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DAVID FRANKEL/ GRACE KELLY/ WOODY/ FREARS/ BETTE DAVIS

   TODOS DIZEM EU TE AMO de Woody Allen com Alan Alda, Julia Roberts, Goldie Hawn, Edward Norton, Tim Roth, Natalie Portman
É sempre um prazer ver esse povo dos filmes de Woody Allen. São intelectuais bem de vida, com suas casas bem decoradas, suas roupas confortáveis e seus dramas sob controle. É gostoso ver esse povo espelhar aquilo que a gente pensa ser. Este é dos que mais gosto. Lembro que em 1999, na tv, ele me ajudou a superar uma grande dor de cotovelo. O filme tem belas cenas em Paris e Veneza. O elenco é deslumbrante. E eles cantam!!! As canções são ótimas. E no fim, em reveillon, eles cantam Hooray For Captain Spaulding, bela homenagem aos irmãos Marx. Nota 8.
   UM DIVÃ PARA DOIS ( HOPE SPRINGS ) de David Frankel com Meryl Streep, Tommy Lee Jones e Steve Carell.
O povo da Folha adorou este filme. Eu achei chato de doer! Frankel faz carreira sólida com filmes tipo nada. Fez o Prada, o Marley e agora este. Seu estilo é nojento, taca música pop em toda cena. O cara tá andando no mercado e lá vem vozinha com piano; o cara tá dirigindo e tome voz e violão...um saco! Usar música pop em filme adianta quando o diretor entende que a música é secundária, ela comenta, não carrega a cena nas costas. Ah, o filme fala de um casal de meia idade que não transa mais. Todo o filme são sessões de terapia. Meryl faz caricatura, está nada bem. Tommy está excelente, a hora em que ele se abre é a única cena boa do filme. Típico filme que tenta ser sério e adulto. Erra. Todo adolescente pensa que ser adulto é ser chato e triste. Frankel é um adolescente. Nota 1.
   OS GALHOFEIROS de Victor Heerman com Groucho, Chico, Harpo, Zeppo e mais Lilian Roth
Groucho é anunciado como o grande Capitão Spaulding. Sua entrada é digna do melhor de Bugs Bunny. Adoro este filme caótico! É o segundo da turma, e tem de bônus a adorável Lilian Roth. História? Tem alguma coisa a ver com roubo de pintura. Talvez seja meu filme favorito dos irmãos. Nota DEZ.
   O DOBRO OU NADA de Stephen Frears com Bruce Willis, Rebecca Hall, Catherine Zeta-Jones
Não dá pra dizer que Frears está em decadência, afinal, recentemente ele fez o ótimo A Rainha. Em seu crédito temos ainda Alta Fidelidade, Ligações Perigosas, Os Imorais, Minha Adorável Lavanderia; e meu favorito, The Hit. Mas neste seu mais recente filme, não sei se passou aqui este ano, ele erra feio. O filme não é ruim, é desinteressante. Fala de uma stripper que passa a trabalhar com um agenciador de jogatina. O filme não chega a irritar, Frears sabe dar ritmo, mas nenhum dos personagens importa. São mal escritos. O roteiro é muito, muito ruim. Bruce faz o seu tipo número dois, o "brega meio doido", Zeta-Jones está com um rosto irreconhecível e Hall, filha do grande Peter Hall, um dos maiores do teatro inglês, mostra ser muito boa atriz, mas pouco tem a fazer. O filme é vazio. Nota 2.
   UM BARCO PARA A ÍNDIA de Ingmar Bergman
É o terceiro filme do mestre, de 1947, tempo em que ele ainda aprendia. Bons tempos, um diretor novato podia aprender-fazendo. Bergman só encontrou seu estilo no sétimo filme. Mas aqui já está em semente todo o futuro do estilo Bergman de cinema: mar,  isolamento, conflito com pai, sexo. Neste filme, que em seu tempo jamais poderia ser feito em Hollywood, temos um filho que apanha e bate no pai, esse pai traz a amante para morar com a familia, o filho a rouba do pai. O filme é forte e lembra os amados filmes do realismo poético francês, filmes de Carné, de Vigo, que Ingmar via muito então. Sinto que ninguém sabe filmar praias como ele. Visualmente o filme é primoroso. Nota 7.
   O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? de Robert Aldrich com Bette Davis, Joan Crawford e Victor Buono
Foi um imenso sucesso nos anos 60, e nos 70 passava muito na tv. Causou um choque em seu lançamento por seu mal-gosto. Hoje parece até elegante. Bette é irmã de Joan. Joan está presa a uma cadeira de rodas. Bette tortura Joan. Motivo? Joan fazia sucesso no cinema dos anos 30, Bette não. O filme é brilhante. Ficamos duas horas presos num misto de horror e admiração, prazer e medo. Aldrich, que logo depois faria a obra-prima The Dirty Dozen, faz miséria. O filme tem ritmo, tem ousadia e um humor hiper negro delicioso. Mas devemos dar vivas a grande, grande, grande Bette Davis. Mal maquiada, velha, suja, ela assusta com sua voz rouca, seu modo bêbado de andar, seus olhos esbugalhados. E melhor, percebemos o quanto ela se diverte em fazer aquilo. É um desempenho fascinante. Se Kate Hepburn foi a única a lhe fazer frente, devo dizer que Kate não conseguia fazer esses tipos tão vulgares. Tudo em Kate parece sempre "alta-classe", mesmo ao fazer gente pobre. Bette não, talvez por não ter a origem "nobre" de Kate, ela fazia mendigas, bebadas e prostitutas como ninguém. Este filme fica com voce. Repercute. Nota 9.
   O CISNE de Charles Vidor com Grace Kelly, Alec Guiness e Louis Jourdan
Na curta carreira de Kelly, este é de seus piores filmes. Em 1910, a mãe de Grace, tenta casa-la com o herdeiro da coroa. Filmado em belo palácio, claro que o filme é bom de se ver. Mas a história é chata, aborrecida, sem nenhuma atração. Guiness está ótimo. E Grace Kelly foi dentre as belas a mais bela das atrizes. Mas...o que fazer com roteiro tão perdido? Nota 2.

CARY GRANT/ KEN LOACH/ LUBITSCH/ INGRID BERGMAN/ GARBO/ NON

   DON JUAN de Alan Crosland com John Barrymore
O grande Barrymore faz o grande Don Juan. Enorme produção da Warner, cenários gigantes, milhares de figurantes. Cinema mudo pop, quem desejar se iniciar nesse tipo de cinema tem aqui um bom começo.
   FATHER GOOSE de Ralph Nelson com Cary Grant, Leslie Caron e Trevor Howard
Despedida de Cary Grant do cinema. Em 1964, ano deste filme, Grant tinha 60 anos e se achava velho demais para as telas. Ainda no auge da fama, ele encerra sua glória sem conhecer a decadência. Aqui ele faz um beberrão solitário, morador de ilhas isoladas nos mares da Austrália. Mas esse ranzinza é obrigado a tomar conta de ilhota na segunda-guerra. Por lá surgem alunas de colégio feminino e sua professora. O filme se deixa ver. Tem bons diálogos e consegue criar empatia. Mas o romance é forçado. Cary consegue ser elegante até neste papel desglamurizado. Vê-lo é uma alegria. Sempre. Nota 6.
   PARA ROMA COM AMOR de Woody Allen
Um dos filmes mais preguiçosos de Woody. O roteiro é pífio, os atores estão á toa, diálogos pobres, e o pior de tudo, nenhuma das histórias tem um mínimo de interesse. Uma delas poderia dar um belo filme, aquela do cantor de chuveiro. Mas é tudo travado pela falta de inspiração. Salva-se a beleza da cidade. Roma é uma mulher. Nota 1.
   SÓCIOS NO AMOR de Ernst Lubitsch com Miriam Hopkins, Fredric March e Gary Cooper
Delicioso. Num trem, uma mulher conhece dois amigos, um pintor e um escritor. Ela amará os dois, ao mesmo tempo, e todos serão amigos sempre. Ernst destila seu jeito alegre e fluido de filmar. O texto é de Ben Hecht baseado em Noel Coward. E os três atores são tudo aquilo que os anos 30 pediam: reis do charme. March tem talento e verve, Cooper foi o ator mais bonito da história do cinema. Ernst Lubitsch junta as partes com seu modo "vienense" de orquestrar.  Uma diversão admirávelmente alegre. Nota 9.
   VIAGEM À ITÁLIA de Roberto Rosselini com Ingrid Bergman e George Sanders
Casal viaja pela Itália. A crise entre os dois irrompe. Este filme, um absoluto fracasso em seu tempo, é tido hoje como uma das obras-primas de sempre. Rosselini filme on the road, há improviso, há desglamurização. É um filme adiante de seu tempo. Nota 5.
   OS SINOS DE SANTA MARIA de Leo McCarey com Bing Crosby e Ingrid Bergman
Ingrid foi eleita em 2010 a segunda maior estrela da história do cinema. Suéca, estourou com Casablanca e até 1949 foi a queridinha do público americano. Viam-na como a perfeição, a moça simples, culta e casada com um médico suéco. Mas em 49 ela conhece Rosselini, casado, e os dois abandonam seus lares para viver juntos. A carreira de Ingrid quase acabou. Voltaria triunfalmente em 1956, com Oscar por Anastácia. Aqui ela faz uma freira durona. Bing Crosby repete o padre de Going My Way. O filme é todo relax, sem grandes dramas. Parece filmado em ritmo de oração. Bem-humorado, assistimos ao cotidiano comum de gente sem nada de muito especial. McCarey foi um dos mais famosos diretores da época. Seu cinema anda meio esquecido hoje. Nota 6.
   ROTA IRLANDESA de Ken Loach
Um ex-soldado irlandês procura entender o que houve com um amigo que foi morto no Oriente. Tudo é uma trama de grupo que controla negócios no país árabe. Não é um dos grandes filmes de Loach, mas mesmo assim é um bom filme de ação. Os atores se entregam, a violência está no ponto certo. Ken Loach continua sua carreira de independência e de consciência social. É um mestre. Nota 7.
   SANGUE E AREIA de Rouben Mamoulian com Tyrone Power, Linda Darnell e Rita Hayworth
A história de um toureiro arrogante. O filme tem pouco touro e muito espanholismo da Fox. Tyrone convence como espanhol e como macho, mas o filme é enjoativo. Tudo é muito over, muito colorido demais. E pior, a Espanha se parece com um tipo de fiesta mexicana para turista. Nota 3.
   NON OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR de Manoel de Oliveira
Soldados em Moçambique. São os últimos dias de Portugal na África. Eles conversam. E cenas da história de Portugal são revistas. A história portuguesa é fascinante. Tem fatalismo, derrotas, vitórias impossíveis e desencantos às toneladas. O filme é surpreendentemente bom. Para quem odeia o cinema de Manoel, este filme pode fazer com que voce mude de ideia. Ou pelo menos vai te deixar acordado. Nota 5.
   O VÉU PINTADO de Richard Boleslawski com Greta Garbo e Herbert Marshall
Baseado em Somerset Maugham, tem as marcas do autor: exotismo e amor frustrado. Uma mulher se casa com médico. Mas logo ela se enamora de outro. O marido descobre e a castiga a fazendo o acompanhar a região chinesa onde o cólera domina. Todos sofrem, e o filme compensa isso com imagens de sombras e de beleza. Garbo é incomparável e isso pode não ser um elogio. Ela é grande, forte, masculinizada, tem um sotaque forte. Mas domina a tela, a ilumina. Eu adoro o melancólico Herbert Marshall. Um dos atores ingleses fetiche da época, com sua voz nebulosa e seus modos lentos e pesados. Nota 6.
  

