A TRILHA SONORA DA SUA VIDA.

   Leio no Face e me permito não dizer quem escreveu isto: " Escutar tanto uma obra musical até a decorar. E assim, sem mais perceber, carregar essa obra dentro de si. Fazer com que ela seja então parte de sua alma. "
   Bela frase e bela ideia. E verdade verdadeira.
  Passo pela vida, como vocês, com melodias dos Stones, do Led ou do Elton John nos lábios. JJ Cale é minha trilha das ruas, The Band é o som da amizade e o Roxy Music dá o tom de todos os meus romances. Mas.....Não é disso que ele fala! Ele fala da música que se entranha dentro de voce e passa a ser o som do seu batimento cardíaco, a trilha sonora dos seus sonhos, a música que embala TODA A SUA VIDA. É o som que revela o seu EU mais profundo, secreto. Ele vive latente, pulsante todo o tempo, independente do que voce sente, vive ou pensa naquela momento. Está além da alegria ou da dor. É voce-mesmo. ( Self ).
  O Concerto para piano número 20 de Mozart é minha alma em forma de som. E como creio que a alma é um som, ele é eu. Cada fragmento sonoro sou eu aos 12, 20, 30, 90 anos. E é eu depois de ido desta vida. Decorei todos os seus minutos, cada movimento. O movimento lento é como sinto e sei do amor. Os primeiro acordes, trágicos, são meus traços faciais e minhas rugas mentais. Está além de qualquer palavra. É alma.
 O mesmo pode ser dito da Sinfonia Sexta de Beethoven. Não a carrego nos lábios. Nem mesmo na memória. Ela está em meus genes.
  Termino com o resto da frase citada acima: " Decore sua sinfonia, sua peça musical. Ouça-a até que ela faça parte de voce. Deixe-a ser sua. Esse é um dos maiores tesouros da vida. Ela será sua identidade."

MANDRAKE...A DIVERSÃO POPULAR EM TEMPOS DE CRISE.

   Federico Fellini era fã de Mandrake desde criança. E dizia, quando adulto, que desejava filmar o herói com Mastroianni como Mandrake. Não conseguiu. Nos tempos de Fellini filmar uma HQ não era coisa séria.
   Mandrake foi o herói mais popular do mundo. Ainda peguei o fim de seu reinado. Até o fim dos anos 70 ele era tão famoso quanto Superman e Batman, e muito mais conhecido que qualquer herói da Marvel. O gibi vendia como pão, e as crianças brincavam de Mandrake na rua. Um herói de fraque, cartola e bigode. Outro tempo.
  A Pixel lança uma edição de Mandrake com duas histórias, uma de 1936 e outra de 1942. Lee Falk criou o personagem nos anos 30 e criou também o único herói que podia rivalizar com ele em popularidade, O Fantasma. Nos tempos da depressão americana, as aventuras se passavam em lugares míticos, Arábia, África... Narda, a namorada de Mandrake, ainda era a típica moça americana dos anos 30: espevitada e levada da breca. O feminismo deve muito mais a esse tipo de moça que às Simones e Fridas do mundo. A segunda história da revista é de 1942, e é incrível como o mundo mudou em 6 anos! O realismo é maior e os traços do desenho de Phil Davies mais duros, menos sensuais.
  Li em algum lugar que quando o homem perde o amor pela vida ele começa a imaginar sagas em outros planetas. Aqui temos a aventura possível neste planeta. E mais que isso, a arte popular ainda se permite ser absolutamente ingênua. Mandrake é um herói infantil. Como todo herói é. De Ulysses até Wolverine, não existe herói adulto. O herói adulto seria um medico ou um pai de família. Eu falo aqui do herói mítico, do herói sobre-humano.
  Pena a edição ser em cores. A cor estraga as sombras e as linhas mais finas dos originais. Uma concessão a modernidade que mostra o gosto deturpado dos anos 2000.

