O HOMEM DO MACHADO

   Depois do calor africano a tribo conheceu a Era Glacial. E tiveram de se unir ainda mais em cavernas e cabanas de pele de rena. Impacientes com o frio que não passava, castigados pelo vento, sentiram então, 50000 anos atrás, um novo impulso. No escuro do inverno sem fim, na nostalgia do sol, no sono temperado por fome, no medo e na insegurança, o impulso de criar surgiu. O desespero podia ser mitigado pela representação daquilo que se precisa e não se encontra. A mão usa a pedra e no osso do mamute faz nascer uma rena. A mão se amplia e na parede pinta o verão. A fala acompanha a mão, foi a mão que deu voz ao pensamento, fazendo o homem canta e fala, ensina, consola. No osso do mamute se guarda aquele dia terrível. Aquele dia que viu nascer o milagre: consolando e aliviando esse homem nos deu sua vida. 50000 anos depois, no fim da Era Glacial, nós ainda sabemos dele. O maior desejo daquele Herói anônimo agora acontece: Chega de gelo!
   Muito tempo antes ( Há um milhão de anos ).
   No luxo de verde sem fim, entre feras e presas, frutas que exalavam perfume por milhas e milhas além, um insignificante número de homens vaga atrás de comida. A vida sendo somente o ato de coletar e tentar vencer a fome que dura desde o nascimento até a morte. Uma vida com fome. Mas acontece um outro milagre: Um dentre eles pega uma pedra e a esculpe. Bate pedra contra pedra e afia e faz uma ferramenta. Um machado. Ele corta a carne, corta a madeira, esfola a pele, mata o inimigo. Quem ele foi? Porque ele o fez? Jamais teremos como saber o porque de um entre tantos executar esse ato definitivo. Porque os outros continuaram macacos? Mas não é disso que desejo falar. O que me importa é a razão, essa voz que só tem paz quando encontra uma ordem naquilo que não tem porque. E que inventa coisas na vã tentativa de ordenar e dar respostas ao que nunca se saberá. Foi a carne que desenvolveu nosso cérebro? Dê carne a um orangotango por meio milhão de anos e ele será apenas um macaco mais forte. E assassino. Tristes tentativas de resposta da razão.
   Daquela tribo, nossos pais africanos, um foi caçador, um ficava observando a vida, um era louco, outro mandava, um era tarado, um foi o mais idiota. Houve o nervoso, o sonhador, o mau. E um criou o machado. Somos filhos deles, eles vivem dentro de nós. A imensidão da savana nos seduz, o escuro das cavernas frias nos faz sonhar. O medo é nosso irmão, o terror de ser caça nos faz avançar. Andamos, precisamos andar, é nosso mais forte instinto, quem não anda morre de fome, de sede, é pego por uma fera. E quando somos obrigados  a parar de nos mover, no gelo, na neve, sonhamos e criamos mundos. Dentro do escuro. A sina humana: dentro e fora, consciente e inconsciente, sonho e sol.
  O homem do machado foi o maior de nossos heróis.

A EVOLUÇÃO HUMANA

   Um dia vencemos o canibalismo. E depois, bem depois encerramos com alivio os sacrifícios humanos em honra de deuses. Veio o fim das execuções em público e só depois disso paramos de vender gente.
   Um dia as guerras acabarão. E as veremos com vergonha.
   E só então iremos acabar de trucidar animais. E teremos a decência de os perceber como iguais.
   E esse homem do futuro olhará para nós e pensará: - Homens de 2014...Selvagens que comiam bichos!

LIGEIRAMENTE FORA DE FOCO- ROBERT CAPA

   o melhor fotógrafo de guerra relata sua experiência na segunda-guerra. Na verdade era para ser um roteiro de cinema ( e que filme soberbo ele seria! Principalmente se botassem Huston pra dirigir ). Heminguay deu uma ajuda ao amigo, o livro tem um másculo sabor que remete ao autor americano de O Sol Também se Levanta. Mas isso é marca do tempo. Escrever em inglês em 1940/1960 era geralmente escrever como Heminguay. 
  Capa salta de paraquedas e é dos primeiros homens a cruzar o canal e aportar na França. É o dia D. Suas fotos são definitivas. E seu relato? É bom, nos sentimos lá. Capa esteve nas guerras da Espanha, da China, na França, na Alemanha, em Israel e na Indochina ( Vietnã ). Aqui é só França e Alemanha, O melhor episódio é seu encontro com os espanhóis que lutaram pela França. O coração de Capa está com eles. A sua guerra foi a revolução da Espanha. Guerra que marcou todos aqueles que lá estiveram. Heminguay, Capa, Orwell, Dos Passos, Steinbeck...
  O livro, da Cosac Naify, tem algumas fotos que eu nunca vira. São maravilhosas. Rostos de soldados, aviadores, camponeses, a resistência em Paris. Robert Capa nunca deixa de dar suas cutucadas. Tem humor irônico. Vê o absurdo, sente medo, mas nunca foge. A narrativa é entremeada por seu caso com uma inglesa em Londres, Pinky. Na verdade Capa teve muitas mulheres mas só um amor. E esse amor morreu numa explosão, na Espanha.
  Li todo o livro em poucas horas de prazer. Uma bela história de guerra. Sangue e confusão. 
  

