO ODEIA-ME de Ida Lupino
Uma diretora mulher nos anos 40, uma raridade. E que filme estranho! Feio, desagradável. Fala de dois amigos que dão carona a um cara. Ele os sequestra. E o resto são estradas, medo, restaurantes, hotéis e postos de gasolina. Árido. Assistir não é um prazer, mas ele fica na memória.

CAPITÃO FANTÁSTICO E OS HIPPIES DOS ANOS 90.

   Os hippies dos anos 60 eram drogados. E acreditavam na união. Tudo para eles era em grupo. Pensavam estar mudando o mundo. E mudaram. Talvez para pior.
  Os filhos desses hippies foram os materialistas dos anos 80. Eu fui um deles. Negaram os pais sendo realistas. Os anti românticos. Ciência, grana e pó.
  Nos anos 90 os irmãos mais novos dos caras dos anos 80 reabilitaram os hippies. Mas eram hippies pouco românticos. Estranhamente eram individualistas. No lugar de comunidades hippies, queriam seguir sozinhos pela estrada. As drogas não existiam como possibilidade de crescimento, mas sim como prazer. Os hippies queriam um mundo novo. Os caras dos anos 90 queriam um mundo melhor. Preservar e não destruir. Reciclar.
  Hippies originais plantavam e eram pacifistas. Os novos hippies caçavam e tinham uma postura de briga. As batas indianas substituídas por roupas camufladas.
  Este filme, bastante ruim, fala desses hippies. Um pai, que pensa ser liberal, e que na verdade é um ditador, cria seus filhos no mato. O filme fica em cima do muro. Não tem a coragem de o ridicularizar. Tenta agradar. Se torna ridículo.
  São hippies que trocaram flores por facas, Walt Whitman por Noam Chomsky, anarquismo por maoísmo. Eles passam o tempo lendo, lendo e lendo. Depois caçam e tocam violão. E roubam. Claro. Estão a um passo do terrorismo. E o filme, fofo, evita mostrar isso. É doente.
  Lixo.
  Me decepciona ver que há gente boba o bastante para levar tamanha porcaria a sério.

EPIFANIA

   Veio sem avisar. Sem ser pedida ou desejada. Apenas surgiu.
 Era sexta-feira e eram 3 e quinze da tarde. Eu estava na escola.
 Após semanas de calor seco, o tempo mudava. O ar estava úmido e mais fresco e o sol parecia mais gentil.
 Os alunos jogavam bola entre árvores mal cuidadas e eu me sentei num banco de cimento. E então aconteceu...
 Uma satisfação absoluta desceu sobre mim. A luz da tarde se tornou a mesma dos melhores momentos da minha vida, e então eu senti dentro da minha carne a paz que a tempos eu não conhecia. Um suave calor dentro da minha barriga e o ar entrando em mim como se fosse tão leve como quando as coisas começam a respirar.
 Os alunos jogavam gritando, corriam, pulavam e eu os olhei em detalhe. Era o mesmo jogo. Eram os mesmos garotos. Era a mesma vida.
 Pensei, sem qualquer tipo de emoção, na eternidade da vida, no jogo que se repete. Na eternidade que está aparente em tudo o que nos cerca mas que esquecemos de ver. O momento é de pura delícia, de clareza de sol.
 Um besouro surge e voa zumbindo. Faz evoluções em torno das árvores. Se demora, se vai.
 Minha epifania.
 O jogo termina.
 Outro dia tem mais.
 As sombras parecem doces. É o mesmo mundo de sempre. E depois chove. E tudo vai bem.

