BUNDA MOLE

Conversando ontem com um amigo. Sob influência de um artigo da Folha que chama esse oba oba sobre a "revolução" internética coisa de bunda-mole.
Fato : toda revolução se faz na rua.
Fato : de Bill Gates a Marcelo Tas, dos bundinhas do Facebook a todo garotinho fofo em seu mundinho protegido. Todos são bundões do mundo real. Na rua, todos eles são nerds, ratos de laboratório. O mundo virtual é sua vingança contra aqueles que ganhavam nos esportes e comiam as meninas.
Fato : Aqueles caras continuam a comer as meninas e a vencer nos esportes. A turma internética só vence na virtualidade.
Ser revolucionário é ir apanhar, correr riscos reais, botar a cara no fogo cruzado. Perder algo para vencer, ou tentar vencer, depois. Com sua bundona mole em cadeira acolchoada, nada há de revolucionário em se penetrar em sites de grandes companhias. Não existe risco algum. Voce não vai levar chute, soco, tiro, não vai ter de correr e fugir. Sua massa glútea continuará mole, como sempre foi.
A midia precisa de noticias. Qual a novidade nos documentos vazados ? Alguma coisa te deixou perplexo ? Faz de conta que sim.
O computador é um brinquedo. A vida continua acontecendo fora de seu quarto.
Ao contrário do que se pensa, em mundo que será completamente interligado e onde todos desenvolverão imensas bundas moles e fofas, quem dominar O MUNDO SÓLIDO E REAL, e não o virtual, DETERÁ O PODER.
Em futuro de cegos, quem tiver bunda dura e olho vivo será rei.
Fato : o futuro não irá tolerar segredos e dedos duros existirão aos montes. Bundas moles com dedos duros. Quem ousar ser diferente será dedurado.
Em ovelharia, todos balindo em seus micro chips, assistindo os mesmos filmes e ouvindo os mesmos sons, inexistirá o silêncio e a reflexão. Ovelhas modernas são boa carne para açougue. Quem for lobo irá dominar.
Eu estou fora.

O BRASIL MUDOU, VADINHO X CAPITÃO NASCIMENTO

Raras vezes na história do cinema um filme conseguiu mudar um país ( eu falo de povo, não falo de meia dúzia de intelectuais ). Recordo de EASY RIDER e OPERAÇÂO FRANÇA que mudaram a América. Lembro dos filmes de gangster da Warner, que influenciaram toda a visão que o povo tinha do crime, e os filmes de Frank Capra, que ajudaram a reerguer os famintos e os desiludidos da depressão. TROPA DE ELITE mudou o Brasil. É o primeiro herói nacional ao estilo da lei, ao estilo Dirty Harry, um cowboy brasileiro, finalmente!!!!
TROPA destronou DONA FLOR como maior bilheteria. O Brasil muda de herói.
Vadinho era o herói. Baiano, cheio de ginga, muito mulherengo, sem trabalho, ele explora Flor e a trai com todas as mulheres possíveis. Morto, ele volta à Flor e se torna seu amante. Eis a imagem do antigo herói brasileiro: malandro sorridente, hiper-sexualizado, mentiroso. José Wilker era esse brilhante ator. E é muito dificil assistir Dona Flor hoje. O filme, ao contrário dos muito superiores O BANDIDO DA LUZ VERMELHA e MACUNAÍMA, envelheceu muito. Mas ele exibe a imagem que o Brasil amava. A malandrice. Com o tempo essa malandrice perdeu a ética ( havia a ética do malandro ) e com a cocaína em cena a coisa passou do limite.
Um novo herói surge. Totalmente assexuado, neuroticamente violento e vazio, mas sim, corajoso e comprometido com o bem. Se Flor era um filme só possível no Brasil, aqui temos uma obra transnacional. Poderia ser de Hong-Kong ou dos USA. É um novo Brasil, país que nos tempos de Flor tinha dois heróis: Vadinho e Roberto Carlos, o malandro e o romântico, os dois a mercê das mulheres; e que hoje tem Nascimento e Lula, os dois comprometidos com a tal classe C.
Se voce é gringo e ainda pensa o Brasil como terra de malemolentes mulherengos, de ninfas fazedoras de quitutes apimentados, de tempo de doce vagabundagem, sorry, esse mundo é tão morto como é a América de Sinatra e a França de Sartre. Brasil é hoje ambição e pressa, guerra por espaço e luta para botar a cara na midia. Uma sub- Miami.