PELAS TRILHAS DE COMPOSTELA, O RELATO DE UMA VIAGEM LAICA - JEAN-CHRISTOPH RUFIN

   Rufin é diplomata e membro da academia francesa. Relata aqui sua primeira viagem à Santiago de Compostela, a pé, partindo da fronteira francesa e cruzando o país Basco, a Cantábria, Astúrias e por fim a Galizia. Rufin não é religioso, é francês, tenta ser objetivo. Começa a viagem falando de sujeira, frio, paisagens e fome. Com o tempo e os quilômetros, se torna humilde, se sente pobre, para de pensar demais, e tem quase uma experiência religiosa. Oviedo é a cidade que mais o impressiona e é lá que ele quase tem uma epifania. Mas ele a evita. Chama tudo de "budismo"... ( É engraçado como ateus fogem com nojo do cristianismo, mas aceitam alegremente o budismo ).
  Bem...o livro poderia ter sido bom, mas Rufin fica em cima do muro. Faz uma quase defesa do medievalismo, critica a modernidade, mas evita a igreja. O Caminho se torna assim uma busca pelo vazio budista. Penso ser o máximo a que um francês respeitável pode aspirar hoje.
  PS: Bela sacada dele! O pagão temia a mata e o deserto, reinos de deuses perigosos. O cristão, ao levar Deus consigo, se torna uma viajante sem medo.

O NAPOLEÃO DE NOTTING HILL - CHESTERTON

   Escrito no começo do século XX, este romance de Chesterton é passado em 1984. Mas, ao contrário de Verne, Orwell, Wells e Huxley, o interesse de Chesterton não é mostrar a ciência do futuro. O que ele exibe é seu palpite sobre como estaria a alma do mundo em 84. Para tanto, a Londres do futuro ainda tem carruagens, calçadas de madeira e fraques com cartolas. Esse lado exterior pouco importa; o autor acerta na antevisão do espírito de 1984. ( Não exatamente 84...digamos 2017 ).
  O mundo se globalizou. Em 1984 não existem mais nações. O planeta é uma coisa homogênea. Com isso, as pessoas também se homogeneizaram, e assim, vivem em absoluta indiferença. Viver é tão seguro que nada mais pode surpreender. O rei é escolhido por sorteio. Tanto faz quem seja rei. Mas então acontece algo de novo...
  O novo rei tem senso de humor. E o humor, que havia sido esquecido, passa a reger os atos do rei. Ele obriga as pessoas a usarem roupas engraçadas, a repetirem cerimônias engraçadas. A rirem. ( Ninguém ri. O rei palhaço se torna um tipo de bobo de sua corte ).
  Depois surge o fanático e é então que as coisas mudam.
  Adam Wayne é um prefeito. E ele leva aquilo que o rei diz como piada a sério. Para Wayne, cada roupa, cada bandeira, cada gesto tem um significado. A vida para Wayne é símbolo e ele consegue ler e levar em conta todo símbolo.
  Isso faz com que ele declare guerra aos outros bairros. E essa guerra muda o mundo.
  Chesterton defende a guerra. Não, não é questão de defender ou não a guerra. Sejamos adultos. Chesterton apenas nos lembra que a guerra fez o mundo e que ela é uma parte de nossa alma. Se não a aceitamos, passamos a viver a guerra ruim, falsa, desleal, a guerra da  mentira. Se aceitamos toda a história e toda a verdade da guerra, passamos a nos ver como guerreiros, e como tal, a vida se torna heráldica. Cores passam a ser palavras, desenhos e bandeiras falam à alma, gestos são carregados de vida e de morte, a fala se torna poesia. Os atos da vida deixam de ser apenas atos e passam a ser eventos. A vida deixa de ser rotina e passa a ser luta.
  Chesterton sabia que um mundo sem inimigos, sem rivalidades, sem dor, sem risco, é um mundo onde a vida não vale a pena. O momento em que vivemos joga essa verdade em nossa cara. Jovens se tornam terroristas por não perceberem onde ser jovens. Acompanhamos notícias de cometas, discos voadores, vida fora da Terra, na esperança de que algo de significativo aconteça. Até uma guerra tola nuclear nos dá uma certa esperança de que um evento enfim mude a vida. Estamos presos na segurança da vida prevista, lógica, banal. Esses fatos tentam jogar sujeira na limpeza ocidental.
  Chesterton previu que ser patriota, ser guerreiro, seria uma vergonha e não orgulho. Isso em 1904. A moderna guerra de 1914 e depois o horror de 1939 não o fariam mudar de ideia. Porque ele veria na guerra moderna a guerra sem confronto, a guerra covarde, guerra da máquina e não do homem. Pois não se esqueça que para ele, guerra é defender sua casa, seu vizinho, preservar sua praça, sua escola e levar no corpo as cores e os símbolos de seu bairro. Morrer por essas coisas. Fazer com que seu passado, o passado de sua gente sobreviva. A guerra como luta por preservar. E não como fim de tudo.
  É isso. A guerra que eu lutaria. A guerra que lutarei. Aquela que sempre lutei.

