UM LIVRO ABERTO- JOHN HUSTON ( NO TEMPO EM QUE DIRETORES DE CINEMA ERAM HOMENS )

   No final da vida, que é quando este livro foi lançado, John Huston morou numa praia escondida, no México. E é lá que este delicioso livro começa. Huston faz parte de duas tradições. A primeira, daquele típico artista americano que detesta parecer "artista". São homens que apesar de lerem poesia, filosofia e amarem teatro, temperam isso com fartas doses de esportes, lutas, mulheres e silêncio. Não frequentam o mundinho intelectual e prezam uma feroz individualidade. A outra tradição de que Huston faz parte é a dos pioneiros do cinema ( pioneiro que ele não é. Sua carreira começa em 1941, longe do cinema silencioso ). Pioneiros que tinham o cinema como uma profissão acidental. Não cinéfilos, com currículos de atletas, gigolôs ou marujos. Gente como Hawks, Walsh e Fleming.
   Huston carrega também um feito que dificilmente será igualado. Dirigiu o filme que deu o Oscar a seu pai e quase quarenta anos depois, dirigiu um filme que deu um Oscar a sua filha.
   John Huston vem de uma familia aventureira. Gente que ganhou fábricas em mesas de poker e perdeu fortunas em casamentos ruins. Walter Huston, pai de John, foi uma lenda do teatro. É dele a versão que popularizou para sempre September Song de Kurt Weill. Walter fazia de tudo: Shakespeare e burlesco. Depois ficou famoso no cinema. John veio ao mundo nesse planeta de shows, trens e hotéis. Desejou ser pintor, mas não gostava de passar fome e se fez lutador profissional de boxe. Depois, cansado de quebrar o nariz, começou a escrever contos, foi convidado a ajudar a terminar roteiros e acabou como roteirista famoso. Veio então a estréia como diretor em "O FALCÃO MALTÊS" e o sucesso.
   Os melhores filmes de Huston têm um tema em comum: a luta de gente derrotada em conseguir ganhar alguma coisa na vida. E a derrota final dessas pessoas. Mas são homens que jamais se lamentam, têm a vida que escolheram. Os filmes de Huston são profundamente existenciais, não por acaso Sartre gostava deles.
   Cinema era coisa secundária para John. Ele preferia viver. Me assusta um pouco a avidez com que ele matava animais. Caçadas na África e na India. Mas depois ele diz que jamais voltaria a matar um animal, cometer tal pecado. Ao mesmo tempo ele ama os bichos e chegou a destruir um de seus casamentos por isso. Optou por um chimpanzé e largou uma esposa, ( essa história é hilária ). De qualquer modo, foram cinco casamentos e as mulheres são beeeem secundárias no livro.
   Os amigos são mais importantes. O melhor foi um jockey. Mas Huston tinha entre seus preferidos escritores, nobres europeus, caçadores, boxeurs, tenistas e Humphrey Bogart.
   Ele fala de como foram feitos seus filmes. Nenhum é mais divertido que THE AFRICAN QUEEN. Feito em locações precárias, numa Africa ainda sem contato com o "mundo civilizado". Bogart odiando aquilo tudo, e Kate Hepburn amando a aventura. Formigas vorazes, nuvens de mosquitos, desinteria, água imunda, ruídos na noite, elefantes e leões, macacos vivendo nos sets. Tempestades. Há um filme de Clint ( meu favorito de Eastwood ), que narra esses bastidores. O papel de Huston é feito por Clint...
   O pior foram os sets de FREUD. Montgomery Clift já corroído pela bebida, o roteiro impossível de Sartre e atores que se pensavam gênios. Um inferno! Os maiores elogios de John vão para atores não-estrelas, gente como Paul Newman, Gregory Peck, Clark Gable ou Sean Connery. Gente que sabia viver e que via o cinema como profissão, se arriscavam, tentavam mudar.
   Há longos capítulos sobre boxe, sobre a India e sobre a Irlanda. Todos são ótimos, mas o melhor fala sobre a arte da caça a raposa. Acredite, é muito bom. Huston nunca tenta ser simpático e está longe da era do politicamente correto. Ele é o que é, e é isso que seus filmes ensinam.
   Casou-se em impulso de uma noite, casoú-se com amiga, casou-se muito jovem e se casou com artista. E também com uma predadora. Errou em todos. Não chora por isso. Mulheres eram importantes, mas estavam longe de ser "tudo".  Amava mais às viagens, as bebedeiras, as apostas ( Huston era desse tipo que joga cara ou coroa pra ver se aceita um trabalho ou recusa ), os bichos, os filmes. Nessa ordem de preferência.
   Ele gostava de Bergman e Fellini, admirava essa coisa de se escrever sobre si-mesmo e fazer uma série de filmes "com estilo definido". Mas preferia fazer um filme diferente do outro, sobre temas exteriores a sua vida, pegar um livro e filmá-lo. Lia muito. Quatro por semana.
   Fez grandes filmes. Obras que dão um imenso prazer. O TESOURO DE SIERRA MADRE, O SEGREDO DAS JÓIAS, A GLÓRIA DE UM COVARDE, O DIABO RIU POR ÚLTIMO, O CÉU POR TESTEMUNHA, KEY LARGO, OS MORTOS...
   Nunca haverá outro diretor assim. Todos são/serão ratos de cineclube. Fãs que citam o que viram num filme e nunca aquilo que viveram ao vivo.
   Apesar de John Huston ter sido um ateu convicto, digo: Deus salve seus filmes! Um brinde a um grande Homem!
   PS: Consegui ver um de seus documentários sobre a segunda-guerra ( ele esteve lá ), é uma obra-prima. HAVERÁ LUZ foi censurado nos EUA por trinta anos. Mostra a vida dos soldados traumatizados em centros de reabilitação. O trabalho dos psiquiatras com esses farrapos humanos. É um filme de uma nobreza infinita. É puro Huston.