HISTÓRIAS DOS MARES DO SUL - W. SOMERSET MAUGHAM

   De 1930 até 1970, se voce falava o nome Maugham, 99% de pessoas leitoras sabiam quem era. Muitos filmes eram feitos baseados em seus livros, e a maioria tinha boa bilheteria. E ele escrevia muito, era um profissional da escrita. Romances, contos e peças, ele dominava todos os meios. Mas, por volta de 1970, ele começou a ser esquecido ( havia morrido durante os anos 60 ). Outro tipo de autor passou a ser mais vendido, autores que pegavam mais pesado em sexo e em violência.
 Maugham não é um estilista. Seu foco é o assunto. Ele escreve sobre personagens e sobre histórias, o que importa é o que é dito e não como é dito. Seu maior sucesso foi Servidão Humana, livro que detesto. O Fio da Navalha é um prazer, e em como todos os seus livros, contrabandeia filosofia oriental. Maugham, antes dos hippies, e de uma forma muito mais pop que Huxley, propagava ideias de fuga da civilização, vida alternativa, espiritualidade. Foi rei no tempo de Graham Greene, Agatha Christie, Pearl Buck, Waugh e Woodehouse. Todos autores brilhantes.
 Aqui são contos que têm em comum a ambientação nos mares do Pacífico Sul. Pessoas desgarradas, pessoas que encontram a felicidade, pessoas que sofrem com calor e doença, insetos e loucura. Ele descreve local, radiografa personagens e então parte a ação. São todos ótimos, mas um, chamado Macintosh beira o genial.
 Acho que Maugham está escondido em algum canto das livrarias. Procure. Esta minha edição é de 1957, tempo dos livros de capa dura sem desenho, sem nada. O título vinha apenas na lombada. Pois procure, certo que voce vai gostar.

A PEDRA DO JAPÃO. ( UM MODO DE TENTAR EXPLICAR O QUE NUNCA PODERÁ SER EXPLICADO.

   A manhã surge e nós a encaramos como uma imagem. Ou melhor, não a encaramos, apenas a aceitamos. Por não haver um passado, não a comparamos com outra manhã. E assim, não temos como concluir aquilo que ela será antes de ser. É manhã. Ei-la.
  ( E talvez ao reencarnar percamos toda a memória de outra vida exatamente para que possamos ver a manhã como a primeira manhã. Isso faria todo sentido. Pois para que voltar e ver a manhã de número milhão... ).
  Isso é a criança. A manhã é aceita como manhã. E é tão aceita que a gente a pega e brinca com ela. A manhã se torna mais uma parte de nós mesmos. E inventamos funções para ela. Ao brincar começamos a destrinchar as coisas e ao destrinchar a gente as destrói.
  Mas eu falo de antes. Antes de brincar. Falo de quando a manhã era uma coisa aceita em passividade. Falo de quando a gente é quase cachorro.
  ( Escrevo isto no jardim. E uma mulher passa com um nenê lindo no colo. E esse nenê não me nota. Nem mesmo nota meu cachorro. Nem as plantas ou flores. Ele ri e aponta a arara de madeira pendurada na parede. Vermelha e azul.  )
  Todo artista pensa e trabalha para poder despensar e destrabalhar. Ele tenta olhar a arara e se maravilhar só mais uma vez. Ou, ele tenta fazer alguma coisa que nos faça ver a manhã e a aceitar como ela é e não como foi ou como deveria ter sido. A gente embaralha. Mas embaralhar é estragar tudo. Pois o embaralhamento só pode ser feito por quem conhece o baralho.
  A linguagem humana nasceu para contar o número de sacas de trigo. E para prometer pagar o que se deve.
  A linguagem humana é apenas isso.
  Quando usamos a linguagem humana para falar de Deus, ou do amor, ou mesmo da criança, transformamos Deus em trigo, o amor em quilos e a criança em débito. A linguagem foi criada para contar, pesar, cobrar e prometer.
  Nem Deus, nem o amor, nem a infância e nem mesmo a guerra, nada têm com isso. Ao falar delas as vulgarizamos.
  Em 1971 meus olhos se abrem  e vejo a janela com sua cortina branca. Ela voa e a luz do sol passa e entra e bate no chão. Um galo canta longe. Minha mãe canta ao longe. Sinto no peito uma explosão. Essa explosão, e o galo e a cortina e a mãe e o sol são todos manhã. E eles são tudo naquela hora.
  Essa hora, nove da manhã em abril de 1971, não é, ali, hora. É sol e galo, mãe e explosão no peito. A hora não faz parte de nada que vive ali. O tempo está ausente. E por isso o sol, a mãe, o galo, a cortina são sempre. Além do lá.
  A intuição é o pulsar dessa vida infantil. Melhor dizendo: primordial.
  Intuir é o breve momento em que nosso corpo inteiro balbucia sem voz, em imagem: Eis o que é. Ou então: Nunca.
  Intuir é ver sem considerar a experiência. E sem temer ou desejar uma consequência. Não pesa. Não mede e não cobra. Então é sem linguagem.
  Traga-me uma pedra do Japão.
  Não sei para que ou por que.
  Mas traga.

