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MEU AMIGO RODERICK STEWART ( uma bio duca! )

De todos os astros do rock cujas bios eu li, Rod Stewart é aquele de quem eu gostaria muito de ser amigo. O cara é legal, simples, gente boa. E a forma que ele escolheu de contar sua vida demonstra isso. Nada da confusa história cheia de lacunas de Keith Richards, nada da detalhada e melô bio de Paul MacCartney. O drama sem humor de Clapton também não está aqui e nem a coisa arty de Patti Smith. Rod é engraçado. Tudo o que ele conta é auto-irônico, lê-lo é um prazer e uma alegria. Ele foi e é feliz, não tem vergonha disso, nunca tenta ser herói. Ele é o Rod do Faces, aquela que foi a mais feliz das bandas.
Cada capítulo usa o tipo de título que era usado por Swift, Fielding e Sterne..."Como nosso herói perdeu a virgindade e ao mesmo tempo foi descoberto por um olheiro de futebol". Roderick Stewart foi o caçula de uma familia grande. Era fruto de um acidente, sua mãe engravidou sem querer, seu irmão mais próximo era 9 anos mais velho. Rod nasceu, e como último bebê, foi mimado. Seu pai era um encanador, e longe de serem ricos, nunca passaram privações. Sempre vaidoso ( Rod sempre dá um jeito de falar de seu cabelo, e tira uma de si-mesmo sobre essa mania de arrumar os fios ), ele amava futebol. Desmistifica certas lendas tipo, não, ele nunca foi jogador profissional ( fez uma peneira, não passou ), nunca foi coveiro ( mediu túmulos por uma semana, aí foi demitido ), não era mal aluno...e nem bom...era quieto. E jamais pensou em ser cantor. O que ele gostava e gosta mesmo é de futebol e de carros esporte. O ato de cantar vem em quarto lugar, pois ainda existem as mulheres. Muito da má vontade de certos críticos com ele vem daí, na época dos heróis do rock, dos drogadões, dos "tudo pelo rock", Rod Stewart sempre disse que estava nessa para poder ter um carro novo.
A gente lê página e mais página adorando estar na companhia de Rod. Nesse sentido, sua escrita é como suas melhores músicas, amigas para toda a vida. Ele ganha um violão do pai, toca mal, e como é fã de Bob Dylan, canta suas músicas na praia, na escola. E todo mundo começa a dizer, "canta Rod!". Ele canta. Vai a shows em porões sujos, vira fã dos Stones, ( onde eles estarão? ), e meio por acaso canta em bandas de blues. Todas são absolutos fracassos. Os produtores acham sua voz ruim e sua figura pouco rebelde. Como aconteceu na mesma época com Bowie e Elton, Rod passa a década de 60 no segundo e terceiro times. Porque mesmo quando ele entra para o Jeff Beck Group, que em 68 estourou, toda a atenção era de Jeff, já então um mito da guitarra...e um cara sempre de mal humor.
É nesse grupo que ele faz amizade com um cara tão descabelado, desencanado, mod e engraçado quanto ele, um tal de Ron Wood. Quando Jeff despede Ronnie, Rod sai junto. E isso bem na véspera de tocarem em Woodstock. ( Rod sente alivio por ter perdido essa chance. Todos que tocaram lá foram congelados como "o cara que tocou em Woodstock").  É então que a gravadora Mercury lhe oferece um contrato para um disco solo. Disco que será gravado em 15 dias. E que eu considero maravilhoso! É o soberbo LP que tem Handbags and Gladrags...um disco profundamente emocionante.  Esse album faz sucesso de critica...e nada de público. Mas com o segundo, Gasoline Alley, vem o sucesso na América e com Maggie May nasce o fenômeno.
As pessoas não lembram, mas o single Maggie May foi o primeiro a ser número um nos EUA e Inglaterra na mesma semana. Nem os Beatles conseguiram isso. E o lp Every Picture Tells a Story também seria número um nos dois países ao mesmo tempo! Só Michael Jackson com Thriller faria isso de novo. Era, em 1971, uma luta nas paradas, Rod brigando com Imagine de Lennon que brigava com Simon e Garfunkel que brigava com My Sweet Lord que brigava com Led Zeppelin.
Volto no tempo e digo que aos 9 anos Rod foi levado pelo pai ao cinema. Ele viu AS FÉRIAS DE MONSIEUR HULOT, de Jacques Tati. Até hoje seu filme favorito. Ao mesmo tempo, Ronnie Wood, quilômetros longe, via o mesmo filme. E depois do Jeff Beck Group, os dois formam os Faces, o mais tatiano dos grupos!
O Faces era o anti-rock progressivo. Anti-art rock. Era uma banda de palhaços, de grandes amigos, de preguiçosos. Entravam no palco sem um set list. Conversavam com a platéia decidindo na hora o que tocar. Jogavam futebol, montavam um bar, traziam dançarinas de can can, tudo no palco. Riam. SE DIVERTIAM. E traziam todo esse bom humor aos fãs. E aproveitavam para também levar tietes, dúzias pro hotel. Rod sempre foi isso, sem disfarçar, um cara da classe trabalhista que se divertia com a fama e o dinheiro. "Missão social?", "Mártir da fama?"....não me faça rir!Mas escrevendo com essa falta de pretensão ( e ele confessa ter uma imensa dificuldade para compor ), Rod Stewart conseguiu nos dar algumas das mais lindas, poéticas, inesquecíveis, fantásticas músicas de toda a história. Com sua voz privilegiada, ele nos faz ver, sentir e estar nos lugares que ele descreve. Em seus primeiros seis anos de carreira, tudo o que Rod canta vira vida de verdade.
Nascido dos escombros do Small Faces ( Steve Marriott saiu deixando Ian, Laine e Kenney a ver navios ), o Faces é uma banda duca!!!!!
Mas como Rod conseguiria administrar a carreira solo e a banda? Sendo que como solo ele vendia 10 vezes mais que nos Faces?
Continuo em outro post!