A DITADURA SEMPRE VENCE ( MESMO QUANDO PERDE )

   É claro que havia uma imensa massa de gente faminta e ignorante. Mas é fato também que a elite tinha uma educação e uma elegância que se perdeu. Mario Simonsen, dono da TV Excelsior e um dos donos da Panair era de uma finésse hoje impensáveis. Ser saudosista é crer que tudo era melhor. A vida é assim, se perde para se ganhar, a questão é entender se valeu a pena.
  Ditaduras sempre ganham. Mesmo quando derrubadas a vitória é definitiva. Porque aquilo que elas querem destruir é para sempre estragado. Nunca saberemos o que seria a Rússia dos czares. O que Lenine queria ele conseguiu, destruir a elite europeizada ( velha guerra eslava que se repete na Ucrânia agora, a luta do eslavismo contra a corrente européia ). Jamais iremos saber como seria a Alemanha, e o mundo, sem a ditadura Nazi. Eles conseguiram o que desejavam, matar a velha Europa da Belle Époque.
  Aqui o movimento de 64 desejava destruir todo o liberalismo de JK que se implantava. Jango foi uma desculpa, o ódio era do novo Brasil, o Brasil que podia ter dado certo e que nunca vamos saber. A Panair é um exemplo disso. Ontem assisti um doc sobre sua história.
  A Panair tinha aeroportos construídas por ela mesma. Linhas que ligavam o país a Europa. Tinha fábricas e oficinas. E levava remédios, via aviões anfibios, a Amazônia e Mato-Grosso. Sem a Panair, o Brasil não tinha contato algum com o mundo além do rio Negro. Em seus vôos havia uma elegância cortês que ainda não foi, e pelo jeito não será, repetida. Seus Constellations eram servidos pelas melhores aeromoças. Champagne e luxo, calma e tratamento caloroso. A companhia mantinha uma sala no melhor hotel de Paris. Lá, brasileiros podiam ir e passar o dia matando as saudades, conversando, bebendo e tendo atenção e socorro para qualquer problema. O mesmo em Roma e Londres.
  Pois bem, em 1965, da noite para o dia, os militares resolvem que a Panair não pode mais voar. Suas linhas são dadas a Varig. Os aviões e as posses são vendidas em leilões fajutos a preço de banana. Sem indenização, 5000 funcionários perdem o emprego. Um dos donos, dono também dos seguros Ajax, que fazia o seguro das docas de Santos, perde seus direitos. Coisa incrível, uma empresa é falida dando lucro!
  A Panair, como a TV Excelsior, desaparece para sempre. Com ela se vai o Brasil de JK. Um certo Brasil cortês, calmo, ainda inocente. Abre-se o caminho para o descaramento, para a lei que pode tudo, para a elite revanchista, burra, deslumbrada, arrogante. Os velhos militares democratas são exonerados. Morre um país que nunca mais irá voltar. A Panair, para toda uma geração, simbolizava esse mundo. O Constellation voando até o mundo, sobre o Rio, sobre Minas, sobre SP.

O CLUBE DALLAS, JEAN-MARC VALÉE

   A coisa começou com Robert de Niro em Touro Indomável e não parou mais. Um ator emagrece pacas, ou engorda, ou fica feio, e ganha um Oscar. Outro modo é fazer papel de doente. Ajuda muito. Neste filme Mathew faz as duas coisas. Oscar com certeza. Bruce Dern está muito melhor. Mas Mathew emagreceu.
   Sobre Jared nem dá pra falar. É uma atuação Ok. Nada mais.
   O diretor, Jean-Marc Valée tem um filme soberbo: CRAZY. Este não é nem bom nem ruim. Parece um daqueles telefilmes que se fazia nos anos 80. T.Rex fecha o filme. É a melhor coisa. ( Aliás parece que o mundo afinal começa a perceber que o glitter foi o auge do auge ).
  Quero dizer também que críticos de cinema da Folha estão de dar dó! O cara escreveu que o filme se passa nos anos 70!!!! Arre égua! É 1984/85 bocó!!! Quero deixar claro que gosto de Mathew. Mas há um erro em tanta festa. Vão estragar o melhor ator de comédia romântica que há.

O QUARTO E O MUNDO

   Olhando o teto do quarto ele via no branco um mundo sem palavras possíveis. Para que sair de lá se a aventura acontecia sem cessar? Os amigos da escola gritavam seu nome, mas ele se deixava ficar. No tapete bonecos interpretavam papéis sem enredo. Improvisos. Seus desenhos pintados com lápis colorido era testemunhas do mundo que ele criava. Da janela descia o lusco-fusco do outono, pálido, ele ficava tão pálido quanto o sol daqueles dias. O chá era tomado enrolado nas cobertas úmidas. Da luz amarelada da noite mal iluminada ele via as sombras de seu futuro. Lá tudo tinha sentido exatamente por não precisar de um sentido.
  Hoje ele diz que toda sua vida foi a extensão daquele quarto. Ele o levou para o mundo de fora. Isso ele diz. E agora, velho, ele volta ao quarto fisicamente. E vive.
  Toda aquela geração foi da rua. O espaço ainda era livre e mato havia onde. Pete, Paul, John, Eric, Rod, Roger, Raymond, todos saíam de casa cedo e voltavam sujos e machucados de noite. Exploravam as ruas, os bairros, se perdiam em bosques e trilhos de trem. Compensavam a monotonia das casas germinadas, o tédio de um mundo sem TV com aventuras vividas nas ruas sujas e cheias de garotos como eles eram.
  David não. David Bowie, fico sabendo agora, vivia em seu quarto, e nisso ele antecipa ( oh David!!!! Mais uma antecipação!!! ), toda a geração anos 80, a geração, a minha, trancada no quarto, a geração Morrissey e Robert Smith. Com uma diferença: Bowie criava, Morrissey amava seus mitos e sofria.
  Não sei se fui um garoto do quarto. Eu variava tanto de humor que acho que tive anos de quarto e anos de rua. Nisso sou mais Pete Townshend que foi também os dois. Aos 15 passei meses ouvindo Mozart, Beethoven e lendo romances russos e ingleses sem quase sair de casa. Inclusive larguei a escola. Mas aos 16 estava na rua jogando bola, muito mal, e andando a esmo pelas ruas e aparecendo na casa de amigos a meia-noite. O mesmo na infância.
  Na verdade se eu fosse um artista eu diria que o que levei comigo para o mundo foi meu bairro, as ruas onde nasci e cresci. Meu quarto tinha nove quarteirões e um campo sem fim.
  Quanto mais conheço Bowie mais o admiro.

Julie Christie sings in "Far from the Madding Crowd"



leia e escreva já!

LONGE DESTE INSENSATO MUNDO- JOHN SCHLESINGER...E JULIE, ALAN, TERENCE, PETER, NICK...

