A GERAÇÃO QUE FAZ DE CONTA

   A minha é a geração do faz de conta. Conheço quem faça de conta ser um beat. Outro finge e acredita ser Keith Richards. O desejo e a imaginação se tornaram coisas mágicas, reais...faz de conta né. Assim mulheres fazem de conta ser diva e casais fingem e têm fé em ser Brad e Angelina. Vários fazem de conta ser escritor ( e nunca escrevem ), outros brincam de fazer cinema ( e nunca filmam nada ). Eu fiz de conta ser Heminguay. Depois Yeats. Gosto de fingir ser medieval.
   Pessoas fazem de conta ser budista, católico, ateu, existencialista.
   O Brasil sempre acreditou nesse faz de conta. A gente gosta de crer na culpa de Portugal, da Inglaterra e dos EUA. Adoramos fazer de conta que somos inocentes. E alegres opa! É nóis!
   Há toda uma geração que inveja a geração que tinha vinte anos nos anos 60. Essa geração ama fazer de conta que Oasis foi Beatles, Radiohead Pink Floyd e que o Blur foi Stones. Vão a festivais brincar de Woodstock. Caem na estrada brincando de ser estradeiro e ecológico.
   Esses brincalhões brincam. Fazem de conta. Forçam a barra.
   É fácil ser estradeiro com GPS e celular. Fácil imitar Bukowski ou Kerouac. ( Difícil seria brincar de Proust ou de Nabokov...mas aí não vale, brincar tem de ser moleza né ). Fácil ser gay em mundo cheio de politicamente corretos. ( Talvez não tão fácil, mas bem menos difícil ). Faz de conta que este blog será lido. Faz de conta que voce lê.
   O tal Golpe é uma das mais tolas brincadeirinhas. Ninguém foi censurado, ninguém foi exilado, ninguém foi apagado, o exército não saiu à rua, todos podem ir e vir, não se cassou ninguém. Pode-se pregar revolução, xingar, chamar pra briga e tudo bem. Mas...minha geração quer sentir o sabor de estar em 1968 ( óh 68....quanta inveja....como eu queria ter nascido em 48... ). Então faz de conta que a gente é revolucionário, faz de conta que é um golpe e faz de conta que a gente corre perigo. Um barato ser rebelde sem o risco de ser morto.
  Na verdade, se voce pensar um pouco, todas essas brincadeiras desvalorizam os verdadeiros rebeldes e os verdadeiros mortos.
  Na USP se vende por 25 paus camisetas com a palavra GOLPE!
  É isso aí.
  PS: A geração mais nova adora fazer de conta que vive num filme pornô. Ou num mangá.
  
 

FRANÇOIS VILLON, BALADA DOS ENFORCADOS E OUTROS POEMAS.

   Menino órfão, solto nas ruas de Paris no século XV, Villon teve a sorte de ser adotado e de estudar. Religioso, caiu no mundo do roubo nas ruas, foi preso várias vezes, escapou, rodou cidades, foi perdoado, roubou de novo, sumiu. E escrevia poesia.
   Em boa tradução de Péricles Eugênio da Silva Mendes, sua poesia, visual, sensual, nos dá a chance de saborear a vida das ruas, das tabernas e também da corte europeia de então. Cheio de prazer por viver, consciente todo o tempo da precariedade da vida, pensador sobre as coisas do tempo, Villon é moderno, atemporal, cantante e bastante visual.
   Leia correndo. Esta edição de bolso, da Hedra, é fácil de achar.

AS METAMORFOSES, OVÍDIO...DEUSES, HERÓIS, LUTA E SEXO.