The Rolling Stones in the park



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FUTEBOL, PAUL MACCARTNEY E ROLLING STONES NO HYDE PARK

   Tão tentando, e conseguindo, transformar estádio de futebol em arena de entretenimento. Tá um pé no saco. Nada mais de samba, nada mais de charanga, sem o urubú e sem a turma pobre da geral. Padronizaram tudo, a torcida do Arsenal é hoje idêntica aos bundões do Chelsea. Jogo na Itália ou na Alemanha parece o mesmo, Juve ou Borussia, só muda a cor. O futebol vira picolé de xuxú, coisa que a fórmula um se tornou faz tempo. Sem cor local, sem perigo, sem originalidade.
   Falei em perigo? E os shows de rock? Viraram o que? Festinha de quinze anos? Show em Vegas?
   A sujeira abunda no Hyde Park neste show de 69. O palco é tosco e o povo tem uma multidão de tipos em overdose de ácido. Na última música Jagger flerta com Dionisius. E tem um grupo folk da Jamaica que não é samba! ó ingleses... Paul MacCartney aparece em meio ao povo no gramado...sempre são...não é funny? Tempo em que o cara da banda mais popular via um show em meio aos simples mortais...
   Os Stones chegam dentro de um carro forte! Ou é uma carrocinha de cachorros? O camarim fica com as janelas cheias de fãs e o luxo dado às estrelas são duas dúzias de laranjas!!!
   Keith está quase morto e ainda não criou sua persona de palco. Portanto, Mick brilha sózinho. Lê Shelley como homenagem a Brian, que morreu dois dias antes. Soltam borboletas brancas no palco, centenas que saem de caixas de papelão...sim, é patético.
   Moças feias sobem ao palco e são expulsas. Tudo é mal feito e mal executado. Hells Angels fazem a segurança. Mick Taylor faz sua estréia aos 19 anos. O filho de Jagger e Marianne, Nicholas, parece adorar o tio Charlie Watts. ( Uma pesquisa diz que em 1967 Bill Wyman dormiu com 236 mulheres diferentes. Brian com 170 e Mick com 86. Keith com apenas 3 e Charlie apenas com sua esposa ).
  Sexo é perigo. O show é uma merda mas é fascinante por ser perigoso. Os Stones sempre foram sexys como uma banda black. Não é apenas diversão, é uma experiência. Se deu certo ou errado não importa. Há alí uma história para ser narrada.
  Hippies místicos se reúnem em Chelsea. Velhos very british pescam alheios a tudo. Atores pregam contra o capitalismo. E uma criança, da minha idade?, olha para a câmera com seu lenço vermelho amarrado no pescoço e a barriga gorda de fora.
  Shows hoje são limpos demais!
  O mundo está ficando tão clean, tudo tão bem feito, tão correto, que ver esse show, feito na Londres hiper-educada de 69, é como ver gente de outra raça e de outro planeta em ação. Mundo irreconhecível.
  Tem de ser visto e revisto.
  Como dizia o grande Ezequiel Neves, é descaralhante!