John Huston's The Dead - Finale



leia e escreva já!

SE EU TIVESSE DE NASCER DE NOVO, IA QUERER SER JOHN HUSTON.

   Durante dezoito anos de sua vida John Huston morou na Irlanda. E descreve em um dos capítulos de seu livro a sensação de acordar de manhã e ver pela janela éguas e potros passeando pela relva verde. A "casa" de Huston era um castelo com dezoito empregados. Os convidados, e sempre havia vários, geralmente escritores, se trocavam para jantar. Caçadas à raposa eram organizadas. Festas em pubs. O filme de Clint Eastwood ( tenho certeza que ele também iria querer ser John Huston ), Coração de Caçador, mostra esse castelo. Mas não pense que eu queria ser Huston por causa desse castelo ou de seu amor a Irlanda. Eu queria ser esse cara por causa da vida que ele teve, John Huston viveu. Viveu a vida como ela pode ser vivida. A desafiou todo o tempo.
  Ao contrário dos livros de Bergman, Scorsese, Hitch ou Woody Allen, livros que passam 90% do tempo falando sobre cinema ( o de Bergman 80%, 20% ele fala sobre depressão ), Huston fala 30% sobre cinema, nos outros 70% ele fala sobre caçadas, cavalos, apostas, jogo, viagens, boxe e amigos. Não há fofocas, não existem lamúrias, nada de pose de "artista". Huston se casou cinco vezes, segundo ele, com cinco mulheres completamente diferentes: uma atriz linda, uma lady, uma garotinha, uma intelectual e uma jararaca. Alguns filhos, mas é bacana notar, ele mal fala sobre elas. Mulheres estiveram sempre por perto, mas não eram centrais. Huston faz parte de uma geração em que ser homem significava viver livremente, e não obter o máximo de mulheres. Jogo, humor e arriscar-se eram importantes.
  Huston jogava todo o tempo. Seja caçando raposas ou leões, seja lutando boxe. Ao ver uma luta na tv, apostava com os amigos. Mas principalmente, cada filme era uma aposta. Já se falou muito que Huston filmava para poder viajar. Mais que isso, ele filmava só o que representava riscos. Elencos problemáticos ou roteiros dificeis, locações perigosas, fracassos irrecuperáveis. A partir de 1951, até 1985, todos os seus filmes foram apostas pesadas. Alguns perderam, alguns ganharam, todos foram excitantes.
   Huston mal fala dos filmes que gosta. E até os 28 anos não teve uma profissão definida. Lutava boxe profissionalmente. Ia ao México ver touradas. Caçava e se casava. Fato do livro: ele nunca tenta ser simpático. Não se faz de sensível ou de herói.
   Quer ser pintor, acaba sendo escritor e depois passa a dirigir filmes. A impressão que dá é que ele só levou o cinema a sério por oito anos. Depois outras coisas se tornaram centrais: viver e viajar. Cada filme era uma viagem, Japão, África, Paris, Itália, Irlanda. O filme de Clint refaz as filmagens na África de "The African Queen". É a melhor parte do livro. Uma África que não mais existe ( o livro é sobre um mundo recente que já se foi para sempre ). Rios fora do mapa, canibais, manadas de elefantes, zonas incomunicáveis, perigo constante. Um quase inferno/ um quase paraíso.
   Ele fala sobre seus amigos Heminguay, Truman Capote, Steinbeck, Ben Hecht, sobre seu pai Walter Huston, sobre nobres irlandeses ( falidos ), sobre Errol Flynn, Humphrey Bogart, Mitchum, Peck... Mas o centro é sobre aqueles amigos que ninguém conhece, caçadores de raposas, médicos, donos de bares, secretárias, guias africanos, instrutores de equitação. John Huston é o típico "artista americano", ele foge da intelectualidade. Como Heminguay, Faulkner ou Whitman, a vida lhe é importante, andar, conhecer, fazer. Ser um homem, jamais um pensador abstrato.
   Seria maravilhoso ler este livro aos 15 anos. Seria um guia, tipo "Como Ser Adulto e Homem". Eu o li, emprestado por um amigo, aos 24. O devolvi e passei 20 anos procurando-o em sebos. Sempre que entrava num, ia logo às biografias atrás dele. Acabei encontrando-o dois anos atrás, no sebo em que menos esperava o achar. Li-o então, e voltei a ele agora. Não conheço melhor livro para te fazer erguer a espinha e ajeitar os ombros. 
   Sem dúvida ele poderia ter se dedicado mais. Feito as coisas com mais cuidado. Mas aí ele não seria John Huston. Seria um diretor dos anos 1970/2010, da geração cinéfila. Desses que só conhecem a vida através dos filmes que viram e dos livros ( sobre cinema), que leram. Huston lia Joyce e Cervantes, fazia um filme por ano, e mesmo assim encontrava tempo para jogar com a vida. Um touro.
   O livro se chama: "Um Livro Aberto" e é da LPM. Mais que bom, vital. Um antídoto contra os bundões, fala ainda da sua participação na segunda-guerra, da sua visão da América MacCarthista, e de um monte de apuros passados em florestas, desertos, sets de filmagem e ruas de madrugada. 
   Quando Huston tinha 12 anos o médico disse que ele tinha um problema no coração e lhe receitou cama e dieta. Ele se submeteu por dois anos. Mas começou a pular a janela do quarto de casa e ir nadar de madrugada escondido, no frio. Isso salvou sua vida e lhe deu caráter. Pelo resto da vida ele fez isso, apostou contra os prognósticos. E venceu.
   Esse é o homem. 