  Deve ter sido interessante. Os bastidores deste filme, de 1967, tiveram as presenças da agitada Julie Christie, que era então a grande nova estrela do cinema inglês, recém vinda de Dr. Jivago, Terence Stamp, símbolo sexual e participante ativo da cena swinging London, Peter Finch, grande ator e homem atormentado, o diretor John Schlesinger, mais interessante cineasta jovem e que faria na sequência Perdidos na Noite. Ainda temos Alan Bates, meu ator favorito da época. O diretor conseguiu administrar tantos egos e ainda entregar ao público um grande filme. Que foi perseguido pela crítica de então. Why?
  Schlesinger vinha de filmes ousados em termos de tema e de técnica. Aqui ele faz um filme mais clássico, ao estilo Carol Reed, isso deixou críticos perplexos. Um tipo de preconceito que se repete até hoje. O diretor jovem faz um filme que homenageia seus mestres e críticos acham que isso é uma traição. Pff...
  Thomas Hardy escreveu o livro em que o filme se baseia. Fala de uma bela viúva que tenta administrar sua fazenda. Enfrenta o clima, a doença que ataca as ovelhas, desastres. É ajudada por um ingênuo agricultor, papel de Alan Bates. Ele rouba o filme. O simples e eficiente trabalhador que ele faz traz em si toda a mensagem do filme. Ele se sente traído várias vezes, mas é persistente, trabalha pela viúva e fica firme em seu propósito. Terence Stamp faz um vaidoso soldado. Ele aparece no lugar e fácilmente seduz a viúva. Seu modo é todo sexualizado. Mas ela descobre que ele a trai e em sua cena final descobrimos sua humanidade. Ele carrega o corpo de sua amante e depois se entrega a morte. Stamp era um grande ator que se deixou destruir pela fama. Hoje, após longo tempo, é conhecido outra vez por pequenos papéis exóticos. 
  Peter Finch faz um rico dono de terras, mais velho e um grande chato, que se casa com a viúva. Logo descobre que ela não o ama e humilhado se mata. Com toda essa melodramaticidade, Finch mantém a fleuma, frio, ele decai. Uma cena belíssima.
  A fotografia do filme, de Nicholas Roeg, é das mais belas do cinema. Longos campos, sol e névoa. verdes intensos. E temos a trilha sonora estupenda. Inclusive com uma soberba canção folk interpretada em cena de sonho.
  Por fim Julie Christie, nunca mais tão bela. Leva o filme nas mãos. Uma estrela que nunca ligou para o estrelato e que abriu mão dessa posição alegremente.
  Um grande filme. O final é inesquecível.

HORAS ITALIANAS- HENRY JAMES, UM TURISTA ESPECIAL

   Impossível ler esse livro, coletânea de textos sobre viagens a Itália escritos por James entre 1877 e 1890, sem pensar no quanto mudou nossa noção do que seja um turista. James reclama muito das invasões que alemães e belgas promovem em Veneza e Firenze, mas o que esses homens de 1880 procuravam? Quem esteve na Europa neste século sabe que lá existem coisas chamadas Estações de Águas. Pois era isso o que o turista mais banal queria naqueles velhos tempos, um clima melhor para passar o inverno, águas medicinais e também poder conhecer gente diferente, exótica. Os italianos eram, com os espanhóis, os grandes exóticos europeus. As pessoas iam a Roma para usufruir do calor, conhecer esse povo tão romântico e claro, ver o Papa. 
   Henry James é um turista culto. Ele se encanta com a elegância dos venezianos, se empolga com a decadência glamurosa do país e comenta a pobreza da Itália. Mas o que ele quer é a arte, e em arte a Itália é berço e mãe. Giotto, Ticiano, Bellini, Tintoretto, Henry James escreve belas páginas sobre a arte nobre, etérea, incomparável dos mestres latinos. Nisso somos hoje como ele foi. Pessoas mais cultas ainda vão a Itália para ver Giotto ou Rafael, pessoas comuns vão para fazer compras e comer. 
   Não há em 1880 essa moda de comprar aquilo que só o país tem. Vinhos ou massas da Itália são apreciados, mas ninguém viaja por isso. E o hábito do restaurante ainda era só para gourmets. Se comia fora, mas não era algo de muita importância. Flanar a pé, vendo as casas e as pessoas, sendo visto e cumprimentado, essa era a experiência central. Isso se perdeu, poucos se dão a chance de andar a esmo por Roma ou Milão, cidades que existem para serem andadas. Mas as obras, as mesmas que James viu e amou ainda estão lá, e alguns ainda percorrem milhas e milhas para as ver.
  Apaixonado por Veneza, a lúgubre e decaída cidade, James escreve, em seu estilo de longos parágrafos elípticos e musicais, três capítulos sobre Veneza, centro e sabor do livro. Eles nos levam para dentro da mente do autor, a seus sentidos e gostos. 
  Mestre central das letras, é um prazer raro poder ler um gigante escrevendo sobre assunto inesgotável. A Itália é para sempre, Henry James a acompanha.