GOD SAVE NOEL COWARD!!! ( PARA ROMA COM AMOR E DESIGN FOR LIVING, UMA COMPARAÇÃO )

   Uma moça conhece dois homens num trem. Os dois homens são amigos. Um é pintor, o outro, autor de teatro. Ambos pobres. Ela passa a amar aos dois. Dorme com um, dorme com outro. Casa-se com um, volta ao outro. Os amigos se tornam famosos e ricos. Ela realmente ama aos dois. E os dois amigos são realmente amigos. Jules e Jim? Longe disso! Isto é muito melhor! É Noel Coward. Design for Living, peça desse deslumbrante e muito chique autor inglês, aqui em adaptação de Ben Hecht e direção de Ernst Lubitsch. Filme de 1933, ou seja, antes do código de censura. É um filme malicioso, apimentado e que fica todo o tempo discutindo sexo, inclusive com referências ao orgasmo.
   A primeira cena é um primor. Sem um só diálogo somos apresentados ao trio. Conhecemos sua personalidade, vemos sua individualidade. Em cinco minutos, mudos, já os conhecemos. Mais que isso, são "pessoas", parecem de verdade, embora nunca deixem de ser especiais, interessantes. Há aqui a conjugação mágica: um grande texto, um diretor de gênio e atores de estrela. Assistir este filme após a babaquice de Woody Allen é um alivio.
   Woody Allen é um grande diretor. Que erra muito. E acerta também muitas vezes. Hannah e Manhattan são obras-primas ( entre outras ) e O Dorminhoco é hilário.( entre outros ). Mas o que ele faz em Roma? Nos engana. Não existe um só diálogo interessante e pior, os personagens são mortos. São arremedos de um rascunho mal feito. Temos então a história com Penelope Cruz que não diz ao que veio. A história de Roberto Benigni que poderia ser boa, mas que não é desenvolvida e se faz uma tolice atroz. Pior de todas, a imbecilíssima historieta do cara que se apaixona pela amiga da esposa. Woody já contou isso um milhão de vezes. Aqui temos um roteiro tosco e um grupo de atores que me deixa irritado de tanto tédio.  A única boa piada é a do cantor de banheiro. Que não leva ou vai a lugar algum.
   O filme, em seus primeiros minutos, ameaça ser um novo TODOS DIZEM EU TE AMO ( que é um muito prazeroso filme ), mas logo desaba. Onde TODOS DIZEM tinha prazer, refinamento e personagens adoráveis, aqui temos um vazio absoluto. Mas apesar de tudo, algo sobrevive a este desastre, a beleza esfuziante de ROMA. Deus! Que cidade linda!!! As cores das fachadas, as vielas, as igrejas da renascença que parecem sorrir para nós. Roma realmente é única, é quente, é a cidade da beleza.
   Noel Coward foi o primeiro superstar. O que entendemos de estrela da midia foi criação dele. Cantava, compunha, fazia cinema e teatro, era critico e era "famoso". E muito, muito chique. Nos anos 90 se fez um disco em homenagem a Noel. Procure. Tem de Kd Lang à Pet Shop Boys.
   Ernst Lubitsch foi uma estrela do cinema mudo alemão. Fugiu para os EUA e se tornou o rei da Paramount. Dizem que foi ele que inventou o que conhecemos como "cinema de classe". Billy Wilder o idolatrava. Como também William Wyler, Preston Sturges e até Hitchcock. Lubitsch era malicioso. Seus filmes têm um toque de "doce vienense", de cabaret de Berlim, de cultura popular do Império Austro-Húngaro. São fábulas sexy com humor adulto.
  Design for Living tem Gary Cooper, Fredric March e Miriam Hopkins. Nenhum deles é inglês. E nem tenta ser. Cooper é belo e elegante. March é bom ator e intenso. Miriam é maliciosa. Precisamos do que mais?
  Quem quiser conhecer o soberbo cinema dos anos 30 tem aqui uma chance. É um filme que pode ganhar aficionados. Uma jóia.
  Quanto a Woody...evite ROMA.
  PS: Woody Allen faz a personagem da "amiga" citar Yeats. Nem meu poeta favorito salva a coisa. Além de me parecer uma forma tola de se tentar dar substãncia a personagens rasos. Alec Baldwin cita a "Sindrome de Ozymandias". Ozymandias é um poema, lindo, de Shelley. Alec é ótimo ( e está desperdiçado ) e Shelley é gênio.... e daí?
  PS2: Tenho um amigo que tem uma tese: a de que sou um gay enrustido. Afinal, diz ele, como um fã de Oscar Wilde, Noel Coward, Evelyn Waugh, Henry James, Roxy Music e Bowie pode não o ser? Bem, ele esqueceu Secos e Molhados e My Fair Lady. Meu amigo, isso revela preconceito de sua parte. Então é proibido a um hetero amar Fred Astaire e entender de pintura pré-Rafaelista? De qualquer modo me pego pensando às vezes nisso, o porque de eu gostar tanto de escritores, musicos, ícones de um certo verniz gay. E chego ao humor. Essa coisa "witt", essa atitude cinica, essa elegãncia anos 30, isso me agrada muito. Se são valores gay ou não, que importãncia isso tem?
   PS3: ah sim, eu adoro Cazuza! E Cole Porter.


WOODY ALLEN, FLA X FLU E BENJAMIN

    A criatividade cala-se. Converso com um amigo, ontem. Este momento é um daqueles em que a criatividade está relegada a posição secundária. O que importa é o "mundo real", que na verdade ninguém sabe o que é. Um livro só será respeitado se falar da "triste condição humana" e quanto mais cinza melhor. O romantismo/simbolismo em baixa. O realismo/naturalismo em alta. Flaubert acima de Balzac.
   Engraçado o cinema. Aceitamos o "realismo" de Batman ou de Von Trier. Onde esse realismo? Na verdade nossa época é tão deprimida que todo filme down é aceito como real. Mesmo que tenha um tonto fantasiado de morcego ou viagens mentais de um umbigo narcisista. Toda obra cheia da alegre vitalidade da criatividade absoluta será vista com reservas.
   O fato é que as pessoas não estão ocupadas em nascer. Elas se ocupam em não morrer. Isso resume todo o mundo de agora.
   Leio um muito belo texto de João Pereira Coutinho sobre Woody Allen. Ele fala que as pessoas não levam Woody muito a sério porque ele não fez sua grande obra-prima. Ele não tem o filme perfeito. E isso é confirmado pelo próprio Woody Allen, que em entrevista recente, falou que nenhum de seus filmes podem ser comparados aos filmes de seu ídolo, Ingmar Bergman.
   Pois Coutinho diz que não é assim. Woody tem três filmes que podem ser comparados aos melhores Bergmans ( Crimes e Pecados, Manhattan e Hannah ), o problema é que Allen não teve, nunca, uma grande fase. Bergman lançou uma obra-prima atrás da outra durante 14 anos. Foram 17 filmes de alto nível e que mudaram o cinema. Woody, além de nada ter feito que mudasse o cinema, nunca conseguiu fazer mais de dois grandes filmes a cada seis ou sete anos. Mas Coutinho mata a charada ao dizer que na verdade Woody Allen, como um Proust do cinema, fez apenas um único filme, que deve ser dividido em capítulos. Cada filme é um volume de um grande filme, o filme-obra de Woody Allen, um filme único de um artista que começa como humorista satírico, se torna porta voz da inteligência de New York tipica dos anos 70 e depois envereda por traumas Bergmanianos e ironias literárias. Por fim, descobre tardiamente Fellini, e neste milênio faz sua "coda", um colorido panorama do mundo e das figuras mundanas Fellinianas. Uma carreira longa e talvez a mais interessante em seu todo, neste cinema sem direção de hoje.
   Leio também um texto de Jabor que chora o cinema sem alma.
   Ele deve ter lido Benjamin. Troque alma por aura e lá está a teoria de Benjamin. Assim como cinco Fla-Flu por ano destrói qualquer espirito Fla-Flu, filmes feitos para cinema, DVD, internet, PC, TV, acabam com toda chance de culto, de alma, de paixão secreta.
   O nome é Tame Impala. Boa banda de covers.

NELSON FREIRE, WOODY ALLEN, FUTEBOL E RAFINHA

   Nelson Freire talvez seja o maior brasileiro vivo. Ele voltou a São João del Rey para tocar no museu da cidade. Após 60 anos. Na verdade ele tocara lá aos 6 anos em 1950. Mozart. O Estadão escreveu sobre isso, hoje, uma página com várias e emocionadas linhas. Todo o texto, lindo, é calcado sobre a memória e tem como centro o reencontro do pianista com o velho piano usado em 1950. Freire o encontra em sala escondida e toca nela Mozart, só para recordar.... Depois, no palco, ele tocará Beethoven, Chopin e um bis com Grieg.
   Esse belo texto serve de contraste com o texto da Folha, mesmo dia. A folha usa também uma página inteira, mas com metade das linhas. Mas o diferencial maior vem no tom. Quando Nelson encontra o velho piano se fala de saudade e de reencontro, no Estadão. Já a Folha conta apenas que o velho piano estava desafinado... O texto da Folha é frio, distante, oco. Claro que rasga elogios a Nelson, mas exemplifica a "teen-agerização" da Folha. Blá!
   E é ainda no Estadão que vem um comentário soberbo sobre o novo Woody Allen. Não vi o filme, mas é dito que ele detona a tola superficialidade da comunicação e da internet. Lendo dá uma vontade de ver....
   SNL não dá!
   Os convidados fazem pose de convidados americanos, Rafinha faz caras e bocas de Chevy Chase, as moças lutam para ser Gilda Radner. E tem a banda...que não tem G.E.Smith. Tudo se parece com novela mexicana. Cópia, humor made in Paraguay. Eu amo o SNL de Dan Akroyd, Bill Murray, Steve Martin e Belushi. E depois as fases com Eddie Murphy, Martin Short, Will Ferrell....mas Rafinha não dá! O programa é fake. E começa a imitar o Pânico, o que é sinal de desespero.
   Roberto Carlos, o lateral, disse que a seleção de 2002 foi melhor que a de 82. OK. Uma venceu e a outra não. Porém, a seleção de 2002 jogou a copa mais fraca da história. Basta dizer que Coreia e Turquia ficaram entre os quatro top. Alguém pode me citar um craque da Coreia? E a final foi com a pior Alemanha. E com frango do goleiro....
   A seleção de 82 jogou uma copa maravilhosa, onde quatro seleções mereciam ser campeãs. E entre as quatro ( Itália, Alemanha, Brasil e França ), havia Rossi, Zoff, Antognoni; Breitner, Rummenigge e Littbarski; Boniek e Deyna; Platini e Tigana. E Maradona, Roger Milla, Passarella...que nem chegaram entre as quatro. Aliás o Brasil não chegou, a terceira foi a Polônia. Acho que não dá pra comparar. ( E quem pensar que é puro saudosismo digo que a copa de 1978 foi um lixo, assim como foram as de 1990 e a de... 2002!)
   Pondé fala de gente que entende de vinho como o plus-ultra do tolo. Falar de terroir, acidez, merlot e pinot-noir....blá!
   Existe também o "conhecedor" de arte. É aquele cara que vai no Masp, vê Van Gogh e sai vomitando teses sobre expressionismo. Há quem fale de Pollock com autoridade só por ter visto o filme de Ed Harris. Aliás a maioria fala de tudo só por ter visto em algum filme. Ou na TV.
   E é sobre isso o filme de Woody Allen. Que não vi...
  

TODA ARTE É SUJA E DOENTE

   Inspirado pelo belo artiguete de Vladimir Safatle.
   O artista, assim como o filósofo, viu demais. Algo que aos outros é vedado ver. Para eles a vida é grande demais, terrível demais, sedutora demais. Ao perceber a vida em toda sua plenitude, o artista se defronta com seu maior mistério: a morte. Essa vida grande demais é o que lhe dá o aspecto de doença e de neurose. Doença e neurose que É A MARCA DE TODO ARTISTA E DE TODO FILÓSOFO.
   A frase acima é de Deleuze e Guattari.
   A doença é parte da arte. Não é um ônus ou uma sublimação, simplesmente ela faz parte da visão. Mas se vivemos numa época em que a doença e a neurose são indesejadas, mais que isso, odiadas, consequentemente a arte e a filosofia serão vistas como incômodos. Se tornarão fracas.
   O artigo me impressiona por tocar ( e confirmar ) duas sensações que sempre me acompanham.
   Primeiro. Quando vejo um filme de Clair ou de Mizoguchi ( entre muitos outros ), o que mais me impressiona é a sujeira. Nada neles é limpo, polido, hospitalar. Essa poderia ser uma visão romântica minha, mas na vida que levo percebo que a inquietação e criatividade estão sempre ligadas a desarrumação, a uma certa sujeira. Amigos muito organizados, limpos, com unhas bem feitas e roupas recém passadas costumam ser cegos a complexidade inexplicável da vida. Têm explicações para tudo, compartimentam suas emoções, vêem as coisas em alcance curto. E morrem de medo de coisas como loucura, drogas, desorganização, sexo promíscuo e morte. Veja, não defendo o sexo sujo ou a droga. É que para esses hiper-controlados, quase todo sexo é sujo. Por outro lado, amigos que vivem em apartamentos imundos, roupas amarrotadas e descontrole de vida, costumam ter muito mais criatividade e coragem perante a grande vida.
   É claro que existe a pose. Fácil observar o desarrumado criativo de butique. O que falo é do cara que realmente cria algo. O amigo que está sempre às voltas com grandes ideias. O sujo Dolce e Gabanna não me interessa.
   Voce também pode falar de artistas meticulosos. Gente como Henry James, bem arrumados e de vida sexual hiper-controlada. Mas interiormente James era um kaos. Hoje seria um tomador de pilulas e um eterno analisando. Sua rotina era febril, seus pensamentos incontrolados, suas obssessões absorventes. Um doente.
   Vladimir fala que hoje a doença e a neurose são considerados "momentos vazios", que devem ser aniquilados o mais depressa possível. Como aliás ocorre com a morte, que deve ser esquecida sempre. O que perdemos é o falar com a doença.
   A doença, fisica ou não, é sempre uma crise. E a crise é o sinal de que voce se tornou PEQUENO DEMAIS PARA UMA VIDA QUE EXIGE DE VOCE A GRANDEZA. Todo doente sabe, que após a doença prolongada vem uma nova vida. Um renascimento. Voce se sente grande e pronto para algo mais exigente. A moderna fixação na saúde faz de nós um SEMPRE O MESMO. É como se ser uma crisálida fosse uma doença e nos esforçássemos para jamais tornar-se borboleta.
   Mas a vida é crise constante. É impossível não se estar doente de alguma coisa todo o tempo. Dispendemos toda a nossa energia nessa luta em vão. Nosso asco a doença, nosso horror a morte faz de nós seres que não conseguem mais dialogar com a doença e com a neurose. Fugimos das duas crises. Corremos para a não-criação.
   A vida sempre encontra respostas para as questões que ela mesma coloca. Basta saber ouvir essa resposta. A doença é a vida. Estar vivo é viver em crise e em risco. E a vida produz doença e sujeira. Negar tudo isso é negar a vida. É querer ser máquina, querer ser equação, querer ser morto.
   Triste sina: mortos não sentem dor e não ficam mais doentes.
   Jacques Lacan: Neuroses são questões. A doença é um tensionamento da vida. Deve-se buscar o que ela tem a dizer.
   Daí vem a postura do artista. Ele sabe que a questão colocada pela neurose é uma grande questão. E se esforça em encontrar sua resposta. Ele sabe que a tensão da doença é uma prova grande. E se esforça em vencê-la. Mas o que se faz hoje é exatamente o contrário. Um esforço para se esquecer da morte, se apagar a neurose e se livrar inconscientemente da doença. Ignoram-se as questões.
   Conheço os dois lados e posso dar meu testemunho. Sei o que é ter uma neurose de morte aos 16 anos e passar meses tentando entender a morte, e melhor que isso, criando histórias, teses, desenhos, ações que me fizessem entender o que se passava comigo. Eu pintava quadros, escrevia contos, sonhava sonhos absurdos, dançava a tensão. Vivia sem parar, vivia grande e com uma dor imensa. Rememorava tudo, nunca parava de fazer coisas. E buscava a vida. Tinha de achar uma resposta.
   Mas conheço também o alivio do comprimido, da solução sem dor, do imediato. Livrar-se da neurose, do sintoma com um gole de água. Deixar a vida GRANDE morrer. Eu sei o quanto a vida pode ser pequena, o quanto ela pode se tornar modesta.
   Conheço gente como eu, que fez o mesmo caminho. Todos morrem de saudade da vida GRANDE, sentem que a vida após "a cura" ficou pequena, futil, sem cor. Nos tornamos "como todo mundo", perdemos aquilo que fazia de nós únicos. Mais um anabolizado espiritual ou siliconado da vida.
   Não irei jamais voltar a ser o que fui quando "doente". O mágico da VIDA GRANDE é que voce não a escolhe, voce vive nela como sina. Ninguém opta por ser doente, neurótico ou sujo. A vida vive em voce e voce procura solucionar o enigma. Mas ninguém escolheria voltar a dor. Sabemos que viviamos de forma mais rica, que aprendíamos mais e que nos sentíamos especiais, mas não podemos programar esse retorno. Programar já seria uma traição.
   Me incomoda a quantidade de filmes com gente doente. Com hospitais. A quantidade de apartamentos limpinhos, de atores saudáveis, sem gordura nenhuma, sem uma ruga, um sinal, uma cicatriz. São filmes com gente doente "limpa". Eles não são filmes doentes, são filmes que nos ensinam a superar a morte. A vê-la como ficção. Banalizar.
   Meu quarto hoje tem cada coisa em seu lugar. E tem uma TV, som e PC.
   Sinto uma saudade imensa de quando pilhas de cadernos ficavam no chão, livros se espalhavam pelas poltronas, pincéis e latas de tinta num canto e meus dois cães dormindo em minha cama. Absolutamente solto. Naquele quarto se respirava vida. E um monte de pó e de ácaros.
    No recente filme de Woody Allen o personagem de Owen Wilson desiste de seu sonho quando recorda que em 1920 se morria de tuberculose. É exatamente o medo da morte que mata seu delirio feliz..... Pensem nisso.
    Nossa época tenta algo de grotesco: produzir arte sem sujeira, arte util, artistas saudáveis. Nosso tempo odeia a arte tanto como odeia a religião ( igreja é outra coisa ). Arte  e religião só podem ser aceitas se forem uteis e lógicas. O Util e o lógico matam as duas.
    Faça um teste. Se imagine num tempo de grande arte e  filosofia. Talvez o tempo de Kant, Beethoven, Goethe e Keats. Observe como todo esse sonho será desfeito quando voce pensar: Eles fediam, tinham pulgas e se morria de gripe. Eis o pequeno mundo maculando a Grande Vida. O medo aniquilando a coragem. O util encurtando a visão do transcendental.
    Não existe arte sem doença?
    Mais que isso, não há vida sem dor.