DE ROBERTO CARLOS A YEATS; DE BEATLES A PROUST

   Aquelas canções que são como velhos amigos, conhecem sua história e reencontrá-las é como olhar para sua casa ( a casa de verdade, não esse acampamento de trabalho a que hoje chamamos de casa ). Sons que vão direto pra alma e que por mais que as escutemos, e escutamos muito, parecem sempre com uma nova descoberta. Essas músicas se renovam, como o amor é uma renovação diária.
   São as canções que meus amigos deveriam cantar no dia em que eles jogarem minhas cinzas na Serra do Mar ( e isso nada tem de triste pois farei poesia mesmo após ir embora daqui ).
   No nascimento desta jornada recordo de minha mãe ouvindo rádio pela casa cheia de sol e de meu pai escutando discos nas manhãs de domingo. O que eles ouviam? If, da banda melosa Bread é possívelmente a coisa sobre o amor mais antiga em minha alma. Mas não é uma boa canção. Só uma criança de 5 anos poderia gostar de tal coisa. Mas também posso recordar de Roberto Carlos e essa lembrança é muito mais agradável. "Quando/ voce se separou/ de mim/ Quase/ que a minha vida teve/ um fim"; ou então: "As folhas caem/ Nascem outras no lugar"; nessas faixas nascia em mim um tipo de sentimento que iria desaguar em Yeats e em Proust.
   Beatles....Ah os Beatles...Cantei Help aos 6 anos, mas o que me deixava tonto era In My Life. Belo tempo em que In My Life tocava na Tupi AM. Bem mais tarde, aos 17 anos, eu descobriria que For No One era ainda melhor, e mais que isso, que For No One pode ser a melhor das melhores ( Neste texto, incorreto como o amor, muita coisa será the best of the best ). Mas em 1970, a voz de Paul já marcava presença em mim, mas era via Another Day, uma canção que me recorda a cama de meu quarto.
   O amor em canções. Daydream Believer na voz de David Jones, dos Monkees, e também Look Out, um amor muito feliz. Eu adorava ainda Rocknroll Lullaby com B.J.Thomas e Killing me Softly com Roberta Flack. E súbito tudo mudou quando um piano me fez comprar meu primeiro disco.
   Elton John cantando Your Song mudou minha vida. E ainda hoje vejo Elton como um dos reis da canção de amor. Se voce está in love e deseja ouvir alguém cantar só pra voce, Elton é o cara. Ele tem tantas grandes canções de amor que é impossível citar as melhores. São melodias simples, que grudam, mas ao mesmo tempo vão ao fundo da coisa e são cristalinas. Elton foi hiper-pop, mas jamais deixou de parecer sincero. E uma frase como : " A vida é maravilhosa porque voce faz parte do mundo", será sempre a tradução exata do que seja a alegria do amor. Ele é um longo capítulo em meu coração.
   Muito perto de Elton vem uma voz que em sua juventude foi mágica. Capaz de emocionar com apenas um "Oh!", Rod Stewart cantou Still Love You em 1976 e acabou com meu coração. Se Elton parecia sempre sincero, Rod Stewart conseguia personalizar nossa epopéia interna. Esqueça o Rod playboy que surgiu após 1977, ele foi antes disso o jovem faminto, o cara da estrada suja, o celebrador do amor eterno,e esse cara é do cacete! Sua regravação de The First Cut is The Deepest de Cat Stevens, fez com que eu me apaixonasse várias vezes. Já adulto descobri seus primeiros discos. Os 3 primeiros discos solo de sua carreira são crônicas sobre o amor simples, o amor de gente comum, o amor de jovens ingênuos e cheios de fé. São dos poucos discos do rock que nos fazem ter esperança. Isso não é pouca coisa. Rod é o menestrel do amor.
    Voltando a minha casa de criança ia esquecendo de dizer que hoje, aos 50 anos, quando leio poesia romântica, ou quando vejo imagens de jovens dandys morrendo de amor e de tuberculose, logo recordo de 3 canções de amor que entraram em meu DNA. Eu as ouvia naquele rádio antigo, em mono e AM, aos 5 anos...ou antes. Eram os hits de então: As Tears Go By, Lady Jane e She's a Rainbow. As 3 nada têm a ver, na verdade, com aquilo que os Stones eram. Ou talvez simbolizem o lado sombrio da banda, aquilo que eles escondem ou perderam. Mas a voz infantil de Mick em Tears, o arranjo de cravo de Lady Jane e o refrão de Rainbow são das mais poderosas sombras amorosas da minha mente.
   Pena que a banda tenha jogado fora esse tipo de romantismo flamboyant.
   Aqui então estão expostos os nomes e as canções de meu começo.  Acho que foi um bom inicio. E como em todo amor antigo, elas mexem comigo de uma forma muito visceral. Não admito que falem mal delas. As amo forever. Porque, meus amigos, amor quando é de verdade, é sempre para sempre.
   E a vida é maravilhosa porque essas canções estão nela.

UMA LINDA HISTÓRIA DE UMA BANDA MUITO ESPECIAL

  A vida toda estive atrás de uma menina, ela não tem rosto, não tem nome e nenhum número...Ela está dentro de mim...
   Esse o mote de "No Face, No Name, No Number", faixa do primeiro disco do Traffic, 1967. Todo o romantismo inglês explicitado na mais romântica das bandas do lado de lá do Atlântico. Caramba! Como pode isso! Entre She Loves You e o Traffic se passaram apenas quatro anos??? Parecem décadas!
   Em 1966 uma banda chamada Spencer Davis Group estourou com duas canções número 1 nas paradas: I Am A Man e depois Gimme Some Lovin'. No vocal um garoto de 16 anos, Steve Winwood. Começaram a dizer que era o novo Ray Charles ( NÂO ). Se os EUA tinham Little Stevie Wonder, a GB tinha Little Steve Winwood.
   Porém, com 16 anos, Steve já era aquilo que é até hoje, a reencarnação de Wordsworth. Ficou puto por ter virado Pop e se mandou para o campo com uns amigos pouco mais velhos. Lá, em Yorkshire, cercados de vários chás, ácido e muita erva, formaram uma banda de "boas vibrações". Nascia o Traffic.
   Boas energias...inexiste agressividade no Traffic. E abundam erros técnicos. Steve é um grande músico e um hiper cantor. Sabe tocar guitarra, teclados, baixo e bateria. Já gravou discos em que ele toca tudo. E Dave Mason, guitarrista do Traffic era excelente. Mas Chris Wood e Jim Capaldi só ficaram no grupo por serem brothers e terem alto astral. Chris era um desastre no sax, flauta e teclados e Capaldi acabou por desistir da batera e virar um surpreendente bom cantor. Well....continuando...
   Chapados e fixados em símbolos celtas, yoga e astrologia, os quatro assinaram com uma nova e pequena gravadora, a Island. E gravaram um single e um LP. Na produção botaram outro novato, Jimmy Miller. O que rolou? Mais sucesso inesperado!
    Chris Blackwell, dono da Island, acabou sendo o poderoso descobridor de Bob Marley e lançador do Roxy Music, do King Crimson e do ELP. Depois seria a casa do U2. Jimmy Miller fez tanto sucesso como produtor dos três primeiros Lps do Traffic que os Rolling Stones logo o chamaram e roubaram Milller de Winwood. Com Jimmy Milller os Stones gravariam TODOS os seus discos entre 1968 e 1974, ou seja, seus melhores trabalhos. Mas porque Miller fez tanto sucesso como produtor?
   Tenho esses três Lps em vinil e em CD. Tente ouvir em vinil e please, não baixe. Os dois primeiros LPs do Traffic são considerados até hoje uma obra-prima em termos de som estereofônico. São feitos para se escutar com fone de ouvido. Experimente. Os instrumentos ficam o tempo todo dançando entre a direita e a esquerda. Sons aparecem no ouvido esquerdo, voam para o direito e voltam. Ruídos aqui e não lá, lá e não aqui. Um grito aqui. Um solo que vai para lá. É um som espacial, ele anda, caminha dentro da cabeça de quem escuta. É uma arte perdida.
   Steve Winwood é uma pessoa amável. Calma. De sorriso suave. Gravou com TODO mundo. Era amigo de todo mundo. Posso lembrar agora de Eric Clapton, Jimmy Hendrix, Marianne Faithfull, George Harrison, Pete Townshend, e vasto etc. Todos tiveram banda ou gravaram com ele. O Traffic acabou em 1970, voltou em 1971 e voltou a terminar em 1974. Daí a carreira solo. Com 24 anos em 1974, Steve Winwood já tinha quatro bandas de sucesso nas costas e um monte de trips para contar.
   Jim Capaldi mora a trinta anos no Rio. Gravou até com Ritchie. Lança disco em Londres de vez em quando. É maluco pelo Arpoador e pelas mulheres do Brasil. Chris Wood morreu nos anos 80. Dave Mason tentou carreira solo e virou requisitado guitarrista. Seu mais famoso trabalho é no Beggar's Banquet dos Stones. Sim. Algumas daquelas guitarras de aço são dele. E Steve Winwood enveredou pelo Pop. Como ocorreu com tanto ex-maludo hippie, ele assumiu que seu amor maior sempre foi a soul music de Marvin Gaye e de Sam Cooke e foi por essa senda.
   Acabo de reouvir pela milionésima vez o Best Of do Traffic. Tenho esse vinil desde 1979. É um disco perigoso. Há algo de muito escuro nele, de muito onírico e voce pode se perder dentro dele e não voltar nunca mais. Pior, pode não querer voltar. É bonito.
   PS: Postei esse video de Glastonbury em 1971. Jim Capaldi é aquele com o pandeiro no microfone. Winwood está ao teclado, cantando. O show é absolutamente dionisíaco. Enjoy. Voce merece isso!