A BIBLIOTECA, UMA HISTÓRIA MUNDIAL - JAMES W.P. CAMPBELL e WILL PRYCE

   O amor aos livros...em formato grande, uma edição luxuosa que conta a história da biblioteca. Desde as primeiras, na China e na Coreia, até as mais bonitas feitas em 2010. As fotos, muitas, são deslumbrantes. Campbell e Pryce viajaram o mundo inteiro, um escrevendo e o outro fotografando tudo o que ainda existe e tudo o que vale a pena.
  Vemos assim as plaquinhas de madeira da mais antiga biblioteca do mundo, a da Coreia, de 1210. Claro que existem ruinas muito mais antigas, mas essa está inteira, completa, exatamente como quando foi construída. Em termos de ruinas, há fotos da Turquia, Grécia e China, os locais das mais antigas ruínas.
  Vários mitos são derrubados. O texto, muito bom, nos explica como se fabricava o papiro, o pergaminho, como era um livro chinês, um livro medieval. Mostra que até 1700 as bibliotecas não usavam estantes, os livros eram colocados sobre mesas e bancadas. Os livros eram poucos e caros. Pesados e se estragavam com facilidade. É no século XVIII que eles e popularizam e começam a se contar aos milhares e milhares.
  Antes...Fotos espetaculares das bibliotecas medievais, das bibliotecas da renascença. O livro como artigo de status, de exibicionismo, a disputa pela mais bela biblioteca. Na Espanha a do Escorial, um deslumbre de cores e de luz. O barroco, o rococó e no século XIX a sobriedade do ferro e do neoclássico.
  Portugal comparece com as de Coimbra, uma das mais belas, e de Lisboa, uma das mais luxuosas. Mas percebemos que talvez as austríacas sejam as mais ricas, que as britânicas são escuras, e as italianas as mais exibicionistas. Nos EUA, o país que mais as tem, ficamos estupidificados com a Peabody em Maryland e a Nacional, com 150 km de estantes.
  Os arquitetos são destacados, as edições, os bibliotecários.
  Quem ama livros tem de ter este livro. E quem ama livros bonitos tem de o conhecer.

FILMES POLICIAIS: ALDRICH, MANN E ALAN LADD.

   A MORTE NUM BEIJO de Robert Aldrich com Ralph Meeker e Marion Carr.
Uma moça corre numa estrada. Um cara lhe dá carona. Ela é morta. Ele quer saber por que. Ele é Spillane, um cara ruim, cínico, duro, frio, violento. Nasce aqui, em 1955, o moderno filme policial. A direção é ágil, viril, estranhamente parece cínica. A fotografia é de Ernest Laszlo, que seria um dos mais famosos nas décadas seguintes. O filme é sexy, os personagens malucos, o clima é doentio. Aldrich antecipa em 4 anos a nouvelle vague. É um exercício de estilo, de cinema, de direção. Um grande filme! Aldrich, nos anos seguintes, construiria uma das mais divertidas e corajosas carreiras no cinema.
  A CHAVE DE VIDRO de Stuart Heisler com Alan Ladd, Brian Donlevy e Veronica Lake.
Este policial tem um estilo cinema noir. Um prefeito tenta a reeleição, mas o crime gira a seu redor. Raptos, tiros, chantagens. Veronica Lake solta faíscas. Ladd faz um herói que não nos deixa tranquilos. Nunca sabemos se ele é do bem ou um egoísta. É uma diversão de primeira.
  SIDE STREET ( PECADO SEM MÁCULA ) de Anthony Mann com Farley Granger
Um carteiro rouba um escritório. E se mete numa encrenca gigantesca. O suspense cresce e o carteiro se enfia numa trama quase kafkiana. Não há saída para seu crime. O filme, curto, revelou Mann como grande nome do cinema. Há um clima fatalista em toda cena. Grande cinema.
  RAW DEAL de Anthony Mann com Dennis O'Keefe e Marsha Hunt.
Um cara foge da prisão. Se envolve em triangulo amoroso. Uma das duas mulheres está o traindo. Ou não. O filme, modesto, é o segundo de Mann. Apenas um bom passatempo.
  A MALETA FATÍDICA de Jacques Tourneur com Aldo Ray, Anne Bancroft e Brian Keith.
Mais uma vez, eis Tourneur, o grande diretor de tudo quanto é tipo de filme. Aldo faz, com brilho, um homem que pode ou não ter escondido dinheiro roubado. Keith é o bandido que o persegue para reaver o dinheiro. E o filme, cheio de ação e de muito drama, conta esse jogo de gato e rato. Ótimos atores. Belas locações. Para se ver.
  O DEMÔNIO DA NOITE de Alfred Werker com Richard Basehart
O roteiro é tão bom que mesmo um diretor de segunda faz dele um grande filme. Basehart é um cara que sabe tudo de eletrônica. E é um ladrão. Mata um policial e começa aí a caçada. A cena final, nos esgotos de LA é inesquecível. Basehart está ótimo. É um grande filme.