LEAN/ FREARS/ MALKOVICH/ LANG/ WOODY ALLEN/ POLLACK/ MERYL STREEP

   UM GATO EM PARIS de Felidoli e Bagnol
Melancólico. As crianças que assistirem esse desenho terão péssimas lembranças. Tem uma menina meia-muda que está deprê por causa da mãe, tem um ladrão de jóias meio down, tem um gato cool...Os traços do desenho são simples, esquisitos, feios. Este desenho parece servir apenas para preparar as crianças para os filmes que assistirão em sua vida adulta. Argh! Nota Zero.
   ADEUS, PRIMEIRO AMOR de Mia Hansen-Love
A jovem diretora francesa diz em entrevistas que Truffaut e Rhomer são seus mestres. De Rhomer não há nada em seu filme, de Truffaut há muito: delicadesa nas imagens, suavidade na edição, interesse genuíno pelos sentimentos. Na história simples e dolorida de um amor adolescente ( inocente ), há a constatação de que bom cinema é ainda possível. Bonito. Nota 7.
   LAWRENCE DA ARÁBIA de David Lean com Peter O'Toole, Omar Shariff, Alec Guiness, Anthony Quinn, Jack Hawkins
Qual o segredo de Lean? Este filme tinha tudo pra dar errado: um herói antipático, um enredo que fala de um momento histórico que poucos conhecem, excesso de metragem, pouca ação para um filme pop e caro. E milagrosamente tudo deu certo: o herói se faz um enigma, o roteiro diz o que quer com clareza, a duração do filme parece a exata, e a ação é percebida como ação-interior. Sucesso de público, sucesso de crítica, sucesso de premiação. A união de arte e entretenimento. A beleza plástica e boas atuações. Peter O'Toole era um desconhecido, aqui se tornou uma estrela ( e esse é outro procedimento que graças a Lawrence se tornou uma regra, fazer uma super produção com vasto elenco de astros, mas colocando um novato promissor no centro ), sua atuação é multi-facetada, complexa, por mais que o vejamos, menos o entendemos. Peter seria sempre um ator especialista em homens divididos, um grande ator. Nota MIL.
   AS LIGAÇÕES PERIGOSAS de Stephen Frears com Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Uma Thurman, Keanu Reeves
A trilha sonora de George Fenton é feita de belas fugas. A fotografia é do melhor fotógrafo de cinema dos últimos vinte anos, Philippe Rousselot, e o roteiro de Christopher Hampton ganhou todos os prêmios em todos os festivais. Este filme concorreu a vários Oscars, mas era o ano de Rain Man... De qualquer modo, revendo-o agora, após tanto tempo, seu impacto fica bastante diminuído. Em 1989 o considerei fascinante, hoje, após tantas obras-primas vistas em dvd, me parece apenas um bom filme. Glenn Close está maravilhosa em sua maldade, e na hora em que sente ciúmes, a transformação em seu rosto é fantástica. Malkovich não está tão bom. Seus olhos passam maldade, obsessão, mas não possuem a sedução que Valmont deve transparecer. Falta-lhe sexo envolvente, absorvente, o sexo que ele promete é frio e desinteressante. Michelle nunca foi tão bela ( poucas mulheres foram tão bonitas de um modo tão inocente ). O roteiro se baseia no famoso livro de Choderlos de Laclos, a história de um sedutor que é seduzido ( no livro, que é uma obra-prima, Valmont é muito mais cruel ), é o século XVIII, era de hiper racionalismo cínico, Valmont e sua amiga se divertem em seduzir e destruir. Stephen Frears continua a ser um dos mais interessantes dos diretores. Após este seu sucesso, ele voltaria ás produções pequenas ( por escolha pessoal ) e nos daria Os Imorais e Alta Fidelidade. Mas seu melhor filme é ainda The Hit, com Terence Stamp e John Hurt. Nota 7.
   O SEGREDO ATRÁS DA PORTA de Fritz Lang com Joan Bennett e Michael Redgrave
Uma milionária se casa com homem misterioso e passa a temer esse mesmo homem. Ele será um assassino? Este filme de suspense, que lembra dois ou três filmes de Hitchcock, não dá certo por vários motivos, os principais sendo o fraco roteiro e o desinteresse de Michael Redgrave. Ele é um excelente ator, às vezes mais que excelente, mas aqui dá pra perceber seu ar de tédio e sua expressão de sono. Joan se empenha, mas a mulher que ela faz é um cliché. Lang, é até ridiculo dizer, foi um dos grandes do cinema. Mas teve uma longa e irregular carreira. Ele era capaz de fazer uma obra-prima em janeiro e um lixo indesculpável em dezembro. Este não é um lixo, dá para se assistir até com algum prazer, mas não faz justiça a quem nele trabalhou. Nota 5.
   DESCONSTRUINDO HARRY de Woody Allen com Woody e mais Judy Davis, Billy Cristal, Tobey Maguire, Elizabeth Shue, Demi Moore, Paul Giamatti e Kirstie Alley
Quando o vi pela primeira vez, adorei. Mas ele não resiste a uma revisão. É enfadonho ( sou fã de Woody Allen, é triste dizer que ele é chato ), irritante até. Isso porque Allen nunca fez um "Woody Allen" tão sem graça. Ele passa do ponto e a história desse pequeno Dom Juan se torna um tipo de auto-elogio a uma alma atormentada. Quando ao final ele descobre que o culpado por seus fracassos afetivos não era ele, mas elas, a sensação que temos é de engodo. Ele era o culpado sim. Passamos hora e meia na companhia de um ser extremamente egoísta que nos entope com suas confissões nada interessantes. O pior lado de Woody Allen se mostra aqui: um hiper-narcisista que usa o cinema como sala de analista. Não me interessa sua dor, seu pessimismo. A familia que ele critica é um tiro pela culatra, eles parecem mais interessantes que ele mesmo. A relação com Shue chega a ser constrangedora. Judy Davis, grande atriz australiana, tenta e consegue dar vida ao fiapo de papel que lhe deram. Ela deveria ser Harry. Fujam!!!!! Nota 2.
   OUT OF AFRICA ( ENTRE DOIS AMORES ) de Sydney Pollack com Meryl Streep e Robert Redford
Os primeiros dez minutos anunciam uma obra-prima que ele não é. Nessas primeiras cenas há poesia e sentimento. Assim como no excelente final, digno de um grande filme. Mas as duas horas e meia que recheiam esses dois ótimos extremos, são "quase" grande cinema. Apesar de ter ganho um caminhão de prêmios, e de ter levado milhões de adultos ao cinema, Pollack erra em sua tentativa de fazer um filme à "David Lean". Pollack usa todos os ingredientes de Lean: uma longa história passada em lugar misterioso e exótico, ótimos atores, belíssima fotografia e trilha sonora grandiosa. Pontua tudo com cenas típicas de Lean, sol se pondo, um rio, um trem que passa. Mas porque, mesmo seguindo a receita, este filme nunca parece ser de David Lean? Qual o segredo de Sir David? Coragem. Pollack teme ser pouco pop e corta onde Lean deixaria alongar e alonga cenas que Lean cortaria. Quando Lean exibe uma paisagem ele se deixa relaxar, usufrui a beleza, nos faz entrar no filme. Pollack mostra a paisagem como quem exclama: -Olhem que bonito! E corta. Já Pollack estica diálogos sem interesse, cenas que Lean sempre interrompe para mostrar a vida lá fora. Bem...Pollack levou seu Oscar com este filme. Filme que se deixa ver, baseado em livro da grande Isak Dinesen, livro que conta sua experiência de plantadora de café na África. Meryl faz bem a escritora, mas há uma qualidade em Meryl que nunca mudou, a frieza. Admiramos Meryl Streep, não amamos. Redford é um caçador amigo e amante, homem radicalmente livre que adora ouvir as histórias que Dinesen lhe conta. Ele é a melhor coisa do filme. Redford é sempre bom de se ter numa produção. Nota 6.

MONICELLI/ KAZAN/ BILLY WILDER/ MARILYN/ GASSMAN/ SWEET SWEETBACK...