HITCHCOCK/ BUÑUEL/ LEAN/ X-MEN/ TAVIANI/ MURNAU/ HENRY FONDA

   MOVIE CRAZY de Clyde Bruckman com Harold Lloyd e Constance Cummings
Filme falado de um dos mais famosos humoristas da época. O tipo de Harold é o "americano comum". Um otimista. Aqui ele vai para Hollywood "ser famoso". Se mete em mal-entendidos. Me parece que "Um convidado Trapalhão" de Blake Edwards se inspirou aqui. Mas Lloyd é bem melhor em seus flmes mudos. Faltam aqui suas soberbas cenas de ação. Nota 4.
   O HOMEM ERRADO de Alfred Hitchcock com Henry Fonda e Vera Miles
Um original. É um dos mais angustiosos filmes do mestre-gênio. Sem qualquer cena de fantasia, sem nenhuma concessão, sem nada de "bonito". Esta história é real, verídica, e Hitch a filmou quase como um documentário. Fonda, desamparado, inconsolável, é um pai de familia que é confundido com um assaltante. Vai preso e todas as testemunhas o apontam como culpado. Nesse processo sua esposa enlouquece. Até que ocorre um milagre... É o mais pessoal filme do gênio do cinema fantasioso. Quando criança, na Inglaterra, seu pai lhe pregou uma peça: fez com que fosse preso "de brincadeira". Hitch nunca mais deixou de ter pavor da policia. Aqui nos sentimos na pele de Fonda. A cena em que ele é trancafiado e anda pelo espaço minúsculo da cela é magnífica. O filme inteiro é seco, objetivo, detalhista. Todo o processo de identificação, de detenção, de códigos legais é mostrado. Quem acha Hitchcock pouco "real" deve ver este filme. Inesquecível. Atenção para a trilha sonora de Bernard Herrman, é uma obra de mestre. Já nos letreiros iniciais somos tocados por essa melodia esquisita. Os olhos de Fonda são os melhores do cinema. Filme que não proporciona qualquer prazer imediato, ele se fixa na mente por sua poderosa dor. Nota DEZ.
   THE PLEASURE GARDEN de Alfred Hitchcock
É o prmeiro filme dirigido pelo mestre. Mas nada tem de hitchcockiano. Trata de duas coristas e suas disputas num cabaret. Uma chatice! Bons tempos em que um diretor podia fazer dúzias de filmes até aprimorar seu estilo... hoje o cara tem de acertar na primeira e depois se repetir pra sempre ( ou fazer continuações de HQ e que tais ). Nota 1.
   L'AGE D'OR de Luis Buñuel
Segundo filme de Luis. Imagens sobre bispos, que viram esqueletos; o desejo de um casal que é separado, escorpiões, mar e sol. Me desculpem, mas em termos de surrealismo prefiro os filmes de Man Ray. Nota 5.
   A SOMBRA DE UMA DÚVIDA de Alfred Hitchcock com Teresa Wright e Joseph Cotten
De todos os seus filmes este é aquele que Hitch mais gostava. Porque? Talvez por ter sido aquele com melhor clima nas filmagens. Inclusive o roteirista, Thorton Wilder, uma estrela do teatro,  não se mostrou chato ou turrão. Mas o principal talvez seja o fato de que este é realmente um grande filme. Um assassino foge de New Jersey e vai morar com sua irmã, numa pequena cidade do interior. Essa irmã é casada, e tem uma simples e alegre familia típica. A filha ansia pela quebra da rotina interiorana e fica em êxtase com a chegada do tio cosmopolita. O que vemos então é a lenta destruição da inocência dessa menina, o aparecimento, passo a passo, do mal na tranquila familia. Mas atenção! Nada de cenas de violência, nada de grandes dramalhões, o filme é sutil, a familia jamais percebe o mal, apenas a filha tem essa percepção. Fato complicador: tanto o tio como a filha têm o mesmo nome, Charlie. Serão duplos? A cena em que ela descobre quem o "querido tio" é, tem um movimento de câmera que se tornou célebre, Coisa de gênio. Aliás, este é um daqueles raros filmes perfeitos, não há uma cena a mais. Obra-prima. Nota MIL.
   PASSAGEM PARA A INDIA de David Lean com Judy Davis, Peggy Ashcroft, Victor Banerjee, James Fox, Alec Guiness
Estava querendo recordar como são os melhores filmes, então passei este semana numa dieta de Htchcock e David Lean. Escrevi sobre este filme abaixo. O que mais dizer? Que apesar de suas 3 horas ele passa voando? E que já sinto vontade de vê-lo mais uma vez? Nota MIL.
   X-MEN PRIMEIRA CLASSE de Mathew Vaughan
Apesar de durar uma hora e meia, este filme parece muuuito longo. E não é ruim. Claro que tem um roteiro tipo "guarda de trânsito", o seu objetivo é apenas o de manter tudo em movimento. Há também um dos mais recorrentes defeitos desse tipo de filme: as melhores cenas estão no começo. Mas se voce esquecer os diálogos ridiculos e a infantilidade dos "motivos dramáticos", dá pro gasto. O diretor não enfeita demais, apenas mostra o que tem pra se mostrar. E os dois "heróis" são feitos por atores competentes ( James MacAvoy e Michael Fassbender ). O que me intriga é: ninguém ainda percebeu que o encanto de um filme de ação está na dosagem entre movimento e diálogo? Nota 4.
   ACONTECEU NA PRIMAVERA de Paolo e Vittorio Taviani
Uma familia de hoje vai á Toscana visitar o avô. No caminho o pai conta aos filhos a história da familia. Desde a época de Napoleão até o século XX. O tema do filme é fascinante, a Europa teria traído o espirito revolucionário e se prostituido pelo dinheiro. Os irmãos Taviani são marxistas e isso os prejudica. Acabam se perdendo num rancor e numa nostalgia pelos "bons tempos" revolucionários. Na cena final as crianças de hoje são mostradas como pequenos monstrinhos que só pensam em dinheiro. Uma pena que um tema tão vasto, rico, seja desperdiçado numa direção que sempre opta pelo errado. Há um excesso de cenas de amor, um excesso de personagens sem carisma e no fim, o avô se mostra apenas um comunista estúpido. De qualquer modo, concordamos com a bundice atual da Europa e lamentamos que os ideias da revolução ( Igualdade, Fraternidade e Liberdade ) tenham sido jogados na vitrine de algum Shopping Center. Nota 4.
   TABU de F.W. Murnau
Em 1930, Murnau, diretor famoso então, se une a Robert Flaherty, maior documentarista do mundo, e rumam a Bora-Bora, Pacifico Sul. Lá fazem um filme que é um misto de ficção e de documento, este sublime Tabu. Há quem o considere o melhor filme já feito. Não sei se é tanto, mas há algo de mágico aqui. Os nativos, verdadeiros, são os atores. O que vemos são pescarias, danças, sol e areia e muito mar. E a história de um casal que se ama mas é impedido por um tabu. Impressiona o sorriso desses homens. Há neles uma leveza e uma felicidade que está extinta do mundo. Eles vivem em idilio, são naturais. Tudo é feito em grupo, todos são livres dentro do mundo que os aceita e é aceito por eles. Juro que não estou romantizando, eles realmente são a imagem da felicidade humana. Lembro que este foi o primeiro dvd que vi na vida, ( mas não o primeiro que comprei, que foi My Fair Lady ), e é um belo começo de coleção. Murnau faleceu logo ao final das filmagens em acidente de carro. O mundo perdeu um soberbo mestre. Nota DEZ.
  

