Rod Stewart - Mandolin wind (live).avi



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GASOLINE ALLEY- ROD STEWART ( MULHERES, VIOLÕES E CHEIRO DE GASOLINA )

   Em 1970 Rod Stewart vinha marcando passo como uma jovem promessa que não conseguia estourar. Este é seu segundo disco solo e sómente em 1971 ele subiria ao topo com Maggie May, das poucas canções inglesas até 2012 a ficar em primeiro lugar na Inglaterra e nos EUA ao mesmo tempo. ( Muitos ingleses foram top nos dois países, mas não ao mesmo tempo. Como exemplo da época, Rocket Man de Elton John foi top 1 nos dois países, mas foi primeiro na Inglaterra em fevereiro de 1972 e nos EUA em agosto do mesmo ano ). Gasoline Alley é então o segundo disco de Rod a não dar certo. Paralelamente ele seguia nos Faces, banda que nunca deu certo em tempo algum ( falo em termos de vendas. The Faces eram do cacete!!!!! )
   Alley abre com a faixa Gasoline Alley e já arrepia em coisa de dois segundos. É violão e uma slide-guitar, puro clima de ruela suja e vazia, úmida. Rod dialoga com esse lamento da guitarra de Ron Wood. É tão sómente e apenas isso, um lamento, mas QUE lamento! Para esse tipo de canção sobre a dor é primordial ter convicção e voz. Por incrível que pareça, o Rod pobre e jovem tinha muuuuita convicção, tinha alma e tinha tesão. A voz voce conhece, com vinte e cinco anos de idade ele podia mover montanhas ou abrir o mar com um simples murmuro.
   It's All Over Now é uma festa na garagem, apenas o bom rocknroll de sempre. Mas a diferença é que a bateria soa como cavalo louco e os erros não são polidos. O disco inteiro tem um jeito de ensaio, de deixa rolar. Estamos longe da pasteurização.
  Nick Hornby naquele seu livro sobre canções favoritas diz que Rod não pode ser um completo babaca, pois ele gravou uma música de Dylan melhor do que qualquer outro cara. Não me lembro se a tal canção de Dylan é Only a Hobo, mas pode ser. Onde Dylan fez um lamento country crispado, Rod Stewart faz uma obra-prima de folklore britânico. A canção é levada ao interior da Escócia e ao escutá-la voce vai se sentir numa encruzilhada escura, com frio e sem saber pra onde ir. Há aqui beleza imensa, a beleza que justifica todo ato, a beleza que dura. Só isto vale uma carreira.
  My Way of Giving é dos Small Faces. Uma canção pop mal ensaiada e levada na empolgação, mas daí vem Country Comforts.
   Em 1970 existiam mais dois ingleses que não conseguiam estourar: David Bowie e Elton John. Elton escreveu esta Country Comforts. Uma balada que leva nossa imaginação pra longe. Não me lembro quem disse que o período entre 70/75 é o auge da canção dita romântica. É quando cantar amor perdido ou amor encontrado era fashion. Nesse ramo, Elton foi catedrático. Esta canção, estupenda, demonstra. Tem um refrão que nunca mais voce vai esquecer.
   Eu podia ficar um ano falando sobre Cut Across Shorty. É das minhas cinco canções favoritas. Uma sinfonia que usa apenas três violões, um baixo e um violino e mais uma bateria ensandecida. Ao final, Ron Wood detona um solo elétrico de matar. É uma música estranha, ela é vazia, oca, e ao mesmo tempo tem muita raiva, tem medo e é uma fuga. Mistura um tipo de romantismo século XVIII com puro e verdadeiro rocknroll. É profundamente adolescente em sua angústia e tem a alegria de um desafio. Musicalmente é um monumento ao som acústico, o modo como a bateria entra no inicio da canção é das coisas mais emocionantes já gravadas. Ouvi-la ao volante é sempre um prazer, um hino a liberdade. Mas ela é tanta coisa mais, é o rosto de uma menina ruiva, é carona na chuva, é uma faca enferrujada, é grito e é sol que nasce.
   Lady Day é uma pausa sweet. O disco todo tem pequenos detalhes inventivos que nos seduzem. Aqui, por exemplo, há esse violino que surge ao fim da canção que a modifica e a faz crescer e brilhar. Jo's Lament traz a síntese do disco: uma elegia acústica a beleza da voz, a alegria de se tocar, a eternidade do amor. É linda. E ao final You're My Girl, fecha o disco em clima de garagem e de bateria solta e a mil.
   Gasoline Alley em seu tempo foi um fracasso de vendas. Ninguém percebeu seu lançamento. Rod continuava a ser apenas o ex-cantor da banda de Jeff Beck. O tempo, único crítico infalível lhe fez justiça. Gasoline Alley continua brilhando e muito vivo.