   GREMLINS de Joe Dante
No auge de seu poder juvenil Spielberg produziu para seu amigo Dante este estranho filme divertido. Acho que todo mundo já viu um dia. O roteiro é de Chris Columbus e é preciso dizer que Chris tem um estilo. A gente sente que é coisa dele. Os atores são impagáveis: ruins, perdidos, sem expressão. Mas tudo se compensa pela graça dos bichos, são simples, mal feitos até, e geniais. Pena os atores tão inaptos e um começo que demora a engrenar. Nota 5
   A GRANDE GUERRA de Mario Monicelli com Vittorio Gassman, Alberto Sordi e Folco Lulli
Ninguém fazia comédias como os italianos dos anos 50/60. Eram engraçadas, mas também eram tristes, poéticas. O segredo era esse dom para fazer humor sem perder nunca o pé da realidade. E ter à disposição a melhor safra de atores do mundo. Vejam Gassman. O rosto de nobre-pé rapado que ele tem. A vaidade misturada a mais desamparada miséria. A voz ( Gassman foi ator shakespeariano, dos melhores ), clara e alta, dando entonações de tolice e de pretensão a esse personagem patético. A história? Dois soldados na primeira guerra. A incompetência do exército italiano, a crueldade da violência fria e matemática, o espírito humanista tentado respirar nas trincheiras. Eles são covardes, são sonhadores, se envolvem com prostitutas e com contrabando, e ficam felizes ao poder comer. O filme, imenso, é um tipo de afresco sobre a luta, é cheio de graça, de leveza, de beleza suja. Monicelli havia acabado de fazer uma obra-prima ( OS ETERNOS DESCONHECIDOS )  e na sequencia nos dá mais um filme histórico. Maravilhosa diversão e arte de primeira categoria. Nota 9.
   A CANÇÃO DE BERNADETTE de Henry King com Jennifer Jones
Jennifer ganhou o Oscar com este filme. Filme que é praticamente sua estréia. Fala das aparições de Nossa Senhora para a muito simples ( burrinha até ) Bernadette Soubirous, em Lourdes, no século XIX. O filme tenta ser comedido e consegue. Exibe o clima hiper-racional da época e jamais deixa de insinuar que tudo pode ter sido uma alucinação. Mas para quem tem fé será filme de profunda emoção. Para os descrentes, é um belo conto sobre o que poderia ter sido. Atenção: nada é mostrado como lenda cor-de-rosa. Defeito grave: é longo demais! Nota 6.
   BABY DOLL de Elia Kazan com Carroll Baker, Karl Malden e Eli Wallach
Tennessee Willians escreveu esta história sobre uma mulher-criança que apesar de casada não tem relações sexuais com o marido. Isso ocorre porque o marido empobreceu e ela se sente lesada. O casamento, já em seu primeiro ano, ainda não teve sua lua de mel. O cenário é a vastidão do "sul". Negros desocupados comentam e riem do marido ridiculo. O casarão cai aos pedaços. E surge um "latino", rico, que seduz a menina. As cenas de sedução são das coisas mais eróticas já filmadas. Sem trocar um beijo, sem nenhuma nudez, há uma hiper volatização do desejo. Eli Wallach, como o sedutor, está excelente. Um cafageste ambicioso, mentiroso, vaidoso. Malden faz o marido, tolo, bronco, impotente em seu desejo, ansioso. Baker poderia ter sido uma estrela. Não foi. Linda, faz aqui o que a Lolita de Kubrick não fez, excita. Mas é um dos filmes mais fracos de Kazan. O texto de Tennessee é limitado. Perdemos o interesse no terço final. Daria um bom filme de hora e meia. Apesar dos atores, a nota não pode ser mais que 6.
   O PECADO MORA AO LADO de Billy Wilder com Tom Ewell e Marilyn Monroe
É estranho ver MM. Ela foi tão imitada e caricaturada que vê-la é como ver um cartoon, ela não parece real. É o primeiro personagem virtual da história. Billy, dos grandes diretores de Hollywood é o que menos me agrada. Há algo de muito grosseito nele que me incomoda. O filme, sempre interessante, raramente engraçado, fala de marido que sózinho em casa no verão, passa a se imaginar em caso com a vizinha. É aqui que há a famosa cena da saia de MM se erguendo na rua. O cinema tem 3 cenas emblemáticas, essa, Gene Kelly cantando na chuva e Ingrid Bergman pedindo para tocar As Times Goes By. É um filme de cores fortes, envelhecido, mas que ainda pega pela sua agilidade e pelas boas falas. Nota 6
   O ÚLTIMO DUELO de Budd Boetticher com Audie Murphy
Se hoje existe o terror de rotina e o filme de tiros, antes esse lugar era ocupado pelo western classe B. Quando o western decaiu, seu posto de filme POP, foi ocupado pela ficcção científica. Mas com o encarecimento da sci-fi, hoje esse posto POP é do horror em série e do policial tipo Statham. Este filme, sobre ladrão bonzinho que não consegue se regenerar é ok. O problema é que Audie não me convence. Budd é adorado por alguns críticos. Não é meu caso. Nota 4.
   TIROS NA BROADWAY de Woody Allen com John Cusak, Dianne Wiest, Jennifer Tilly, Chazz Palmintieri, Jack Warden
Um autor de teatro dos anos 20 aceita ajuda de mafioso para produzir sua nova peça. A namorada do gangster passa a fazer parte do elenco e o guarda-costas reescreve o texto, para melhor. Woody de 1994, momento dificil em sua carreira. Cusak é o pior Woody Allen de todos que já o fizeram. Ele exita, se apaga, é como um nada em cena. O filme perde por não termos por quem torcer. Kenneth Branagh foi o melhor ( em Celebridades ). Mas o resto do elenco é excelente ( ele sabe dirigir atores como ninguém ), destaque para Jim Broadbent, que faz um ator inglês que engorda muito. O filme flui bem até sua metade, mas de repente começa a enjoar e seu final é muito ruim. Mesmo assim ele vale pelos belos cenários e pela classe que todo filme de Woody tem. Nota 5.
   SWEET SWEETBACK BAAAADAAASSSS SONG de Melvin Van Peebles com Comunidade Negra
Vamos lá.... Ele subverte tudo e faz um filme que vai contra o que se chama "bom gosto" ou "bom cinema". Cores berrantes, cenas de sexo explícito que nada têm de erótico, perseguições policiais sem climax, escatologia... tudo filmado de improviso, com cenários reais e atores amadores. Sexo com adolescentes, gente no banheiro, shows pornô, música black. Essa é uma visão do filme. Filme mítico que encanta ainda hoje os Tarantinos e que tais. Mas.... ele é irritantemente sem sentido, sem história, gratuito, feio, sujo, nojento e odiável. Qual o porque de se ver alguém no vaso sanitário defecando? Pra que tanta nudez grotesca? Efeitos de cor, qual o sentido? Se Shaft ou Superfly são ainda divertidos em sua tolice cafona e sua vivacidade black, este é um filme antes de tudo ruim, muito ruim. Nota ZERO

WYLER/ JACK NICHOLSON/ AL PACINO/ LUMET/ HAWKS/ RITT/ WOODY ALLEN/ HUSTON

   REBELIÃO NA INDIA de Henry King com Tyrone Power
Sobre um soldado mestiço, que na India inglesa tem de lutar contra seu irmão, irmão que organiza rebelião anti-colonial. Aventura de primeira. King foi um daqueles diretores pau-pra-toda-obra, um tipo de diretor que a partir da nouvelle vague deixou de existir. King mais de vinte sucessos, e mesmo assim continuou a fazer filmes como este: despretensiosos, bem feitos, inteligentes, eficientes. Nota 7.
   OS PINGUINS DO PAPAI de Mark Waters com Jim Carrey e Carla Gugino
Waters surgiu como promessa de bom diretor. Parece que já se perdeu. Carrey um dia teve ambição, já se foi. Eu sempre preferi o Jim Carrey sem pretensão, mas as comédias excelentes que ele fazia não existem mais. Os pinguins são simpáticos, mas o filme é um lixo. Chega a ser revoltante como um profissional pode escrever algo tão idiota. Nota ZERO.
   BEN-HUR de William Wyler com Charlton Heston
Houve um tempo que o filme tipo 'Avatar" era assim: uma aula de história com tinturas de ação e lição de moral. Caríssima produção, longuíssimo, imenso sucesso, montes de Oscars. Heston, apesar dos ataques de um certo idiota, foi um belo ator. Passa credibilidade a um papel muito dificil. A história todos sabem: os amigos que brigam: um é judeu, outro é romano. A ênfase não é na ação, é na lenda. Bonito. Nota 7.
   A HONRA DOS PODEROSO PRIZZI de John Huston com Jack Nicholson, Kathleen Turner, Anjelica Huston e William Hickey
Uma visão meio cômica/ meio trágica da máfia. Nicholson é um matador apadrinhado pela máfia. Ele se apaixona e se casa com uma matadora polonesa. Mas a vida é cheia de surpresas... O roteiro é brilhante, e Huston, aos setenta anos dirige como um garoto. O filme recuperou o sucesso para sua carreira, concorreu a vários Oscars e fez dinheiro. Nicholson está engraçado e melancólico, faz um ítalo-americano meio burro e muito bom profissional. Turner foi uma sex-symbol de verdade. No meio dos anos 80 ela era o máximo. Mas há ainda Anjelica, fazendo a ex-esposa vingativa e o absurdo Hickey, um velhíssimo chefão, numa caracterização irresistível. Fantástico vê-lo babar e gaguejar. Nota 8.
   SERPICO de Sidney Lumet com Al Pacino
Na suja NY dos anos 70, Pacino é Serpico, um cara que sempre sonhou em ser um policial. Mas, ao começar a trabalhar ele se depara com a corrupção no meio. Al Pacino em uma de suas grandes atuações. Serpico é um tira que usa barba, brinco, faz ballet e veste batas indianas. O filme começa como uma quase comédia ácida maravilhosa, mas Serpico vai pirando e Lumet quase se perde. No final o filme se reergue e seu fim é bastante amargo. Na sequencia Sidney Lumet faria Um Dia de Cão e a obra-prima Network. Que grande diretor ele foi ! Nota 7.
   DUELO NA CIDADE FANTASMA de John Sturges com Robert Taylor e Richard Widmark
Ótimo western. Fala de ex bandido, agora xerife, que é sequestrado por seu ex comparsa. A fotografia em cores de Robert Surtees é estupenda. As paisagens são de tirar o fôlego. Sturges teve quinze anos de sucesso, sabia fazer filmes de ação. Um western que indico para fâs e para aqueles que desejam aprender a gostar deste tipo de cinema viril e sincero. Nota 8.
   E AGORA BRILHA O SOL  de Henry King com Tyrone Power, Ava Gardner e Errol Flynn
Versão da Fox para O Sol Também se Levanta de Heminguay. É bacana o retrato da festiva Paris de 1926, a Espanha aparece cheia de sol, de touros e de fiestas, mas nada há no filme do senso de tragédia de Heminguay. Mesmo assim é um filme bom, fácil de ver e sempre interessante. Ava faz uma bela Lady Brett e Errol está ótimo como o escocês bêbado. Este filme seria a salvação de sua carreira se ele não tivesse morrido pouco depois. Nota 6.
   BOLA DE FOGO de Howard Hawks com Gary Cooper e Barbara Stanwyck
É um filme de Hawks que não se parece com Hawks. E é fácil saber porque: o roteiro é de Charles Brackett e de Billy Wilder. O filme tem muito mais o estilo grosso de Wilder que o modo fluido de Hawks. Fala de inocente linguista que se envolve com moça de boate e seu cafetão. O filme é ok, mas tem um ar de conto da carochinha para adultos que jamais funciona. Uma pena.... Nota 5.
   TESTA DE FERRO POR ACASO de Martin Ritt com Woody Allen e Zero Mostel
Na época do MacCathismo, um caixa de bar é convencido por seu amigo escritor -erseguido a ser seu testa de ferro. É a melhor interpretação da vida de Allen. O seu caixa de bar que vira "autor" em nada se parece com sua persona ( embora ele solte às vezes uma piada à Woody Allen ). Ritt era um famoso diretor do bem, seus filmes sempre falavam de injustiças. Foi perseguido pelo MacCarthismo na vida real, assim como vários componenetes deste filme. É uma obra desigual, tem bons momentos e outros fracos. O final é perfeito, ao ser interrogado pela comissão do senado Woody Allen lhes dá a única resposta cabível. Por essa cena vale o filme. Nota 5.
   O SEGREDO DAS JÓIAS de John Huston com Sterling Hayden, Sam Jaffe e Louis Calhern
Uma obra-prima. Há quem o considere o melhor filme de Huston. Não sei se é, mas é tão bom quanto Sierra Madre. Aula de ritmo, fotografia, posição de câmera, atuação. O filme termina e voce já sente vontade de o rever. Foi satirizado pela obra-prima da comédia italiana, Os Eternos Desconhecidos. Caso único de obra-prima satirizada por outra obra-prima. Deu cria ainda a ao menos um grande filme: Rififi de Jules Dassin. Sensacional. NOTA DEZ.

CLARK GABLE/ WELLMAN/ WELLES/ KEVIN KLINE/ WOODY ALLEN/ ASTAIRE

O GRANDE MOTIM de Frank Lloyd com Clark Gable, Charles Laughton e Franchot Tone
A clássica história do navio Bounty, que no século xviii foi palco de famoso motim. Laughton faz com vivo prazer o capitão cruel e de rígido costume; Gable é o jovial imediato que acaba por apoiar o motim; Tone é um nobre que viaja para pegar experiência. O filme, maravilhosamente bem produzido em padrão MGM, é diversão típica dos anos 30, ou seja, simples, eficiente, inteligente. Caso raro de filme que ganhou Oscar de filme e mais nada. As cenas na ilha onde eles se exilam são belíssimas! O desempenho de Laughton é de não se esquecer. Nota 8.
BEAU GESTE de William Wellman com Gary Cooper, Ray Milland, Robert Preston, Brian Donlevy e Susan Hayward
Outra aventura clássica. Três irmãos de familia nobre-decadente servem na legião estrangeira. É o filme onde se criou a imagem do "sargento durão". Cooper está no auge da fama e nasceu para ser herói. O filme, muito bem dirigido, tem humor, drama e suspense. Wellman, diretor sempre confiável, tem senso de timing, de visual, de leveza. É um mestre. Assistir este filme é como ler uma velha história de HQ. Puro escapismo fofo. Nota 8.
MR. ARKADIN de Orson Welles com Welles, Paola Mori, Patricia Medina, Akim Tamiroff
É um dos vários filmes que Welles fez em condições muito precárias. Ele antecipa muito do clima nouvelle vague, tem às vezes algo de filmes como Alphaville. Welles brinca com a câmera, com os atores, com o enredo ( um tipo de policial complicado ), mas tudo acaba parecendo muito confuso, estranhamente vazio, e em seu pior, pedante. Nota 4.
ANTIGONE de Georges Tzavellas com Irene Papas, Manos Katrakis
A peça de Sofocles sobre a moça que enfrenta o rei para poder honrar seu irmão morto. O filme é belíssimo. Não houve medo algum de ser solene, distanciado, e o texto poético é bastante preservado. Mais uma prova de que grandes peças podem ser grandes filmes. Irene faz Antigone com senso maravilhoso de destino, mas Creon, feito por Katrakis, rouba o filme. É um rosto inesquecível, feito de pedra, cruel e rígido, terrível. As vozes são aterradoras. É um filme inesquecível. Nota 9.
XEQUE-MATE de Caroline Bottaro com Sandrine Bonnaire e Kevin Kline
Kevin sempre foi e é um ótimo ator. Fez então este filme francês, provávelmente por falta de bons papéis em Hollywood. Sandrine é uma camareira de hotel de luxo em cidade de veraneio. Ela se apaixona pelo jogo de xadrez ao vê-lo como algo que simboliza aquilo que ela não tem. É casada e completa o orçamento fazendo faxina na casa de um americano que escreve. Eles jogam xadrez. O filme é muito ruim. Entediante, nada nele faz sentido. Não se entende o porque de sua súbita paixão pelo jogo, o porque do arrogante americano abrir a guarda com ela, o porque de se ter feito tal filme. Não passou por aqui até agora e ficará bem se não passar. Nota Zero.
MEIA-NOITE EM PARIS de Woody Allen com Owen Wilson e Marion Cotillard
Owen está ok. É mais um ator que consegue fazer Woody Allen como o próprio. Marion está bem como a modelo de Picasso. Mas Adrien Brody como Dali está hilário!!!! É um filme que de certa forma celebra a vida. Mas a celebra de forma sem riscos, tudo dá certo sempre. É um prazer apaixonante ver Heminguay falar, Zelda e Scott dançar e Cole Porter tocar piano. Eles são meus mitos e portanto são parte do que me faz estar vivo. Belo filme. Crítica mais longa abaixo. Nota 7.
TRÊS PALAVRINHAS de Richard Thorpe com Fred Astaire, Red Skelton, Vera-Ellen
Longe de ser um grande musical. É do tempo de "vacas magras" de Astaire. Mas...caramba! Como é bom ver um filme de Fred Astaire!!!!! Há um alto astral tão grande e convincente que seus filmes servem como um tipo de mensagem, são como um lembrete daquilo que podemos ser. O que temos de leve, nobre e bonito em nós. Os serviços que Astaire nos fez são inestimáveis. Eis um anjo. Nota 7.