O DIA EM QUE JOHN LENNON MORREU

Os americanos dizem que todos lembram, com estranha clareza, de onde estavam e o que faziam no dia em que Kennedy foi morto. Eu recordo de cada detalhe do dia em que John Lennon foi morto. ( E eu não era um fã. Em 1980 eu amava os Stones e ouvia muito Police, B'52's, Clash, Pretenders e Jorge Ben ).
Foi a melhor época da minha vida. Primeiro colegial, Objetivo Pinheiros. Apaixonado pela Aninha. Que era louca pelo meu melhor amigo, Carioca. E ele era o cara mais hilário do mundo. Uma amiga dele gostava de mim. Mas eu não gostava dela. De tarde eu jogava volei na escola e andava à toa, com Tinho e Carioca, pelos fliperamas e pelo Iguatemi. É maravilhoso quando somos felizes e temos consciência disso. Eu vibrava de alegria.
Naquela manhã eu escovava os dentes. Pensava no fim das aulas. Já sentia falta de Aninha. Meu irmão, que ouvia rádio na sala, veio ao banheiro e me perguntou: - Sabe quem morreu? John Lennon ! Mas não deve ser verdade....
Dei de ombros. Que história mais besta. Beatles não morrem, são eternos.
Mas na escola o professor de inglês estava com olhos vermelhos. Era verdade. E não me perguntem porque, o dia inteiro eu senti vontade de chorar.
Como na morte de Tancredo Neves, aquele foi um momento em que parecia que todo mundo se unia no luto. Na tarde de 9 de dezembro, eu e meu irmão ouvimos Imagine no rádio e eu não segurei o choro. Durante dois meses o que se ouvia era Woman e Starting Over. Foi o mais belo de meus natais e foi um natal com trilha de Lennon. Happy Xmas.
Era lindo andar por Pinheiros e ouvir em cada loja uma música de John Lennon ( não existiam camelôs ). No bar era Imagine, na loja de roupas Woman, no mercado Starting Over e na rua Dream. Nas lojas de discos os lps de Lennon se esgotavam. Comprei Walls and Bridges ( é meu favorito dele ) e os dois primeiros dos Beatles. Além de um poster. No shopping ( só existia o Iguatemi e o Ibirapuera ) só se ouvia Lennon. Todo o tempo.
A sensação foi terrível. Se Lennon não era imortal então todos podiam morrer. E nos anos seguintes se foram Miles Davis, Kurosawa, Laurence Olivier, David Lean e até Bergman. Todos os deuses eram mortais. De certa forma eu perdia a infancia ali.
O disco dele foi ridicularizado quando saiu. Diziam ser o pior disco de Paul feito por John. Mas após sua morte todos disseram que não era tão ruim. Era ok. Eu nunca o escutei. Mas gastei o Walls and Bridges de tanto ouvir. E o primeiro dos Beatles tem uma música chamada Anna! Aninha!
John Lennon desde então me recorda natal. E nada de triste, mas sim uma época de alegria plena. De roubar salgados em supermercado e de tomar sorvete com Fanta falando de Ana. Calor e chuva. E daquele dia triste, em que o mundo inteiro escutou Happy Xmas e chorou junto.

BRUCE WILLIS/ MICHAEL DOUGLAS/ CAPRA/ DEMME/ ASTAIRE/ FLYNN

RED de Robert Schwentke com Bruce Willis, Mary-Louise Parker, John Malkovich, Helen Mirren, Richard Dreyfuss, Ernest Bognine e Karl Urban
Este filme, absurdamente estrelado, tem um grave defeito: um inicio confuso e muito sem sal. Depois melhora e sua hora final é bastante divertida. Bruce envelheceu bem e segura o filme com seu carisma tranquilo. Mas Mary-Louise está excelente e Malkovich tem uma cena hilária ( correndo atrás dos bandidos ). Helen Mirren tem momento relax em carreira exemplar: desde a ninfeta de A Idade da Reflexão ( obrigatório!!!! ) passando por teatro shakespeareano e filmes de arte, até o Oscar e a atual popice. Este filme, tolo, diverte por ter atores certos e gostáveis em papéis adequados. E é isso. Nota 5.
O SOLTEIRÃO de Brian Koppelman e David Levien com Michael Douglas, Mary-Louise Parker, Jesse Eisenberg e Susan Sarandon
Douglas em atuação perfeita e emocionante. Adianta eu falar que é o filme do ano? Com essa avalanche de lançamentos pré consagrados, quem liga para um filme fora do hype? Muito bem escrito, ele mostra o homem-masculino como urso polar ou lobo europeu: em processo de fuga. Douglas se reafirma como grande personalidade do cinema e o filme é drama sem choro e arte sem afetação. Brilhante! Nota DEZ.
O RIO DAS ALMAS PERDIDAS de Otto Preminger com Robert Mitchum e Marilyn Monroe
Nem Mitchum consegue salvar este western frouxo. Falta melhor trama e falta um bom personagem. Das divas do cinema, MM é de longe a pior. Só foi boa atriz com Billy Wilder. Preminger quando acertava era rei, mas quando erra é quase insuportável. Nota 3.
O HOMEM FORTE de Frank Capra com Harry Langdon
Langdon foi humorista famoso hoje esquecido. Seu tipo era muito estranho: um tipo de crianção inocente fofo e bobo. O rosto como o de um anjo irritante. Mas o filme é bom, graças ao talento de Capra para o movimento. Vemos Langdon zanzando pela cidade atrás de seu amor. Nota 6.
MELVIN E HOWARD de Johnathan Demme com Paul Le Mat, Mary Steenburgen e Jason Robards
É um dos filmes favoritos de PT Anderson. E foi a zebra de 1980. Um filme modesto que foi aclamado pelos criticos. Demme depois se tornou o cara de Silencio dos Inocentes e Filadelfia. O filme trata de Howard Hughes ( um comovente Robards ) que vaga pelo deserto. Um operário lhe dá uma carona. Acompanhamos o cotidiano desse operário americano, um simplório. Hughes lhe deixa a herança e ele a perde nos tribunais. Me diga: faz quanto tempo que o cinema americano não faz um filme sobre simples trabalhadores? Fosse hoje ele seria um drogado terminal ou um engraçado trapalhão. Mas aqui não, é vida real. Demme já demonstra seu talento para conduzir atores. Um belo filme pobre. Nota 7.
A ALDEIA DOS AMALDIÇOADOS de Wolf Rilla com George Sanders
Uma cidade fica isolada do mundo. Quando volta ao normal, todas as mulheres engravidam. Os filhos que nascem são muuuito estranhos. Uma parábola sobre filhos e pais. O medo que os pais têm de uma nova geração. É um pequeno clássico inglês. Nota 7.
UM AMOR DE DANÇARINA de Robert Z Leonard com Joan Crawford e Clark Gable
Anos 30. Gable super macho, Joan como a sexy com fibra. Escapismo para a era da depressão pós 1929. Tudo é previsivel, mas a MGM faz as coisas correrem tão depressa que acabamos caindo "no samba" e nos envolvendo com toda aquela besteira. Isto é cinema profissional. Nota 6.
MELODIAS DA BROADWAY de Norman Taurog com Fred Astaire e Eleanor Powell
Tudo brilha quando Astaire dança. Ele não era deste planeta! Flutua e nos passa uma imensa gama de sentimentos e significados com o bailar de seus pés. Um milagreiro! O filme, de rotina, fala de shows e estrelato. Powell era super-estrela, mas era ruim. Fria e distante, não funciona. Mas Fred salva tudo quando em cena, nós o amamos e penetramos em sua terra de sonho. Amar cinema e não amar Astaire é como amar rock e não gostar de Beatles, impensável Nota 6.
GENTLEMAN JIM de Raoul Walsh com Errol Flynn e Alexis Smith
Walsh foi um dos gigantes da Warner. Um mestre da ação, seus filmes fluem e envelheceram muito pouco. É mestre em narração, as cenas se ligam, a história é contada com leveza e mal percebemos seus cortes e o tempo que passa. Errol Flynn era o ator fetiche de bom humor, beleza, rapidez, economia, glamour. Os dois juntos fazem aqui o ponto mais alto da longa carreira de Walsh ( 80 filmes!!!! ). È a história de Jim Corbett, o campeão peso-pesado que inventou o bailado no ringue, o jogo de pés. Jim é exibido como um muito alegre e muito esperto irlandês ambicioso. O filme, festivo, se concentra na vida familiar de Jim ( muito alegre ) e em suas lutas ( muito emocionantes ). Errol Flynn está perfeito: adoramos aquele tolo rapaz simplório, deslumbrado com a fama, bailando no ringue e nas ruas. É um filme perfeito. Nenhuma cena é fraca. Tudo é vida e ação. Aula de como se fazer um filme. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