AS MIL E UMA NOITES, O PRAZER DE ESCUTAR

   Imaginemos que não exista mais TV. Nem rádio, jornal e revista. Que todos os livros foram apagados e que a internet esteja extinta. Que todas as narrativas que acompanhávamos nesses meios se foram. Poderíamos sobreviver sem história nenhuma? A vida ainda seria "A Vida" se não mais fosse acompanhada como história? Se TV, rádio, imprensa e livros fossem um nada, mesmo assim continuaríamos necessitando de algum tipo de conto, de história, de narrativa. Imediatamente todos nós iríamos à fogueira para ouvir alguém contar seu conto. Provávelmente ninguém teria a habilidade de capturar nossa atenção, mas com o tempo esse hábito, mais que um hábito, essa necessidade humana voltaria a ser o que era nos tempos pré-imprensa. 
   Em que pese o maravilhoso e a criatividade sem fim das Mil e Uma Noites, o que esse monumento à mente do homem diz com mais força é o fascínio que aquele que sabe narrar exerce. Amamos quem conta a façanha do herói tanto quanto esse herói e nos enfeitiçamos por aquele que narra a história de um feitiço.
   As Mil e Uma Noites não tem um autor. É uma compilação de histórias. De onde vieram? India, Pérsia, Iraque ou Egito? Quem sabe.... o que se pode dizer é que foram colhidas por volta do ano 900 e vieram à Europa no século XVII. Logo se fizeram febre, moda, uma descoberta e uma influência. Lê-las hoje, 2012, é acima de qualquer outra consideração, um prazer. Porque? O que há de tão prazeroso nessa montanha de lendas?
   Um rei é traído por sua esposa. Desgostoso, ele resolve se vingar do gênero feminino sacrificando uma mulher por dia ( após passar a noite com ela ). Scherazade arquiteta um plano: contará a cada manhã uma história para esse nobre. Ele irá poupá-la, pois irá sempre desejar saber o que virá a seguir. Esse motivo, essa parte da obra todos conhecem. Mas a grande surpresa vem quando começamos a ler aquilo que Scherazade diz. Assim como o pobre rei, ficamos completamente nas mãos da bela mocinha. Precisamos saber onde termina aquela história, e quando ela acaba já estamos enredados na próxima.
   A artimanha usada por Scherazade é brilhante. Os contos são curtos, mas eles vêem enredados em histórias dentro de histórias. Por exemplo, se um homem encontra um pássaro numa floresta e esse pássaro se revela um emir da India, saberemos aquilo que esse emir tem a dizer, e dentro do conto desse emir virá outro conto contado por um personagem desse novo conto. São como caixas dentro de caixas dentro de caixas. Uma lenda leva a uma história que contém um conto e que enseja uma anedota. Mas tudo isso seria mera técnica se não fosse o brilho fértil de suprema criatividade.
   Tudo nessas narrativas são surpresas, Nada há de esperado, cada ato é uma invenção. As pessoas nunca são aquilo que parecem ser, os lugares se transformam sem parar, cada caminho leva ao horror ou ao maravilhoso. Ficamos deliciados, surpresos, admirados e ansiosos por mais e mais. Queremos que ela jamais termine sua narração. Precisamos de Scherazade.
   Livros canônicos são os mais dificeis de escrever sobre. Os elogios se tornam óbvios, falar de seus possíveis defeitos se torna pedante, ou pior, ataque gratuito. Como falar algo de relevante sobre Shakespeare, Cervantes ou Dante? E o que posso dizer mais sobre As Mil e Uma Noites? É um monumento à criatividade humana, ao maravilhamento, portanto à vida. Ler esse livro não é apenas "ler um livro", é como ter nas mãos um fenômeno da natureza, uma obra que não foi feita por um homem, uma obra que, assim como o mar ou as nuvens, sempre existiu.
   O que é, afinal, a principal característica da obra canônica. Ela nunca parece ser de uma época ou de um autor. Ela sempre parece ter se auto-escrito, sido parte dos homens desde quando eles se fizeram homens. É como se ela fosse o código genético do espírito, da inteligência, do saber.
   E se Hamlet ou Lear são o código genético da inteligência humana, As Mil e Uma Noites são o código da criatividade, do poder da imaginação, da criação sem fim. Que seja uma mulher a depositária desse dom maravilhoso, e que ela conquiste o rei não por sua beleza, mas sim por sua fertilidade mental, muito pode ser dito. Ela vence não apenas um homem, ela vence sua morte, vence a lei e derrota a vingança e o ódio. Com a simples habilidade de imaginar, fixar e contar. 

The Ultimate Steve McQueen Song



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STEVE MCQUEEN, O REI DO COOL ( O VERDADEIRO INVENTOR DO QUE CHAMAMOS DE HERÓI )