   É um mundo irrecuperável. Jamais saberemos como eram os homens que cantavam estas histórias. Mas podemos os intuir. Por exemplo, eles riam de cenas que hoje nos causam horror. E achavam natural atos como vingança, tortura e estupro. Não necessariamente justos, naturais.
  Certo também que os sentimentos eram expressos de um modo que hoje seria chamado de histérico. Dor e alegria eram plena e completamente exteriorizados. A vida interior era muito menos secreta. A vida era vivida em público, a solidão era castigo.
  E existiam os deuses. Muitos, muitos deuses. Se Netuno era o deus do mar, ainda tínhamos deuses das ondas, das praias, dos rios, dos lagos, das fontes. O que me leva a perceber que toda ação da natureza tinha uma força que a movia, essa força era um deus. Deuses vingativos, ciumentos, cruéis e muito, muito amorais. Eles exigiam respeito, obediência completa, e muitas oferendas.
  Os homens tinham alma, mas ao morrer todos iam para o Hades, o inferno.  E os animais eram todos feios, feras, bestas. A hospitalidade era divina, e negar hospedagem era um dos maiores pecados. Estrangeiros eram bárbaros, a cidade era um orgulho e os antepassados deviam ser venerados.
  E nasciam heróis. Homens com sangue de deus.
  E este livro, delicioso, uma das obras mais divertidas que li na vida, fala deles. E dos deuses.
  São várias histórias de humanos envolvidos com deuses, amados e vingados por eles, transformados em árvores, bichos, pedras. Daí o nome Metamorfoses. Cenas de extrema violência descritas em detalhe: sangue e tripas, miolos que escorrem, olhos que são arrancados. E sexo, deuses que seduzem moças virgens, heróis que estupram, raptam. E nós lemos tudo isso, com prazer. A tradução, de Vera Lúcia Magyar, conseguiu manter ritmo, as cenas fluem, rodam, avançam. Sagas que são canções.
  Ovídio conviveu com os nobres romanos. Sua vida transcorreu no tempo em que Jesus vivia na Galiléia. É o auge do império Romano. A confiança é total. Há uma certeza de eternidade em cada cena. O poder da permanência.
  Ainda se discute, hoje, se os romanos realmente acreditavam nos deuses. Dizem agora que o único deus que era levado a sério era Lares, deusa protetora do lar. Penso que a forma cristã como entendemos a fé seria para eles incompreensível. Assim como nunca vamos compreender deuses tão imorais. O modo como os romanos se relacionavam com eles nos será sempre mistério. O que sabemos é que cumpriam rituais, sacrificavam bichos e faziam pedidos. No mais...não sabemos.
  Todos deveriam ler este livro.

MOBY DICK, HERMAN MELVILLE

   Meu nome é Ismael.
   É desse modo que começa esse romance. Um dos 3 melhores começos de livro que já li. Moby Dick é vasto como um país, e assim como Whitman na poesia e Emerson no ensaio, Melville faz no romance o parto da América. Na busca febril de Ahab pela baleia se antecipa a busca de uma nação pelo controle do irracional, pelo poder sobre a natureza e da riqueza mítica.
 A linguagem é a língua "americana", ou seja, a língua do púlpito. A leitura em voz alta seria ideal, mas se você ler silenciosamente, imagine sempre um leitor no alto de um estrado e vários ouvintes em bancos de madeira. Melville escreve não para o leitor, ele escreve para Deus, e esse Deus é vingativo, cruel, duro, como o mar.
 Este livro parece escrito com lama, lodo, sangue e gordura de baleia. É desagradável, muitas vezes chato, fechado em seu mundo escuro, frio e tenebroso, violento. A luz custa a surgir e quando surge logo morre.
 Moby Dick, como todo grande livro, é um universo completo, ele se basta e apesar de muito influente não deixa filhos. Único.
 PS: Os outros inicios são os de Anna Karenina e de O Caminho de Swann.

TEMPO

   Vivi noites que repercutem como séculos. E vivi anos que nada deixaram atrás de si.
Vamos então ter a coragem de dar ouvido à nossa intuição e perceber, entender, aceitar que o tempo é outra coisa bem diversa daquela que a gente é ensinada a acatar. Com absoluta certeza não se trata de uma reta e muito menos de um peso.
  Aquela noite, 15, 20 anos atrás, durou anos, e aqueles anos, 15, 20 anos atrás duraram dias.
 Uma vida pode durar milênios, ou durar meses, segundos, um nada.
 ( Mas estou barateando a coisa enquanto falo em dias, anos ou milênios. É difícil fugir das armadilhas da linguagem ).
 A língua foi criada para contar cabras e para narrar guerras. Ela foi forçada a falar de sentimentos e de intuição.
 Aquela noite não pode ser descrita com linhas e letras. Talvez possa ser cantada em pura melodia.
 E é só.