The Rolling Stones Play Little Red Rooster 1964



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Howlin wolf - How Many More Years [Shindig Special (Live TV May 1965)] .wmv



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CADILLAC RECORDS

   Já escrevi isso um dia e volto a repetir: A coisa mais importante do século XX não foi o comunismo, a chegada a Lua, Bill Gates, a TV ou o esporte. Se um cara do século XIX chegasse a SP, Paris ou New York agora o que mais o deixaria pasmo seria a "negritude" do mundo. Falo negritude porque não falo só do fato de muitos negros andarem livres pelas ruas. O que mais o impressionaria é que a música é negra, o design é africano e principalmente, falamos, caminhamos, nos vestimos e gesticulamos como negros. Este filme, que NÂO é um bom filme, vai te ajudar a entender isso.
   Eu adoro Fred Astaire. Amo Cary Grant e John Wayne. Mas ninguém no mundo de hoje anda, fala e vive no mundo de Astaire, Cary e Wayne. O mundo desses ícones é o de 1941 por exemplo. E este filme começa em 1941. E começa numa plantation no Mississipi e Muddy Waters está lá. E aquele negro caipira, com seu violão é um homem de hoje. Coisa que Astaire não é.
   A história da Chess Records é conhecida por qualquer um que saiba o que seja Rock. Leo Chess, judeu polonês, pobre, pega Muddy e o grava. O resto é lenda. Muddy lança a base do som rock e Little Walter a atitude auto-destrutiva do rock star. Eles falam como Keith Richards e tocam como Jimi Page ou Jack White. Ganham alguma grana e bebem demais.
   O filme foi produzido por Beyoncé. E ela exagera um pouco em seu papel de Etta James. Tem Etta demais e Chuck de menos. Mos Def faz Chuck Berry. O cara que uniu Muddy ao country e inventou assim Elvis e os Beatles. Mos Def faz Chuck melhor que o próprio Berry.
   A melhor cena do filme é aquela em que Chess descobre um cara chamado Howlin Wolf. Cedric the Entertainer faz Wolf. O cara mais honesto-simples-forte e durão do blues. Suas cenas são do balacobaco e ele merece um filme só pra ele.
   Eles, diretora, produtora, atores, amam o blues. A gente percebe isso no filme. Mas tentaram contar coisas demais. Até a chegada dos Stones na Chess para gravar umas faixas em 1964 eles botaram ( e a cena é ótima ). " Esses branquelos magricelos são espertos".
   Ao ler a bio de Keith a gente percebe que ele passou toda a vida imitando Muddy, Chuck e Wolf. Ser chamado de black seria o maior elogio possível para Keith. E ele é, ele chegou lá. O povo que não gosta de Keith é o mesmo que não escuta black music. Ele é preto. E esse processo todos nós vivemos, em maior ou menor grau. Somos apaixonados pelo som, pela ginga, pelo improviso, pelo espírito voodoo.
   Veja o filme e entenda do que falo.
    PS: Quando Howlin Wolf morreu em 1976 ele estava tão falido que não havia dinheiro para seu enterro. Eric Clapton pagou o funeral e a lápide. Nada mais justo. Wolf é o homem que o fez nascer.