O DEFENSOR + TIPOS VARIADOS - CHESTERTON

   Voce começa a ler, se tiver jeito pra coisa, lá pelos seus 9 anos de idade. As lendas de Carlos Magno e mais Stevenson e Twain foram meus primeiros livros amados. Desses a gente nunca esquece. Depois a gente se apaixona por autores que duram um verão ou um inverno. Lembro que um dia pensei que iria amar Lorca, Milan Kundera, Camus, Pessoa, pra sempre. Ficaram na memória. Como ficaram tantos outros. Alguns a gente descobre que era só aquilo mesmo, amor de verdade, mas passageiro. Já outros foram amor fake, um engano. Penso em Sartre como fake, Nietzsche, autores com sedução fácil, juvenil, enganosa.
  Digo tudo isso porque sei ser impossível a um iniciante gostar ou sequer ler Chesterton. Ele é bem humorado mas não é simpático. Isso acontece porque ele exige muito de quem o lê. O estilo de Chesterton, todo calcado em paradoxos, pede atenção a cada palavra. Se voce se distrai, pronto, todo o sentido da frase se vai. Ele também exige paciência. Escreve como um glutão, devagar e com gosto. Os textos nunca são longos, mas todos parecem pesados. Isso porque são densos, gordurosos, cheios de temperos. Dos temperos, o mais usado é o humor, um humor irônico, sutil, agudo, mas nunca maldoso.
  Aqui temos um livro que une seus dois primeiros livros. O Defensor, como deveria ser, defende coisas que em 1905 seriam pouco defensáveis ( acho que mudou pouco desde então ). Chesterton defende o romance barato, pastoras de porcelana, a publicidade, a gíria, os bebês, as coisas feias, o romance policial e muitas outras belas invenções. Lê-se com prazer, as frases inesquecíveis e certeiras surgem em meio ao texto. E sempre usando o paradoxo, condição na qual ele foi mestre.
  Por exemplo, ele diz que bebês são adoráveis por serem sérios. Bebês olham a vida, as coisas, com seriedade. Miram tudo com o olhar do verdadeiro interesse e por isso são felizes. Cada objeto é para eles um caso de estudo apurado. E por isso os amamos. Sabemos que nosso interesse pelas coisas se foi a muito. Mal as notamos.
  Em um outro texto, ele defende a supremacia da superficialidade sobre a profundidade. Pois o conhecimento superficial é o mais próximo da verdade, daquilo que o outro é. Quando nos aprofundamos começamos a elaborar teses e explicações, e assim perdemos a bela superficialidade honesta das coisas e das pessoas.
  Chesterton defende o bom senso. Sempre o bom senso. E para ele, o bom senso mora sempre com a maioria do povo. O povo sabe a verdade pelo costume e pela tradição. O intelectual é apenas um adolescente desajustado que luta para impor ao mundo real a visão de sua alma individual. O artista, veja bem, tem o poder de traduzir em imagens ou em palavras aquilo que o povo tem dentro de si. Ou ao redor de si. O intelectual, ou o artista intelectualizado, nada sabe sobre o povo. Muito menos sobre o mundo. E por isso não aceita aquilo que desconhece e teme conhecer. Cria um mundo falso. O mundo onde tudo é cinza e a noite jamais chega.
  Em Tipos Variados, Chesterton analisa rapidamente alguns escritores, politicos e pensadores de seu interesse. Parte de Charlotte Bronte e passa por Stevenson, Tennyson... Mostra os defeitos do fim da vida de Tolstoi, escreve uma homenagem belíssima a rainha Vitória, comenta e ridiculariza o Kaiser Guilherme. Em todos os textos ele escancara o não óbvio, ilumina aquilo que não esperávamos ver ou topar. Como o fato de Bronte ter criado a primeira heroína feia da história ( Jane Eyre ), Stevenson ser tão bom em tudo que escrevia que fazia os críticos se perderem sem conseguir o definir, ou demonstrar que a rainha Vitória foi grande por saber sair do caminho. ( É seu melhor texto. Ele ama Vitória e não disfarça isso. Mas analisa com frieza ).
  Para nós, brasileiros, talvez o texto mais útil seja aquele sobre Alfred, o Grande; o primeiro rei inglês. Quando ele fala do mito que cria um povo entendemos todos os erros de nossa país. Para Chesterton, não há grande nação sem um grande mito. E não importa se esse mito aconteceu de fato ou não; o que importa é o fato do povo o ter abraçado como uma verdade maior que a história dos documentos.
  Fato a se jamais esquecer: ele diz que toda escritura que funda ou dá força à um povo é sempre um livro pela metade, ou fragmentado. Platão, Buda, Cristo, Homero, Sócrates, são todos livros, vidas, histórias contadas pela metade, com lacunas, com páginas perdidas. E por isso são obras maiores que livros fechados, completos, acabados.
  Nada se funda sobre papel impresso.
  A voz do povo é a voz de quem narra na rua.