A METAFÍSICA DA AÇÃO- PABLO ENRIQUE ABRAHAM ZUNINO ESCREVE SOBRE HENRI BERGSON

   Operar com o real obriga nossa mente a separar artificialmente os objetos de nós mesmos. Para usar e agir sobre a matéria temos de isolar as coisas-objetos em entidades separadas. Essa "ilusão" utilitária, faz com que nossos estados emocionais sejam também vistos como acontecimentos independentes. Como pérolas num colar, cada estado emocional se torna um mundo em si-mesmo. Mas para manter essas "pérolas" unidas é preciso um fio, esse fio se torna o tempo, e assim caímos em mais uma ilusão, aquela que diz ser o tempo uma linha que une fatos da vida.
  Bergson dá uma visão inversa: o tempo é a própria substância onde os acontecimentos ocorrem. Sem o tempo nada haveria. Ele não une nada, não pode ser utilizado para nenhum fim, não pode ser percebido, contado ou medido; é onde estamos, o que nos envolve e dele só temos consciência no tênue momento da intuição.
  Eu jamais escreveria sobre Bérgson se não tivesse tido essa intuição. Duas ou três vezes em mais de 50 anos de vida eu a senti. E por mais que tente a descrever eu não posso. Isso porque as palavras, ferramentas uteis, nada têm a dizer sobre o tempo. Palavras falam de coisas e de atos uteis. Palavras falam da nossa ação sobre o real. A vida, a realidade, são construídos enquanto são vividos, estão no tempo. Portanto não há como sairmos dele para o observar. Palavras nos aprisionam em esquemas asfixiadores, fechados, lutam para acalmar a razão. A razão, o mais útil dos instrumentos, precisa agir sobre aquilo que é real. O homem, único ser que consegue analisar com palavras a própria palavra, que pode pensar o pensamento, que consegue não reagir aos estímulos do corpo, não consegue sair do tempo, cessar o tempo, medir o tempo. É aí que Bergson situa toda sua filosofia da ação e da liberdade.
  O corpo é real. O corpo é presente. A memória não. Daí um dos nossos nós. A memória está e não está, existe e não existe, vem e vai, some e renasce. O cérebro, que para o filósofo francês, é antes um fio condutor e nunca uma máquina produtora, recolhe da memória aquilo que nos é prático, aquilo que serve para uma ação. O resto, memória que jamais desparece, fica em reserva, no sonho, no delírio, na intuição.
  Algumas frases de Bérgson são admiráveis: " Para deixar o espírito agir a liberdade faz do corpo um intermediário". " O cérebro não teria por função pensar, mas fazer com que o pensamento não se perca em sonho."
  Ele vai de Darwin á Kant, e aqui neste livro é Bérgson comentado por Merleau-Ponty e Lebrun. Se fala de William James, Barthes, Jankélevitch e Deleuze. Não se fecha nada, tudo fica em aberto, nenhuma verdade é revelada. Pode-se dizer que é o filósofo da ação, do agir, do fazer.
  O autor, Pablo Enrique Abraham Zunino, tenta abarcar amplas fatias do pensamento de nosso filósofo, quase consegue. Melhor ler diretamente Bérgson. Ele escrevia muito bem. Ganhou até o Nobel. Escrevo mais abaixo.