O QUE É UM "GRANDE FILME" ? PASSAGEM PARA A INDIA, DE DAVID LEAN, TE ENSINA A ENTENDER. ( E pobre de quem nunca o assistiu ).

   É muito mais fácil escrever sobre bons diretores que sobre os grandes mestres. Por mais que os elogiemos sempre fica faltando alguma coisa a destacar. David Lean foi um mestre. Basta dizer que Steven Spielberg é seu discípulo/fã. Nenhum diretor inglês chega perto de sua quantidade de prêmios.
   Ele fazia um tipo de cinema que não mais pode ser feito. Um filme "de luxo", que levava quatro, cinco anos em produção, centenas de técnicos/artistas, meses em locação, meses em edição. Um tipo de filme que gente digna como Paul Thomas Anderson luta por fazer, e é boicotado. Filmes que não são de kinoplex e nem de festivais de cinema. Muito complexos e exigentes para adolescentes barulhentos, e muito bem feitos e bem escritos, profissionais, para os festivais. David Lean tinha o mesmo público de Kurosawa ou de Kubrick, o cinema adulto perfeccionista.
   Este filme é baseado num belo romance de E.M.Forster. Autor central da Inglaterra dos começos do século XX. Lean fez o roteiro e a edição do filme. E dirigiu a seu modo. E como é esse modo? Sem frenesi. Ele faz filmes de ação, de diálogos, de movimento, mas não sacrifica a estética a isso. Ele interrompe a ação para mostrar um rio, uma montanha, o sol. E mostra em seu explendor completo, sem pressa. Os filmes de Lean costumam ter as mais belas cenas do cinema. Este lhe faz justiça. Há cenas que chegam a estontear. Como exemplo, as várias cenas do trem. Há uma em que o trem passa sobre uma ponte no fim de tarde que beira o milagroso. Mas o filme é 100% belíssimo, todas as cenas são maravilhas de cor, de composição e de luz. A India nunca foi tão mágica e rica.
   E o tema do filme é esse. O contraste da sensualidade indiana com a rigidez inglesa. Lean nunca morreu de amores pela metrópole britãnica. Aqui acompanhamos uma jovem inglesa, sedenta por aventuras, que vai à India encontrar o noivo. O que ela lá encontra é uma comunidade de ingleses que jamais se mistura aos indianos. Ela encontra uma Inglaterra quente e úmida, apenas isso. Mas sua amiga mais velha trava contato com um médico indiano e isso irá ter sérias consequencias. Mais não conto, o que adianto é que não se trata de um caso de amor. O filme é sobre a força da India, seu excesso de cor, de vida, de sensualidade, em oposição a frieza enfadonha dos ingleses. Flores, folhas, bichos e principalmente as pessoas vão lentamente enlouquecendo os europeus. Esse é o tema. Vasto como o país.
  David Lean tem o dom de saber conduzir atores. Judy Davis, que em seguida estaria excelente com Woody Allen, faz a moça. Impressiona o olhar de curiosidade e depois de terror que ela nos dá. Grande atriz australiana, a confusão em que ela se enfia poderia ser uma armadilha para uma atriz banal. Para ela é um triunfo. Mas há ainda a maior atriz da história do teatro inglês, Peggy Ashcroft. Como a velha senhora que entende aquilo que a India significa, ela domina todo o filme. A cena de sua morte no mar é inesquecível. Como é inesquecível Victor Banerjee, o médico indiano. Modesto, de bom coração, tudo o que ele deseja é agradar seus amigos ingleses. Comove sua pureza, sua alegria simples, a forma como ele se afoba em tentar agradar. E a transformação que lhe cabe, a dolorosa maneira como ele toma consciência de si-mesmo. Uma atuação histórica. Alec Guiness faz um filósofo hindú e James Fox é um professor inglês que gosta do país. Fox poderia ter sido uma grande estrela, mas pirou ao filmar "Performance" com Mick Jagger e ficou dez anos "perdido" na India. Este filme é seu "retorno". Belo retorno.
   Tenho pena de uma geração que não tem os filmes de David Lean. Uma geração que só conhece filmes mutio idiotas ou muito cabeça. Filmes muito ricos e vazios, ou muito complexos e... vazios. Asssistir Lean é exatamente como ler um grande livro. Voce cresce se distraindo, aprende se divertindo e principalemte se extasia. As cenas do filme não saem da cabeça, a beleza é grande demais.
   Em 1984 este filme concorreu a 8 Oscars e venceu dois. Trilha sonora de Maurice Jarre e coadjuvante feminina para Peggy Ashcroft. Era o ano de "Amadeus" que o atropelou. Cá entre nós: eu adoro Amadeus, mas este é melhor.