   No documentário que vi ontem sobre Steve,  há o depoimento de várias pessoas que trabalharam com ele. Lawrence Kasdan nunca teve essa honra, mas, representante da nova geração, ele diz que TODOS os atores de filmes de ação de agora estudam BULLIT, filme de 1968 com Steve, estudam BULLIT centenas de vezes. Eles estudam o modo como Steve olha, o jeito de abrir a porta de um carro, a maneira de andar, de ouvir, e principalmente: como ser cool. De Daniel Craig a Hugh Jackman, de Jason Statham a Clive Owen, todos têm Bullit como sua Bíblia.
   Voce podia achar que esse cara fosse Clint Eastwood. Mas não é. Eu sou louco por Clint, então posso falar com conhecimento, Steve McQueen era um Clint melhor. Melhor como ator. Clint sempre parece falso. Há algo de irônico nele que o distancia de seus filmes, ele se torna frio demais. E além disso, seus momentos de raiva sempre parecem exagerados, quase caricatos. Mesmo assim Clint é sempre uma estrela, um carisma dos velhos tempos, do tipo Gregory Peck ou Gary Cooper. Steve ( e ambos nasceram no mesmo ano, 1930, se vivo Steve teria a idade de Clint ), era mais moderno. Ele nunca parece um ator da velha Hollywood, ele sempre nos lembra que estamos vendo alguém pós-Brando. E quando ele entra na tela a coisa explode. Seus olhos saltam do filme e invadem a sala. Steve McQueen entra em cena e não tem pra mais ninguém, ele roubou cenas de astros como Paul Newman, Frank Sinatra, Dustin Hoffman e Yul Brynner, sem abrir a boca, apenas estando em cena, sem fazer nada, sendo cool.
   A palavra cool, assim como a palavra elegância, tem sido raptada pela midia e transformada naquilo que o produto requer. Mas em sua verdadeira acepção, cool é Steve McQueen em THE GREAT ESCAPE ( cujo personagem se chama Cooler ). É o cara calado, só, que se fode e não perde a pose. Voce pode bater nele, prendê-lo, pressioná-lo ao máximo que ele vai se manter frio, não vai perder a postura. Mas a isso, Steve McQueen adicionou a sensação de que a qualquer momento ele iria explodir. Mas, e é isso que faz dele o rei do cool, essa explosão JAMAIS acontece.
   Ele foi rejeitado. Nasceu em interior pobre filho de mãe solteira. A mãe deixou-o com um tio e se mandou. Depois ela voltou quando ele tinha 15 anos. Steve roubou um carro e a mãe o delatou deixando-o numa instituição de correção. Aos 18 ele foi para os Fuzileiros Navais, experiência que ele adorou. Lá, conseguiu uma bolsa de estudos para qualquer curso que escolhesse. Ele escolheu o curso de teatro, porque era lá que as mulheres estavam. Vivendo em New York, livre, Steve arrasou. Ele transava com todas as mulheres que desejava. Mas logo conheceu uma bailarina ( Nelie ) que foi sua primeira esposa e mãe de seus dois filhos. No inicio muito mal ator, Steve aprendeu a olhar, a escutar, a usar seus olhos perturbadores. Entrou numa série de Tv e lá se tornou O Cara. No cinema, após várias figurações, faz um sci-fi cult ( A Bolha ) e num filme com Frank Sinatra, em papel pequeno, rouba a cena. ( Frank gostou dele, não se importou de ter seu filme roubado. Foi o encontro do rei do cool ( Steve ) com o inventor do cool ). Em 1960  veio outro papel pequeno, e outro filme em que todos só olhavam pra ele. E em 63 THE GREAT ESCAPE, um dos 3 filmes favoritos de Tarantino, e o evento que fez dele o ator mais famoso dos anos 60. Em meio a Paul Newman, Warren Beaty, Brando, Sean Connery, Peter O'Toole e Richard Burton, quem dava as cartas era Steve.
   Brilhou então em THE CINCINATTI KID, talvez o melhor filme sobre poker já feito, em NEVADA SMITH e no CANHONEIRO DO YANG-TSÉ. Em 68, Bullit. BULLIT é o filme de ação que cria o moderno filme de ação: poucos diálogos, história irrelevante, herói quase antipático, nada de gracinhas, aspecto de sujeira nas ruas e nos sets. Toda a ênfase vai para o clima e para as explosões de adrenalina. O filme, maravilhoso, tem a mais mítica das cenas de perseguição de carros e Steve está no auge de seu talento. A gente fica hipnotizado por ele.
   Em seguida veio Sam Peckimpah e o começo do fim. Drogas, sexo e bebidas. Steve rouba do dono da Paramount "apenas" a esposa. Ali MacGraw vinha do sucesso de Love Story e formava com Robert Evans o casal mais poderoso de Hollywood. No filme de Peckimpah ela e Steve se apaixonam. Foram morar juntos. Evans nunca se recuperou. E Steve ainda fez PAPILLON, onde rouba o filme do grande ladrão de filmes Dustin Hoffman ( Steve adorou Dustin. Achava-o o cara mais esquisito do mundo ), e INFERNO NA TORRE, onde a vitima de seu carisma foi Paul Newman. Dois big sucessos.
   O casamento com Ali durou apenas 5 anos. Em 1976 ele se casou pela terceira e última vez. Perdeu o interesse pelos filmes, se isolou com a familia ( familia é o que ele sempre desejou ter ). Em 1980 morreu de câncer. Eu ainda lembro da noticia no Jornal Nacional dada por Cid Moreira, em Outubro. Uma longa matéria sobre Steve.
   O cinema dos anos 80 perdeu Steve McQueen. Talvez ele tivesse feito filmes com Clint Eastwood, com Harrison Ford ou Eddie Murphy ( roubaria todos os filmes ). Certo é que quando morreu ele tinha a proposta de fazer RAMBO. Sim, esse filme poderia ter sido feito por Steve, o que faria do personagem uma coisa totalmente diferente. Steve McQueen, se vivesse tanto quanto Clint, estaria aqui hoje. Tarantino poderia o escalar, não precisaria tentar fazer de Travolta ou de Carradine aquilo que eles nunca foram. E o desenho CARROS poderia ter o personagem McQueen feito pelo próprio.
   Não falei da paixão de Steve pelas motos e pelos carros, de como ele adorava voar com essas motos e viver sempre no limite. Deixo a fala final para seu filho: "Meu pai viveu 50 anos. Cinquenta que na verdade foram cem."  De órfão a delinquente juvenil, de bad boy conquistador a doido dos anos 60, de super estrela do cinema a fazendeiro, de piloto de moto ( ele disputou provas ) a playboy, Steve McQueen foi várias coisas e sempre foi ele mesmo. O rei do cool.

AS CIDADES INVISÍVEIS- ITALO CALVINO ( A ESCRITA É A VIDA )