A MAIOR BANDA DA HISTÓRIA DO ROCK-CELEBRATION DAY, LED ZEPPELIN

   É muito impressionante. A primeira imagem é de uma reportagem de 1973, onde se anuncia que o Led Zeppelin, em tour pelos USA, andava quebrando todos os recordes dos Beatles em shows. Daí se vê o palco escuro. De repente a explosão de um riff. Voce sabe, aquele tipo de riff que apenas Jimi Page consegue tocar. Mais que isso, o som metálico, sinfônico da Gibson, o som de puro volume, de estridência semi-indisciplinada, o som do Led Zeppelin. Eles estão no palco, um palco pequeno, sem frescuras, porque a banda sempre se garantiu pelo som. E a gente sabe, estamos lá para ver os caras.
   A vida inteira tenho repetido que minha banda favorita se chama Rolling Stones. Mas o Led Zeppelin é como uma familia para mim. E os caras só me lembram bons momentos. Sério, nunca tive um momento ruim ouvindo Led Zeppelin, e que coisa mágica, recordo a primeira vez em que escutei cada um dos discos deles. Sim, desde o primeiro que comprei, o Led II, até o último, In Through The Outdoor. Lembro com detalhes do lugar onde ouvi, o que senti, quem estava comigo, como estava o tempo, que horas eram. Isso só acontece com eles. Dos Stones só me recordo da primeira vez em que ouvi It'Only Rocknroll, do Roxy só de Avalon. Dizem que esse tipo de memória significa amor. Well, foi o que senti ontem. A segunda música do show foi Ramble On e nessa hora meus olhos ficaram molhados.
   Todo show de veterano tem muito de prestação de tributo. Voce aplaude e se emociona com aquilo que eles representam em sua vida e não com aquilo que eles fazem ali, naquele segundo. O Led Zeppelin me surpreendeu, é um grande show! Jimi Page continua se arriscando. As músicas da banda são muito dificeis de tocar ao vivo, todas são obras de estúdio, e Jimi se vira como só ele pode. Sola, dá riffs, harmoniza. Erra muito, acerta muito, alucina. O ataque que ele executa é único. Mesmo coroa, ele faz muito barulho, solta ruídos, piruetas. O slide em In My Time of Dying é divino. E além de tudo lá está John Paul Jones, o gênio. Ele manda bala com seu dedo. Toca baixo com um dedo esticado e fica inquieto, é essa uma das melhores coisas do show, JP Jones fica tenso, há ali, ainda, um certo receio, no rosto do contrabaixista se percebe uma dúvida: será que Jimi vai se perder? Jones é um maestro, o melhor baixo da história do rock.
   Cada música é um desafio. Assisti o show com um músico ao lado e ele me conta como é dificil tocar aquele repertório. As músicas mudam de andamento todo o tempo, há paradas e retornos, voltas e sinuosidades, riscos constantes. São músicas que convidam ao erro, a anarquia, armadilhas. Eles não se perdem.
   Robert Plant é o cara boa-gente. Perdeu o sex-appeal, perdeu parte da voz. Compensa com inteligência. Coloca a voz no ponto exato e sabe poupar. Fica no palco como um dos fãs. Se diverte e jamais passa a impressão de estar com o ego inflado. Poderia. Ele tem esse direito. ( E falo aqui de Jason. Ele tocou como seu pai. Sem o peso do old John Bonham, mas fez justiça ao pai. )
   Misty Montain Hop foi o auge do show. Puro fun.
   O público esteve em transe. Há algo de sublime naquela audiência. Sei o que é: a consciência de se estar num momento histórico. É um dos melhores shows já vistos. Espertamente eles não farão outro. Seria um anticlimax.
   O Led Zeppelin sempre foi uma banda muito bem dirigida. Se expunham pouco. Não lançavam singles, não apareciam na TV, pararam quando Bonham morreu. Quem quiser saber o que eles significam para minha geração basta ver QUASE FAMOSOS. Tá tudo lá.
   Recentemente os Stones fizeram um bom show de 50 anos da banda. Foi bacana, mas não foi emocionante. Eles são tão cool, tão blasé, que a emoção sempre é a de se estar numa festa e apenas isso.
   No show do Led Zeppelin vi muito mais que isso. Risco, celebração, reencontro com amigos, amor, muita, muita emoção. É a maior banda da história do rock. E o mais lindo é que desde o começo, lá nos idos de 1968, Jimi, John, Plant e Bonham sabiam disso. Eles entraram no rock como arrogantes deuses gregos de falo ereto. E saem como senhores muito relax, que sabem fazer e sabem dar, possuem fé em si-mesmos e tem a plena convicção de que após tantos anos e tantas bandas, Clash, Oasis, Aerosmith, Queen, Metallica, U2, são eles ainda o Led Zeppelin, os originais, os machos, os donos da coisa, o modelo a ser seguido ou a ser negado. A maior das bandas. Amo esses caras. Valeu.