ROGUE ONE...CAPRA...CHARLES BRONSON...WOODY...WARNER EM GRANDE ESTILO

   ROGUE ONE, UMA HISTÓRIA STAR WARS de Gareth Edwards com Felicity Jones
Nada a ver com a saga de Lucas. É um chatérrimo filme escuro e bem nojentinho endereçado para aqueles teens que acham Star Wars "muito infantil". Para lhes agradar, deram um banho de sujeira no visual da saga, filmaram tudo à noite e aumentaram o niilismo. Isso, faz de conta, é ser mais adulto. Bullshit. Star Wars, e o último episódio mostrava isso, é solar, alegre, leve, e bem anos 30. Este é apenas mais um produto dos anos 2000. Pior, a história, boba, não interessa. Os personagens são esquecíveis e o humor partiu para bem, bem longe. Um lixo.
   ANTHONY ADVERSE de Mervyn LeRoy com Frederic March, Olivia de Havilland, Claude Rains, Edmund Gwenn, Anita Louise.
Warner anos 30. Era assim que se fazia um filme de Oscar: um best seller é comprado. Se faz um roteiro. Se escolhe um elenco e se constroem os cenários. Só então se escolhe um diretor. A história tem de ser longa e rocambolesca. O filme deve agradar o universitário de NY, mas também o caipira de Nebraska. Era um trabalho árduo. O produtor era o cara que unia tudo isso. O filme seguia seu instinto. ( Nada de pesquisas baby ). Aqui temos um ótimo exemplo. O livro, a saga, vai da Itália à Africa, passa por Cuba e Paris e acaba no mar. Se passa entre 1780-1795, época romântica. Os atores são excelentes e todos têm o tipo físico perfeito. O time de coadjuvantes têm carisma e são velhas caras conhecidas. A trilha sonora, de Korngold, é fantástica. Temos romance, tragédia, muita ação, vingança, fugas, golpes, crueldade, dor. As cenas na África são geniais, o filme cresce em seu miolo. Cresce muito. March, um dos grandes atores da época cheia de grandes atores, leva o personagem à perfeição. Consegue fazer crível. Dura quase 3 horas e é um prazer. Seu único defeito é seu final, um pouco corrido demais.
  O SÉTIMO CÉU de Frank Borzage e Henry King com Janet Gaynor e Charles Farrell ou James Stewart e Simone Simon.
Saiu em um DVD a versão original, de 1927, muda, e a refilmagem, de 1936. Fazia tempo que eu não via um filme mudo. Havia esquecido da riqueza das imagens. Os sets neste filme são deslumbrantes. A pobreza de um bairro parisiense made in Fox. Muito clima, muito gótico, muito belo. A versão de 36 ainda conserva a beleza do set, mas a ênfase vai para a ação e não ao clima. O plot fala de um limpador de esgotos que se envolve com uma menina suicida. Há diferenças imensas entre os dois. É uma refilmagem como deve ser, totalmente original. Vale ver. Mas o de 27 é bem melhor. Ambos foram grandes cineastas do começo do cinema.
   PERSEGUIÇÃO MORTAL de Peter Hunt com Charles Bronson e Lee Marvin.
Caramba, ele é bom! Bronson, no Alasca de 1930, salva um cão de uma briga de cachorros. Mas com isso, passa a ser perseguido pelos amigos do dono do cão. Não é um filme de cachorro, o bicho logo morre. É sobre matar para poder viver. Sobre neve. Sobre virilidade. O filme parece ser ruim, mas engrena, e após 20 minutos vemos que é um bom filme para homens. Simples. Bem simples.
  CAFÉ SOCIETY de Woody Allen com Jesse Einsenberg e Kristen Stewart.
Um cara tem de ser muito narcisista para passar toda a velhice refazendo o mesmo filme. Voce já viu cenas de casais andando no parque, voce já viu declarações de amor junto a uma ponte. Voce já escutou as falas pseudo chiques. Voce já viu esses personagens em filmes menos ruins. Mal acredito na cara de pau do sr. Allen. Ele muda o elenco, mistura cenas e refaz um filme de Woody Allen. É óbvio, é bobo, é brega, é chato.
   MIL SÉCULOS ANTES DE CRISTO de Don Chaffey com Raquel Welch
É isso. Humanos e dinossauros vivem na mesma terra e lutam entre si. Sim, em 1966 todo mundo sabia a mais de século que eles não conviveram...mas e daí!!! Em 2017 a gente assiste gente que lança teias e voa em armaduras e não liga! O filme é um desfile de Welch, a sex symbol da época, em bikini de peles. Lindona.
   FARSA TRÁGICA de Jacques Tourneur com Vincent Price e Peter Lorre.
Horror barato em chave de humor. Price mata pessoas para fazer sua funerária crescer. Sua atuação é o máximo do camp. Falsa, cínica, vaidosa, afetada, deliciosa. Voce vê o filme para o amar. E é só.