NEBRASKA, UM FILME DE ALEXANDER PAYNE

   Primeiro: O quanto perdemos com o fim do preto e branco. O preconceito fez com que muitos perdessem o dom de saber apreciar a sutileza da ausência da cor e da presença dos contornos e sombras. Preto e branco é o cinema mais cinema. Quem ama essa arte tem amor pelo p/b porque 80% dos grandes filmes foram feitos em p/b. 
  Segundo: Andei reclamando das trilhas sonoras. Elas apelam para canções pop ou não conseguem criar um tema que gruda, que fica. Aqui temos um belo tema. Complementa as imagens e leva os atores. 
  Atores: Payne sempre foi bom. Aqui ele é grande. Ele faz algo cada vez mais raro, dá tempo e espaço aos atores. Vemos o desenvolvimento de uma personagem. De várias personagens. Sutilezas. Silêncios. E humor. O filme é um céu de melancolia. Mas a gente ri muito. Duas vezes.
  Alexander Payne não tem medo de fazer em 2014 um filme que é em tudo anti 2014. Não é colorido. Tem só gente feia. Nada de chocante. Sem canções gracinha. Nada denuncia. Cinema como se fazia em 1973. O foco não é naquilo que acontece. O foco é na pessoa. 
  São perdedores. E o ambiente é desolador. A imensa América que é um vazio. E uma ambição que é uma patetice. Mas eles se movem. Viver, na América, é se mover.
  Grandes cenas. A TV na sala, o roubo, o encontro com a dona do jornal. O filme tem sempre um porque, não se perde, não se estica. É exato.
  Bruce Dern foi o mais hippie dos atores. Da turma de Jack Nicholson. Fez filmes com alguns mitos: Hawks e Hitchcock. Cara conhecida nos anos 70. Mas nunca um astro. Um coadjuvante. E sempre forte, duro, diferente. Aqui um show. Como o filho, feito por Will Forte também dá um show. O filme é deles.
  NNa força da paisagem sem fim, nos rostos marcados, na estrada, no bar, Alexander Payne faz, finalmente, sua aguardada obra-prima.

B DE BUNDA, B DE BRASIL, B DE BANDIDO E B DE BRAHMA E BOLA

   Hordas de barracas atravancam as ruas vendendo lixo: bonés tortos, rádios já quebrados, relógios que atrasam, perfumes fedidos. Ervas suspeitas, fumo seco, tênis descolantes. As ruas são sujas, ninguém imagina que elas possam ser lavadas, só a chuva as molha. Árvores doentes tentam crescer na fuligem e no cimento que as estrangula. Papéis voam e enormes crateras se abrem a cada semana. Bandos de motos berram por entre os carros e ônibus bamboleantes carregam corpos amassados que suam aos litros. Os olhares se cruzam hostis. Imensas bundas espremidas em calças claras se intrometem no campos de visão. Rostos cheios de espinhas e precoces papadas se orgulham das bundas empinadas. Carne gordurosa exposta em açougues ao sol e as moscas. Dobras sobram na camiseta transparente, manchas de gordura do churrasco asqueroso.
  Na rua dita chique, rachaduras e canteiros secos. A falta de espaço por entre as saídas de carros e as mesas que atravancam. Os turistas sorriem da estranha exoticidade daquela vida pretensiosa e pobre. Pobres habitantes de classe média fecham as janelas e aumentam o som fazendo força para se crer educado e superior. No batincum vulgar de sons "de primeiro mundo"sonham com a loira de Miami e a casa da Riviera. Bebem a pior das gasolinas e votam nos piores dos piores. Mas são chiques, muito chiques.
  Nas lajes se come carne de quinta e se bebe cerveja aos ectolitros. Crêem que o país é original, único, de Deus, foram bem treinados, domesticados, jamais civilizados. Um cara é morto na esquina, a policia não policia só sabe punir e os professores matam o tempo em meio a falta de interesse geral. 
  O presidente manda, o povo aceita, e quem tem alguma visão se envergonha. O país tem carnaval com bundas, funk com bundas e cerveja com bundas. Mas não tem mais nada, nada. 
  Ele paga o imposto, imenso e cruel, por 40 anos e tudo o que esse imposto lhe deu em troca foi uma máquina para poder votar com rapidez. Porque hospital, escola, luz, água, aposentadoria, tudo ele precisou pagar a parte, em particular. O que o país lhe deu? Cinco copas, cinco copas e cinco copas. 
  Estádios banais, com arquitetura que já está ultrapassada crescem em terrenos mal escolhidos. Metrôs atrasam, trens quebram, ônibus se incendeiam, carros levam balas. Nos protestos nada se pede, se destrói. A proposta é acabar com bancos, com carros e com palácios. A policia bate, os caras batem e quebram e a gente vê...
  Rodovias são inauguradas já velhas, rios são secos e matas invadidas. 
  A beleza do Brasil é só aquilo que o homem não fez: mar, mata e rios. O que o homem fez nada vale, não temos museu, nem cidades lindas, nem monumentos nem nada, Posso dizer que aquilo que Deus deu nós destruímos.
  Mas tem bundas e cerveja.

Lawrence of Arabia - Main Theme - Maurice Jarre



leia e escreva já!

Summer of 42 - Jennifer O'Neill / Music by Michel Legrand



leia e escreva já!

PARA ONDE FORAM AS BOAS MÚSICAS DE CINEMA?

   Alguém pode me dizer o que aconteceu com a arte da trilha sonora de cinema? E mesmo da TV? Eu estava agora vendo uma prova de patins e um dos concorrentes usou a maravilhosa trilha de East Of Eden, filme com James Dean. Outros usam trilhas de filmes com 40, 50 anos...O que houve? Voce consegue lembrar da trilha sonora de Avatar, Harry Potter, Os Vingadores ou Homem Aranha? Falo de sucessos imensos, se falar de filmes menores a coisa piora. Eu adorei A Grande Beleza, mas não recordo da trilha. Ah sim, podemos dizer que adoramos uma canção usada num filme, mas isso não é música de cinema!
   Pessoas usam e recordam as músicas de Superman, De Volta Para o Futuro, E O Vento Levou ou de O Poderoso Chefão. Nino Rota com Fellini, todo mundo lembra. As trilhas da Pantera Cor de Rosa, de James Bond ou de Butch Cassidy, Tubarão e Spartacus. Alguém lembra do tema de Erin Brockovich? Mas não existe quem não identifique os temas de Elza em Born Free ou de Lara em Dr. Jivago.
   O que aconteceu? Mesmo Duro de Matar tinha uma trilha sonora identificável, assim como Rambo ou Rocky, mas onde a trilha de Homem de Ferro? 
   Uma arte que se perdeu?