OS LIVROS E EU.

   Lembro então que meu amor pelos livros não começou com Renard ou com o livro do Zorro.
   Nos anos 60 era comum vendedores de livros irem de casa em casa. Tocavam a campainha e se aceitos, entravam na sala e expunham imensos cartazes coloridos com os livros que vendiam. Sua mãe, se interessada, encomendava a coleção, que seria entregue dali a 15 dias. Eram enciclopédias, coleções sobre medicina, artes, história e obras completas de alguns autores. Capas duras, ilustrados.
   Meus pais só liam jornal e revista, mas sabiam que seus filhos deveriam ler. E então compravam. Algumas coleções se revelaram inúteis, lembro de uma enciclopédia do sexo que era nojenta, e outra sobre psicologia que era assustadora. Mas foi o LER E SABER que me fez sentir paixão por livros.
   Tenho até hoje e é meu maior tesouro. São 12 livros, que li e reli aos 9 anos de idade. Textos extremamente simplificados, dirigidos a crianças e teens, páginas super coloridas, assuntos sobre história, ciências, curiosidades. Foi então que senti o prazer de segurar um livro, o cheiro, virar a página e ser surpreendido, colocar na estante. Logo vieram Os Bichos, Conhecer, e a glória suprema, a Barsa. Foi lendo a Barsa, uma versão simplificada da Britânica, que aprendi sobre literatura, pintura, história e um imenso etc. Vi que um livro era uma aventura, uma viagem, um sonho.
  Nunca mais perdi essa curiosidade. Ver o que se vive dentro de um volume. É amor. E amor dura.
 

OSCAR, GRAMMY, GOLDEN GLOBE, BAFTA, PALMA DE OURO...

   Incrível como todos esses prêmios se tornaram um tipo de festa de 15 anos de algum ator escolhido. Tem palhaço chato, tem fotógrafo, tem pais e mães felizes, tem vestido brega, tem lágrima, tem dancinha boba e vexames a granel. Tudo bem tolo, bem festivo e bem pop corn.
   O cinema deixou de ser uma arte. Ele nasceu no circo, virou arte e teve a esperança de um dia ser tão nobre quanto a literatura ou a arquitetura. Desandou o caldo. De tempos pra cá, virou circo de novo e ocasionalmente uma triste lembrança daquilo que foi um dia.
  A mais jovem das "artes" envelheceu rápido demais.
  Os prêmios são como velhos gagás com caras plastificadas tentando ser o mais teen possível. É incrível como os novos atores já começam sabendo que terão 10 anos de carreira. Depois é uma looooooonga queda.... Têm 25 anos de idade, parecem ter 18, mas são velhos, velhos em alma, são cansados, embolorados, medrosos, tontinhos e dependentes. tristes.