MEIA NOITE EM PARIS- WOODY ALLEN

Quando o personagem de Owen Wilson procura aceitar sua condição temporal, tudo o que ele faz é recordar seus antibióticos. Vivemos a época do medo e é interessante que sempre que tentamos valorizar nosso tempo em relação aos "good old times", tudo o que conseguimos lembrar são nossos medicamentos e as condições de higiene. Woody, neste bom filme, errou em seu final. Ele acomoda as coisas e faz um final Disney. Muito mais interessante seria se o escritor se perdesse para sempre em seu devaneio. De qualquer modo ele encontra uma alma romântica como a dele, que se emociona com Cole Porter e ainda vê a "Paris" na Paris.
Todo amante de arte tem seu tempo mítico. Para quem ama a pintura ( como a personagem de Marion Cotillard ) esse seria a Paris de Gauguin e de Degas. Para um pintor, seria a renascença de Michelangelo. Um filósofo provávelmente iria desejar viver na Grécia de Platão e um músico na era de Mozart e Haydn. Como típico escritor americano, o personagem de Wilson ama a época de Heminguay e Fitzgerald. Woody Allen, que sempre viveu de certa forma nesse mundo de jazz e music hall, faz com que Cole Porter cante ao piano dando as boas vindas à Wilson no paraíso. Zelda e Scott Fitzgerald são seus anfitriões e nada poderia ser melhor. Ao contrário de Arnaldo Jabor, minha maior emoção não foi ver Cole ao piano ( e eu adoro Cole Porter ), mas sim a hora em que Dali, Bunuel e Man Ray sentam-se à mesa ( faltou Lorca ). Adrien Brody faz uma participação hilária ( '- Dali! Sou Dali!!!"), e Man Ray ( Voces que me lêem precisam ver seus curtas ) está lá, com seu olhar duro e curioso. Bunuel permanece silencioso, e é nessa hora que me emociono. Em mim surge uma vontade poderosa, um desejo de estar lá, sentado naquele lugar, desejo de ficar para sempre ali, rodeado por meus mitos.
O filme é exemplar nisso. Wilson, por mais inadaptado que seja, tem em si a possibilidade de ser feliz. Porque ele crê em algo, ele crê na Paris de 1926. Quando ele viaja para lá, tudo o que ele sente é maravilhamento, nunca medo. Mergulha em seu sonho, entra em contato com seus deuses e se encontra, pronto para o necessário retorno. Comparado a sua noiva, ele é vivo, grande, interessante e interessado. Aliás é sintomático observar como sua noiva está o tempo todo comprando coisas ou indo a algum lugar. Ela jamais usufrui, reflete ou espera. Combina com as ruas assépticas de Paris, em oposição as ruas enevoadas e escuras da "Paris".
Tudo fica mais belo com o jazz à Grapelli e Django, e ouvir o veemente Heminguay falar é para mim como encontrar um irmão mais velho. Não sei qual seria meu tempo ideal. Eu adoraria viver nessa Paris de 1926, como amaria a Londres de 1890. A vantagem de meu tempo é o de poder ler sobre Paris e Londres e ver este muito romântico filme. Mas acho dificil que alguém em 2094 sonhe em conhecer a época de Johnathan Frazen e Philip Roth. De Saramago e Llosa.
Mas talvez exista então, em um mundo que será provávelmente mais controlado e frio, o desejo de se visitar a época de Woody Allen.

WOODY ALLEN/ GORE VERBINSKI/ ANTHONY MANN/ JAMES STEWART/ FELLINI/ BERGMAN

O DORMINHOCO de Woody Allen com Diane Keaton
Em termos de humor puro, nenhum filme de Allen é melhor ( entendam, este é o mais pastelão,e eu adoro pastelão ). Na saga do nerd que é adormecido em 1973 e acorda em meio a revolução séculos mais tarde, encontramos defeitos de diretor iniciante ( irregularidade ) e qualidades dessa mesma juventude ( irresponsabilidade ). Uma delicia!!! E que humorista genial Diane sempre foi ! São dela as melhores cenas. Nota 7.
RANGO de Gore Verbinski
Cheio de altos e baixos, esta homenagem ao western melhora muito ao final. Seu defeito é ter um personagem central fraco. A homenagem a Clint Eastwood é excelente! Aliás, a trilha sonora paga tributo a Morricone. Nota 5.
WINCHESTER 73 de Anthony Mann com James Stewart
Primeiro dos clássicos de Mann/Stewart. Um rifle é o que move bando de homens no oeste. Na verdade há mais que isso, há o ódio entre irmãos. O western de Mann em nada se parece com aquele de Ford, onde Ford canta a vastidão e a camaradagem, Mann destaca a solidão e a desconfiança. Stewart exibe uma então nova faceta de seu talento: o dom de mostrar a fúria contida. Um filme maravilhoso. Nota DEZ.
DESTRY RIDES AGAIN de George Marshall com James Stewart e Marlene Dietrich
Stewart é um muito calmo filho de antigo justiceiro que vai a cidade dominada por chefão. Ele, com seu jeito calmo e cheio de "causos" acaba por vencer, claro. Esta comédia-western é uma graaande diversão. Há humor genuíno neste excelente personagem. Nota 8.
...E O SANGUE SEMEOU A TERRA de Anthony Mann com James Stewart, Arthur Kennedy e Rock Hudson
Aqui Stewart cria amizade com tipo suspeito e ficamos sem saber por quase todo o filme o que os une. A fotografia é espetacular. Mas a ação carece da eletricidade de Winchester 73. De qualquer modo é um bom exemplar do filme de bangue-bangue. Nota 7.
A DOCE VIDA de Federico Fellini com Marcello Mastroianni, Anouk Aimée, Anita Ekberg, Yvonne Furneaux, Alain Cuny e Magali Noel
Crítica abaixo ( no texto sobre a avendia Sumaré ). Numa estranha coincidência, revi este filme antes de saber que ele seria vendido em banca de jornal. A figura do paparazzo é criada e batizada neste filme. Que marca a segunda fase da carreira de Fellini. Ele deixa de ser realista e passa a se aprofundar dentro de si-mesmo. Acompanhamos Marcello ( um soberbo Mastroianni ) em sua jornada por Roma. Ele caminha para o esvaziamento, o que vemos são mortes, de mitos, de sonhos e de intenções. Roma nunca esteve tão bela, escura, misteriosa, sexy. Não é uma obra-prima, tem muitas cenas falhas, mas suas grandes cenas ( o final é histórico ) são de antologia. Nosso mundo nasce neste filme. Nota 9.
UM ESPÍRITO BAIXOU EM MIM de Carl Reiner com Steve Martin e Lily Tomlin
A excelente história da ricaça que morre e encarna no corpo de Steve é ótima. Mas Reiner perde o ritmo várias vezes. Steve Martin, o melhor humorista americano dos últimos trinta anos, brilha. Seu papel é não só engraçado, é uma peça de arte. Nota 6.
MORANGOS SILVESTRES de Ingmar Bergman com Victor Sjostrom, Ingrid Thulin e Bibi Andersson
Em coincidencia, além de ver A Doce Vida, ainda tive minha quarta apreciação de Morangos Silvestres. Que também sai em banca de jornais. Vou passar o resto de minha vida vendo este filme uma vez por ano. Já o comentei longamente neste blog. Suas imagens são de sonho. Mostram a busca de resgate/remissão de um velho médico em viagem. Nesse caminho ele descobre ter errado sempre. É genial a forma como Bergman mistura o velho homem alquebrado com suas lembranças sempre jovens. A famosa cena do sonho ainda é rica em material e em sentidos. E tem um final inigualável, o velho homem olha seus jovens pais a pescar em lago, o velho sorri para eles e todo o sentido do filme se revela. Ele está conciliado com seu inferno. Em que pese duas cenas ruins, o filme é tão superior ao meio "cinema" que só pode ser comparado a Mozart ou Tolstoi.
SORRISOS DE UMA NOITE DE AMOR de Ingmar Bergman com Harriet Andersson, Ulla Jacobson, Eva Dahlbeck, Margit Carlvist
Uma constatação: onde Bergman acha tantas atrizes bonitas? Esta é uma comédia de Bergman, ou seja, é um filme estranho. Fez imenso sucesso de público ( o que testemunha a favor do público de 1955 ). Conta, com ironia, a história de casais que se traem, mentem, falam bobagens e seduzem uns aos outros. E se vingam também. É dos mais imitados filmes da história. Woody Allen já o refilmou e Paul Mazurski também. Mais Altman, o próprio Allen e uma infinidade de nomes têm se inspirado nele. Há ainda uma aula de sensualidade sem culpa da vulcânica Harriet Andersson. Leve, bonito, mas com um amargor que permanece. Nota 7.
A VIDA DURANTE A GUERRA de Todd Solondz
Adorei o que Cássio Starling Carlos escreveu na Folha. Ele denuncia esses filmes "chantagistas". Filmes como Rio Congelado, Preciosa e Inverno da Alma, todos milimetricamente formatados para ganhar festivais indie e serem endeusados por pessoas "com bom coração". Quem não gosta desses filmes é rotulado de insensível. Necas!!!! São filmes ruins feitos para enganar. Fáceis de fazer, fáceis de inscrever em festivais, fáceis de esquecer. Este é um deles. ZERO!!!!!!!!!!!!!