The Who - A Quick One While He's Away (Rock and Roll Circus)



leia e escreva já!

A QUICK ONE- THE WHO, CONVERSANDO COM UM AMIGO, PERGUNTO A ELE.....

   Estava conversando com esse amigo. Falávamos sobre bandas recém descobertas. Ele me contava de uma banda que fazia um tipo de "música de puteiro francês", e eu lhe dizia que andava ouvindo country de raiz. Mas então veio uma questão: porque ao escutar The Who ( que tocava agora no carro ), eu sentia sempre, e repito, sempre, uma emoção "esquisita". Uma quase vontade de chorar misturada com um desejo de viajar. Why?
  Esse meu amigo disse que é porque eles são a banda mais Sincera. Há algo de puro neles, de honesto. Concordo, e é estranho. Porque lembro que eles jamais foram uma de minhas 20 bandas favoritas. E mesmo em meus tempos de rocknroll, quando eu e meus brothers só pensávamos em rock, nunca The Who esteve entre esses 20. Mas sempre, desde aqueles tempos, quando eu me lembrava deles e os colocava pra rodar, era sempre essa emoção, esse aperto no peito, essa "elevação". ( E não posso deixar de falar da emoção de assistir o festival de Monterey pela primeira vez, aos 13 anos, e pirar com a detonação que foi My Generation ).
  Who's Next é o disco mais emocionante. Mas acabei de ouvir Quick One de novo e quero falar é dele.
  Dá pra dizer que é o primeiro LP de verdade deles. My Generation saiu antes, mas é um Lp mais para coletânea de singles. Este não, as músicas foram pensadas em sequência, e até os ecos de Tommy se encontram aqui.
  Abre com Run Run Run. Urgência no ar. Uma canção adrenalina. O que logo se percebe: são apenas 3 instrumentos, mas a banda soa como se fossem dez. Os sons ocupam espaço, vibram, eles fazem barulho. Há um zumbido de fundo, uma zoeira, é a banda mais barulhenta da época. Mais que isso, são eles que criam o conceito de noise. A bateria animalesca de Keith Moon ocupa todas as brechas, os sons dos pratos enchem cada milimetro de vazio.
  Boris the Spider vem então. Muda o registro. O baixo como centro do som. John Entwistle foi o melhor baixo branco do mundo. Os efeitos de estúdio dominam. Estúdio da Track Records, estúdio ridiculo de pequeno, e a magia de usar um equipamento tão básico para produzir tanto som.
  I Need You. É uma balada histérica. A bateria passa de todos os limites. É muito barulhenta. Keith Moon não é meu batera favorito ( Bonham ), mas ele foi o melhor. O que ele faz com os pratos é absurdo.
  Whiskey Man. Tem um arranjo de trompa que é a perfeição. Segredo de Pete Townshend: o som tem sua guitarra como fundo. O som é dominado por baixo e bateria. Esse é o estilo Who.
  Heatwave. Cover das Vandellas. Roger Daltrey é um principe. Canta forte, canta como os cantores brancos de rocknroll deveriam sempre cantar ( Jagger é preto ). Aqui está tudo aquilo que The Jam fez depois. O som a beira do colapso, com elegancia.
  Cobwebs and Strange. Uma escalafobética bizarrice. Kaos. Metais e bateria. A velocidade com que Moon toca é aterradora. Ele inventa a destruição da bateria.
  Dont Look Away. O som mais Mod do disco. Mods eram os jovens almofadinhas de Londres. Seus ídolos eram os negros americanos e Who/ Kinks. Aqui se nota a diferença maior entre Ray Davies ( Kinks ) e Pete. Os Kinks são cínicos, frios, satíricos. O Who é sempre do "bem". São ingênuos. Davies já nasceu dividido entre o bem e o mal.
  See My Way. Uma aula de baixo. Entwistle faz linhas que surpreendem. Ouvi-lo é sempre um prazer.
  So Sad About Us. Uma balada dominada por uma bateria ensandecida.
  E para finalizar: A Quick One, uma mini-opera rock em vários movimentos. Uma espécie de Beach Boys regado a gim barato. Canções com vocais sublimes ( e ácidos ) que mudam de andamento e de tom sem parar. É uma obra-prima.
  Termina o disco. Emocionante. Eles continuam a Não Estar entre meus top 20. E continuam a emocionar sempre. Why????