LUXO, CALMA E VOLÚPIA, TOUJOURS PROVENCE, LIVRO DE PETER MAYLE

Perto do Natal, verão, como em todo ano, eu me dou presentes. Só leio o que significa prazer. Filmes que sejam como festa para a alma ( musicais, muitos musicais ). Natal para mim é luxo, calma e volúpia.
Então releio Peter Mayle e sou de novo tomado pelo sol da Provence. Mas a terra descrita pelo inglês Mayle, é real ? Ah bon.... seus vizinhos Ridley Scott e Russel Crowe dizem que sim. Os parisienses dizem que sim. Pois então a Provence é um tipo de Bahia da França, terra de preguiça, onde as pessoas nunca têm pressa, onde nada funciona, terra anti-Inglaterra, terra em que relógios não são usados e a produção inexiste.
Peter se apaixona pelas pessoas. Por sua falta de afetação, pela sua calma, pelo fato de que cada uma delas é "um tipo". Tipos com seus carros velhos e sujos, os cigarros fedidos, as roupas à vontade e os gestos amplos e livres. Esse povo que só tem um assunto: seu estômago.
Eu sei o quanto minha familia fala de comida e bebida. E do belo e civilizado costume que eles têm de à mesa só falar de comida. Á mesa deve-se comentar a delicia da salada e o frescor do vinho. Jamais falar de outra coisa a não ser: comida. E como se come!!!! E como se bebe!!!!! Adoro ler os livros de Mayle perto do Natal porque eles dão essa vontade louca de comer, beber, celebrar, viver.
Vinho, trufas, queijos, pão, escargots, alecrim, salvia, frangos gordos, peixes, rabanetes, linguiças, aperitivos, conhaques, doces, sorvetes, salsichões, omeletes.....
E esses dias de siestas, de almoços que vão até de noite, de longos cafés, e do nada de pressa nada de stress. A Provence, com sua poeira, sua falta de chuva, seu calor africano, seu povo malicioso e aberto, seus recantos romanos. Peter se esparrama em tardes de preguiça, de champagne gelada, de cuidar do jardim. De luxo.
( E vejo na tv uns caras falando do que seria luxo hoje. Para a classe C, luxo é o mais novo celular, o mais moderno computador, o carro mais chamativo. Para a classe C, todo o luxo está ligado ao que é novo. Para a classe A, luxo é conforto. É não precisar ter esforço, trabalho. São roupas macias e exclusivas, uma casa com jardins e espaço, um iate. Mas aí vem a diferença, existe a classe AA, e para eles, luxo é uma casa antiga, um velho restaurante, peças de herança de um avô, ter tempo livre, almoçar sem pressa. Para esse povo, todo o luxo está ligado a simplicidade e a antiguidades. Ah bon....então Mayle é o A dos A )
Assim como assistir um filme de Fred Astaire ou Cary Grant, ouvir um disco de Duke Ellington ou dirigir um velho Bugatti, luxo é fazer ou valorizar tudo aquilo que está inevitávelmente fora de moda, que é execrado e ridicularizado pelos novidadeiros classe C. Luxo é Peter Mayle. Que é Provence. Toujours Provence.