MALLE/ BARDOT/ WOODY ALLEN/ DEMI MOORE/ PECKINPAH/ ANTONIONI/ LUMET

DAQUI A CEM ANOS de William Cameron Menzies com Ralph Richardson
Menzies é o grande nome da história do design em filmes. Mas como diretor ele faz belos cenários. O roteiro, baseado em HG Wells, fala de sociedade surgida pós-guerra, sociedade de militares. O filme não funciona. Sem ritmo, atores mal dirigidos. Nota 2.
VIVA MARIA!!!! de Louis Malle com Brigitte Bardot e Jeanne Moreau
Tenho sérios problemas com Moreau. Talvez seja a única atriz que eu deteste. Abomino seu rosto, sua voz, o jeito como os diretores se apaixonam por ela ( porque??? ). Méritos a Godard que nunca a amou!!! Malle faz aqui seu pior filme. Bardot está desperdiçada em papel sem graça. O filme é sobre duas francesas de cabaret que participam de revolução em ditadura sulamericana de araque. Tolo, com humor bobinho e sem qualquer criatividade. Nota 1.
A ÚLTIMA NOITE DE BORIS GRUSHENKO de Woody Allen com ele e Diane Keaton
O último filme da primeira fase de Woody. Uma homenagem a todos os clichés dos romances russos e a Bergman também. Exuberante é a palavra. Se existem cenas que não funcionam, em outras ele consegue provocar gargalhadas. A música de Prokofiev, maravilhosa, é usada com sensibilidade e Keaton é comediante perfeita: uma mistura de tolice e seriedade, pretensão e avacalhação, hilária! Os primeiros vinte minutos são das melhores coisas que ele já fez, mas o final, homenagem belíssima ao Sétimo Selo é emocionante. O filme fala de suicidio, morte, Deus e Dostoievski, sempre com leveza e humor. Saudades....Nota 8.
O PRIMEIRO ANO DO RESTO DE NOSSAS VIDAS de Joel Schumacher com Demi Moore, Emilio Estevez, Judd Nelson, Ally Sheedy, Rob Lowe, Kevin McCarthy, Andie MacDowell
Muito estranho ver esse filme hoje...foi o filme da moda de 1986. O "Crepúsculo" de então. Os atores eram ídolos teen, os mais bonitinhos ( fora Tom Cruise e Kim Basinger ). O estranho é que como tudo na década de 80, ele está velho demais!!!! Aqueles jovens tãaaao yuppies, tão arrumadinhos, tão tolos com suas carreiras e sua fé no american way of life....A década de 80 negou furiosamente o ideário hippie e deu no que deu: Reagan e Thatcher. Se voce quer saber o que é um filme yuppie eis sua chance. Demi Moore era absurdamente bonita... Mas jovens de paletó em aptos de vidro e neon....Socorro!!!!! Nota 3
TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA de Sam Peckinpah com Warren Oates
Já em estado de alcoolismo avançado, Peckinpah fez este, hoje cult, drama mexicano. É sobre milionário fazendeiro que oferece um milhão para quem trouxer a cabeça de Alfredo, que engravidou sua filha. Warren, em atuação de gênio, é um pianista americano de puteiro, que parte atrás da grana, consegue a cabeça, mas pira no fim e sai matando todo mundo. O filme tem a violência real de Peckinpah, mas não tem sua energia. É um filme anestesiado, alcoólico, flácido, que se perde em algumas cenas dispensáveis. Um fracasso em 1975, foi redescoberto nos anos 90 e hoje tem a cara do cinema atual. Filme muito feio, sujo, com cenas de sexo estúpidas e desagradavelmente tosco. Ato de coragem, mas longe da genialidade do louco Sam Peckinpah. Nota 6.
BLOW UP de Michelangelo Antonioni com David Hemmings, Vanessa Redgrave, Sarah Miles e Jane Birkin
Um fotógrafo famoso e rico deveria significar poder e potência. Mulheres a seus pés deveriam significar alegria e excitação. Mas na Londres de 1966, o fotógrafo sente que esses significados se embaralharam. Fama e poder significa tédio e impotência e sexo quer dizer fuga. Em 2011 os signos estão pós-embaralhados, estão vazios. Um corpo baleado no chão ou um carro cheio de crianças cantando nada querem dizer. O filme é uma obra-prima. Jamais acaba seu assunto. Nota DEZ!!!!!!!!!
ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCE ESTÁ MORTO de Sidney Lumet com Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Albert Finney e Marisa Tomei
Lumet aos 80 anos dando um banho de juventude na molecada. Este filme é o que se pode ter de tragédia grega em nossos dias. O tema é aquele de sempre em Lumet: as cidades como produtoras de sofrimento e frustração terminal. Homens tentando fugir desse inferno. Um Dia De Cão e Rede de Intrigas são bem melhores, mas este é um filme que se feito na época certa teria uma acolhida muito mais calorosa. Deve ter sido um prazer para os atores encontrar papéis tão bons! Nota 7.

WOODY/ COPPOLLA/ VISCONTI/ YIMOU/ DE SICA/ HAWKS

VOCE VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS de Woody Allen com Brolin, Banderas, Watts, Hopkins e Jones
Um dos mais amargos filmes de Woody. O filme serve como um lembrete das diferenças do Allen de 1976 e do Woody de 2010. Antes seus filmes eram centrados em politica, pretensões intelectuais e um saudável hedonismo. Hoje ele fala básicamente de dinheiro, poder e ambição. É como se Woody Allen não se sentisse mais a vontade neste mundo, seus filmes parecem tortos, desconfortáveis e pior, eles têm personagens chatos. Essa chatice é sintoma do não-afeto que Allen sente por eles ( neste filme a única excessão é a divorciada "crente". ) Quando vemos qualquer filme dele pré 1998, há um transbordamento de simpatia por seus personagens, ele ama cada um deles. Vendo este filme tenho a impressão de que Allen os abomina. O filme, mais um fiasco, é completamente desinteressante. Nota 3.
O ESTRANGEIRO de Luchino Visconti com Marcello Mastroianni e Anna Karina
Existem livros que são pegos pelo diretor errado. O Estrangeiro de Camus é um livro soberbo e Visconti é um dos mais cultos e talentosos diretores da história. Mas o estilo dos dois não combina. Camus pede um diretor muito mais seco, distante, frio; Visconti é sensível, exagerado, politico. O filme acaba não sendo nem Camus e nem Visconti. Marcello faz o que pode, mas todo o projeto nasceu errado. Nota 4.
UMBERTO D de Vittorio de Sica
Eis o mais triste filme já feito. Acompanhamos o cotidiano de um velho solitário e pobre. O filme é de uma realidade que beira o insuportável. De Sica inclusive nos mostra um velho nada simpático. Nenhuma cena é feita para chorar, nada é bonitinho ou meloso, o velho, sem casa e sem nenhuma esperança tenta se matar, e nesse momento, em que ele desiste do suicidio ao olhar para seu cão ( que nunca é um cão à Disney ), o filme chega a seu limite: nenhum filme me fez sentir tão triste. Ele é de uma tristeza não-poética, é uma melancolia desagradável, de rua quente, de fome e de solidão absoluta. Vittorio de Sica era além de um gênio, um anjo. O nascimento de um diretor como ele hoje ( e bem que os iranianos tentam ) é impossível. Ele crê no homem, ele ama o homem, ele conhece o que é a vida. Nota DEZ.
HATARI! de Howard Hawks com John Wayne e Elsa Martinelli
Um bando de homens recebe, na Africa, a visita de fotógrafa italiana. E é isso: Hawks filma esses homens bebendo, tomando café, caçando animais para zoos e paquerando a garota. Nada de importante acontece. É o misterioso estilo de Hawks, voce fica vendo o nada e se sentindo bem, como se voce fosse um convidado daqueles caras. Quando o filme termina não há nada para se dizer, mas voce se sente um deles. Hawks era ainda mais despretensioso que Ford, seus filmes parecem fáceis de fazer, parecem uma brincadeira. Ninguém nunca brincou tão bem. Não é a toa que todos os diretores o adoram, quem se interessa pela feitura de um filme sabe como é trabalhoso ser tão fácil. Nota DEZ.
O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS de Zhang Yimou
O diretor se empolgou após o excelente Herói e cometeu este filme frouxo. Trata-se de uma aventura que deveria ser empolgante e comovente, ela é fria e muito mal desenvolvida. O romance não nos importa e as lutas se parecem com ensaios. Pior, notamos que os atores não sabem nada de artes marciais. Uma desilusão. Nota 2.
TETRO de Coppolla com Vincent Gallo
Vendo este filme percebemos o quanto o preto e branco nos dá. A foto em P/B é mais densa, o filme se torna irreal e ao mesmo tempo muito mais urgente. Além do que, é chic! Coppolla não perdeu sua genialidade para enquadrar e criar clima, mas, infelizmente, o roteiro ( dele ) é apenas uma muito longa sessão de auto-expiação. Ele vomita dores, mas o que nos interessa aquilo? Tetro não é um personagem interessante, ele nada tem de brilhante, de original, de cativante. É como ser obrigado a assistir um filme bonito sobre um Fiat 174 qualquer. Todos dizem que Tetro é isso, Tetro é aquilo, mas o que vemos é um chato cheio de auto-piedade. De maravilhoso as cenas de filmes de Michael Powell ( nada hoje é mais in que amar Powell. Com justiça, o homem foi um dos maiores. ) Se servir para alguém sentir desejo de assistir um filme de Michael Powell já valeu. Nota 3.

ALICE/ TUDO PODE DAR CERTO/ LEÃO NO INVERNO/ ORGULHO E PRECONCEITO

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS de Tim Burton
Como Spielberg fez com Peter Pan, Burton resolve mostrar uma Alice mais velha. Coisa de bilheteria.
Difícil falar deste filme. Ele é totalmente calculado para agradar doidinhos-soft e psicodélicos-light. Burton fez um filme que usa personagens e título emprestados de Lewis Carroll, mas que negam tudo o que o autor inglês pregou. Ninguém é obrigado a filmar um livro ao pé da letra, mas é sim obrigado a respeitar o espírito da obra, a intenção do autor. E a única intenção de Carroll era o nonsense. O filme grita e implora uma gota de humor, não consegue. Burton continua preso ao darkismo mais convencional, é um emo cinquentão. O filme, belíssimo e vazio, é enfadonho. Chato em sua loucura fake e profundamente convencional. Tudo pede um toque de Terry Gillian. Alice torna-se assim uma chatíssima moça magrela e tuberculosa do século XXI. Os personagens, e o coelho é o mais mal entendido, tornam-se apenas bobos. Em Carroll eles são perigosos. O filme nada tem de perigoso.
O mandamento número um do livro era o de que nada nele poderia fazer sentido e nada poderia ter uma moral a ser demonstrada. Burton faz sentido e joga uma moral à história. Noto agora a dificuldade que Tim Burton tem com o sexo. Há alguma cena de sexo em algum filme dele ? Ele fez algum filme passado em nosso tempo ? Uma bela decepção este Alice. Apenas uma bonita sequencia de belos cenários com trilha sonora fraquíssima e perdida de Danny Elfman. Um equívoco que será amado pelos emos, góticos e moderninhos de butique. Nota 4.
O LEÃO NO INVERNO de Anthony Harvey com Peter O'Toole, Katharine Hepburn, Anthony Hopkins, Timothy Dalton, Jane Merrow
Um filme perfeito. Texto, foto, trilha e atores. Ele começa forte e não para de crescer até seu final exultante. É um filme que nos dá alegria, força, vontade de criar e de viver. Ele é grande. Comento-o mais abaixo. Nota DEZ !!!!!!!!!!!
ORGULHO E PRECONCEITO de Joe Wright com Keira Knightley, Mathew MacFayden, Rosamund Pike, Donald Sutherland e Carey Mulligan
Joe é bom diretor. Foi ele quem fez o excelente Desejo e Reparação. Aqui, em história de Jane Austen, ele acerta outra vez. Ao contrário de Burton, ele entende e respeita o livro, não se mete a fazer desconstruções e outras tolices. Ele compreende acima de tudo que no mundo de Austen o dinheiro manda no amor. O filme é uma festa. E o elenco se mostra a altura, principalmente Brenda Blethyn e Donald Sutherland, que fazem os pais das cinco filhas casadoiras. Um filme que diverte, emociona e não apresenta um só erro. Austen, Henry James e Dickens são adorados pelo cinema. Felizmente. Nota 8.
PAISAGEM NA NEBLINA de Theo Angelopoulos
Mais uma chance para Theo. Não dá ! Ele é muito chato. É a história de duas crianças procurando seus pais. Mal filmado, mal encenado. Nota Zero.
OS ASSASSINOS de Robert Siodmak com Burt Lancaster, Ava Gardner e Edmond O'Brien
Os primeiros dez minutos são coisa de gênio. Dois caras entram em lanchonete e prendem todos lá dentro. Os dois estão lá para matar um homem. Em termos de clima, fotografia e movimento de câmera é uma aula. Os dois acabam por matar o homem e o filme é a história do porque desse crime em flash-back. É um dos maiores clássicos do filme noir. Tudo nele é fatalidade, pessimismo, podridão e tem Ava, perfeita como a mulher muuuuuito fatal. Não é para ser apenas assistido, é aula de cinema. Nota 9.
A IDADE DA INOCÊNCIA de François Truffaut
O filme fez com que eu lembrasse do porque Truffaut ser tão famoso. Após o fracasso de Adele H, ele lançou este barato e simples filme sobre crianças e escola. Foi sucesso de crítica e estouro de bilheteria. É um filme paraíso : amamos as pessoas e aquela vila. Tudo é dirigido com leveza de poeta e com amor de anjo. Um filme para trazer alegria ao mundo. É pouco ? Nota DEZ.
QUATRO IRMÃS de George Cukor com Katharine Hepburn, Joan Bennet e Jean Parker
Baseado no classico de Louisa May Alcott, livro e filme mostram exemplarmente o modo como os americanos se viam e ainda tentam se ver. Kate está encantadora como a irmã mais estourada de uma família de quatro irmãs no norte dos EUA de 1865. Seus romances, suas tragédias, seus risos. O filme é bastante antiquado. Uma peça de museu. Mas é bonito. Nota 6.
TUDO PODE DAR CERTO de Woody Allen
É engraçado ver Larry David fazendo Woody Allen. E é bom saber que ainda existem filmes como este : adultos sem serem tristes. Se voce ama Woody ( e este é meu caso ) voce vai adorar. Se voce o detesta, fuja dele. Não é como seus filmes europeus, filmes que podiam agradar até os anti-Woody, este é o Woody de New York, cheio de palavras, amargo e engraçado, classe média, urbano, neurótico. Fica longe dos melhores filmes dele, mas nos faz lembrar do verdadeiro Woody. E eu adoro isso ! Nota 7