MEU MELHOR TEXTO NASCE INTUITIVAMENTE

   Quando Auerbach ataca violentamente a religião, ele mira o alvo errado. Lança a velha e mofada tese de que a religião foi criada pelo homem como forma de explicar a vida e aplacar o medo. Portanto, por ser criada "artificialmente", ela deve ser descartada. Se voce trocar a palavra religião por arte, ou filosofia, ou ciência, ou psicanálise, ela, a frase, se aplica a perfeição. Levi-Strauss tem uma postura mais sábia. A religião é parte integrante do cérebro, e suas explicações serão sempre válidas. Válidas por explicarem aquilo que a razão não pode ( e desistiu de ) explicar. Se um ritual simbólico é instituído, ele, por mais absurdo que pareça a razão, tem uma função, possui uma linguagem que é apreendida pelo cérebro. Ao contrário do que dizia Auerbach ( e milhares de pensadores do século XIX ), a religião não nasce antes da filosofia e da arte, e portanto seria uma etapa mais primitiva do espirito humano. A religião nasce ao mesmo tempo e com o mesmo impulso que cria a arte e a filosofia. Encarar a religião como "ópio do povo", "doença da alma" ou "filosofia de crianças", é reduzir uma lingua, é não tentar traduzir uma mensagem, é ignorância preconceituosa.
   Henri Bergson procurou, corajosamente, desobstruir essa ignorãncia no inicio do século XX. E para isso, sem medo, ele intuiu toda uma metafisica do espirito criativo. Formulou as mais duras questões: O que é o tempo? O que é o nada? Como pode haver vida onde nada existe? De onde vem nosso impulso criador?
   Não irei ousar explicar suas formulações. São cristalinas, mas são complexas. Aconselho a quem se interessar que o leia. O que escrevo a seguir são pensamentos meus, influenciados por Bergson. Quase intuições bergsonianas.
   Do nada não pode advir um ser. Pois o nada é um vazio e um não-tempo. Se no universo se institui um tempo em dado momento, um antes e um a seguir, um tempo continuo, fluido, substancial, então esse tempo sempre existiu, sempre lá esteve. E sempre estará.
   Então o nada jamais existiu e não pode existir, pois sempre haverá algo. E se o nada nunca existiu, a não-vida é impossível. Pois a vida não pode se originar da não-vida. Para haver vida é necessário outra vida, mesmo que essa vida seja imensamente simples. Se um dia um homem criar vida de matéria aparentemente inerte, será um homem, que é vida, criando vida. Mas observe, será vida criada de matéria "aparentemente" inerte. Pois essa matéria deverá ter movimento, energia, transformação, tempo.
   Sempre houve vida portanto. Antes da primeira célula já havia vida naquilo que originou a célula. No cosmos flui a vida, se esparrama, interpenetra a rocha, o fogo, a luz, o tempo. Espírito simples, primitivo, que escorre por entre a matéria, que cria a própria história dessa matéria, que jamais poderá ser um nada, porque se o nada existisse dele só poderia advir o nada.
   Nossa razão não tem como perceber essa constante passagem de vida por tudo o que há. Pois a razão existe para as mãos, para os olhos, para os ouvidos. A razão é uma ferramenta que faz objetos, que quebra ossos e constrói casas. E para isso ela precisa contar, pesar, dividir em partes menores, organizar. Fora desse universo de partículas, de ordem, de peso e medida, de ação e reação, nada pode ser percebido pela razão. Ela tem uma lingua, e só pode traduzir essa lingua. Tudo que ela pode ler e entender é razão. Em tudo que ela pensa há o objeto. Ao pensar um ser ou a vida em si, sempre a razão fará desse ser e dessa vida um objeto.
   Mas nós intuimos. Percebemos por entre os momentos, muito raramente, alguma coisa que fica de fora da razão. E que não pode ser dita ou falada. Não pode ser posta em letras e linhas porque letras e linhas são objetos da razão. Ao escrever racionalizamos.
   Os poetas tentam apreendê-la. E jamais conseguem. A música tenta transmiti-la, e não chega lá. A beleza da arte é essa tentativa que sempre falha. E a religião tenta sisematiza-la, através do rito, e falha.
   Porque não se pode explicar com palavras, que são pedaços de coisas em tempo que se divide, alguma coisa que é fluxo indivisivel, tempo que não se apreende, vida que corre e se espalha.
   Bergson chama essa vida que existe desde sempre e sempre existirá de espirito.
   Espirito que molda a matéria, que cria sem parar, que traz sempre o inesperado, a surpresa, a não divisão. Pois o tempo é criação, incessante ir-se. Já a razão é sempre uma rotina, uma causa que trará um efeito, um mistério que será desvendado ( e se não o for será chamado de ilusão ).
   Vale ainda dizer, como é bem mostrado pela moderna antropologia, que o apogeu de toda sociedade se dá na plena vitalidade religiosa. Não no poder politico da igreja, entenda, mas sim na efervescência brilhante dos símbolos, dos significados, da intuição. Na crença da transcendência. A decadência acontece conjuntamente com a descrença. A dessacralização da vida é sintoma de velhice, de falta de élan vital. Seja Roma ou Cartago, Grécia ou a civilização do Ganges, uma tribo do Xingú ou aborígenes da Austrália, sua morte e apagamento se dá pelo fim da ligação espiritual com a vida, a perda de uma significância ancestral e de descendência, o apagar dos mitos que são verdades. O fluir do espirito que é o tempo, é bloqueado, asfixiado, ignorado. Esse espirito não pode ser morto, pois é impossível criar o nada daquilo que sempre é , mas essa civilização deixa de o reconhecer, de falar com ele, de ler seus sinais. Ela morre então.
   O grau de felicidade de uma terra é proporcional ao seu grau de criação. E essa criação se dá na intuição, que é uma não-fórmula. Um eterno inesperado. Todo o resto é decadência.