ESPAÇO E TEMPO

   Tempo não é espaço. O espaço nós o podemos ver. O espaço nós o medimos. A matemática trata do espaço. Nossa razão, precisando lidar com o Tempo, trata-o como se fosse Espaço.
   Tempo não se mede. O relógio nos engana. A idade nos engana. Envelhecemos, claro, o Tempo existe, é real, mais: o Tempo é a Realidade. Mas ele não passa como se fosse uma reta. O Tempo NÃO PODE SER DIVIDIDO. Não se parte o tempo em pequenas porções. Ele transcorre como Coisa Inteira.
   Não existe no mundo real o Tempo como divisão. É uma invenção, empobrecedora, da razão. Uma confusão entre espaço e tempo. O tempo é ação e a Ação não pode ser repartida. Vamos aos fatos:
   Um atleta corre numa pista. Achamos que podemos dividir sua corrida, que é ação, que é tempo, em frames. Achamos que podemos fotografar a Corrida em divisões de tempo. FALSO. Ao dividir a corrida em frames, em pedaços de ESPAÇO, ela deixa de ser ação-tempo e passa a ser COISA-MORTA. Naquela foto não se acha o movimento, o que se acha é um corpo morto parado no espaço. E mesmo que se grave em filme esse atleta, tudo o que teremos é um pedaço de COISA-MORTA em falso movimento.
  Isso porque a ação só é ação no presente. E o presente JAMAIS SE REPETE. O atleta que correu aquela corrida continua sua ação dentro do Tempo. Ele correu, venceu, acenou, descansou, recebeu aplausos, acenou, bebeu, tudo numa ação indivisível. Não se trata de espaço, é VIDA, e assim é ação no Tempo. Melhor dizendo, é Tempo. E como tal, não pode ser apreendido.
  Ou poderá... A intuição sabe o que ele é e vive e respira dentro dele. Mas a intuição só se faz quando agimos sem nenhuma preocupação com tempo, espaço ou consciência. ( Ação não é apenas correr ou falar. Ação também é pensar, respirar, sonhar, digerir, bombear ). Quando não pensamos em nosso EU e agimos com toda nossa vontade, única e individual, estamos ao lado e dentro do Tempo, e nesse fluir intuímos o que o Tempo é.
  Nosso corpo, instrumento feito para se lidar com o espaço, instrumento que evolui e existe como AÇÃO, é uma espécie de filtro, coisa que recolhe o pensamento e lhe dá direção enquanto represa tudo o que não seja útil para aquela ação.
  Mas isso é assunto de outro post...

Bergson e a reflexão sobre o tempo | Franklin Leopoldo E Silva



leia e escreva já!

HENRI BERGSON

   Pessoas costumam confundir Tempo e Espaço. O espaço pode ser medido, o tempo não. Pois assim como podemos situar uma coisa e nos situar em um espaço, não podemos situar nada e principalmente a nós mesmos no tempo. O presente se torna passado assim que percebido e o futuro está sempre em um ponto vago no porvir. Não há ponto no tempo. Nem reta e nem espaço.
   Dentro do nosso ser mais profundo sabemos que a vida é movimento. Que estamos sempre em ação. Pensar, sonhar, querer, andar, fazer, tudo é ação. E o tempo é vida e vida é liberdade. No mais profundo eu a liberdade é plena. Pelo simples fato de que nos modificamos sem parar por toda a vida. Na intuição, que é ação criativa, tomamos posse de nossa liberdade. Fazemos sem pensar, somos sem questionar, vivemos sem querer, essa a liberdade. Ao contrário dos bichos, presos na necessidade, na utilidade de sobreviver, nós fazemos atos sem utilidade, sem necessidade, atos livres.
   Mais além, tentamos, para manter a lógica, crer na objetividade, no objetivismo, na causalidade. Não há causa e efeito no homem. O que fazemos e o que queremos não tem um porque. Ou, dizendo melhor, o que fazemos, nossas ações, são transformações. Mas atenção! Eu não sou um homem que muda. Eu mudo desde sempre. Jamais cheguei ou chegarei a ser.
   Para poder viver em sociedade usamos a memória. Ela nos diz aquilo que fizemos. E assumimos que o que fizemos é o que somos. Uma energia imensa é gasta nessa missão social: manter a ilusão de que se é um ser definido. Manter uma cara, um posto e uma personalidade. Sim, eu sou um indivíduo, mas isso que sou se define em um movimento. Lembro do que fui, mas o que sou NADA deve a esse que fui. Nem mesmo consequência do que fui eu sou. Vou me modificando na vida e no tempo. Parar de mudar é a maior das ilusões.
   Amamos esse ato criativo, a liberdade de agir gratuitamente. Admiramos profundamente quem muda. Superficialmente temos nossa personalidade social. E a maioria de nós crê e quer crer ser isso em totalidade. A maioria não chega a perceber a liberdade que é. Porque nós não temos a liberdade, não somos livres, a liberdade só existe em nós. O homem é a única coisa no universo que é livre. Tudo está preso a leis físicas e apelos da necessidade. O homem cria. Dentro de seu corpo físico, preso, banal, mora o espírito livre, intuitivo, que age e se modifica modificando.
   O Paulo de 1981 nada teria a ver comigo. Lembro dele, conheço ele, mas ele foi. Eu sou. Assim como este bairro, onde nasci, nada tem a ver com aquele que lembro. Nada conheço na verdade. Apenas estou junto no mesmo movimento. Sucessivo. Os atos que fiz não me trouxeram aqui. Não há motivos conhecidos que respondam como e por que estou aqui e sou isto. Apenas o movimento criativo.
  