PRESTON STURGES, ERNST LUBISTCH, THE YOUNG VICTORIA,MIZOGUCHI

O CONDENADO de Carol Reed com James Mason
Na Irlanda, revolucionários fazem assalto. O líder é ferido e o filme, escuro, sombrio, mostra sua tentativa de sobreviver na cidade suja. Reed foi um dos gigantes do clássico cinema inglês ( e autor do Cidadão Kane de lá, O TERCEIRO HOMEM ). O filme é muito forte, mas este dvd tem sérios problemas de legendagem. Nota 7.
CRISÂNTEMOS TARDIOS de Kenji Mizoguchi
Nesta história de um filho de ator, ator que sofre por não ser tão bom como o pai, há todo o esteticismo belíssimo de Mizoguchi, o mais clássico dos diretores do Japão. Todo movimento de câmera é preciso e os cortes, quando há, são suaves e muito necessários. Voce observa o filme, não o assiste ou analisa. Nota 7
A ROSA PÚRPURA DO CAIRO de Woody Allen com Mia Farrow, Jeff Daniels e Danny Aielo
Um dos mais melancólicos filmes de Woody. Sua mensagem central é a de que nada nunca muda na vida real, e portanto, o que nos salva é a fantasia. O roteiro brilha em idéia, mas falha em emoção. O herói sai da tela e os personagens do filme de onde ele fugiu se revoltam. Eis Woody sendo Charlie Kauffman antes de Charlie ser moda. Mas o ator que faz o herói seduz a mocinha por quem o personagem de ficção se apaixonou. E ela, e eis o centro do filme, opta pelo ator, pelo real, e é traída por ele. No fim, uma cena magistral, Mia Farrow, totalmente desolada, assiste no cinema a Fred Astaire e Ginger Rogers e volta a viver. Um elogio ao cinema de quem realmente o entende. Nota 7.
THE YOUNG VICTORIA de Jean Marc Valée com Emily Blunt, Miranda Richardson e Jim Broadbent
Delicioso. O filme ainda não estreou por aqui e se estrear vá ver. É romantico no sentido antiquado do termo, ou seja, tem bom gosto e boas intenções. Faz bem , voce termina o filme se sentindo em paz com o mundo. Conta o início do reinado de Victoria, a rainha que fez da Inglaterra aquilo que pensamos sobre ela ainda hoje. ( E que acabou em 1960, mais ou menos ). Os atores estão muito bem, leves e bem dirigidos. Bela surpresa! ( E é lógico que eu, vitoriano que sou, me apaixonei pelo filme ). Nota 7.
AMANTES de James Gray com Joaquim Phoenix, Gwyneth Paltrow, Vinessa Shaw
Psicólogos irão gostar. Mas o mundo precisa de mais um filme sobre gente deprimida? Deprimidos do tipo mais chato, vivendo em seus ambientes de cores pastéis e pouca luz? O que nos interessa na vida banal daquele cara? Ele é apenas um mala. O filme padece da atual síndrome cabeça: confunde fazer arte com ser triste. É a arte da impotência. Nota 1. ( Sorry Leo ).
LADRÃO DE ALCOVA de Ernst Lubistch com Herbert Marshal e Miriam Hopkins
Uma festa! Se voce quer saber o que é o tal Lubistch touch, eis aqui a resposta. O filme, delicioso tipo champagne e caviar, é aula de luxo. Cheio de pequenos toques de estilo e esfuziantemente alegre. Trata de casal de vigaristas, ladrões, e fala de seus golpes e sua tentativa de enrolar uma jovem milionária. Herbert é o rei da sofisticação e Miriam está bastante engraçada. O roteiro é um festival de frases de duplo sentido, ele faísca. Os cenários têm aquele luxo irreal da Paramount dos anos trinta, tudo brilha em branco e prata. Este é um dos filmes míticos da época e demorou muito para que eu finalmente o encontrasse. Valeu esperar, não me decepcionou. Esperava diversão de classe, é o que ele é. Nota DEZ.
TINHA QUE SER VOCÊ de Joel Hopkins com Dustin Hoffman e Emma Thompson
Uma comédia romântica sobre gente comum e com mais de quarenta anos ( ele, mais de sessenta ). Ninguém tem tiques de neurótico. São sofridos, são humanos. Ele viaja para Londres a fim de assistir o casamento da filha. A nova família da ex não o aceita. No fundo da solidão, ele conhece quarentona que ainda solteira, cuida da mãe ex-doente. Ele força o romance, segue-a por uma tarde. Ela cede devagar. Duas solidões se encontram. O filme nada tem de artístico. Conta sua história, simples, com humildade. E funciona. Porquê? Neste tipo de filme é necessário que nos apaixonemos pelos personagens. Isso acontece. Emma é apaixonante. Ela se faz desajeitada, meio tímida, desiludida. Dustin é o mais humano ator de sua geração ( Nicholson faria deste personagem um bufão e De Niro o transformaria num perigo ), ele sofre, erra muito, tenta acertar e acaba nos acertando. Se voce tem mais de 40 é obrigatório. Trata-se de uma raridade : filme adulto sem ser metido. Filmes como este antes eram a regra, hoje nos surpreendem. Nota 7.
CONTRASTES HUMANOS de Preston Sturges com Joel McCrea e Veronica Lake.
Uma obra-prima. Filme favorito dos Coen, é a história, maravilhosa, de um diretor de cinema que resolve fazer um filme sobre os pobres ( nome do filme que ele quer fazer : O BROTHER, WHERE ART THOU...). Se disfarça de mendigo e cai na estrada. Mas o estúdio o segue, lhe dando toda a cobertura possível. Ele conhece atriz fracassada e acaba desistindo de sua idéia. Mas, em cena mirabolante, torna-se um mendigo de verdade e é preso numa prisão rural do sul. O filme diz todo o tempo que somente pessoas privilegiadas se interessam por filmes sobre a miséria. Quem é pobre sofre demais com essa chaga para querer vê-la nas telas. Pois bem, na prisão rural, em cena de gênio, se passa um filme para os presos. Um desenho de Mickey e Pluto. Os condenados riem e ele se pega rindo. Sua teoria desaba : o povo precisa de risos, e quanto mais cruel é sua vida mais voce necessita disso. Voltando a Hollywood ( ele escapa da prisão em cena genial e bem sacada ) o diretor fará mais uma comédia.
Preston antecipou aqui seu final de vida. Nascido em família trilionária, ele foi o primeiro roteirista a virar diretor, abrindo o caminho para Wilder e Huston. Foi educado na Europa e era um tipo de excêntrico Professor Pardal. Seu grande prazer era inventar coisas. Aliás ele ia para o estúdio de pula-pula !!!!! Mas se tornou alcóolatra e seus filmes foram perdendo a graça. Terminou pobre. Este filme, vinte anos adiante de seu tempo em estilo e malícia, começa com letreiro homenageando todos os palhaços do mundo. Nós é que somos homenageados por seu prazer. Uma obra prima absoluta, engenhoso, sempre surpreendente, vivo. É fácil notar este filme como fonte da vivacidade dos Coen. Nota DEZ!!!!!!!!!!!
CONTATO de Robert Zemeckis com Jodie Foster, Mathew McCornaghy
Algumas cenas são tão infantis que dá vontade de rir. É ciência para crianças e o filme tem aquela tara por teclados e telas. Exibe nerds como heróis de nosso tempo. Mas os vinte minutos finais são mágicos. As imagens das galáxias, a viagem pelo tempo, o reencontro com o pai. Dói pensar o que este filme poderia ter sido se feito com mais coragem. Nota 5.

WOODY/DUSTIN/BRESSON/EDDIE/VIDOR/2012

O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ de Joel Coen com Billy Bob Thorton, Frances McDormand
Para o filme noir funcionar é preciso carisma. Você tem de torcer por alguém, se identificar, se ver no bandido ou no policial. Bogart, Alan Ladd e Mitchum tiravam isso de letra. Quando eles surgem na tela voce está no papo. Billy Bob é legal. Mas não é carismático. O filme perde o interesse. Não torcemos por ele, não odiamos Frances. Bola fora dos Coen. Nota 2.
O CAMERAMAN de Edward Sedgwick com Buster Keaton
Aqui Buster é um péssimo cameraman que tenta alcançar algum sucesso para conquistar a secretária do chefe. Eis a diferença entre os gênios : Chaplin nos faria chorar e sairia como mártir derrotado e poético; os irmãos Marx destruiriam o escritório e esnobariam a secretária; WC Fields odiaria a secretária, mudaria o enredo no meio do filme e teríamos outra coisa no final- um filme de ressaca; Laurel e Hardy fariam tudo errado até o final : que seria uma explosão; e Harold LLoyd salvaria a secretária de algum incêndio e se tornaria um herói. Buster Keaton trabalha com afinco, acaba aprendendo o oficio, jamais desiste, e consegue se superar no final. É o mais persistente e portanto, o mais heróico dos comediantes de gênio. O filme é uma obra-prima de invenção, de truques de camera, de enredo simples e jamais cansativo. Buster é o cara ! Nota DEZ.
LANCELOT DU LAC de Robert Bresson
Eis o cinema de Bresson : a idade média como ela deveria ter sido ( mas não´foi ). No iníco o sangue jorra de corpos mutilados... será o Monty Python ? Mas então vemos que se trata de um filme sobre o amor de Lancelot por Guinevere ( e nos lembramos que Merlin era francês ). Bresson não funciona aqui. É uma idade média sem mistério, sem bruma, sem magia. O filme é colorido, bonito, seco. O melhor retrato medieval ainda está em Bergman. Nota 5.
ZELIG de Woody Allen com Woody e Mia Farrow
Como uma mulher tão bonita como Maureen O'Sullivan pode ter sido mãe de Mia Farrow ? Este filme, falando do filme, é um pseudo documentário sobre um tal de Zelig, um homem-camaleão. Quando com chineses ele se tornava um chinês, quando entre negros, um negro. O filme é criativo, engraçado e bastante curto ( 78 minutos ). Mas dá uma certa frustração. Gostaria de ver Zelig falar : o filme é todo narrado e exibido como jornal de cinema, fotos e som. De qualquer modo, cenas como a dos nazistas, Zelig negro e as sessões de hipnotismo são hilárias. 7.
KRAMER VS, KRAMER de Robert Benton com Dustin Hoffman e Meryl Streep
Em entrevista recente Hoffman diz que guarda dois arrependimentos na carreira : a de não ter aceitado filmar com Fellini e Bergman. Ele pensou na época que teria tempo para fazer filmes com os dois. Não teve. " Diretores como eles não existem mais". Fellini o convidou para ser o Casanova. Dustin recusou e Donald Sutherland ficou com o papel. Bergman o chamou para a Hora do Amor em 1970 ( Bergman achava Hoffman um ator tão bom quanto Max Von Sydow ). Dustin preferiu fazer O Pequeno Grande Homem. Em 1977 Bergman tentou de novo. Era para fazer O Ovo da Serpente. Foi esnobado novamente. Bom...... se não existem mais Federicos e Ingmars, existem Bentons de montão. Este é um filme quadrado. Nada é invenção, tudo é convenção. O pai é abandonado pela esposa. É um publicitário bem sucedido. Ao ter de criar o filho vê a carreira ir pro espaço. E a megera ainda volta querendo o garoto ! Meryl é a megera. Ganhou seu primeiro Oscar aqui. Mas o filme é de Hoffman. Ele o salva do ridículo. Graaaande ator, seu Kramer é absolutamente verdadeiro. Uma aula de como ser gente-comum, gente banal, vulgarmente como nós todos somos. Ele dá um show. Kramer é um dos filmes mais detestados por fãs de cinema radiciais pelo fato de no Oscar de 1979 ter derrotado Apocalypse Now e All that Jazz ( além de O Vencedor, Muito Além do Jardim e Blade Runner ). Que culpa tem Kramer ? Ele tem cara de prêmio. O filme é comum, Dustin Hoffman nunca é. Nota 7.
48 HORAS-PARTES 1 E 2 de Walter Hill com Nick Nolte e Eddie Murphy
Deliciosos filmes de ação. O primeiro, de 1982, ainda tem jeito de filme dos anos 70. Tenta-se mostrar a psicologia dos personagens. É mais triste, vazio e árido. O segundo, de 1990, já é ação pura. Mais tiros, pulos, sangue e inverossimilhanças. Os dois são dominados por Murphy, ele é bom pra caramba ( e no segundo cria a persona do burro de Shrek , confira ). Dois bons exemplos da bela safra ( 72/92 ) de filmes de ação. Nota 7.
O MAGNÍFICO de Philipe de Brocca com Jean-Paul Belmondo, Jacqueline Bisset e Vittorio Caprioli
Veja a história : um agente secreto, Bob Sanclair, salva o mundo livre de bandidos da Albânia. Sangue jorra, mulheres são beijadas, golpes de karate. Um corte. Na verdade é um escritor- gripado, sujo, relaxado- quem escreve sobre Bob Sanclair. O filme é engenhoso : ele se balança entre a vida real do autor e a fantasia do que escreve. Desse modo, a vizinha linda e distante ( uma Bisset maravilhosa. Impossível beleza maior ! ) se torna a garota de Sanclair e o editor dos livros é o vilão. Trata-se de uma comédia deliciosa, um sátira à Bond e a filmes sanguinolentos. Belmondo esbanja carisma, ele é adorável, comediante de brilho genuíno. Quem não gosta de cinema francês terá aqui uma humilhante surpresa. Cenas como a dos personagens do livro parando de falar porque uma tecla da máquina de escrever emperrou são criativamente fantásticas. Mas também acontecem cenas reescritas, mudanças de tom, hesitações e exageros à granel. Comparar este filme com aquele lixo de Will Ferrel demonstra onde estamos hoje : oceano de pretensão vazia. Nota 8.
O PÃO NOSSO de King Vidor
Há quem considere Vidor o maior diretor que os EUA já tiveram. Não foi. Mas nobre e corajoso não houve igual. Este filme, totalmente socialista, foi feito com o dinheiro da sua casa hipotecada ( Vidor já era famoso. Mas ninguém queria financiar um filme sobre socialistas fazendeiros ) então ele vendeu tudo o que tinha e fez o filme. Seria como se Daniel Filho vendesse suas coisas para fazer um filme sobre os sem terra. Feito no auge da depressão, ele é didático e ultrapassado em seu otimismo marxista. Mas caramba, o ser-humano precisa crer em algo ! King Vidor acreditou sempre. O filme é raro e é uma peça de dignificação da profissão de cineasta. Nota 7.
STREET SCENE de King Vidor com Sylvia Sidney
Obra-prima do cacete !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Adaptando sua própria peça, Elmer Rice, importante autor de teatro americano, o cara que trouxe a vida das ruas para o palco; nos dá um texto que é milagroso. Os diálogos faíscam e ricocheteiam. King Vidor, em momento de supremo brilho, mostra a vida da rua. Todo o filme se passa na calçada. Fofoqueiras, prostitutas, imigrantes ( um italiano, um judeu comunista - o filme fala abertamente de anti-semitismo e de marxismo- e irlandeses tolos ). O centro é uma família em que a mãe chifra o marido abertamente e a filha é cortejada pelo patrão. O marido irá matar a esposa e vemos que não haverá futuro algum para a filha ( feita por Sylvia Sidney, excelente e belíssima ). O clima é todo urgente, febril e sórdido. Vemos o intelectual judeu em sua passividade assustada ( o filme é de 1931 e antecipa o espírito de opressão contra os judeus que nascia na Alemanha ), as vizinhas vigiando tudo o que todos fazem, os comentários hipócritas. King Vidor, gigante personalidade, nos dá um filme perfeito. Tomadas de Nova York, janelas com seus moradores, crianças nas ruas, carros engarrafados, polícia na rua... um filme vivo e mais de vinte anos adiante de seu tempo. E tem Sylvia Sidney... que linda ! Obrigatório. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
NO CALOR DA NOITE de Norman Jewison com Sidney Poitier e Rod Steiger
Em 1967 todo cinéfilo queria ver a vitória de Bonnie e Clyde nos Oscar. Afinal, Bonnie foi o Pulp Fiction de seu tempo. Mas assim como Tarantino perdeu para o Forrest Gump, Clyde perdeu para este filme. Que assim como Gump, é um ótimo filme. Fala sobre racismo. Mas o tom nunca é pesado. Porque há um genuíno prazer aqui : Steiger e Poitier brincam com seus papéis. Se voce quer ver dois atores brilharem e terem prazer em trabalhar veja este filme. Poitier como Mr, Tibbs faz o negro policial perdido no sul hiper-racista. Steiger, genial, é o delegado gorducho, caipira, arrogante e hilário. O filme é o trabalho dos dois, todo o resto é secundário. Nos divertimos intensamente, rimos e ficamos nervosos, mas o prazer está sempre aqui. Para ajudar há uma trilha sonora sublime, de Quincy Jones. Mereceu tantos prêmios ? É melhor que Bonnie e Clyde ? Que importa ? É genuíno cinema pop, do mais alto profissionalismo. Rod Steiger foi melhor ator e Jewison perdeu o de melhor direção para Mike Nichols. Nota 8.
2012 de Uma equipe de espertos Produtores
Em 1977, numa entrevista, George Lucas dizia que é muito fácil produzir emoção na platéia de cinema : pegue um ratinho e torça seu pescoço- está criada a emoção. Difícil é criar personagens, caráter, enredo. Lucas estava certo. O que faz Star Wars ficar são seus tipos. 2012 é um rato tendo seu pescoço torcido. Filma-se o fim de todos os ratos. Emociona ? Claro ! É tão emocionante quanto ver um motoboy ser atropelado e tem tanta arte quanto filmar uma video-cacetada. Porém, lógico, tem uma habilidade técnica espantosa. Habilidade que só o dinheiro traz. No mais, não consigo deixar de perceber que tudo aquilo é desenho animado. Não me venha falar em siglas bacanas; trata-se de animação. Não me convence : as cidades parecem cidades de cartoon. Do rato torcido eu teria pena e indignação, aqui, me deu vontade de rir. Nota 3.
A ÚLTIMA TEMPESTADE de Peter Greenaway com John Gielgud e Michel Blanc
Já se levou Peter a sério. Entre 82/92 ele foi considerado o cara. Um artista refinado, o futuro do cinema, o mais intelectual. Hoje, ele é o que é : um chato pretensioso. Seus filmes são barrocos : um carnaval de cenários coloridos, gente passando, letreiros, música minimalista, vestidos imensos, muita nudez, textos longuíssimos. É um anti-Von Trier com o mesmo espírito de Von Trier : enganação de quem nada tem a dizer de verdadeiro. Este filme, cheio de imagens "lindas", cenas postas sobre cenas, tela dividida, bailarinos de fundo, Gielgud recitando Shakespeare, é uma besteira. Tem tudo de ruim dos anos 80. Rico, afetado, luxuoso, bonito, erudito, chic e muuuuito vazio. Nota 2.