FICAR VELHO É FODA

Passei todo o ano doente. Com a sensação de que a gripe ia me pegar. E me escondia. Nos banheiros, na biblioteca, na praça. Foi a mais forte experiência de inadequação que vivi. O inferno na Terra. Um tipo de anjo caído do paraíso. Porque apenas seis meses antes eu morava no céu. Era percebido, desejado, respeitado. E agora eu virara um tipo de pária. Só, ignorado, auto-sacrificado. Odiava tudo com todas as minhas fés.
No banheiro eu rabiscava as paredes. Na biblioteca eu me perdia nos longos corredores de livros mofados. Meus cabelos, longos, estavam sempre sujos e por mais que eu lavasse eram oleosos. Eu teimava em usar um paletó de couro, gelado. E naquele inverno apavorante, cheio de vento e umidade, ele era como um tipo de placa de aço. Minha garganta doía toda manhã.
No mundo inteiro eu tinha só dois amigos. Um era um garoto ansioso, sujo e fedido, que tinha o rosto cheio de espinhas e a expressão mais masturbatória que já vi. A gente ia ao cinema, um pulgueiro, ver filmes de sexo e olhar pras vagabundas da rua. Depois ficava conversando de madrugada, na calçada. O outro amigo era um idealista. Ele adorava Jimi Hendrix, adorava tanto que se parecia com ele. Caminhávamos pela cidade, com pressa. Sonhávamos em montar uma loja de discos. E bêbados, imitávamos uma banda de rock. Com uma vassoura na mão ele era Jimi, e eu, com um tubo de desodorante como microfone, copiava todos os trejeitos de Mick Jagger em It's Only Rocknroll. Todo esse universo de fantasia era destruído quando eu chegava em minha nova escola- um lugar que era a ilha da disco music. Menos pra ela...
Ela gostava de exibir a calcinha. E o namorado, um magrelo com cara de raposa, estava sempre rindo, com os dentes amarelos. Ela não era bonita. Era sublime. Baixava um pedaço do jeans justo e mostrava o começo da calcinha roxa. Eram duas aberrações naquele ambiente tão banal. E eu, tímido, seguia os dois, calado, sempre por perto, sombra. Matavam aula para beber nos botecos do centro. Eu não ia. Andava pelas ruas geladas e esperava. Uma manhã ela me deu um beijo. Seco e breve. Desandei.
Suado e cheio de raiva eu chegava em casa. Um lugar sempre vazio, minha mãe ia à ginástica e meu irmão estudava todo o dia. Botava os discos e delirava. Ouça:
Existe uma época pra tudo. A gente aprende quando fica velho- O tempo pra amar por exemplo. A gente pode amar a vida toda, claro, mas tem um tempo que é o melhor tempo de amor que voce terá. Assim como há o melhor tempo de ter raiva, de odiar ou de sonhar. E acontece na vida também o grande tempo de leitura, de ver filmes e de ouvir música. A vida toda eu fiz tudo isso, mas jamais existiu época melhor pra escutar um disco que esse ano de 1979. Eu tinha um tipo de alucinação com os discos. Enquanto escutava criava histórias, via cenas de romance, me inspirava e fazia parte do que ouvia. Não acontecia de ser 'eu' ouvindo o disco, era 'nós' na música. Meu mundo era aquilo, e doía. Escutava com raiva.
Sticky Fingers é doente. Cheira a ampolas usadas, a algodão com álcool. E é todo desespero. Os solos de Mick Taylor são todos sublimes- e voce sabe- sublime é a beleza terrível. Se na capa há uma pistola escondida num jeans justo ( Warhol ), aqui, nos sulcos, há a tentação da morte. Não só em Sister Morphine, a mais seca das canções drogadas, mas em Moonlight Mile, a mais triste canção de Jagger.
Por isso é dificil escutar isso agora, em 2012. Porque minha raiva se foi. minha solidão virou conforto e a menina da calcinha foi esquecida.
Ficar velho é foda. Voce percebe que a vida é uma sucessão de traições. Ouvir os discos daquele tempo, e são poucos, dói muito. Porque em todo esse tempo eu traí aquele moleque. Todos os sonhos e todas as raivas foram despedaçadas. E as ruas geladas nunca mais foram visitadas...
Ou não.
Talvez ter feito o moleque sobreviver, e hoje, aqui, poder escrever isto para voces, seja uma vitória. Meu compromisso em 1979, agora percebo, era com Brian Jones, e ele morreu. Eu queria ser ele, na verdade eu o era. A vitória foi ter passado por aquele inferno e ter vencido.
PS: Hoje eu sei- e sei por ter lido a bela bio de Eric Clapton.

O MAIS HUMANO DOS ROCK STARS. ERIC CLAPTON, A AUTOBIOGRAFIA.