Marco Polo está na corte de Kublai Khan. Toda a noite ele lhe descreve as cidades que fazem parte de seu infindável império. Mas também poderia ser:
Kublai Kahn percebe que ser dono de um império é lutar pelo impossível. Pois assim que um império é construído ele começa a fenecer. O Kahn pede que Polo preserve esse império, pela linguagem. E também pode ser que:
Marco Polo morre de saudades da sua cidade. E a descreve, todas as noites. Assim, cada uma das cidades seria uma visão da mesma cidade, lugar que é infindável, pois cresce na memória a medida que é desvendado.  Mas além disso:
Kublai Kahn joga xadrez com Marco Polo e em cada casa do tabuleiro há uma cidade. E onde eles jogam, no palácio que fica na capital do mundo, há a pista de que esse palácio também está dentro de um tabuleiro. Ou talvez quem sabe:
Os dois sejam apenas uma palavra dita por alguém que fala sobre cidades invisíveis. Narrativas ditas dentro de outra narração. Mas:
Italo Calvino sabe que no pós-moderno, movimento dentro do qual ele é dos poucos que faz sentido, o texto se esgota dentro de si-mesmo. Não há mais enredo ( mas há ), não há mais personagens ( mas há ), o que importa é o ato de se escrever, a escrita é o foco e a vida do texto. A linha e a página são os personagens. Então, Marco fala de cidades que na verdade são palavras sobre cidades, assim como Kublai Khan é imperador de um reino de palavras.
Uma chave: Não sabemos se uma cidade existe. Tokyo existe para mim em palavras que dizem Tokyo. E mesmo que lá eu tivesse ido, tudo o que eu olhasse estaria envolto naquilo que foi me dito: Tokyo. O mundo são palavras, e mais, nós somos palavras, sem elas não existimos.
Linguistica. Italo Calvino sabia tudo sobre linguistica. Aliás, todo intelectual pós-1945 só pode ser considerado se souber linguistica. Porque nós somos uma lingua. Fala.
Então todas as cidades, tão diferentes, não são diferentes, são a mesma. Pontos de significados, narração de alguém que conta ( Marco ) para alguém que ouve ( o Khan ).
Mas será que Marco Polo não é um pensamento na mente entediada do imperador? E o Khan seria um sonho na noite de Marco Polo?
Todas as cidades têm nome de mulher. Seriam as cidades simbolos de mulheres na vida de quem delas fala? Seriam mulheres que são ruas, lixo, córregos, cemitérios, vales e colunas? Ou tudo se resume a cidades vistas no sonho de quem nada viu?
As cidades invisíveis são mais reais que as cidades habitadas. Na verdade as cidades invisíveis são melhor habitadas, porque são levadas com quem as narra. Existem onde alguém as ouve e onde alguém as faz presentes. Ou não?
Italo Calvino dizia que para a literatura sobreviver como "espécie", era preciso que ela fosse "leve, exata, rápida e múltipla". As cidades descritas por Marco Polo são assim. Novelos que se enrolam a novelos ou sedas que flutuam se misturando a sedas. Luz.
Italo Calvino é para sempre.

Criterion Trailer 57: Charade



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CARY GRANT/ AUDREY/ MUPPETS/ DOUGLAS SIRK/ GEORGE CLOONEY/ NICHOLAS RAY/ JOHN WAYNE/ GINA, ELKE, VIRNA, MONICA VITTI