FILOSOFIA NÃO É ISSO.

    Tive uma pequena discussão com um professor de filosofia do ensino médio. Além de professor, ele é militante do PSOL. Não usarei este espaço para falar mal de alguém que não pode contra argumentar. Mas devo dizer que tem coisas que ficaram bem claras.
    Primeiro o susto que levei ao me defrontar com um verdadeiro comunista. Eles são poucos. Tive contato com 3 ou 4 em toda minha vida e fazia mais de 20 anos que não falava com um. O susto veio do fato de que o discurso não mudou. Ele são superficialmente de Rousseau. Acreditam na bondade inerente a todo ser humano. Menos na bondade dos capitalistas. Para eles, todo homem nasce bom, o capital os torna ruins. Toda a complexidade da vida é reduzida a essa simples certeza. Nisso, são mais simplórios que qualquer religião banalizada.
    Me assombrou também a acusação a mim feita: para ele eu seria um defensor de Alckmin, a prova disso é não o atacar. Pior ainda, para ele a queda de Collor foi justa porque Collor foi eleito graças a edição do debate feito pela Globo. Dilma é inocente. Se ela mentiu nos comícios e na TV isso foi um erro perdoável.
   Ele se diz feliz. A anarquia está se impondo ao país e isso é muito positivo. É preciso destruir. Mais ainda, sim, há mais, ele é incapaz de entender uma coisa chamada Midia, pois entende que a Midia simplesmente força as pessoas a desejarem o mal.
   Acho que não preciso dizer nada, suas teses falam por si. Obviedades, lugares comum e uma sofisticação de pensamento digna de Bolsonaro. Uma mistura esquisita de Franciscanismo, feudalismo ritual, senso de pecado, medo do ouro, e preconceito, muito preconceito.
   E ora veja só, ele ensina!

A MENINA DOS OLHOS DE OURO- BALZAC

   Ufa!!!! É apenas uma novela, uma narrativa curta, com poucos personagens, mas puxa! Como escreve bem esse francês!!! O enredo poderia ser de Oscar Wilde. Um super dandy parisiense, belo, cruel, rico, irresistível e jovem, vê uma moça lindíssima num boulevar em Paris. Ela acaba por se aproximar, e dentro de um palácio gótico, eles fazem amor. Mas há um segredo...e esse segredo leva à morte. O dandy é puro Wilde. Amoral e egocêntrico. Cínico. Ele vive para o prazer. Balzac descreve a Paris pobre no começo da novela, a cidade dos excluídos. Depois fala da cidade dos pequenos burocratas, dos comerciantes e vai subindo nessa escala financeira até chegar no grande capital, no dandy. A narração se concentra então nesse mundo hedonista. O clima se torna gótico, quase de pesadelo e logo estamos absortos. Balzac consegue em poucas páginas nos lembrar Zola, Dickens e o citado Wilde. É acima de tudo Balzac, recheando o texto de toques sutis, de afirmações ácidas, de descrições exatas.
   Ele disputa com Dickens a primazia de ser o primeiro grande autor profissional do ocidente. Seja ele ou não, ele é um dos quatro grandes modelos do escritor potente, dono de talento multiforme, ilimitado, vasto, criador de tipos, de enredos e de moral.
   Impossível não ler Balzac.
   PS: Os outros três fundadores são Dickens, Stendhal e Jane Austen. Eles criam e esgotam um modelo imortal.