O QUE É A BELEZA

   Pessoas infelizes perdem o senso de beleza. A tristeza pode ser bonita, mas a infelicidade não consegue reconhecer esse fato. Algum psicólogo deveria estudar isso. A capacidade de perceber o que é belo pode salvar uma vida. Mais que isso, salvar um povo.
  Pintores são os divulgadores daquilo que seu tempo pode ver. Se Giotto pintava a pureza de anjos em paredes de igrejas pobres, isso se devia a capacidade de seu tempo em perceber anjos em cada manhã. E se Monet via movimento e cor como tudo que existe no mundo, era porque seu tempo tomava a consciência de que tudo era velocidade e fugacidade. Os artistas percebem antes. O Zé da esquina só notou isso 50 anos mais tarde. Cézanne lutou contra isso. Sua obra é uma tentativa de parar o que se move. 
  Pollock viu que tudo é uma energia nervosa e que na verdade a vida é desfeita. Um ato aleatório que espiritualmente faz sentido, mas esse sentido nos escapa. O Zé só começa a perceber isso agora, sessenta anos depois. Warhol viu nos supermercados nossa nova igreja e nosso museu. Acertou na mosca. Mesmo que hoje a arte pareça esquecida, sua mediocridade é ainda testemunho relevante da futura hiper-mediocridade dos Zés. 
  Porque o artista percebe antes. Bowie brincou em 1972 de artista Pop e em 2014 todos são Bowie ( produzidos, calculados, frios, profissionais, atores ). Assim como Welles percebeu antes que o cinema era arte do ego do diretor e Shakespeare sentiu que a escrita podia ser um campo de guerra entre o eu e o anti-eu.
  A beleza se faz em todos eles. Sem o maravilhamento, mesmo que brega, mesmo que rápido, não se faz nada que permaneça. O que mais nos deixa aturdidos é quando percebemos a beleza da tragédia. 
  O senso do belo, sei disso com absoluta certeza, nasce na infância. E não por se crescer em lugar bonito, ou ter a sorte de ser feliz e amado. Mas quando temos tempo para ver. Na infância, quando deixados em paz, entregues a nós mesmos, vemos um mundo inteiro numa tarde de marasmo, intuimos a poesia numa manhã de calor, criamos uma lenda entre pedras e panos velhos. Cheiros, cores, ruídos, tudo é novo e tudo se fixa em mente vazia e virgem. Se não somos perturbados por horários, barulho e pressão, criamos a certeza da beleza. Ela se afirma e existe para o resto da vida.
  Em Sochi, nesta Olimpíada de Inverno, vive beleza para quem a conhece. Uma suiça que desce em seu snowboard e erra tudo. O rosto com um olhar que é mais triste que morrer. Os olhos não conseguem ver, ela vira a face para o chão, a boca se contrái, os cabelos parecem dizer: Eu errei. Eis a beleza se dando para ser notada por quem a conhece.
  Foi John Keats quem falou que uma coisa bela é uma alegria que dura para sempre. Mais que isso. Uma coisa bela nos faz viver para sempre.

Visage - The Damned Don't Cry



leia e escreva já!

The xx - VCR



leia e escreva já!

FESTIVAL INDIE: THE XX

Eu não sei se eu não gosto ou se reprimo as lembranças. Não sei se gosto ainda, ou se é um tipo de querer ainda gostar. Na verdade nem sei se foi de verdade ou se foi tudo mentira.
Um festival INDIE. Indie? Existe? Indie era coisa de bandas que ninguém conhecia e que os fãs pegavam a missão de lhes dar suporte. Com internet tem indie? Bom.......
The XX. Se fosse em 1982 seria uma novidade. Novidade dentre muitas porque em 1982 The XX seria parte de um bando. Em 1982 meu irmão, que sempre foi moderno, gostou de bandas iguais ao The XX. Por dois meses. Eu descobri o som dos XX em 1984, aquele ano mágico em que fui radicalmente moderno. E vamos dizer a verdade, para estar dentro dos XX é preciso ter 20 anos.
Mas eles, se em 2014 eu tivesse 20 anos, eu gostaria dos XX? Como saber? Nascido em 1994 eu não seria eu. Como saber?
Vejo um tipo Alison Moyet. Vejo um tipo Vince Clark. E vozes que cantam aquilo que cantei em invernos de amor vampiresco. Ah!! A sedução das peles brancas e dos lençóis gelados! A esquálida e impotente beleza do assexuado!
Volta a questão: eu ainda amo esse mundo frio? Ou ver XX é como ver um velho desenho da Hannah Barbera? Mark Almond, Siouxssie, Visage, oh doce desbunde sem vida! A timidez de amores contidos em redomas de papel de seda!
Para gostar de XX é preciso ter vinte anos e não ter visto a verdadeira beleza. Porque em 1984 eu nada sabia e brincava, como criança asmática, de ser belo. Tanta coisa depois o XX é somente uma fotografia viva em minha memória.
Triste sina da música indie: Ser uma Nova Memória...