WOODY ALLEN

Conheci Woody pela TV. Nos anos 70 ( eu devia ter uns 12 anos ) a Globo anunciava BORIS GRUSHENKO que estava em cartaz. Depois, em 1977, mesmo ainda não tendo 14 anos ( era a censura do filme ) assisti ANNIE HALL no cinema. Era o filme da moda, o filme "indiano de Danny Boyle" da época. Fui ao cine Cal-Center, na Faria Lima. Era um cinema muito pequeno, uns 150 lugares e com uma tela mínima. Era diferente ir no cinema naquele tempo. As pessoas aplaudiam o filme ao final ( apenas quando gostavam. O maior aplauso que presenciei foi para Z de Costa-Gavras. Ou terá sido para OS EMBALOS DE SÁBADO A NOITE ? Não, John Travolta era aplaudido durante todo o filme, e as pessoas viam o filme de pé, dançando. Assisti OS EMBALOS 8 vezes, todas matando aula, a primeira vez com minha mãe !!!!!!! no mesmo Cal-Center, e depois com meus amigos no Gazetão. Sempre com filas na rua. A gente sabia os diálogos de cor... )
Bem... ANNIE foi aplaudido e foi o filme daquela geração. Não da minha, daquela, o povo que hoje tem 60 anos. Ele mostrava exatamente a vida de uma certa classe média, intelectualizada, antenada. Eu adorei o filme, mas na verdade não entendi quase nada. Adorei as piadas, adorei a criatividade da direção. Mas achei Annie uma chata e odiei a cara e a voz de Woody. Naquele ano eu adorava muito mais JULIA, que perdera o Oscar para ANNIE.
O tempo passou, e reencontrei Woody Allen nos anos 80. Foi revendo ANNIE, na TV, que percebi tudo : Woody Allen era o cara que melhor representava TODOS os neuróticos do mundo. Seus medos eram meus medos, suas alegrias eram as minhas. Até seu humor era meu humor. E principalmente, sua complicada maneira de amar era a minha/nossa. Woody Allen dizia querer ter nascido Marlon Brando ou Ingmar Bergman, e era essa divisão entre o pop e o intelectual que me dividia também. Além do que, foi na trilha de MANHATTAN que descobri a música de Gershwin...
Ele faz parte da última grande geração de diretores americanos. A última que conseguiu aliar sucesso popular com realização artística. A geração de Spielberg, Lucas, Altman, Coppolla, De Palma, Scorsese, Clint Eastwood, Mel Brooks, Mike Nichols, Pollack, Lumet e um imenso etc. Gente que começou na TV ou em escolas de cinema, mas que por seu genuíno amor a arte, conseguiu fazer verdadeiro cinema, e não televisão em tela maior. Woody é central nessa geração. Seus filmes analisaram a vida de gente que todos nós conhecemos. Como disse alguém recentemente, é ótimo ver filmes que ainda são feitos para adultos. Seus filmes podem ser geniais ( MANHATTAN, HANNAH, DESCONSTRUINDO HARRY, ZELIG, CRIMES E PAIXÕES ) ou ruins ( TUDO QUE VOCE QUERIA SABER SOBRE SEXO, INTERIORES, O ESCORPIÃO DE JADE ), mas nunca são desonestos.
Disse que Allen não é da minha geração, e realmente não é. O retrato fílmico de meu tempo está em Oliver Stone, David Lynch, Tarantino e nos Coen. Já não é o tempo da neurose analítica de Woody, já é o tempo de pura piração. O que define meu tempo não é a procura da felicidade ou do eu-verdadeiro, como o é nos filmes de Allen; mas a aceitação da infelicidade da vida, e a tentativa de escapar disso pela pura ironia ou pela negação da realidade. Woody Allen sofre com a vida, mas tenta ser feliz. A partir dos anos 80 tenta-se ignorar a vida real.
Quem retrata a geração de hoje é provávelmente Lars Von Trier. Ou talvez Gus Van Sant também. Preciso dizer mais sobre uma geração que vaia moças de minissaias ???? Onde estava o Clint Eastwwod da sala para resmungar e a defender ? Fico feliz em fazer parte da geração que se uniu pelas diretas já. A geração que ainda compreendeu Woody Allen.
Ele uma vez listou tudo aquilo que o fazia querer continuar vivo. Lembro que ele citou os filmes de Bergman, Groucho Marx, beisebol e Louis Armstrong. Woody Allen me faz querer continuar vivo. Recordo que ANNIE HALL na TV, em 1989, me ajudou a superar uma deprê braba. E TODOS DIZEM EU TE AMO me recuperou de um pé na bunda em 1998. Ele é um tio que eu adoraria ter tido.
Nunca mais surgirá outro Woody porque o mundo não quer mais Woodys. Ele pensa demais, fala demais, analisa demais. O mundo em que ele cresceu era um mundo onde ainda se podia ler Dostoievski e jogar bola na rua ao mesmo tempo. Onde ele assistia Bergman em cinemas e depois ia ouvir jazz de big band num bar barato. Um mundo onde o muito sério podia conviver com o muito povão, sem problema nenhum. Mundo de imigrantes, de fim de guerra, de mobilização política e do começo da TV. Um mundo de começos, e onde quase tudo era feito em grupo. Voce ouvia música em grupo, via filmes em grupo e até assistia TV em grupo.
Os filmes de Woody Allen falam de solidão, mas repare, são cheios de gente !!!!! Não há a imagem fria do cara em sua sala com seu laptop. Não existe a falta do que dizer. Existe gente.
Se ele fizer realmente um filme no Brasil será incrível. Não sei se o Rio de hoje merece um filme de Woody. Sei que SP nada tem de Woodyano. Mas talvez ele consiga fazer o milagre de por 90 minutos nos fazer ver o Rio que ainda existe em fantasmas e em vislumbres.
Talvez ele até consiga fazer as pessoas tirarem a bunda da poltrona, largarem seus baldes de Coca e aplaudirem mais um Woody Allen film.

vicky cristina barcelona e nós dois

Triste será o dia em que não tivermos mais os filmes de Woody Allen. Porque em meio a um mundo cada vez mais infantil, ele, quase sózinho nessa empreitada, insiste em produzir um tipo de cinema sofisticado, adulto e profundamente humanista. Vejamos seu novo filme.
Primeiro fato: todos os personagens são adultos ( mesmo os idiotas ). Nenhum se parece com um cartoon. Segundo fato : nada é feito com a intenção de parecer moderno, ou , nada existe para chocar. Tudo é natural, pois tudo é humano.
Tenho amigos que são como Doug e Vicky. Eles se casaram com pessoas de seu bairro, sua profissão, seu mundinho. São pessoas que jamais podem estar distantes de um celular, um lap-top, dos amigos protetores. Por mais que se droguem, viajem, comprem, nunca deixam de ser aquilo que sempre foram- crianças.
Conheci várias Cristinas. E as compreendo. O amor foge delas. Elas pensam buscar o amor. Mas apenas procuram espelhos, comprometidas com seu destino, sua dor, seu desejo.
Encontrei um único pintor hedonista como o papel de Bardem. Ele sabe. Ele sabe aquilo que artistas como Bergman, Wilde, Kurosawa, Miles e meu querido Kevin Ayers sabem : a vida não faz nenhum sentido. Nada é definitivo, nada alivia nada; e o certo é celebrar isso. Absorver o que há de belo, poderoso, valoroso ,e prosseguir, rindo, celebrando o sol.
Amei uma Maria e quase morremos juntos. E posso então dizer que compreendo o que é o amor verdadeiro. Pois amor de verdade só existe na dificuldade, na diferença, no risco.
Num mundo onde voce não arrisca um amor impossível, ou onde todo desejo é satisfeito antes de se afirmar,bem, nesse mundo o amor se torna um quase nada, um vazio, um compromisso com o já conhecido ( e o já conhecido, o previsivel, não é amor ).
Barcelona é uma mulher linda. Quem não a ama não ama a beleza e a vida. Ama o cinza.
Penelope Cruz... brilha e humilha as outras atrizes. Seu ódio é homérico, sua sensualidade fulgurante, sua presença de rainha. Ela ilumina as cenas e enche a tela de vida. E de trágica sina.
Woody deve ter se queimado muito com a América. Sua visão dos americanos se tornou ferina. Eles são um bando de bebedores de café descafeinado, plugados em maquininhas bobas e consumistas vorazes. Eles são, sabemos disso. ( Há um belo contraste: numa cena vemos o casal bebendo vinho. Surge o noivo com seu copo de café de papelão ).
É um filme melhor que qualquer candidato ao Oscar .
Sua cena final, Vicky e Cristina, andando rumo ao inevitável tédio, rumo à absoluta mediocridade... faz lembrar o Antonioni mais visceral . Allen depura sua influencia Bergmaniana e nos dá toda uma alma, radiografada, em coisa de 4 ou 5 segundos. Me fez chorar...Coisa que nem a novelinha de Fincher/Roth e nem a incrível bobagem de Daldry fez.
É muito mais real e colorido que o filme fashion sobre a India e não pode ser comparado à um lixo como Milk. É um filme fábula. É amargo. É bonito.
Woody Allen se aproxima do fim da vida menos brilhante. Menos engraçado. Porém, muito mais sábio. Bato palmas de pé para este irresistível filme.