UMA DAS JÓIAS DE FRANK CAPRA: DO MUNDO NADA SE LEVA.

   Um grande empresário precisa derrubar um quarteirão de casas a fim de construir uma nova fábrica. Mas, um dos proprietários não quer sair de lá. Enquanto isso, o filho do tal magnata, se enamora de sua secretária. Mais tarde iremos saber que ela é filha do dono do tal imóvel, e que a família snob do rapaz irá pensar que tudo é um golpe do baú.
   Mas todo esse plot é secundário, o tema central é a família que vive na casa. Lá, cada um faz aquilo que deseja fazer. Desse modo, uma filha dança porque ama dançar, a esposa escreve porque gosta de usar a máquina de escrever. O marido da dançarina toca xilofone, há dois agregados que fabricam fogos de artifício. Todos são péssimos no que fabricam ou fazem, e nenhum busca reconhecimento algum. O que eles desejam é poder fazer, não ser alguma coisa. Para todos eles, ser é fazer.
  Capra faz um filme, vencedor do Oscar de 1938, que hoje seria considerado esquerdista. Ele ataca os industriais gananciosos, os politicos ladrões, a ambição e a fama. E defende, ardorosamente, a constituição, a justiça e os pequenos trabalhadores. Mas não se iluda, os valores de Capra sãos os dos bons imigrantes americanos: trabalho honesto, propriedade como um tipo de reino particular e o respeito à tradição. Chestertoniano até o osso.
  O elenco faz magia. Lionel Barrymore é o pai. Coleciona selos, foi rico, largou tudo para viver nessa casa maluca. James Stewart é o filho do magnata. Não poderia ser mais cativante, sua inocência é crível. Jean Arthur é a filha-secretária-namorada. O tipo do personagem que emancipou as mulheres nos anos 30. E temos ainda uma troupe de grandes atores, todos, de Ann Miller à Mischa Auer brilhantes! O filme nos faz felizes.
  Frank Capra foi o grande diretor popular dos anos 30. Seus filmes, feitos entre 1932-1939, afirmaram a politica de Roosevelt. Eram lições de civismo e de otimismo. Com William Wyler e John Ford, eles formavam a trinca mais poderosa do cinema de então. Após a guerra, onde serviu, Capra mudou, e seus filmes adquiram um amargor que antes era muito bem disfarçado. É dele o mais amado filme de natal de todos os tempos, IT'S A WONDERFUL LIFE, feito já com a acidez de 1946.
  Este filme é uma de suas jóias.