TODO CORAÇÃO É SIMPLES - GRAM PARSONS

No mundo conturbado de 1968, e do qual somos o resto e o objetivo, cantar country music era se confessar racista/republicano/ignorante. Nada era mais conservador e anti-revolucionário que cantar acompanhado por fiddle/ slide guitar e banjo.
Gram Parsons surge em 1968 e junta-se aos Byrds. E sózinho resgata o som da Georgia, do Tennessee, do Jack Daniels. Gênio.
Os Byrds já eram uma banda decadente ( naqueles anos velozes 4 anos era um século ) quando o muito jovem Parsons foi convidado a entrar. E ele tirou de McGuinn e Hillman tudo o que havia de psicodélico. No lugar tascou country music. Coragem. Isso seria o equivalente ao Barão Vermelho voltar tocando Tonico e Tinoco e Pena Branca e Xavantinho. Entenda, não era o country modernoso ou o universitário. Nem era um tipo de gozação. Era o country de raiz, o mais tosco, simples, do matão.
Mas ele fez uma coisa mais ousada que tudo: não mexeu na música, mas modernizou as letras. Falava do mundo de sua época e sob a ótica de um jovem rebelde. Seria como se fizessem no Brasil de agora, chorinho tipo Pixinguinha, falando sobre o morro do Alemão.
Logo, Gram Parsons saiu dos Byrds. Saiu por discordar de uma série de shows na Africa do Sul do apartheid. Formou os Flying Burrito Brothers ( que nome do cacete!!!! ) e o resto é lenda. Vende pouco, mas influencia toda a musica pop de então. Resgata a ingenuidade de corações que sofrem de amor, de solidão e de injustiça. As melodias, doces, piegas, chorosas, lindas de desenho celestial, grudam nas artérias de quem as escuta. Mas, irriquieto, ele salta dos Burritos e se vai à carreira solo.
Dois discos apenas. 1973 e 1974. Duetos deliciosamente sofridos com Nicolette Larson. A banda que o acompanha é a de Elvis. O Elvis de Las Vegas. Só feras. Os dois discos fazem um milagre em quem os escuta: dão vontade de se apaixonar. Há uma canção chamada SHE que é de doer de tão bonita. GRAM PARSONS ERA UM ANJO.
Torna-se o melhor amigo de Keith Richards e os Stones tentam soar como Gram. ( Dead Flowers, Sweet Black Angel, Wild Horses ). Mas Gram Parsons morre.
Retrato da época ( em cena que foi aproveitada no GRANDE LEBOWSKI ): ele queria ser cremado. E que suas cinzas fossem jogadas ao deserto. O que seus amigos fizeram? Pegaram seu corpo e encheram de gasolina no deserto. E atearam fogo! O corpo, lógico, não virou cinza. Que viagem! Tiveram que levar os restos carbonizados à funerária. Waaaaal......
Tivesse vivido, Parsons dominaria facilmente o rock made in California dos anos 70. Ele era pop como os Eagles e Linda Ronstadt, mas tinha o amargor de Jackson Browne e de Warren Zevon. E ninguém era tão raiz quanto ele.
Ouvir Gram Parsons em 2010 é conversar com o próprio coração.
Creia, seu coração tem a voz de quem canta SHE. Seu coração é piegas. É country.
GRAM PARSONS ERA LINDO.