HER/ MICHAEL CAINE/ BILL NIGHY/ ROBERT REDFORD/ TIO BOONMEE

ELA/HER de Spike Jonze com Joaquim Phoenix, Scarlet Johanssen
Sei lá. Nem lembro mais. É alguma coisa sobre um cara que se apaixona por uma voz. E essa voz, que vem de um PC, quer ser real. Mas não se anime, nada de profundo, nada de belo, nada de funny. A coisa depois de meia hora fica beeem entediante. Nota 3.
QUESTÃO DE TEMPO de Richard Curtis com Domhnall Gleeson, Rachel McAdams e Bill Nighy
Curtis fez a fama com o roteiro de 4 Casamentos e um Funeral. Depois disso começou a dirigir. Vi tudo o que ele fez desde então. Ele não tem um só filme ruim, mas também todos são frustrantes. Curtis ocupa uma região estranha, ele faz cinema clássico, mas com ideias teen. Aqui um adolescente timido descobre que pode voltar no tempo. É um dom dos homens da familia. Isso faz com que escolhas sejam feitas, escolhas duras. O filme não escolhe nada: não é comédia e nem fantasia. Temas fascinantes são tratados com rapidez. Well...Rachel é excelente, uma atriz com cara de gente. E eu adoro Bill Nighy! Os bons momentos são todos com ele. Nota 3.
TIO BOONMEE, QUE PODE RECORDAR VIDAS PASSADAS de Apichatpong Weerasethakul
Este estranho filme tailandês ganhou a Palma em Cannes em 2008. Dificil entrar nele, a barreira cultural é enorme. Fala de um homem que ao morrer, na agonia, recebe visitas de espíritos. Eles podem ser recordações de suas outras vidas. O filme é assustador. Morte e alma são tratados com absoluta naturalidade. Esquisito.
O ÚLTIMO AMOR DE MR.MORGAN de Sandra Nettelbeck com Michael Caine, Clemence Poésy, Justin Kirk e Jane Alexander
Quando estrear por aqui, fuja! Um homem velho, rico, viúvo inconsolável, se aproxima de uma jovem professora de dança. Nada de romântico entre os dois, mas ela o cativa. O filme é de um vazio irritante! Pra que fazer isso? Caine está assustadoramente velho...pena....Nota 1.
ATÉ O FIM de J.C.Chandor com Robert Redford
Redford, o querido Redford, ganhará mais um Oscar? ( Tem um de diretor ). O filme é surpreendente! Acompanhamos, detalhe por detalhe, a luta de um homem a deriva no oceano. Seu barco está danificado. Nada de trilha sonora, nada de vozes, só o som do mar e a ação do homem em meio a ondas, sol, cordas, reparos, comida em lata e solidão. Não deixa de ser o mesmo tema do filme com Sandra Bullock. Mas é um filme cansativo. Longo. muito longo. E estranhamente sem suspense. Nota 5.

RUSSOS

   Sochi 2014 me faz pensar. E lembrar. Os americanos e seus filmes fizeram com que a gente pensasse nos russos como frios e calculistas. A KGB e Stálin ajudaram. Mas eles nunca foram assim. E não adianta fazer filme de máfia russa. Pensar que o caráter russo é esse é como achar que todo americano é John Wayne ou que todo brasileiro é bicheiro. Aprendo que eles são eslavos, nem europeus e nem asiáticos. E que o que define um eslavo é o fatalismo e o sentido familiar. Familia: se voce é bisneto de alemão, não importa onde nasça, voce é um alemão. Sua nacionalidade não é dada pelo chão onde voce pisa, mas sim pelo sangue de onde voce brotou. Fatalismo não é melancolia ou pessimismo. Também é mas é além. Fatalismo é saber que o que é sempre há de ser.
   Minha amiga Eliana Llorca me ensina que no mundo só existem duas línguas que vivem essa mania do diminutivo: o português, com suas mãezinhas, barquinhos e Paulinhos, e o russo, que se trata por irmãozinho, patriazinha e amorzinho.
   Houve um tempo em que eu amava a Rússia. Tempo frio ( que saudade do inverno! ), em que Dostoievski e Pushkin me pareciam mais próximos que Machado ou Lima Barreto. Mas tinha mais, tinha Rimsky-Korsakoff, Tchaikovsky e Prokofiev. ( Tolstoi só descobri adulto ). Tinha a bio de Tchaikovsky de Ken Russell ( uma visão inglesa sobre a Rússia ). Eu amava o fatalismo russo, o frio escuro, o exagero da dor. Um russo não sofre, ele uiva, um russo não ama, padece de amor. Mas a ideologia estragou tudo. Os comunistas, logo descobri, eram tão fanáticos que tratavam a Rússia como o Eden na Terra. A Rússia virou uma máquina, um relógio perfeito. O povo era soldado. Esqueci da velha mãezinha russa.
  Russas, as meninas russas, são especiais. Porque são tristes e submissas como as mamães de 1900, são duras como as operárias de 1920 e tentam ser modernas como as americanas de 1980. São russas, variam entre a camponesa e a estrela do Bolshoi.
  Planícies imensas onde o gelo e a lama se confundem. Um passado.

The Who live at the Isle of Wight Festival 1970



leia e escreva já!

The Who - Baba O'riley (live Keith Moon)



leia e escreva já!

PETE TOWNSHEND, A AUTOBIOGRAFIA

   Pete é um solitário. Mesmo casado por 24 anos, filhos, banda, fãs, ele sempre foi um homem só, e muito consciente disso. Na verdade ele sempre amou a solidão. Individualista, egocêntrico, mas nunca vaidoso, Pete é um complicado. Em 50 anos de banda ele nunca conseguiu se sentir um dos caras. Em 50 anos de rock, nunca se sentiu como um cara do rock. Sempre fora, um casado que tinha casos e se sentia culpado, um pai distante, rei dos palcos que logo se cansou de tocar. Insatisfeito. sempre.
 Termino o livro e falo aqui da segunda parte ( a primeira está abaixo ). O auge foi em 69/71, depois disso, a lenta decadência. Lendo notamos que The Who sempre foi palco, os discos eram secundários. Ou não? Pete é um workaholic. Composições para teatro, filmes, solo, banda, produtor. Em 1970 ele começa a lidar com música eletrônica. Um projeto, Lifehouse, imenso, ambicioso, que acaba por dar em nada. Faz palestras sobre o novo som ( é visto por Eno, que sente na palestra qual seu futuro como um não-músico ). Pete trabalha pela música do futuro, música programada, aleatória, ou livre. Quadrophenia surge como um novo Tommy. Ele fala das várias versões de Tommy, do sucesso de Tommy nos palcos. Os anos 70. A loucura exagerada, as brigas com Keith Moon. A morte do baterista louco, Pete não disfarça, a morte de Moon foi um alivio. 
  Os anos 80. Pete se liga em Clash, Jam, Specials. Mas acontece com ele o que amaldiçoou toda a época: cocaína, bebida, ego. Albuns solo, excursões em o Who. Roger Daltrey surge no livro como um herói. Pete sem querer lhe dá um perfil muito admirável. O cara íntegro, apaixonado pela banda, lutando para a manter forte. Um grande cantor, um conquistador, um cara legal.
  Pete se torna editor da Faber, a mítica editora de TS Eliot. Convive com Pinter, Ted Hughes, Byatt. O livro se fecha em sua vida fora do rock. Livros, familia, Broadway. E neste século, enfim, a volta do Who. E a acusação de pedofilia.
  Pete Townshend seguiu Meher Baba, fez terapia, casou, foi pai, escreveu algumas das melhores músicas do século XX. Fã de Kinks e Stones. Livre. Um homem que se diz feliz, finalmente feliz.