   SANGUE DE REBELDE de Douglas Sirk com Rock Hudson
O alemão Sirk ( ídolo de Fassbinder e Almodovar ), tornou-se cult graças a série de dramas que fez nos anos 50 na Universal. São filmes exagerados, barrocos, que não temem a emoção e os fatos esquisitos da vida. Mas ao mesmo tempo, Sirk fez outros tipos de filmes, inclusive western. Este é uma aventura que fala da Irlanda revolucionária. Hudson, que sempre foi bom ator com Sirk, é um impulsivo irlandês procurado pela lei. O filme, todo feito em locações reais é muito bom. Tem suspense, tem ação, e tem muito clima. Fica a certeza de que Sirk foi um belo diretor em mais de um tipo de filme. Nota 7.
   A VIDA ÍNTIMA DE UMA MULHER de Nicholas Ray com Maureen O'Hara, Gloria Grahame e Melvyn Douglas
Ray, chamado de gênio por Godard e Truffaut, é dos mais irregulares dos diretores. Se é capaz de fazer filmes belos como Rebel Without a Cause ou Johnny Guitar, é capaz de coisas mal realizadas e capengas como este muito desagradável drama policial. Maureen tenta matar Gloria e assume a culpa. Porque, se tudo leva a crer que não foi ela? Gloria Grahame, que não era bonita, foi uma das mais sexys atrizes da América. Há algo nela de perverso, de doido, de proibido. Na vida real ela foi casada com Ray, que era homossexual, e se envolveu em escândalos sexuais na época. Este filme é quase salvo da vulgaridade por sua presença magnética. Mas na verdade é mais um irritante e mal feito filme do superestimado Ray. 3.
   TUDO PELO PODER de George Clooney com Paul Giamati
Clooney surgiu no meio dos anos 90 como a promessa de um novo Cary Grant. Ele tinha o dom de ser engraçado e de misturar esse humor a um charme raro. Mas a partir do século XXI ele começou a querer ser "mais", e se embrenhou na senda dos filmes "relevantes e úteis". Bem, um filme como este pode ser útil, e é bem dirigido. Mas não consigo me envolver com personagens que não me interessam e situações que nunca me comovem. Recordo de "Bom dia Boa Sorte" ( era esse o nome? ), uma das coisas mais insuportáveis que já vi. Há um tipo de filme feito hoje que bebe tudo no estilo que Lumet e Pakula faziam nos anos 70 ( década em que Clooney foi teen ), filmes tipo "Todos Os Homens do Presidente" ou " Network". Não consigo gostar. ( Apesar de Network ser uma obra-prima ). Nota 4.
   CHARADA de Stanley Donen com Audrey Hepburn, Cary Grant, Walter Mathau, James Coburn
Da primeira a última cena, este é um filme delicioso. A música de Henry Mancini começa nos coloridos letreiros de abertura, vem uma cena nos Alpes nevados e Audrey recebe um close em seu Givenchy. Cary entra em cena, rabugento e então... pronto! O filme te leva numa trama hitchcockiana sobre marido morto e montes de bandidos atrás da viúva. Todo mundo mente neste filme, e as cenas sempre misturam policial com humor, romance e suspense. Donen começou dirigindo musicais ( Cantando na Chuva, Sete Noivas Para Sete Irmãos ), e depois se tornou um grande diretor de filmes sofisticados. Ele faz com que as cenas dancem. Cary se achava velho demais para o papel ( era 25 anos mais velho que Audrey ) e isso acabou por dar um charme extra ao filme, acompanhamos Audrey tentando o seduzir e ele sempre a lembrando de sua idade e resistindo. Com a excessão de My Fair Lady, é este o filme onde ela está mais bonita e há ainda uma galeria de vilões espetaculares, todos originais e muito bem feitos por atores que se tornariam estrelas em seguida. Neste século ele foi refilmado por Johnathan Demme com Mark Wahlberg fazendo Cary e Thandie Newton em lugar de Audrey.... preciso dizer no que deu? Com suas cenas de uma Paris noturna, seus improvisos entre Audrey e Cary, seu clima chic, é um dos meus mais queridos filmes. Desde que o descobri, na verdade foi meu irmão que o viu antes e me deu a dica, é um caso de amor eterno e bem resolvido que tenho: entre eu e um filme chamado Charada. Nota Dez, claro.
   WONDER BAR de Lloyd Bacon com Al Jolson e Dolores del Rio
Ah....os anos 30....eis aqui um tipico produto pop da época: tolo, futil, vazio....e tingido de ouro. Esquecemos que a década de 30  é a década da grande depressão, então Hollywood fazia filmes para tentar curar essa deprê. E valia tudo. Aqui temos piadas, dança, sexo, música, romance e uma exagerada e encantadora breguice. Busby Bekerley coreografou dois números que são uma viagem de LSD cafona. No primeiro moças desfilam em formações geométricas, tudo com muito prata e plumas; no outro ( bastante racista ), um negro pobre morre e vai pro céu. Mas é um céu de negros, onde eles comem costelas de porco, jogam dados e dançam. Bem...nos EUA de hoje essa cena é censurada, mas não vi nada que Mussum ou Macalé não fizessem. Se a gente deixar isso pra lá, é um filme doido, ebuliente, mal interpretado, picareta e absolutamente delicioso!!!! Todo passado numa boate francesa, tem gigolôs, dançarinas, maridos em férias e etc etc etc. Dolores del Rio foi uma das piores atrizes do mundo, e ao mesmo tempo é uma das mais bonitas e sensuais já filmadas. Suas cenas com Ricardo Cortez ( adoro esses nomes ) são aulas de sexy camp. Relaxe e se divirta!!!!  Nota.... sem nota.
   IWO JIMA de Allan Dwan com John Wayne
É o filme que deu a primeira indicação de ator para Wayne ( ele só teve duas. A segunda só em 1969, que foi quando venceu. O fato de não ter sido indicado por Rastros de Ódio e Red River demonstra o preconceito de Hollywood com o western ). Aqui ele é um sargento durão, do tipo odioso, que treina jovens soldados para a guerra no Pacifico. Em seu gênero ele é OK. As cenas de guerra são muito boas, cheias de imagens da guerra real ( documentários misturados a cenas de ficção ). É sempre bom ver John Wayne nesse tipo de papel, o durão seco que tem um lado humano escondido. É neste filme que se filma a lenda: os soldados erguendo a bandeira em Iwo Jima, tema de filme de Clint. Nota 6.
   MAN OF THE WORLD de Richard Wallace com William Powell e Carole Lombard
Os filmes sonoros em seu começo foram combatidos por causa de filmes como este. Enquanto os filmes silenciosos tinham uma fluidez mágica ( como demonstra Aurora ), os falados, em seu primeiro ano, eram parados, sem movimento, congelados. Isso se devia ao problema de captar o som e ao equipamento pesado. Peter Bogdanovich diz que o som veio no pior momento, pois em 1929 o filme silencioso atingia seu auge. Powell é aqui um golpista que se apaixona por vitima de seu golpe. O filme é amargo, de final nada feliz. Mas está longe de ser bom, vale só como curiosidade. Nota 2.
   AS BONECAS de Dino Risi, Luigi Comencini, Franco Rossi e Mauro Bolginini com Virna Lisi, Elke Sommer, Monica Vitti e Gina Lollobrigida
No auge de seu cinema ( anos 40/70 ), a Itália, além de seus mestres tinha uma segunda divisão de diretores muito famosos. Gente como Lattuada, Campanille, Zampa, Petri e Indovina. E principalmente esses quatro citados acima. Essa segunda divisão está hoje esquecida, então se tem a impressão de que o cinema da época era só Fellini, Antonioni, Monicelli, De Sica, Pasolini, Visconti, Zurlini e Rosselini. Moda na época era a de fazer filme em episódios. Voce contava quatro histórias, totalmente independentes, com direção e elenco diferentes. Neste tipico exemplo do estilo, temos quatro histórias cujo tema seria o sexo. E quatro simbolos sexuais são escalados. O filme é, visto hoje, ingênuo. Pior, pouco engraçado. Na época já era um filme tolo, e o tempo o piorou. Virna Lisi foi das primeiras atrizes que idolatrei. Eu a achava a coisa mais linda do mundo. Vista agora mantenho a opinião, ela era belíssima! Elke Sommer, que era outra que eu adorava, já nem tanto. E Gina, a mais famosa dentre elas, continua o que sempre foi, bella!!! Mas é Monica Vitti que surpreende. Seu segmento é o melhor ( tem um ator que imita Brando que é impagável ) e ela é a mais bonita. Antonioni, que foi casado com ela, sempre conseguiu a deixar mais feia em seus filmes. Aqui, longe de seu marido, vemos o rosto de Monica como eu o recordava: magnificamente belo, uma perfeição de cabelos, olhos e boca. O rosto dela é o melhor desse filme tão chato. Nota 2.
   MUPPETS, O FILME de James Frawley
Atenção!!!! Não é o novo filme! Este é o primeiro, de 1979. Tem participações de Steve Martin, Orson Welles, Bob Hope, James Coburn, Telly Savallas, Mel Brooks e Richard Pryor. Caco é achado no pântano por um caçador de talentos. Vai para Hollywood, e no caminho vai se unindo a todo o grupo Muppet. As canções, excelentes e emocionantes, são de Paul Willians, uma delas ganhou o Oscar. Jim Henson criou a coisa toda e Frank Oz, hoje um grande diretor de comédias, o ajudou. O filme é deliciosamente on the road, Caco indo estrada afora até Hollywood.
Jim Henson foi um gênio. Revi o filme ontem. Ele pegava um pedaço de pano verde, enfiava a mão dentro, e só com isso conseguia nos fazer crer que aquilo era vivo, tinha personalidade e pensava. Na simplicidade em que ele trabalhava, os olhos dos bonecos não se movem, uma das mãos é paralisada, e mesmo desse jeito a gente embarca naquilo. Isso é genialidade! É o cara que pega um pedaço de madeira e um pincel e cria vida. Um cara que pega papel e pena e faz um universo. E é Henson, que pegava alguns metros de tecido e fazia um ser vivo.  Cresci vendo Vila Sésamo. Recordo em detalhes a estréia no Brasil. Eu voltei correndo da escola pra não perder e quando terminou fiquei contando as horas pra ver o próximo. Quando Muppet Show estreiou aqui, cinco anos depois, eu já me achava grande demais para Henson ( tinha 13 ). Minha paixão por ele é via Vila Sésamo. Os Muppets vim a descobrir já adulto, em vhs e em reprises na TV. Jim Henson sabia tudo sobre crianças, sobre o que elas pensam, querem e sentem. Sua morte fez com que o mundo ficasse muito mais pobre.
Todos aparecem aqui. Gonzo é meu favorito e até os dois velhos estão presentes. Emocione-se!