UM ATOR GIGANTE

Antes que voce pense que estou exagerando, leia a bio aqui resumida de Errol Flynn ( que passou ontem em tv aberta ).
Nasceu na Tasmania e seu pai o levava para caçar ossadas de marsupiais. O pai era um mulherengo, a mãe tinha amantes. Errol, péssimo aluno, logo passou a praticar pequenos furtos e usava sua beleza para enrolar ricas herdeiras da Austrália. Foi para a América após ser procurado por roubar algumas jóias de uma de suas amantes.
Na América tornou-se modelo e numa festa foi descoberto. Estréia em super-produção da Warner, Capitão Blood, e é até hoje o ator que detém esse recorde: o de estourar mais rapidamente. Da noite para o dia ele se torna mito, em seu primeiro filme!!!!! Atenção, ele nunca havia atuado!!!! Mas vem o flerte com a tragédia. Errol se casa com a belíssima Lili Damita e o casamento é feito de socos, copos que voam e contusões na cabeça. No divórcio ele perde tudo o que tem.
Mas o dinheiro volta a rolar. Na Warner, que tinha Bogart, Edward G. Robinson e Bette Davis, é ele a maior estrela. Cria o Robin Hood definitivo e faz westerns, filmes de guerra, piratas. Flynn os detesta. Quer ser ator sério. Constrói casa de sonhos. Lá faz orgias, festas que duram dias e começa a usar heroína.
Escreve dois bons livros. Errol quer ser escritor. Ele é. Mas será sempre um "ator que escreve". Acontece a revolução espanhola e ele vai para o front fazer reportagens. As envia e são excelentes. Conhece os rebeldes de Barcelona, corre riscos em batalhas reais. Quando volta diz que se sente ridiculo em participar de batalhas made in Hollywood.
Seu amigo John Barrymore morre. Uma piada que ilustra o tipo de vida que Flynn vive. Resgata o corpo do necrotério e o coloca na sala de David Niven. Sentado e com cigarro na mão. O susto de Niven, que a princípio conversou com Barrymore, foi histórico.
É processado por duas adolescentes. As duas o acusam de estupro. Flerta com o perigo: durante o julgamento Linda Christian, de 14 anos, vive em sua casa. É absolvido.
Veleja em seus veleiros. Pesca e navega pelo Caribe. Se apaixona pela Jamaica.
Mas o vicio o destrói. Deixa de fazer sucesso. Aos 40 anos já é um velho.
Apaixona-se, agora já em total falência, por garota de 15 anos. Ele tem 48. Se casam. Resolvem morar em Cuba.
Errol Flynn será o primeiro repórter a entrevistar Fidel Castro. Se comove com a revolução e faz documentário sobre a guerrilha. Ensina Fidel a discursar. Volta a Hollywood, tem um retorno com filmes de Huston e de King. Mas está doente, quebrado, fora de moda.
Perde sua última casa, e em jogo de poker ganha um hotel na Jamaica.
Morre do coração no Canada. Aos 50 anos.
Queria ser enterrado na Jamaica. O colocam em Hollywood ( lugar que ele odiava ). Dos grandes do cinema ninguém comparece a seu enterro. Poucos fãs.
( ..... )
Errol Flynn poderia ter vivido até 1990. Morreu em 1959. Seu auge como estrela durou apenas sete anos ( 35/42 ). Mas hoje, 2010, ele é ainda cultuado. Criou sem querer dois tipos de moldes: o herói de aventuras sorridente e cool; e o ator que pouco se lixa para a fama.
Foi a guerras, escreveu livros, viveu uma revolução socialista, foi ladrão, casou quatro vezes, foi pai, viciou-se, fugia do tédio, navegava. Fez documentários sobre pesca, turismo e Fidel. Foi o mais bem pago dos atores, o mais paquerado e perdeu tudo em amores errados e bebida demais. Orgias e um desejo de ser mais sério. Fugas.
Errol Flynn foi um gigante. Foi gigante porque no mundo ainda improvisado em que ele viveu, onde um homem ainda podia ser livre e incógnito, onde tudo ainda estava por se criar, ele ousou. Sua insatisfação era imensa.
Eu adoro Clint, Steve McQueen, Russel Crowe, Pacino, Nicholson. Mas os atores pioneiros, esses John Wayne, Cary Grant, Fred Astaire, Errol Flynn e Bogie, esses inventores dos moldes onde todos moram, são gigantes, deuses, imbatíveis.
O cinema americanos dos anos 30 é o símbolo de nossos sonhos. Um Valhala, Eden, nada sólido, arquetípico, primal, básico e imortal.
E nesse Olimpo, Errol foi Mercúrio. Asas nos pés. Um gigante.
E sempre sorridente...

EDUCAÇÃO E INFÂNCIA NO CAFÉ FILOSÓFICO

O cara floreou um pouco demais, mas o que importa é que ele reafirma que apesar de tanto se falar da infantilidade do mundo atual, nunca tratamos tão mal tudo o que é verdadeiramente "da criança". Matamos a criança diariamente, tolhemos sua liberdade e sua inerente irresponsabilidade. Não a deixamos ser inútil, sem propósito, solitária, sonhadora, livre. Pior que tudo, a matamos em nós.
Digo mais: Ser adulto sem criancice não vale a pena. É preciso ser bobo, ingênuo e leviano. É preciso esquecer seriedades e perder tempo com bolhas de sabão. Brincar.
O mundo não está infantilizado, ele está gagá. É um infantilismo de velho senil. Piadas sobre sexo contadas por impotentes. Medos vários, o maior sendo o de se parecer velho. Fofocas rancorosas. Desconfiança de tudo o que não for comprovado, testado, experimentado. Desdém por sonhos e utopias. Ansiedade por segurança. Preguiça, muita preguiça.
O mundo torna-se ( como disse Octavio Paz ) um imenso asilo, em que tudo é dieta/ exercício e lazer dirigido à saúde. A água e o chá substituem o vinho e o licor. A arte se torna distração ou lição, ela se faz estranhamente útil. Arte sem criancice, sem ingenuidade, que não sonha.
A infância está sendo assassinada por ser inutil. E vida sem infância nada vale.
PS: quem quiser saber realmente o que é ser criança veja dois filmes:
A GUERRA DOS BOTÕES de Yves Robert e A IDADE DA INOCÊNCIA de Truffaut. Tudo está lá. O universo cruel, necessário, fantasioso, vivo, solitário, belo, de toda criança. Obrigatório.