FALANDO DE POLÍTICA

   Uma menina me escreve dizendo que o mais direitista dos direitistas é o conservador. Óbvio que ela está muito mal informada. Assim como há quem não perceba que a esquerda se divide em socialistas, comunistas, fabianistas e tantas outras istas, a dita direita vai desde os liberais até os conservadores.
  Liberais são capitalistas que se deslumbram por tudo o que brilha. Amam o novo e acham que o progresso justifica a vida. Viver é avançar e avançar é construir. E como constroem!!!! Novas estradas, novas pontes, novas modas, nova ciência, nova religião... Na verdade eles vivem no mesmo mundo dos socialistas, o mundo do amanhã, a diferença é que uns querem esse futuro comandado pelo estado, já os liberais querem que grupos de empreendedores façam esse futuro. A graduação desses dois modos de pensar dá o tom deste mundo falido de hoje. O mundo tem andado por esses dois caminhos. O futuro via estado, o futuro via indivíduo. Uma corrida.
  Conservadores odeiam os liberais acima de tudo e de todos. Porque liberais fazem aquilo que os conservadores mais condenam: destroem. Derrubam bairros, praças, palácios, destroem crenças, modos de vida, costumes, tudo em nome do futuro e do progresso. Um liberal mata um deus para poder abrir uma estrada e afoga uma fé em troca de mais um banco de investimento.
  Um conservador odeia menos um socialista porque no socialismo, pobre em ideias e lento em progresso, as coisas mudam menos e quando  mudam podem ser revertidas. Polônia, Hungria, Vietnã ou Cuba foram preservadas em formol por décadas graças ao socialismo. A velha França, a velha Inglaterra ou a velha Itália foram destruídas pelos liberais. O que sobrou se escondeu no campo, nas montanhas, onde os conservadores ainda mandam em algum bairro.
  O conservador não vê razão em fazer uma revolução. Todas terminam com o país pior do que estava antes. E a conta é sempre impagável. Conservadores tentam vencer o mal e a injustiça usando aquilo que sempre foi usado contra elas: trabalho, bondade, caridade, irmandade, costumes familiares e bons exemplos. Todas essas palavras são ridicularizadas tanto por liberais como por marxistas. São os inimigos.
  Sabemos que perdemos. O mundo tende a ser cada vez mais liberal e socialista. Isso é irreversível.
  Mas todo conservador é teimoso. Empertigado. Teimoso. Nunca venceremos. Mas continuamos a crer. Pois nossa crença é forte. Por ser a raiz de toda crença.
   O VENDEDOR DE ILUSÕES ( THE MUSIC MAN ) de Morton da Costa com Robert Preston, Shirley Jones e Hermione Gingold.
Um malandro, em 1910, chega à uma pequena cidade de Iowa e consegue vender para todas as pessoas instrumentos musicais. Um detalhe: ele não sabe nada de música e se diz professor e maestro. O filme é maravilhoso. Grande sucesso na Broadway, tiveram a sabedoria de manter Preston como estrela. Ele dá uma interpretação cativante. Amamos esse malandro. As canções são cantadas numa espécie de fala, um rap antes do tempo. Técnica difícil, letras elaboradas, uma coleção de grandes músicas de Meredith Wilson. ( Uma delas foi até regravada pelos Beatles ). O filme, com 3 horas de duração, é uma delicia todo o tempo. Festa para olhos e para o coração.
   FOMOS OS SACRIFICADOS de John Ford com Robert Montgomery e John Wayne.
Comprei um box com filmes da segunda guerra. Este é um John Ford que ainda não havia saído em dvd no Brasil. Fala a história de um bando de marujos nas Filipinas que provam a utilidade das lanchas torpedeiras. Wayne faz o tipo impulsivo e Montgomery o ponderado. Não é um dos grandes filmes de John Ford. A impressão é que ele tenta fazer uma aventura ao estilo de Hawks e não consegue.