MANDRAKE, LEE FALK E PHIL DAVIS ( A DÉCADA DA FANTASIA )

   Mandrake licença pra mim!!!! Três marcas de cigarro!!!! E eu, levando socos no ombro, balbuciava: Continental.... Minister....e....Arizona!!!! Bem... voce não tá entendendo nada, mas essa foi uma brincadeira que todo garoto da minha idade brincava. Voce via um cara na rua e gritava: -Mandrake!!!! Esse grito obrigava a que o garoto ficasse paralisado. Então voce chegava do lado dele e começava a socar seu ombro, perguntando ao mesmo tempo o nome de 3 jogadores de futebol ou 3 capitais, tinha de ser 3. Enquanto o cara não respondesse voce não parava de bater e a vitima não podia se mover. Após a resposta ele podia atacar e gritar antes de voce: - Mandrake!!! Mas, se voce tivesse se lembrado de dizer "Licença", pronto, voce estava imunizado por 24 horas. O legal é que em toda rua, quando se ouvia um grito de Mandrake, logo apareciam uns 10 moleques gritando também. Quando isso deixou de ser popular não sei, acho que foi no tempo em que a molecada saiu da rua e foi ver Xuxa na TV.
   Tudo isso pra contar que acabo de reler meu livro de luxo com duas histórias clássicas de Mandrake. Pra quem desconhece, Mandrake foi durante trinta anos um dos dois ou três personagens de HQ mais populares globalmente. Aqui no Brasil ele era O mais popular, batia o Fantasma, SuperHomem, Batman e Homem Aranha. Era editado pela RGE, que depois foi acoplada pela Globo. Engraçado mas tenho a impressão que ele foi sumindo junto com a brincadeira....
   Mandrake é um mágico, de cartola e fraque, que usa o poder da hipnose para vencer seus inimigos. Ao seu lado vai um tipo de guarda-costas, Lothar, um negro africano de dois metros ( é tempo de politicamente muito incorreto ). Narda é o nome de sua namorada, uma bela nobre da Europa Oriental. Mandrake é um retrato do mundo dos anos 30, tem a cara de William Powell ou Erroll Flynn e vive num planeta que ainda crê em continentes perdidos, reinos misteriosos e principes bandidos. Os desenhos de Davis são suntuosos, sexys, lembram muito Alex Raymond. Lee Falk, que também deu vida ao Fantasma, criou Mandrake. Um dos mais vaidosos artistas da história das HQ, Falk sabia dar às suas histórias um clima de filme de aventuras, de seriado de cinema. Delicia!
   A década de 30 foi a década das grandes fantasias. Flash Gordon, Tarzan, filmes de legião estrangeira, de uma India cheia de magos, de Amazônia com reinos perdidos. Wells, Orwell e marcianos. Depois viriam os campos de concentração e o mundo nunca mais poderia ser ingênuo assim. A fantasia desde então viria sempre com cinismo.
  Porque o bom de Mandrake, e dos HQ da época, é que ninguém tenta ser artista, filósofo ou muito louco. É simples diversão de teens, só isso, lixo bem feito. Lixo que na verdade se revelou ouro.
  Nesse livro que tenho há uma carta de Marcello Mastroianni. Uma carta que Marcello escreveu para Fellini. Nela ele implora para que Federico produza e dirija um filme de Mandrake. Com ele como o mágico e Claudia Cardinale como Narda. Lothar pode ser Oliver Reed pintado. Marcello recorda seus tempos de leitor de Mandrake, e diz que sonhava em ser esse herói tão elegante. Melhor que tudo, o livro tem fotos de Marcello vestido de Mandrake em ação, e uma de Claudia como Narda. Que pena Fellini não ter feito!