ALEJO CARPENTIER - O REINO DESTE MUNDO

Antes de Garcia-Marquez e de Vargas Llosa havia Carlos Fuentes e Angel Astúrias, e antes de tudo havia Carpentier.
Nascido em Cuba, filho de francês com russa, morou na Europa onde conheceu Lorca e se tornou surrealista. Mas retornou a América, e aqui apoiou a revolução de Fidel, se tornando um tipo de herói cubano. O REINO DESTE MUNDO é o primeiro livro que leio de Alejo. Volume magro, 130 páginas, mas que história!!!!! Para ele, é a América centro do planeta, lugar onde mundos se encontram, reino deste mundo e de todos os mundos, dimensão onde tudo é possível e tudo acontece, país da magia, absurdo de crueldade e de sangue, realidade que se observada com detalhismo se revela hiper onírica, simbólica, louca.
A novela é muito simples. O Haiti entre 1785/1820. Ti Noel é o nome do personagem central. Um escravo. Franceses que são donos de negros. Negros que fazem tambores de feitiçaria. Muito sexo e muito sangue. Europeus que são ridiculos em seu mundinho materialista e moralista. Seus padrecos e suas etiquetas. Negros que crêem em preto velho que virou inseto, virou pássaro, vive para sempre. A escravidão acaba e vem a revolução. Pretos estupram e matam todas as brancas. Degolam cães, esfolam cavalos. E criam uma república tão opressora quanta a da escravidão. A tragédia do Haiti, a tragédia da América. Ti Noel vai à Cuba. E em Cuba tudo é prostituição. Tudo se vende: jogo, corpos jovens, bebida, sangue, loucura. Volta ao Haiti e se aterroriza com o rei negro, Henri Christophe. Outra revolução, mais carnificina. Nova república, novas misérias.
Ao final Ti Noel se torna formiga, vira ganso, descobre a perfeição em ser ganso. Mais importante, ao morrer lúcido, descobre a dignidade em ser Homem. O livro é maravilhoso e prazeroso.
Antes há uma introdução que não deve ser lida, deve ser rezada. Nela Carpentier fala do maravilhoso. Ex-surrealista, ataca a vulgarização da magia, o modo fácil como se invocam duendes e magos em livrecos de segunda. A coisa comercial e mecânica que se tornou o extra-mundo, o sonho, o além. Truques de palavras, truques de imagens, fórmulas vazias. A diminuição do imenso. A Europeização da América.
Para se ser Quixote, ele diz, é necessário crer no quixotismo; para se entender o maravilhoso é preciso ser maravilhoso e para se perceber o imenso, há de se ser grande. Para osafricanos um homem é um pássaro e portanto ele pode voar. Para os europeus antigos um homem era ser de magia e portanto tudo podia ser verdade.
Se hoje cremos apenas na ciência, tudo o que vemos é racional. O homem como fórmula quimica.
Mas a América é onde espanhois loucos viam Eldorados. Onde portugueses comiam indias e se perdiam nas Minas. Guerras que dizimaram civilizações inteiras ( coisa que nem Hitler conseguiu ) onde se matava para ver o sangue jorrar. Terras de feiticeiros e de homens-plantas. De florestas ainda secretas, de sexo e de morte em todo recanto, em toda bruma. Onde não chove, desaba um rio do céu. De terremotos que tudo destroem, de febres e de insetos semfim. América que insiste em ser irracional, ridicula, surpreendente e sempre igual. Do futuro que é inalcansável, da mais dura injustiça, de cachoeiras e de desertos de morte, onde a vida ainda acontece e é terrível.
Porque a Europa morreu. Porque o branco puro está morto. A Europa se matou ao negar sua herança mágica, sua irracionalidade. Ela se matou ao trancafiar seu inconsciente. Lá seca a vida, pois lá tudo é certo e correto. Seus tambores são apenas tambores e suas igrejas são apenas palácios. Magia de feira e poesias de rimas banais. Mataram-se todos os lobos e todos os ursos. A Europa morreu.
Mas a América ainda é burra. Aqui ainda se tenta e se erra. Ainda se crê e o que é sombra respira. Tanto para ser feito, tanto que não se conhece ( e que fique em sombras ). A América respira e geme e sangra. Homens viram cactus e mulheres viram peixes.
Ler Alejo é acreditar na vida.