LEWIS CARROLL, ATRAVÉS DO ESPELHO E NO PÁIS DAS MARAVILHAS

   A Zahar Editora lançou recentemente um pequeno livro de capa dura com as duas obras-primas de Lewis Carroll. Traz as ilustrações originais de John Tenniel e a tradução premiada de Maria Luiza Borges. Custa apenas 19,90 na Cultura. Comprem.
   No País das Maravilhas é uma das leituras mais estimulantes da história. Livro inesgotável, tem várias leituras possíveis. Há quem o leia como um manual de sedução de menores. Leitura absurda na minha opinião. Outros o percebem como sátira a monarquia inglesa. Não é apenas isso. Tem gente que vê nele um nonsense digno do Monty Python. Jamais!!!! O livro de Carroll faz todo o sentido do mundo, nada é gratuito. Então o que é?
   Prazer da escrita e felicidade da criatividade. Ler e reler e treler Alice é acima de tudo uma experiência feliz. Na loucura dos personagens ( todos fascinantes, alguns adoráveis ), e na esperteza de Alice há a faísca da vida em movimento, da inteligência humana em seu apogeu, da página fertilizada, do cérebro livre. Alice é uma sinfonia em favor da criatividade. Tim Burton errou por ver em Alice tintas de medo e de sonho ruim. Fez uma Alice Burtoniana, nada tem de Carroll.
   Mas eu nunca havia lido Através do Espelho. Abri o livro ontem às 12hs. Não parei de ler até o terminar. Foi uma das melhores experiências que já vivenciei em leitura. Voce entra no livro e não quer sair. É um novelo de lã que te absorve, é um desfile de personagens fascinantes, um pesadelo que vira poema e volta a ser pesadelo, um enigma todo centrado no jogo de xadrez.
   Alice vai das estripulias de seu gato até as peças do xadrez, passa por campos e sentidos inversos, encontra monstros e cavaleiros inventores e ao final não sabe se sonhou aquilo ou se ela "é o sonho de seu gato". Tudo cabe nesse livro que é ao mesmo tempo de um racionalismo perfeito e obra cheia de simbolismo místico. Mas acima de tudo é um prazer inenarrável, uma leitura fascinante, divertida, rica, e que ao final dá uma sensação de "abertura", de liberdade de pensamento.
   Concordo com Harold Bloom, Carroll é tão grande quanto Gogol ou Balzac, Eliot ou Conrad. Com uma diferença, Carroll é mais divertido.
   Lewis Carroll foi professor de matemática em Oxford. Alice foi criada para suas amigas de 11 anos de idade. Há controvérsias sobre a veracidade da pedofilia de Carroll. O mais provável é que tudo ficou no platonismo puro. De qualquer forma reduzir o gênio de Carroll a um caso de tara sexual é reduzir a arte a doença. Alice é uma obra-prima, um monumento a criatividade humana. E com esses dois livros Lewis Carroll vive enquanto viver nossa cultura.

KON ICHIKAWA/ POLLACK/ RISI/ MINELLI/ CLARK GABLE/ WALSH/ BURT LANCASTER

   A HARPA DA BIRMÂNIA de Kon Ichikawa
A segunda guerra acabou de terminar. Estamos na Birmânia e um soldado japonês, que toca harpa, tenta convencer grupo de soldados kamikazes a se entregar. Depois o acompanhamos em suas caminhadas pelo país. Sua jornada é ao mesmo tempo uma reportagem sobre os horrores da guerra e um mergulho em sua alma. Belíssimo filme de um dos grandes do Japão. O fato de filmes como este serem lançados em dvd dignifica e justifica a invenção do formato. Se o inicio desta obra parece banal, conforme ela se desenvolve seu crescimento se agiganta. Imperdível. Nota 9.
   A DEFESA DO CASTELO de Sidney Pollack com Burt Lancaster, Peter Falk e Patrick O'Neal.
Pollack em seu momento mais "artístico". O filme é maneirista. Cheio de zoons, cortes abruptos, som que invade a cena seguinte, pistas e rastros de simbolismos vários. Fala de um pelotão de soldados americanos que toma posse de um castelo belga para deter avanço nazista. Até aí tudo normal, mas o que vemos é um bando de yankees que desejam destruir o castelo. Lancaster faz o capitão do grupo. Uma de suas falas é exemplar "-A Europa não está sendo destruída, ela já morreu." Há em sua voz e em seu olhar um imenso desprezo pela arte que abunda naqueles salões, pelos nobres que lá moram. Seu desejo é vencer os nazis, mas também ver o castelo em ruínas. Falk faz um italo-americano, tudo o que ele quer é fazer pão na padaria da vila belga. O'Neal é um amante das artes patético. O filme está longe da perfeição, mas faz pensar e é original. De ruim a trilha sonora de Michel Legrand. Para onde foi esse Pollack tão ousado? Nota 6.
   A MARCHA SOBRE ROMA de Dino Risi com Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi
Maravilhosa diversão. Estamos na Italia de 1920. Gassman ( excelente como sempre ), é um desempregado metido a malandro. Um colega, que agora se tornou fascista, o convence a se juntar ao partido. No inicio suas ações são patéticas, mas com o tempo eles terminam por matar. Tognazzi ( outro ator fantástico ), é um camponês que se une ao grupo, mas ao contrário de Gassman, ele tem dúvidas. Todos tentam chegar em Roma, onde haverá um grande comicio dos fascistas. O filme é uma estupenda comédia. Faz aquele misto que o cinema italiano tão bem sabia fazer, une coisas muito sérias com o riso, une emoção com educação. O filme não tem um só momento ruim. Nota 9.
   A RODA DA FORTUNA de Vincente Minelli com Fred Astaire, Jack Buchanan e Cyd Charisse.
Um dos meus filmes favoritos. De todos os gêneros de cinema, em termos de prazer puro, nada se compara ao musical. União de design, ação, humor, teatro, dança e melodia, o musical quando acerta é completo. Este é um deles. Astaire dança pouco, mas as músicas são todas coisas de gênio. Clássicas. A meia-hora final, toda em musica e dança é delirantemente deliciosa. É um dos que eu levaria para uma ilha deserta. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
   O CAMINHO DO GUERREIRO de Sngmoo Lee com Geofrey Rush, Kate Bosworth e Danny Huston
O céu é uma coisa amarela. Os cenários são todos como desenhos de graphic novel. Cada faca ou tiro desferido é fake e o sangue abunda em vermelho rubi. A luz que ilumina as cenas parece doentia, é de um azul cobalto viciado e putrido. A história, algo a ver com vingança em vila de western, chega a ser irrisória. Como é possível um adulto escrever algo tão ruim? Uma certeza: OS PIORES FILMES DA HISTÓRIA DO CINEMA ESTÃO SENDO FEITOS AGORA. Impossível negar, é o fundo do poço. Filmes ruins sempre foram feitos. Mas nunca tantos em tão grande ruindade. E o pior, tão caros. Nota(.........)
   TO PLEASE A LADY de Clarence Brown com Clark Gable e Barbara Stanwyck
É sobre um muito macho piloto de fórmula Indy. Interesse principal: corridas de Indy em 1950 muito bem filmadas. Os caras corriam sem capacete, sem barra Sto. Antonio e sem cinto de segurança!!!! E vestidos de camisa pólo!!!! As pistas não têm guard-rail e o piso é de areia dura. Haja cojones!!!!!! Gable faz, com seu jeito de machão protetor e decidido, um piloto arrogante. Barbara é a jornalista snob que cai de amores por ele. A gente vê o filme e torce por mais cenas de corrida. Elas logo vêm, são muitas. Boa diversão. Nota 6.
   TRÊS DIAS DE GLÓRIA de Raoul Walsh com Errol Flynn e Paul Lukas
Errol Flynn em seu primeiro filme após problemas com a lei ( uma acusação de estupro de uma menor ). Faz um condenado a guilhotina que troca sua execução pela vida de cem franceses. Como? Se entregando aos nazis como sabotador francês procurado. O filme é totalmente inverossímel. Mas Errol e Walsh eram profissionais maravilhosos. Gostamos de olhar e ouvir Errol Flynn, e Raoul Walsh tinha o dom do corte na hora exata. Nota 6.