ASSEXUADOS

   Mais difícil que aceitar um homossexual ou um pansexual hoje, é aceitar um assexuado. Posso já ver um freudiano ou um sociólogo a dizer que eles são doentes, reprimidos, seres aleijados. Exatamente como os gays eram vistos antigamente. Importante é entender o que eles são e porque tentam se afirmar como tal.
   Conheço bem essa turma. Minha adolescência foi bastante tímida. Não sei se fui um assexuado de vanguarda, um dos primeiros, lá por 1978. Eu comprava revistas eróticas, via filmes de nudez, amava olhar mulheres na praia. Mas ao mesmo tempo eu detestava as baladas com meus amigos. Eles só pensavam em sexo, em putas, em comer alguém; e tudo o que eu queria era encontrar um "grande amor". Até hoje isso me incomoda. Me sinto pressionado a ter sexo, a valorizar a vida sexual, a praticar, a desejar, a ser um homem com várias parceiras. O problema é que detesto a palavra parceira. Odeio a parceria. Fico então num meio termo: nem assumidamente romântico, nem um comedor.
   Pela reportagem que leio, inglesa, claro, homens e mulheres assexuados têm vida sexual, até transam, mas nunca sentem ser essa a prioridade. O que eles querem é carinho, abraço, conversa, sair e viajar, companheirismo. O sexo é visto como ok, mas nada de sublime. Há neles uma saudade da era do romantismo, do platonismo, da vida espiritual. Não são religiosos, quase todos são ateus, mas sentem falta do entendimento entre almas, seja isso o que for. Acima de tudo eles fogem da hiper-sexualidade do mundo moderno. E por isso penso que eles têm um poder enorme de incomodar, de sofrer chacota, de não ser aceito.
   Minha primeira reação é pensar que são todos gays não assumidos.
   Sexo é divertido. Mas está longe de ser uma coisa central na existência. Pode estar nascendo aí uma bem vinda clareza.

AMOR DE PERDIÇÃO- CAMILO CASTELO BRANCO. PORTUGAL E SUA MÁ SINA.

   Ah Portugal Portugal...aqui estão seus fidalgos que jamais pensam em trabalhar. Que não aplicam seu dinheiro em produção. Que vivem de renda, de alugueis e cuja única forma de enriquecimento maior é o casamento. Em pleno século XIX a burguesia lusa ainda vive como na idade média! Nada de indústria, nada de ambição capitalista. Aquele mundinho pequeno, tosco, bobo, de casamentos arranjados, de padres fechados e si, de preguiça abjeta, de tolas emoções. Mundo de uma imensa maioria feita servil, sem vontades, de cabeça baixa, e uma fidalguia esnobe, burríssima, com ares de realeza, com suas intrigas de honra, seus preconceitos de classe, e a preguiça, a preguiça burra que traz o azar. O azar português...
 O romance, enorme sucesso, fala do amor que não se pode realizar. Famílias de posses, inimigas. Tudo termina em morte. Mas nas entrelinhas vemos esse universo, esse mundo mesquinho, vazio, pobre, sem objetivo nenhum. Alma lusa que nada em círculos, cismada, tonta, rancorosa.
 Triste.

SAUDADES DO CINEMA

   Tenho escrito pouco aqui. Ando sem tempo. Mudança de casa, rolos, estudos...
   Vi apenas 5 filmes no mês de abril. Faz anos que não vejo tão poucos filmes. E ontem de noite senti saudades do mundo do cinema.
   Saudades de Marcel Carné e suas sombras, a neblina nas ruas feitas em estúdio. Senti falta da cara de Jean Gabin, dos sobretudos mal amarrados, dos Gitanes fumarentos.
   Saudades da voz de Cary Grant. Dos décors de suas salas em histórias feitas para entreter. Os longos automóveis azuis e os drinks com gelo.
   Houve um tempo em que Robert Mitchum e Charles Laughton faziam parte da minha vida. E sinto falta do tempo em que a vida era filmada por Howard Hawks. Vida com tempos mortos que eram cheios de alma.
   Sei que dificilmente voltarei a minha rotina de um filme por noite, às vezes dois. As descobertas foram feitas, os deslumbramentos sentidos.
   Mas sinto falta desse amor. Que como todo amor verdadeiro vira saudade, deixa um vazio e a lembrança de alegria.