   48 HORAS! de Alberto Cavalcanti com Leslie Banks e Elizabeth Allan.
Cavalcanti era brasileiro. Rico, foi para a Europa nos anos 20 fazer cinema. Primeiro na França e depois na Inglaterra, conseguiu se tornar um conceituado diretor. Voltou ao Brasil nos anos 50 para ajudar na Vera Cruz. Quando viu que a companhia paulista era um buraco, voltou à Europa, mas já sem a mesma pegada. Ainda pode ser considerado o diretor brasileiro de mais importância a trabalhar fora daqui. Ele tem clássicos feitos na França, na Inglaterra ( seu país favorito ) e na Alemanha. Este conta a invasão de uma cidadezinha inglesa por uma tropa de nazis disfarçados de soldados ingleses. A própria população irá descobrir a farsa. É um daqueles filmes que exalta a bravura do inglês comum em plena luta contra Hitler. É um bom filme.
  THE STORY OF G.I. JOE de William Wellman com Robert Mitchum e Burgess Meredith
É uma obra-prima. Wellman serviu na primeira guerra na esquadrilha Lafayette, ou seja, ele pilotou contra o Barão Vermelho. Quando voltou aos EUA, sem ter o que fazer, entediado, foi fazer filmes. Se tornou um dos melhores diretores do cinema. Aqui ele tece o elogio ao soldado de infantaria, o cara que faz a parte mas suja, dura e cruel de uma guerra. Enquanto o piloto da aeronáutica morre limpo e como herói, o soldado vive na lama e morre na sujeira. É uma aventura suja, triste, cruel. Cheia de dor, lama, soldados que enlouquecem, chuva, e camaradagem. Wellman não alivia e faz uma obra tão corajosa como os melhores filmes neo realistas da época. Ele odeia a guerra e ama os soldados. O filme tem de ser visto e o considero um dos 5 melhores filmes sobre o assunto já feitos. Mitchum, bem jovem, está brilhante como um soldado desiludido.
   PROIBIDO! de Samuel Fuller
Na Alemanha que se rende, o romance proibido entre um soldado americano e uma alemã. Em 1945 era proibido o contato entre soldados e a população alemã. Todo alemão era considerado um nazista. Eu não gosto de Fuller. Os franceses o chama de gênio desde os anos 50. Eu o acho exibido, exagerado, chato.
   AMARGO TRIUNFO de Nicholas Ray com Richard Burton e Curt Jurgens.
Ray, o diretor de clássicos de James Dean e de Bogart, filma uma aventura no deserto da Libia. Burton é um soldado intelectual e cínico. Jurgens é um oficial que esconde sua covardia. Os dois amam a mesma mulher e partem para uma missão. Eles se odeiam e um tenta destruir o outro. Mais que os alemães, eles são seus inimigos. É um filme tenso, bastante cruel, amargo até o fim. Burton está ótimo em seu papel de pessimista. Jurgens rouba o filme. O comandante é ridículo sem ser caricato. A fotografia é ótima!
  MERCENÁRIOS SEM GLÓRIA de Andre de Toth com Michael Caine e Nigel Davenport.
Que bela surpresa!!! Eis um filme de 1968 que brinca com os filmes dos anos 60 que mostravam equipes legais em missões perigosas. Aqui a equipe é suja, sem charme e feita por um bando de ladrões baratos. Menos Caine, que faz o elegante certinho, que segue a ética. A missão é suicida, claro, mas a conclusão é uma surpresa. O filme nada tem de engraçado, ele é sórdido. Andre de Toth foi um diretor americano que fez de tudo. Filmes de ficção científica que se tornaram clássicos, faroestes excelentes, policiais ótimos e até filmes de piratas. Nunca vi um filme seu que não fosse bom. E ele fez dúzias e dúzias. Este é mais que bom. É ótimo.