BEATLES E ROLLING STONES, A GENÉTICA DO POP ( BASEADO EM TESE DE KEN EMERSON, ENCICLOPÉDIA DO ROCK, ROLLING STONE )

   Os Beatles nasceram pobres. Tiveram uma educação truncada e começaram a ralar desde cedo. Seu objetivo era a sobrevivência. Trabalhar e ser aceito.
   Os Stones que contam ( Jagger, Keith e Brian ), cresceram no seio da ascendente classe média inglesa dos anos 50. Estudaram em escolas de arte ( Mick se formou em economia ). Seu objetivo era se exibir. Ser famoso e incomodar.
   Essas são as duas atitudes opostas que marcaram todo o pop feito desde então.
   A atitude Beatle, em que a banda ama seus fãs, e em que a ingenuidade idealista permeia tudo o que é feito. Os Beatles, mesmo quando de vanguarda, sempre procuram se comunicar com seu fã. E fundam a Apple em pensamento de extrema naive. Uma gravadora de amigos para os amigos.
   Os Stones sempre foram indiferentes a seus fãs. Eles desejam ser amados, nunca nos amam. Nada neles é ingênuo, tudo é calculado. A Rolling Stone Records existe apenas para administrar a carreira do grupo. A atitude deles é sempre a de "vejam como sou diferente".
   Ingenuamente Paul acreditou nos Beatles, ingenuamente John acreditou na paz, ingenuamente George acreditou em gurus e ingenuamente Ringo acreditou nos anos 60.
   Jagger e Richards jamais acreditaram em nada que não fosse neles mesmos. Jagger acreditou também em sexo e dinheiro. Richards em drogas e no blues. E todos os Stones nunca tiveram a ingenuidade de crer em seus fãs. Para eles os anos 60 foram cinicos.
   Os Beatles sempre são sérios. E tudo o que cantam luta para ser sincero. São reis do lá lá lá cantado em coro com seus fãs. Devolvem o afeto que recebem.
   Os Stones nunca parecem sinceros. E jamais são sérios. Eles podem ser assustadores, vaidosos, sexys ou raivosos, mas nunca são confessionais. Não fazem nada para ser cantado em coro e sugam o afeto que recebem. Devolvem ele em forma de risos e deboche.
   Nos Beatles há toda a herança do meio em que cresceram. Eles são trabalhadores. E têm um modo cristianizado de agir. Há dor e culpa sinceras neles.
   Os Stones são pagãos. Seu modo de ser é completamente classe-média. Estão na coisa para se dar bem. Para fazer algo contra o tédio, contra o anonimato. São blasé.
   Let it be ou Hey Jude, All You Need Is Love ou I Am The Walrus são impossíveis no mundo dos Stones. Elas são todas confissões. São espirito.
   Sympathy For The Devil ou Under My Thumb, Let It Bleed ou Brown Sugar são impensáveis para os Beatles. São todas "do mal". São carne.
   Todo o pop desde então conformou-se a essas atitudes. Ou voce ama seu público ( U2 ), ou é frio com eles ( Led Zeppelin ).
   Amável ou excitante, naive ou cínico.