YOLANDA, LIVRO DE ANTONIO BIVAR ( UMA VIDA EM ROSA )

   Uma sensação muito estranha dá esse livro em seu final. Yolanda Penteado vem a morrer em 1983. Nos últimos três anos, tendo se desfeito da maior parte de seus bens, Yolanda percebera que no "Novo Mundo" americano, o minimo era a lei, voltando, em seus últimos três anos ela morava em apartamento "simplesinho", atrás do Shopping Iguatemi. Vem daí a estranheza. Yolanda, nascida em 1903, milionária desde o berço, de familia antiga como o Brasil, privara da amizade de Santos Dumont, frequentara festas de gente como Picasso e o futuro rei da Inglaterra, conversara com parentes de Proust e se hospedara em palácios de marajás da India, e terminara afinal, por livre escolha, naquele prédio, detrás do Iguatemi, tão pouco mítico, tão corriqueiro, banal.  Prédio que eu frequentei exatamente no tempo em que ela morreu. Nada simboliza melhor a história do século XX.
  Tudo começa em Leme, numa fazenda chamada Empyreo. Um paraíso de flores, de rios e de cavalos. Yolanda tem primeira infância de molecona, mas ao mesmo tempo com aulas de francês, ballet, piano, grego, latim e pintura. Na capital de São Paulo, lugar de uma elite otimista, intocável, onde todos se conhecem e todos são meio que parentes de todos, ela mora  num casarão, na Vila Buarque. Aliás, morar bem era morar lá, ou na avenida Higienópolis, novo rico ( libaneses e italianos ) morava na Paulista. Pois bem, ela estuda em colégio francês e tem uma vida de viagens a Europa ( longas, de navio ) e festas dignas das mil e uma noites. 
  O livro, escrito no estilo fluido, efervescente, risonho de Bivar, dos poucos brasileiros que sabe e escreve wit, tem em toda essa primeira parte um ar de sonho cor de rosa, de delirio de vida feliz ao extremo. Yolanda se casa e cresce como dondoca, conhece a loucura da década de 20, e não sente nada da crise da década de 30. O que ela sabe é como se vestir, o que falar e onde ir. Das melhores coisas descrita, a sua amizade com Santos Dumont é uma das mais deliciosas. Pouca gente sabe, mas em Paris, entre 1900/1925 ninguém era mais famoso que o "Santôs". Duques quando o viam na rua a cruzavam para vir cumprimentá-lo. Para Yolanda, um tipo de sobrinha dele, foi Dumont o homem mais elegante que ela já conheceu. E se mostra verdadeira a história de que foi ele quem criou o relógio de pulso. Sem poder mexer no bolso para ver as horas no ar, ele pede a Cartier que lhe faça um relógio de pulso. 
   Aliás faço eu aqui uma obsevação que não está no livro. Na rivalidade entre Dumont e os irmãos Wright mora a diferença entre a Europa belle- epoque e a América do jazz....
  Figura central no livro é Assis Chateaubriand. Só por suas histórias já vale a leitura. Pra quem não sabe, foi ele, que através de pressão sobre a "burguesada", fez o MASP. Ele fazia com que cada rico comprasse uma obra e a doasse ao museu ( que nem existia ainda ). Na Europa arruinada pós-guerra, ele e Bardi fizeram a rapa. A cada quadro que um industrial brasileiro comprava, era dada uma festa de inauguração da obra. Quem as organizava era Yolanda. Pois foi ela o grande amor ( platônico? ), da vida desse louco-genial-folclórico herói. Hoje, quando se olha o acervo do MASP, a mão e a esperteza de Chatô está ali. Mas se ele fez o MASP, Yolanda, agora já com seu segundo marido, Francisco Matarazzo, fez o MAM e fundou a bienal de São Paulo. 
  A bienal é um capitulo soberbo. Uma bienal para rivalizar com a de Veneza num fim de mundo como São Paulo!!! E foi feita. Yolanda viajando por todo o mundo, convencendo artistas, embaixadores, museus. A primeira ainda no prédio dos jornais de Chatô, mas a segunda já no Ibirapuera. Pra se ter uma ideia: a Guernica de Picasso, que jamais havia saido de New York, veio. Uma sala inteira com dezenas dos melhores Van Goghs. E mais Matisse, Paul Klee, Chagall, Kandinski e Mondrian. 
  Nessa mesma época, o marido de Yolanda, Francisco Matarazzo, funda a Vera Cruz. A tentativa de se fazer cinema industrial no Brasil. Tudo errado, um fiasco digno de louvor. Trazem da Europa grandes técnicos, constroem belos estúdios, mas se esquecem do principal: bons roteiristas e bons diretores. Como ele e Yolanda já haviam ajudado a fundar o TBC, usam atores e diretores de teatro. E dá no que dá, filmes chatos, muito chatos. A aventura dura cinco anos e 18 filmes. O engraçado é que muitas das atrizes eram filhas de tradicionais familias paulistas. 
  Mas tudo bem, Yolanda fica meses na India onde visita marajás. Conhece a vida mais luxuosa já vista, participa de caçadas a tigres, sente emoções novas, insuspeitas.
  A mais engraçada história é sobre uma festa para atores de Hollywood, que vieram participar do primeiro festival de cinema de SP. Um trem, fretado, pega-os na estação da Luz,( foi aí que se cunhou a expressão "Trem da Alegria" ), e os leva até Campinas. Champagne e mordomias a bordo. De Campinas vão até a fazenda de charretes individuais. E na sede a festa. Dificil a descrever aqui, só lendo o livro. Mas se não contei conto agora: a sede da fazenda era famosa por suas festas glamurosas. Nobres europeus, milionários e herdeiros de todo o mundo, industriais americanos, todos iam lá para se impressionar com as festas de Yolanda. Nesta, Erroll Flynn se jogou na piscina assim que chegou, e como estava de terno de linho branco...
  E a estranheza volta. Nos seus últimos tempos, a diversão no tal prédio detrás do Iguatemi, era ver a novela da Globo com seus convidados...E não era questão só de idade, é que a vida  tornara-se mais realista, menos sonhadora. Fazer outro MASP, fundar outra Bienal, comprar todo um acervo para o MAM ( hoje é o MAC )... como? Quem?
  Ela avisara, no meio da década de 60, às suas amigas, que no futuro não se dariam mais festas toda noite, não haveriam mais empregados domésticos fiéis, não se poderia mais conversar com um embaixador ou conde diretamente. Não existiriam mais praias secretas e os muito ricos se sentiriam muito culpados.  O mundo iria se americanizar, as coisas seriam "mínimas", informais, sem grandes requintes. Yolanda soube se adaptar no fim da vida. Percebeu o que havia de bom, de democrático nos novos tempos. Mas que dá uma esquisitice ler esse final, ah isso dá!
  É livro pra se ler numa levada só. E parabéms ao Bivar, escriba que acompanho a tanto tempo, mestre do chic e do moderno, rei da escrita fosforescente. O livro é um luxo.
   