A VIAGEM DO BEAGLE - JAMES TAYLOR

   Mas que decepção! James Taylor, curador de museus náuticos e científicos, não consegue criar empatia mesmo com assunto tão magnífico. O tema é o Beagle, o mítico navio que transportou Charles Darwin em sua viagem rumo às Galápagos e além. O personagem central não é o cientista inglês, mas sim o esquivo comandante do navio, o capitão Fitzroy. É graças a ele que Darwin é convidado a participar da viagem.
  O livro conta a construção do Beagle, seu design. Depois fala sobre Fitzroy, homem que gastou sua fortuna para o bem da ciência. Darwin, de quem não precisamos falar. E até os marujos são apresentados em capítulo só deles. O livro é bonito, aquarelas, fotos e desenhos da época, retratos, mapas. O papel imita papel antigo, a capa é dura, ampla. E digo que não é um livro ruim, é decepcionante diante de seu tema, um dos mais fascinantes possíveis.
 Vale destacar o comentário de Darwin sobre o Brasil: "Um país belíssimo, fascinante, mas o povo...rude, vaidoso, indolente, ineficiente..."

DO OSSO AO PÓ - JULIO MENEZES. AFINAL, QUEM FOI VOCE...

   O nome do cara é Eduardo Conde. E ele cheira muito pó. Nas brumas netunianas dos anos 80, ele tem uma pizzaria que nunca quis ter, se sente o cara mais mal amado do mundo, vende cocaína, torra dinheiro e come algumas mulheres. Mas não as ama. Eduardo é um dinossauro. Machista doidão, nada fofo, um tipo de homem que em 2017 só existe em faces enrugadas. Eduardo acha que ama Aninha. Mas é aí que a porca torce o rabo...Aninha, para mim, leitor, é Eduardo. Ele se ama através dela. A menina osso.
  Julio Menezes é meu amigo desde 1985. Eu sei do que ele fala. É claro que Eduardo não é ele. O livro é 90% ficção. Mas a vida é foda. Explico mais.
  Julio é de escorpião. E o livro é o mundo mítico de escorpião jogado em nossa cara. Mortes, muitas, drogas, muitas, desespero, muito, força, muita, sorte, bastante, violência, não assumida, sonho de amor, teimosia, insistência, egoísmo, e uma estranha mística da inocência. Na capa a editora botou que o livro faz parte do mundo de Bukowski e de Pedro Juan Gutierrez. Que nada! Julio escreve como um Raymond Chandler cheio de pó. Um Marlowe que perdeu o rumo e transa suas personagens. O livro é sórdido. Ele fede. E isso é proposital.  Gutierrez e Bukowski, me desculpem os fãs, são bem mais simples. Julio é quase barroco.
  Amizade é foda. Nunca em minha vida falei para Julio que em 1980, julho, me transferi para o Objetivo. E que lá me apaixonei por uma menina chamada Aninha. E mais, que no dia em que Lennon morreu eu estava no pico dessa paixão. Coisas de se viver no mesmo círculo, amizade é compartilhar o mesmo inconsciente. No livro Eduardo e Aninha vivem isso, que eu vivi na mesma data com a minha Aninha, real. E fui também com ela ao FICO, fui ao show do Queen e estive no Van Halen. O mundo é pequeno e SP sempre foi um buraco. Quanto ao Diógenes...esse nome ele conheceu na vida real, e deve ter ficado em algum canto guardado. Mas nada tem a ver o Diógenes real com o do livro... ( Julio, torce pra Jane não o ler ! Não sei se foi por querer, mas Jane é ela... ).
  Li o livro em dois dias. E notei que o retrato que ele faz da década de 80 não é aquela que eu faço. E sei porque. Julio mergulhou na década, entrou no inferno, botou sua carne na grelha e mandou girar. Eu fiquei na porta, olhei, senti o cheiro do queimado, mas não entrei na casa do fogo eterno. As lembranças que ele tem, coisas como o Ritz, o Satã e gente como Akira S., Arrigo e JR Duran, são duca. Eu gargalhei com certas cenas deste livro. Ri alto. Julio pega a cara magra de uma época de muito ridículo e pouco sorriso e a esfrega no papel. 
  Amigo, fico feliz em perceber que gostei do livro. Ele é forte. Pesado. Uma tijolada. Viagem de pó. Lembrei de Paul Bowles. E de Malcolm Lowry. Ele nos dá vertigem.
  Fico feliz também por ver que meu estilo de escrita é completamente diferente do seu. Diferente. Talvez menos forte. Talvez até pior por ser menos claro. Se um dia eu publicar, ninguém vai poder dizer que te copio. Isso é bom. Nadamos em raias distintas.
  O livro tem uma cena que me tocou mais que qualquer outra, e essa cena não foi a morte do vira lata não. O dia em dezembro em que Eduardo e Aninha vêm as notas no pátio do Objetivo...Caralho Julio! Naquele mesmo dia eu vivi aquilo com a Aninha!!!! A diferença é que em meu caso foi ela que me deu uma gelada bem discreta. Porra, essa cena ficou linda! ...Aliás...voce notou que o cara acaba comendo todas as mulheres! É um azarado sortudo, ou é aquilo que ele pensa: A gente só vê a coisa boa quando se sente bem...Estando mal tudo parece mal...Mesmo quando a menina mais bonita da praia quer casar com a gente...
 Terminando: Quando li seu primeiro livro pedi uma continuação. Agora peço outra coisa. Escreve sobre a infância. Escreve sobre a vida de um menino de 10 anos, 9 anos, nos anos 70, em Higienópolis e na Bahia.
 PS: O nome do punk!!! Hilário!
 PS2: Se voce quer entender os anos 80, olhe para nosso amigo que morreu a um ano. A extrema passividade do Giba. É aquilo. Os anos 80 pediram ação. Muita ação. E nossa reação sempre foi entediada. Éramos como fidalgos. Evitávamos o excesso de realidade.
 Abraço.