O SOLTEIRÃO ( SOLITARY MAN ), O MELHOR FILME DO ANO

Enquanto o povo hypado segue o fashion style de Fincher, Nolan e que tais, um monte de bons diretores, sem capas de magazines, sem lançamento hiper mudernu e sem favores de midia comprada, vai construindo carreira que no final das contas é o que dignifica o cinema americano.
Esse povo, que esperou ansiosamente por Alice, que chamou o filme tolo de Nolan de genial e que mal pode esperar pelo filme sobre o facebook, não pode e não deve perceber o quanto são dirigidos pelo pessoal de RP dos estúdios. Esse povo da Warner/ Universal e Sony, percebeu que existe um público imenso ávido por consumir a tal da arte. E como esse povo jamais viu arte verdadeira em cinema, fica muito fácil vender gato por lebre. Basta dizer a eles ( numa revista bem alternativa ) _ Hey! Isto é alternativo! Isto é genial!!!!
E eles tornam-se incapazes de procurar por si-mesmos o que tem valor. Só vale o que causa fru fru. Nesse mundo de bosta, gente que faz filmes simples e verdadeiros passa como fantasma. Não existe. Veja este maravilhoso filme....
Michael Douglas ( o melhor ator americano em atividade hoje ) anda por avenida. Logo após ir ao médico e descobrir que tem um problema no coração. Não, não é filme sobre doença. Ele ignora o aviso e anda, todo de preto, confiante. Toca Solitary Man, de Neil Diamond ( outro gênio pop mal valorizado ), na voz de Johnny Cash. Com essa cena inicial se define todo o filme, ele é um maverick, ele está solitário por ser, em mundo de homens castrados, um garanhão ativo. E em ambiente que é todo contra ele, sua sina é a derrota.
Toda mulher lhe interessa. E quanto mais jovem, melhor. Ex-casado, avô, ele insiste em ser atraente, em ditar suas regras, em viver. Sua filha, claro, casada com compreensivo psicólogo, lhe dá um belo conselho: vá fazer terapia e se reequilibrar. Quando ouvimos isso, nós, homens com mais de 40, sentimos o coração se esfacelar. E as bolas encolherem. Mas o nosso herói (sim, ele é um herói ) não desiste. Ele traça a enteada, faz amizade com nerd que é exemplo do homem do futuro, e vê tudo se voltar contra ele. Ninguém pode aceitá-lo mais. Porque ele insiste em não ser castrado. Ele não respeita as mulheres "enquanto seres humanos iguais".
O filme, muito bem escrito, termina com conclusão nenhuma. Não sabemos se ele aceitará socorro, ou se correrá atrás de mais uma jovem disponível. O filme lembra muito aqueles maravilhosos filmes americanos de 1969/1975. Ele é de verdade, é íntegro, é profundamente humano, e principalmente: jamais engana. Nada é feito para agradar. Nada é forçado para impressionar.
Michael Douglas atinge o nível das atuações históricas. Tudo nele é sutil. Consegue unir extrema fragilidade com um devastador orgulho. É um cavalo de pata quebrada, um falcão cativo. Símbolo de masculinidade, passa todo o filme tentando preservar seu direito de ser livre ( não à toa foi Douglas quem produziu em 1975 Um Estranho no Ninho para Forman. Seus temas são os mesmos ).
Ele existe para caçar. Caçar emoções. Vencer, seduzir, correr. Ele quer morrer livre de receitas, de medos, de dietas. O diálogo final, com Susan Sarandon, é cortante como faca. Tudo se explica e nada fica resolvido. Só nos resta invejá-lo e chorar por ele. Se voce gosta de bom cinema, eis seu filme. Se voce vai atrás de filmes "geniais", fuja dele.
Michael Douglas fez os dois papéis que mais me impressionaram nos últimos anos, um professor em crise e agora este macho em extinção. O cara está me expondo na tela. Que bom!
Solitary Man me dá esperança de que o cinema ainda possa sobreviver por alguns anos mais. Os diretores Brian Koppelman e David Levien prometem muito e o produtor é Steve Soderbergh. Os dois diretores se juntam a Alexander Payne, Joe Wright, Curtis Hanson, Jean-Marc Valée e Todd Haynes como talentos afinados com o melhor do cinema. Contam muito sem esfregar nada na cara da platéia. Têm dom natural. São mavericks. Este filme é absolutamente obrigatório.

CINEMA DE ARTE ( HOMENAGEM A MONICELLI )

Não existe mais cinema autoral na América. Tudo é pop. E isso não é necessariamente ruim. Torna-se besteirada quando o cara, jeca, tem vergonha de ser pop e finge ser artista. É como o cara que compra Proust, lê o resumo e vai às reuniões de ex-alunos de física posando de entendido. Quem tem um olho em terra de cego é rei.

Cinema autoral, hoje, só no terceiro mundo. Na europa a tv financia o cinema e tv não pode ser arte. Pode ser esperta, culta, inteligente, mas nunca autoral. É trabalho de grupo, tem patrocinador forte, precisa causar hype, tudo que um autor não admite.

O cinema americano hoje está dividido entre pop assumido, pop que se finge arte e pop gracinha. No pop assumido reside o melhor. Como sempre, o cinema lá tem vocação para circo. E circo, quando bem feito, é insuperável. O pop que se finge arte tem por patronos Gus Van Sant e David Lynch. Por mais que eles tentem ser autorais, tudo neles é popice. Desde a trilha sonora, passando pelos atores, cenário e problemas apresentados. É tudo tão artístico quanto um clip da MTV.

E tem o cinema gracinha, que as vezes acerta. Ele nasceu com Hal Ashby e seu Harold and Maude ( Ensina-me a Viver ). Gente fofa, gente do bem, com seus dramas de familia destruídas, com suas dores infanto-juvenis, com suas escolas cruéis. Esse cinema tenta sempre parecer do bem, e tem sempre algo de franciscano, de hippie, de bacaninha.

Desde quando os críticos de cinema Godard, Truffaut, Chabrol, Rhomer e Rivette descobriram que western é arte a situação é essa. Até então, bons filmes eram os pop-arte, e só eles. Era por isso que Hitchcock era subestimado. Assim como os westerns de Ford e Hawks. Filme bom tinha de tratar de temas nobres, sérios, tinha de ser relevante. tinha de PARECER ARTÍSTICO.

Mas esse bando de franceses mostrou que um tiroteio pode ser mais artístico que um drama sobre incesto ou sobre a impotência. Que uma paisagem de Ford vale mais que um diálogo de Eugene O'Neill.

O Oscar jamais entendeu isso, e continua achando que arte é falar sobre esquizos ou sobre refugiados. Às vezes eles acertam, mas sempre pela razão errada.

Mario Monicelli é superior a tudo que Rosselini fez. Os Eternos Desconhecidos é uma obra-prima "sem querer", o que são os melhores filmes. Desconfie sempre que um diretor sentar na cadeira e falar: Farei uma obra-prima!

Sam Peckimpah é arte profunda e é hiper pop. É muito superior a John Cassavettes, que tenta o tempo todo ser maldito.