Evelyn Waugh Face To Face BBC Interview



leia e escreva já!

Brideshead Revisited Episode 4 PART 6 Segment 1



leia e escreva já!

Brideshead - Charles reminisces



leia e escreva já!

MEMÓRIAS DE BRIDESHEAD - EVELYN WAUGH, UMA SEGUNDA LEITURA.

   Meu primeiro contato com Waugh foi através da série inglesa, em 24 capítulos, que passou na TV Cultura, legendada, em maio de 1988. O elenco era absurdo de tão sublime: Jeremy Irons, Laurence Olivier, John Gielgud, Claire Bloom. A série passara em Londres em 1981, e na época mudara toda uma geração de jovens ingleses conservadores. O Bowie de Let´s Dance é cópia visual do Sebastian Flyte da série. Bandas pipocaram imitando o visual anos 20 da série, de Style Council à Spandau Ballet. A fotografia da série e a trilha sonora eram sublimes. Natural que eu me apaixonasse. Nos Jardins, em SP, as pessoas se reuniam às quintas, com whisky e chá, para assistir um novo capítulo. Era ultra chique.
  Depois, via Paulo Francis, Sérgio Augusto, Matinas Suzuki, passei a entender quem fora Evelyn Waugh. Um famoso autor inglês, ativo dos anos 20 até os anos 60. Escrevera vários livros de sucesso. Famoso pela sátira, pela verve, pelo humor agudo. Brideshead é seu único livro "sério". Mas mesmo assim há algo de patético em certas descrições e diálogos. Waugh se converteu ao catolicismo ao fim da vida. Era gay. Bebia bastante. Ficou rico.
 Charles Ryder conhece Sebastian Flyte em Oxford. E essa primeira parte do livro é a melhor. Waugh nos faz amar Oxford, descreve a universidade com brilho. O amor gay entre Ryder e Flyte nos enleva. Ryder é ateu e plebeu, apesar de rico; Sebastian Flyte é hiper nobre e católico, uma estranha minoria na Inglaterra. Além dos dois temos vários personagens vivos e sempre interessantes, Anthony Blanche, uma bicha afetadíssima, o pai de Ryder, um velho engraçadíssimo, desligado e sovina; a mãe de Sebastian, carola e sofrida; o pai, um homem que fugiu da Inglaterra e virou um tipo de pecador boa vida. E muito mais...
  Com o tempo, Ryder se torna amigo da mãe de Sebastian, e isso os afasta. Sebastian se torna um bêbado e decai até as ruas do Cairo. Ryder se apaixona pela irmã de seu ex-namorado, a bela Julia. E o resto não conto.
  Não estranhem, o livro diz claramente que todo jovem inglês ou alemão aprende a amar com um amigo do mesmo sexo, e depois se torna hetero aos 20, 21 anos. Em países latinos isso é incompreensível. Nos EUA também não há esse "segredo". Não sou inglês então não tenho como saber. Mas não se engane, o tema do livro não é o sexo, é na verdade a decadência. O fim da era das casas de campo, dos criados, de um estilo de vida que morre na Segunda Guerra. A falência dos aristocratas e da vida aristocrática. O segundo tema, ligado ao primeiro, é a sobrevivência do sagrado no mundo moderno. A " Luzinha vermelha" que ainda está acesa, embora discreta.
 O livro é um dos 10 favoritos de minha vida. A série, idem.
 Reler foi um imenso bem.