   Ler a bio de Clapton não é ler a bio de um rock star. Muito menos a de um guitarrista. É a biografia, muito sincera, de um homem. Desde o começo de sua vida Eric teve apenas uma coisa em mente: construir uma vida. Jamais ele desejou ser uma estrela. Nesse processo, doloroso, ele se desconstruiu sempre. Fugiu do estrelato, fugiu do virtuosismo instrumental e na pior das batalhas, fugiu de sua própria vida. Chegou a uma situação de absoluta destruição. E sobreviveu. O foco é na luta interior, o rock é a segunda, às vezes terceira linha.
   Clapton nasceu pobre no subúrbio. Mato e espaço. Sua timidez vem do sentimento de se estar sobrando. Quem ele pensava ser sua mãe era na verdade sua avó. A verdadeira mãe lhe foi apresentada como irmã. O jogo só foi revelado na puberdade. A verdadeira mãe, fria, nunca baixou a guarda. Mas por sorte os avós eram ótimos.
   Na escola Eric evitava brigas e fugia do centro das atenções. Péssimo aluno, melhorou quando foi estudar design. Bom desenhista, um dos assuntos favoritos de Clapton em todo o livro é a moda, as artes visuais. Ele descreve roupas, móveis, tapetes e quadros. Bom gosto, dom que se reflete nos acordes que ele sempre produziu em suas guitarras.
   O blues ele descobriu no rádio. Sentiu-se no paraíso. Com violões ruins aprendeu a tocar sózinho, copiando discos. Além do blues, Buddy Holly. Bandas de bar, de pub e então vêm os Yardbirds, uma banda de blues. Purista, caiu fora quando a banda estourou fazendo um tipo de versão de blues- pop. Eric não queria ser como os Beatles, queria ser Muddy Waters. Com 19 anos as ruas já apareciam grafitadas: Clapton is God.
   Grava com John Mayall. Os Bluesbreakers são puro blues. Mas ele adorava Jack Bruce e quando ele o convida para tocar se forma o Cream. Ginger Baker vem pra batera e Ginger e Jack se odeiam. Tocar é bom, e eles criam a jam session no rock. Por ter pouco repertório tocam versões de dez minutos de cada faixa. Os shows são hiper concorridos, sucesso em palcos, o Cream é a banda mais fashion em 67. Clapton começa a circular com Jimi Hendrix. Os dois vão a bares onde tocam juntos, de surpresa. Ao mesmo tempo Clapton circula com a nova invenção inglesa, os hippies de sangue azul. São os filhos de barões e duques que caem na estrada e se tornam um tipo de ciganos chiques. Para essa galera, Eric Clapton é a coisa mais "In" que existe. Ele se envolve com Alice Ormsby-Gore, uma das mais ricas herdeiras (há uma foto dela, fascinante ), mas já nesse tempo, o coração dele tem dona: Pattie, a esposa de George Harrison.
   O primeiro disco da The Band faz Clapton sair do Cream. Ele quer fazer aquele som. Simples, não uma ego-trip como o Cream se tornou. Forma com seu amigo Steve Winwood o Blind Faith, uma tentativa errada de ser The Band. Ao mesmo tempo toca com Lennon, Harrison, Stones e quem mais vier. Pattie o rejeita e ele vai pros EUA. Faz papel de músico de apoio na banda de Bonnie Bramlet e conhece muito pó, muita heroina e grandes músicos de lá. Namora a irmã de Pattie, traça várias fãs on the road. Vem Layla com uma nova banda: Derek and The Dominos, uma tentativa de zerar tudo. Afunda. Layla, dedicado desesperadamente a Pattie não faz com que ela largue George.
   Fica 3 anos em casa, entre álcool e drogas, casos vazios. Pete Townshend o obriga a sair e faz em 74 o show da sua volta. Grava o disco do retorno, o muito bom 461 Ocean Boulevard, onde descobre o reggae. Mas desde então ( 1974 ) até o fim dos anos 80 a vida de Clapton se resume a garrafas e mais garrafas.
   Nesse torpor de bebida se casa com Pattie. O que foi o desejo de sua vida se torna um inferno. Eric Clapton exibe coragem, conta tudo. A patetice, a idiotice. Ao contrário de Keith Richards ele nunca glamuriza: é o inferno. E se diverte. Eis a dificuldade: beber é divertido. E pior que isso, parar de beber significa abrir mão do que dá sentido a vida, beber.
   Começa a tocar mal, grava discos ruins, bate o carro, escala edificios, ofende amigos, perde tempo. Tenta um tratamento, falha. Tentará novamente bem mais tarde. Numa cena comovente, se ajoelha e se entrega. Desiste de lutar. Se salva nesse momento. A partir daí o livro é a reconstrução da vida de um doente. Eric diz, minha prioridade não é minha música ou meus filhos, é me manter sóbrio. ( Ele não bebe a mais de 25 anos ).  Tem um filho com uma italiana, esse garoto morre ao cair de uma janela. Tears in Heaven. Seus amigos do AA agradecem por ele não voltar a beber mesmo com essa dor. Eric passa a trabalhar pelos AA do mundo todo.
   Uma bela vida? Uma sábia vida.
   Guardo dois momentos de Eric Clapton comigo. O show para George, no aniversário de um ano de sua morte. E aqui no Brasil, recentemente. Olhar para ele é ver um homem são. Um cara que esteve lá e voltou. E que não se faz de "louco profissional". Sério. E agora, calmo, muito calmo.
   Nas amenidades, Carla Bruni foi namorada de Eric nos anos 90. E foi roubada dele por Mick Jagger. Desde então Eric passou a sentir aversão por Jagger ( Jagger é famoso por roubar namoradas de amigos ). Bob Dylan, que é descrito por Eric como um cara impossível de se conhecer. E que chegou a morar numa tenda num jardim, nos anos 70. Fala do quanto Paul e John esnobavam George. Sua praia sempre foi o blues, blues de Buddy Guy, John Lee Hooker, Muddy e BB King. Duane Allman e Stevie Ray. Há também belos elogios a Hendrix, e a JJ Cale, um cara que mudou seu som.
   Ao contrário do que acontece com a bio de Keith, esta dá vontade de conhecer o cara, de conversar com ele. Ele fala dos outros, não só de si, fala das artes ebulientes de 1960, de bandas como Small Faces, Who e Traffic, de pintura, de Ferraris, de muitas mulheres. E fala pouco de sua técnica, de como toca ou canta.
   Disse que em 1967, filhos de nobres, belos e ricos, começaram a se vestir como ciganos, a se entupir de ideias zen e cair na estrada. Disse que Eric era o rei entre eles. Foram sábios esses nobres. Eric Clapton é o mais nobre dos ciganos e o mais humano dos rock stars.