Os Irmãos Coen dão de lavada em qualquer diretor hermético metido a novo Kubrick. Assim como um diretor pop assumido como James Mangold nunca erra.

O filme sobre Bob Dylan, que eu acho ser um dos cinco melhores desta década, é pop até o osso. Ele trata de um ídolo pop, de propaganda pop, de jornalistas de moda, de Fellini. Todd Haynes jamais perde esse rumo. Nada há de chocante, genial ou simbólico-vazio. Torna-se arte sincera.

Mas veja bem, quando se fala em arte no cinema jamais passamos do nível Jack London, Conan Doyle ou Alexandre Dumas. O mais genial dos diretores ( Bergman e Kurosawa ) chega no máximo ao nível Evelyn Waugh/ Somerset Maugham. O cinema é pop, depende de bilheteria e de comunicação com grupo, jamais será erudito.

Quem mais tentou ser erudito foi Dreyer. E Tarkovski. Cinema de autor, cinema que não mais existe é esse. Assista A PALAVRA de Dreyer e SOLARIS de Tarkovski. Isso não é nada best-seller. Tenta ser Dostoievski e Kafka. É outra coisa. Cinema. Cabeça, metido, chato pacas, mas ao menos, original, sincero e muito corajoso.

Se voce quer arte não procure cultura de massa. Leia Tolstoi, leia Sebald, ouça Stockhausen ou John Cage. Cinema sempre é para a massa. Mesmo que seja a massa jeca que pensa que fazer um filme sério, crispado, hermético e escuro seja fazer a tal da arte. Arte para quem nunca entendeu arte. O tal olho em terra de cego.

Nunca foi tão fácil posar de artista. Quase ninguém viu algum dia a tal arte. E quando viu, a ignorou sem compreender nada. Miopia de quem não exercitou olho e entendimento. Então alguns tipinhos passam a posar de arteiros. E a fazer filmes para míopes. Arte ? Não. Popice travestida de pretensão. Musiquinha triste, imagens trabalhadas, temas dificeis. Pop como uma "História em Quadrinho "adulta". E é só.

O pop pode ser maravilhoso. Desde que seja assumidamente, pop.
Abba é melhor que Pink Floyd e Michael Jackson que Smiths.
O que? Loucura? Onde? Voce é ingênuo de achar que o Floyd é anti-pop e que Morrissey é nobre? Em que mundo?
Tente escrever uma canção como Mamma Mia e uma como Wish You are Here. Qual a mais dificil de compor ? ( Adoro as duas. Mas para mim as duas são do mesmo naipe ).
Não pense que ouvir Radiohead ou assistir Almodovar faça de voce algo erudito ou especial. Faça de voce um cara Anti´pop. O que te faz diferente é o entendimento que voce tira de tudo. Perceber a beleza de uma luta de Jackie Chan ou a verdade numa canção de Tim Maia. Posar de artista por gostar de Lars Von Trier é muito fácil. É como comprar um Bacon e colocar na sala. E daí ? O que voce tirou daquilo ?

Scorsese sempre foi melhor que Haneke.

TEMA DESTE TEMPO

Cada época tem seu tema. Cada época se define por aquilo que lhe é urgente.
Não venha me falar no sentido da vida. Isso é tema de 1880. É coisa de Tolstoi, Dostoievski e Kiekegaard. Nem pense que agora vivemos a época new-age ou tempos de revolução. O tempo revolucionário foi 1776, o tempo da new-age jamais existiu. O que nos define é a violência, nosso ícone é uma arma, nosso engenho é um novo caça e nossos desejos são desejos de poder.
Toda a literatura relevante, hoje, fala de guerra, de fuga, de sangue. Os filmes que valem a pena ( dos últimos vinte anos ) tratam da banalidade da maldade. All you need is love é nostalgia para meninos dos jardins.
Não me venha com dramas familiares, casais descasados, freudianismos e sexo travado. Isso é velho como Tennessee Willians e Ingmar Bergman. A vida interior fechou, o que abriu foi o boteco da carne. O sangue jorra, os tiros cantam, os carros estão blindados, a cidade da bossa-nova é a metrópole da guerra.
Sem religião vale tudo. O medo do pecado nos freava. Sem estado forte pode tudo. A punição nos dava medo. ( Sim, existem ateus bonzinhos. Mas esses têm sua religião própria. Substituem Deus e Cristo por Marx e Poesia ).
Portanto vale tudo. Para quem não tem deus-Platão ou jesus-Hegel. O que guia é o desejo livre, e desejo livre não leva a felicidade e paz, leva à selva. O que eu quero eu quero agora.
Nossa melodia não pode ser melódica. Ela tem batida de metralhadora. Nossa roupa não pode ser elaborada, tem de favorecer a fuga. E nossas casas não são mais jardins hospitaleiros, são casamatas. Flanar como Baudelaire ? Onde ?
Toda arte que não trata da violência é irrelevante, saudosa, falsa, vazia, passadista.
Toda bandinha alegrinha, todo cantorzinho fofo, todo filminho cabeça. Avestruz. Manual de fantasia para bando de avestruzes. Masturbação.
Os melhores filmes deste milênio falam do medo, do sangue, do tiro e da fuga. ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ. A fala final de Tommy Lee define esta era. O resto é supérfluo. E nada é mais supérfluo que Woody Allen.
Não precisamos de um novo Mozart. Precisamos de um esconderijo.