SINATRA'S SWINGIN' SESSION !!!

   Um amigo pediu pra que eu lhe indicasse qual o melhor album de Sinatra. Eu respondo que das coisas que ele gravou entre 52 e 62 tudo tem o mesmo nível alto ( e são mais de vinte e cinco discos ). A dica que dou é que ele gravava um disco down e um up, um para a dor de corno e outro para as alegrias do amor. Indico este. aleatoriamente, por ser o primeiro que comprei ( em 1996, no sebo do Eric, vinyl pesadão, da época, capa de cartão grosso, um luxo ). Na revista da livraria Cultura deste mês, a Heloisa Seixas indica um outro. Como disse, dessa fase de Frank, a única em que ele fez as coisas pra valer, tudo é de ouro e de pérolas.
   Este é dos alegres, e é engraçado o que vou dizer, não sei se é lenda, mas dizem que ele gravava os discos imaginando um encontro. Tipo assim: a primeira faixa era pra acompanhar a chegada de voce e ela ao seu apartamento, na segunda é oferecida uma bebida, na terceira voces conversam bebendo, uma comidinha depois, mais um drink, voce a tira para dançar e ela tira os sapatos para não cair. Lá pela faixa sete voce a beija, na oito as mãos avançam e no fim do disco, quando a agulha fica chiando, bem.... voce sabe.... ( Recordo do último filme que Mel Gibson fez, quero dizer, o último assistível, acho que o nome era "DO QUE AS MULHERES GOSTAM", em que ele, garanhão, se arrumava pra sair sempre ao som de Frank ).
   Arranjos de Nelson Riddle, o que significa metais muito fortes, escorreitos, incisivos e uma bateria swingada que é a coisa mais coruscante já gravada. Sabe como é: tchim tchim tchim tác!!!! Boooom!!!! E a voz de Frank, extra, hiper, cool...ou como ele dizia, it's a gas! Dá pra "ver" ele estalando os dedos enquanto canta. O homem sabia tudo de beat, de ritmo com modulação. A voz nunca se esforça, canta fácil, sem suor, lágrima ou sangue, com muita bossa, charme e savoir faire.
   When you're smiling, a primeira já dá o recado: relaxe e caia na festa, a vida é breve e a noite é bela. Blue Moon é a boa-vinda para a menina que voce está de olho e S'Posin bota tudo nos eixos. Sinatra a essa altura estaria servindo um martini ou um Jack, eu prefiro gim tônica, mas dá na mesma, é tudo jazz.
   O disco fecha ( pós sexo? antes da cama? ), com duas jóias de Cole Porter. I Concentrate in you e depois You do Something to Me... bem... não vou dizer o que penso delas, pra que? Elas tão salvas, jamais vão deixar de ser ouvidas. Mas eu vou deixar um PS aqui:
   Demorou muito pra eu voltar a esse cool world de Frank e Fred e Cole. Isso porque dentro dos seis anos de namoro sério que tive, os dois paradisíacos primeiros anos tiveram como trilha sonora exatamente e tão somente esses ícones da elegãncia. Eu me vestia pra pegar a menina ao som de Frank e dirigia pra casa dela ouvindo Fred. Então posso contar com sabedoria, elas podem odiar Frank, podem achar ele machista, antigo, feio.... mas não sabem que muito de seus sonhos, prazeres e delirios foram arquitetados ao som de Frank e seus amigos.
   Quer mais ou chega?

AVALON

   Acredito que as coisas acontecem na hora em que amadurecem. E também, se não for assim eu jamais vou ter como saber. A gente ama na hora em que tudo nos preparou para isso. E eu descobri Avalon, a canção, no momento exato. Era uma tarde fria, cinza, e eu estava sózinho no quarto vendo um programa de video-clips. Em meio ao abundante lixo da época ( Journey, Reo Speedwagon, Styx, Pat Benatar ), eis que algo alienígena aparece: Roxy Music com Avalon.
   Eu conhecia o Roxy de outros carnavais. Até então, eles eram pra mim uma banda esquisita, indefinida, que me lembrava meus 15 anos de idade. Nem sabia deles, o que eu ouvia muito naquele tempo era Prince, Bowie e Reggae. Mas desde o momento em que escutei aqueles acordes suaves de teclado, uma percussão latina meio sei lá o que, e o vocal que falava de bossa-nova e de samba... as coisas se encaixaram. A melodia e a letra falavam o que eu vivia naquele instante exato. Acabara de entrar na faculdade e estava fascinado pelas pessoas, pelas festas e começando a me apaixonar. E paixão pra mim sempre foi assim: eu sinto a paixão sem saber direito qual a menina que a despertou. Depois eu descubro...
   O segredo da fase final do Roxy ( e dos melhores momentos de Bryan solo ), é o fato de ser uma das poucas coisas do pop que casa bem com o universo adulto de Sinatra e Gershwin. O som nada tem a ver, Bryan seria um garoto pouco viril ao lado de Frank, mas há um clima de paixão sábia, de sofisticação em arranjos e timbres, um cuidado elegante e principalmente, uma tentativa de sair dos excessos emocionais do rocknroll. Avalon é essa tentativa de cool, de elegancia e de maturidade.
   E sempre recordo de uma amiga me dizendo ao ver Bryan: "Que estranho... esse cara não parece ser do rock... ele parece...um homem."
   Avalon é sobre tudo isso.