The Who - I Can See For Miles - "Twice A Fortnight" (1967)



leia e escreva já!

The Who Substitute I Can't Explain 5 18 66



leia e escreva já!

SEM SEXO, SEM DROGAS E SEM ROCK`N`ROLL....PETE TOWNSHEND, UMA BIOGRAFIA PARA QUEM NÃO GOSTA DE ROCK

   Ando lendo a Bio de Pete Townshend. É a menos rock`n`roll de todas, muitas, que li. O oposto de Keith Richards, pois ao contrário de Keith, Pete viu tudo com clareza, e viu de fora, viu muito. E em oposto a Rod Stewart, Pete não tem humor, não ama verdadeiramente os blues e sua atração por mulheres equivale a paixão por roupas e por moda. Pete chega a falar que desejou ir para a cama com Mick Jagger. ( well.... quem em 1967 não quis? ).
   O centro da vida de Pete é a arte, mas a Arte. Enquanto todos pensam em sex. drugs e rocknroll, ele pensa em neurose, jazz e pintura. Quando ele fala de música, Pete fala de técnicas de gravação, novos amplificadores, novos tapes. Sua abordagem é científica. Ele inventava coisas, feedback, volume, fitas, loops. E era parte do Who, uma banda que ele sentia como performance e não como música. O Who era um campo de provocação, um ato de arte desafiadora. Não ato de amor, ato de arte. De certo modo eles fazem aquilo que o Velvet fazia em NY e que Bowie faria mais tarde, Rock usado para um fim, rock feito de fora e não de dentro. Uma linguagem aprendida e não a coisa tipo "rock é minha vida".
  Ele cresceu em meio a pais artistas. O pai era músico de jazz, a mãe cantora. Boa situação material, desleixo em carinho. Os pais brigam e ele é dado aos 6 anos a uma avó. Promiscua e doida. Sádica. Ela dava para todo caminhoneiro de Londres. O menino via. Tímido, ele volta após dois anos para os pais. Que continuam a trair um ao outro. Entra numa escola de arte, estuda pintura, adora Charlie Parker, Ella e Billie. Aos 15 anos conheceu o movimento mod. Jovens estilosos, vaidosos, com ternos, gravatas, lambretas, sapatos italianos, écharpes de seda. Esses caras ouvem R and B: Sam Cooke, Marvin Gaye, Pickett. Pete toca guitarra, mas sua paixão é o design moderno, arte performática, as provocações de galeria. Perto de Pete, Keith, Lennon ou Eric são analfabetos. Mick não. Pete é fã dos Stones. Os Stones têm visual, androginia, são provocativos e sexys. Mas sua banda favorita são os Kinks. Pete considera Ray Davies um igual. Perversos, estilosos, afeminados, agressivos. Novo modo de ser: delicados desafiadores.
  Pete entra para o Who convidado por Roger Daltrey. Ele não conhecia ninguém da banda. Eles precisavam de um guitarrista e ele conseguiu o lugar. Simples assim. Nada de amizades de infância. Os 4 mal se conhecem. Roger é briguento e anda com marginais. Tende a resolver tudo na briga. Quer uma banda de rock. Pete é delicado e complicado. Quer fazer arte. John Entwistle bebe muito e faz piadas. Muda o modo como se toca baixo no mundo do rock. E há Keith Moon, que é louco. Ele é o foco de tensão na banda. Fã de surf music, Keith só quer festejar. E beber. Falta ensaios, leva soco na cara de Roger ( que mal o suporta ), ameaça sempre sair da banda, um chato escroto....só que adorável na bateria. O melhor, o mais original, descontrolado e o maior carisma do grupo.
  Eles se tornam mito entre o público undergound da Inglaterra. E logo estouram com seu primeiro single, I Cant Explain. A vida de Pete muda ao ser procurado por um bando de desajustados que lhe diz que "ele fala aquilo que eles não conseguem falar". Pete Townshend será o porta voz dos desajustados.
  E chega a era da psicodelia. Townshend toma ácido, mas não perde o poder de observar. Descreve a coisa melhor que qualquer outro. Sua apreciação de Pet Sounds e de Sgt Peppers é ferina: São grandes discos, mas sem nenhum legado. Nada comentam sobre o mundo real, nada falam de relevante socialmente, e não apontam nenhum futuro. São belos, porém estéreis.
  Estou lendo essa época. 1967. Página 100.  Lançando Sell Out, o disco com anúncios. Pete cheio de grana, com namorada, andando pela noite com Clapton, vendo Hendrix no palco, escutando música erudita e jazz, pensando em pintura. Roupas. Cenários. Design. Infeliz.
   Um livro fascinante.

The Kills, Live from Abbey Road, Goodnight Bad Morning



leia e escreva já!

What? trailer for Roman Polanski film



leia e escreva já!

MOMENTS THAT MADE MOVIES- DAVID THOMSON

   Com a morte de Pauline Kael, Thomson é considerado o melhor critico de cinema vivo. Mais que isso, ele é considerado um grande escritor. Seu texto é elogiado por gente como Michael Ondaatje e Benjamin Schwartz. Já lançou livros sobre E O Vento Levou, A História de David O. Selznick e um dicionário sobre filmes que poucos viram. Aqui, em livro rico em fotos, ele traça um panorama das cenas que o impactaram em filmes. Deixa claro, como qualquer pessoa séria faria, de que não são as melhores ou as mais importantes cena, são aquelas que ele sentiu vontade de escrever sobre neste momento. O que não impede que muitas delas sejam as melhores, claro.
  Existem textos excelentes sobre RASTROS DE ÓDIO, AURORA, M, A CARTA, THE RED SHOES E THE RIVER. O diretor com mais filmes é Hitchcock, com 3, e não há nada de Woody Allen, Clint Eastwood, Almodovar ou Spielberg. Os maiores elogios são para Tokyo Story de Ozu, mas ele tembém se esparrama em odes soberbas a A RODA DA FORTUNA e O PASSAGEIRO. Aliás, cometi um erro, Antonioni tem O ECLIPSE, BLOW UP e O PASSAGEIRO. Três como Hitch.
  A lista é deliciosa, e ela me faz tentar uma lista também ( na verdade mais de uma )...

  FILMES MAIS ALEGRES, aqueles que te tiram de qualquer deprê mata monstro
  SETE NOIVAS PARA SETE IRMÃOS de Stanley Donen
  SHALL WE DANCE! de Mark Sandrich
  HATARI! de Howard Hawks
  LEVADA DA BRECA de Hawks
  AS FÉRIAS DE MONSIEUR HULOT de Jacques Tati
  NO HOTEL DA FUZARCA de Irmãos Marx
  AFRICAN QUEEN de John Huston
  INTRIGA INTERNACIONAL de Hitchcock
  BEIJOS ROUBADOS de Truffaut
      Vale aqui repetir o que diz Thomson, o século XXI não sabe mais fazer filmes alegres. Existem engraçados, irados, tristes e desesperados, mas não alegres.

  FILMES MAIS TRISTES, todo filme ruim é triste, principalmente quando ele se acha genial. O que falo aqui são so tristes E geniais. Mas todos devem ser evitados pelos deprê.
  UMBERTO D de Vittorio de Sica
  O INTENDENTE SANCHO de Kenji Mizoguchi
  GRITOS E SUSSURROS de Ingmar Bergman
  VIVER! de Kurosawa
  UM BONDE CHAMADO DESEJO de Elia Kazan
  STALKER de Tarkovski
  LADRÕES DE BICICLETAS de Vittorio de Sica
  PARIS TEXAS de Wim Wenders
  HIROSHIMA de Alain Resnais
  O RETRATO DE JENNIE de William Dieterle

  FILMES MAIS CHICS, são aqueles que dão aulas de etiqueta, de glamour, de ambiente. Festa para os olhos, mas também para os ouvidos. E são sempre muito inteligentes!
  FUNNY FACE de Stanley Donen
  ALTA SOCIEDADE de Charles Walters
  MY FAIR LADY de George Cukor
  CHARADA de Stanley Donen
  ROMAN HOLIDAY de William Wyler
  RED SHOES de Michael Powell
  ORFEU de Jean Cocteau
  O SOL POR TESTEMUNHA de René Clement
  LIGAÇÕES PERIGOSAS de Stephen Frears
  INTRIGA INTERNACIONAL de Hitchcock

  OS FILMES MAIS BONITOS DE SE OLHAR. Acho que não preciso explicar.
  AURORA de Murnau
  L ATALANTE de Jean Vigo
  O ROSTO de Ingmar Bergman
  ...E O VENTO LEVOU de Victor Fleming
  OITO E MEIO de Fellini
  MADAME DE... de Max Ophuls
  RAN de Kurosawa
  THE RIGHT STUFF de Philip Kauffman
  CONTOS DE HOFFMAN de Michael Powell
  O BOULEVAR DO CRIME de Marcel Carné

  OS MAIS ERÓTICOS. Não os mais pornôs, pois ponografia é empaturramento e erotismo é ser um gourmet.
  O filme mais erótico que já vi não tem uma cena de nú. é JUVENTUDE, de Bergman.
  Os demais...
  A CHAVE de Tinto Brass
  WHAT? de Roman Polanski
  HISTÓRIAS QUE NOSSAS BABÁS NÃO CONTAVAM com Adele Fátima
  MEMÓRIAS DE CASANOVA de Luigi Comencini
  PECADO VENIAL com Laura Antonelli
  RIO BABILÔNIA de Neville Dalmeida
  Qualquer filme com a jovem Jessica Lange.
  ARIELLA  com Nicole Puzzi
  Qualquer filme com a jovem Ludivine Sagnier

      Claro que todas essas listas podem mudar. Mas algumas escolhas são para sempre. Como diz Thomson, o cinema é uma janela para fora que reflete aquilo que vive dentro. Um espelho. Falar de um filme é revelar quem voce é e aquilo para onde voce vai.
  
 

FAZ CALOR

   Alguns dias de calor excessivo e toda a nossa vida se modifica. O ar-condicionado, a irritação aumentando, a água acabando, a geladeira cheia, as roupas suadas, os banhos a mais. Dormir fica dificil. Somos bichos frágeis, é fácil nos deixar em miséria, um pequeno desequilibrio e tudo muda.
   E se tivermos dois anos seguidos de seca? E se cada um dos verões, de agora para sempre, forem cada vez mais quentes? Ora, desde 1943 não era tão quente! Em 1943 foi quente como agora, pois! Mas se a gente pegar os dez verões mais quentes nos últimos cem anos, nove são de 1990 pra cá. Daí a coisa pega. Sim, o clima muda e a culpa não é toda nossa. Precisamos de 20 graus, e com pouco mais, pouco menos já ficamos no desconforto. Nosso mundo de 20 graus existe a pouco tempo, e ele tem um momento para acabar. Nossa culpa é estarmos apressando o processo, que é irreversível. Nossa culpa é não unir esforços para adiar a coisa.
   Entenda, não é exatamente que o mundo vá acabar. Na idade média ele era bem mais frio e mesmo assim a coisa andou. O que deve acontecer é que as regiões habitáveis vão diminuir. Muito instável ao norte e muito quente ao centro. E um monte de plantas, corais, peixes, anfibios irão pras cucuias. A cultura do trigo tende a cair, assim como a cevada, o centeio e a aveia. Pão de soja é o futuro. E milho. Espero que desistam da carne, afinal.
   A gente faz o possível para ignorar mas precisamos de um ambiente muito bem protegido. Tá calor pacas! E eu bebo água e me irrito fácil. E de madrugada espero esfriar para poder dormir.
   Chegue logo inverno e me dê o conforto de seus vinte graus.