THE FLYING BURRITO BROTHERS, UM SONHO TRISTE DE CURTO OUTONO

   Eu ouvia falar de Flying Burrito fazia séculos. O tipo da banda cult que não fez sucesso algum em seu tempo ( apesar de ser uma banda pop ). O povo da época não aceitava esse tipo de grupo. Se tivesse surgido dez anos mais tarde teria estourado. Se fosse o tempo dos clips estouraria AINDA mais facilmente.
   Mas em 1969 ninguém do rock dito sério gostava de bandas que não eram "bem loucas". As opções eram longos solos de guitarra ou mensagens de revolução. Os Burritos não se enquadravam em nenhum dos dois casos. A outra opção era o pop do Creedence ou dos Beatles. Mas aí havia o problema Gram Parsons.
   Hoje, em que nos acostumamos com Eagles ou John Mellencamp, parece estranho, mas o público do rock em 69 abominava country. Um chapéu de cowboy ou o som de um banjo deixava seus longos cabelos em pé. Country era música de conservadores, de racistas e de velhos religiosos. Hank Willians, Johnny Cash ou Willie Nelson eram escutados por uns poucos hippies como pecado vergonhoso, e o povão do centro dos EUA, lugares como Iowa ou Arkansas não contava. Gram Parsons, apesar de nascido na Florida, de familia rica e moderna, mudou a coisa.
   Entrando nos Byrds em 1968, ele transformou uma banda que era folk-elétrico em country-elétrico. Fora dos EUA as pessoas colocam folk e country no mesmo saco. Nada a ver. Folk é esquerda, country era direita. Folk é Woody Guthrie e Dylan, violão e letras gigantes, country é banjo, rabeca e dobro, letras sobre familia, campo e Jesus. O que Gram fez foi pegar a musica country e botar maconha nela. As letras falam de herois da estrada, de gente perdida em encruzilhadas, de amores desesperados e de muita solidão. Tudo regado a marijuana e tequila. E vestindo seu famoso paletó,  folhas de erva desenhadas sobre fundo branco.
   Os Byrds resolveram ir tocar na Africa do Sul. Gram se recusou, apartheid ainda vivo. Fundou os Flying Burrito Brothers.  O disco de estréia é lindo como a Lua. Mas nada vendeu.
   Como acontece com várias bandas, apesar de não estourar foram escutados pelas pessoas influentes. Um monte de gente começou a gravar country não-careta. E logo Keith Richards se fez fã e amigo. Gram e Keith passaram a andar juntos e a influência de Parsons sobre o som dos Stones de então é imensa. Dead Flowers ou Sweet Virginia são puro Parsons e Wild Horses foi composta tendo Gram em mente. Indo para a carreira solo, onde sua proposta country foi ainda mais radicalizada, Parson ainda teve o tempo de lançar dois discos. Mas em 1973 foi encontrado morto. Overdose de heroína.
   Há aqui uma história típica da época, que poderia estar em filme dos Coen. Os amigos, sabendo que Gram queria ser cremado, pegaram o corpo do velório e o levaram pro deserto. Lá tentaram cremá-lo com gasolina e não conseguiram. O corpo não virava cinza, virava churrasco...
   Os dois discos solo são pra chorar. Tristes como fim de caso ou fim de tarde solitária. Alguns momentos dão a certeza de que Parsons era um super poeta, um artista superior. Estava pronto para tomar as paradas do mundo. Não houve tempo pra isso. Morreu com 24 anos.
   Os Flying são uma bela alternativa para estes tempos posudos. Eles são naturais. O fato de não terem estourado demonstra a riquesa de sua época. Ou a cegueira de um sistema. No clip que postei abaixo, que é uma gozação e Não demonstra o tipico som de Parsons, ele faz gozação a Mick Jagger. Imita os trejeitos de Jagger e cria uma cumplicidade com Keith Richards. Eu, assim como tantos outros neste século que já nasce velho, adoro Gram Parsons.

The Rolling Stones - Jumping Jack Flash



leia e escreva já!

O FALSO E O VERDADEIRO. O ÚLTIMO SUSPIRO DO ROMANTISMO REVOLUCIONÁRIO- OUVINDO O BANQUETE DOS MENDIGOS E TRAVESTINDO-SE NA VERDADE

   Foi um longo caminho de 1776 até 1968. E ninguém nunca vai saber se valeu a pena. Foi uma lenta, às vezes nem tão lenta, construção. A derrocada da igreja e o erguimento do Homem como dono de sua dor. A glamurização do jovem entediado como Ser Superior. E isso levou muito tempo.
   Doeu pra caramba. Porque o preço pago foi incalculável. Um monte de jovens se foderam. E todas as redes de segurança espiritual se rasgaram. Mas cabelos compridos, calças de veludo e copos de veneno se tornaram dominantes desde então. Uma estrada que parecia ser sem fim. As estações se chamavam simbolismo, anarquismo, socialismo, dadaismo, existencialismo, beatniks. E todos esses movimentos explodiram em meio a uma juventude com tempo livre, grana no bolso e tédio na cabeça. Em meio a maio, ´mês de verão.
   Ninguém entendeu melhor o que acontecia. Nem Kundera. Jagger e Richards entenderam na hora qual era o desejo que desde sempre enfeitiçava os romanticos revolucionários do planeta. Mas antes de dizer qual era eu vou falar qual não era.
   Para Dylan era a vontade de justiça e de liberdade. Para Lennon era o sonho de paz e amor. Bláaaaa.
   Então voce tem 14 anos e escuta este disco pela primeira vez e percebe que o desespero contido nele é quase suicida. Todas as faixas falam de se estar perdido, de vazio e solidão, de satã e de raiva, muita raiva. Perigosamente voce, embutido do romantico apelo de poetas sinceros, crê em tudo aquilo, crê nas frases ditas. Voce, jovem idealista, sente uma vontade grande de quebrar e se quebrar. Mas depois, bem mais tarde, voce percebe o que Jagger e Richards perceberam antes. O desejo sempre foi um só: sexo, sexo e sexo. Todo o tempo, livremente e sempre que se desejar. E quando o vazio pós-coito vier, uma garrafa de bebida e a paz de um corpo cansado.
   Em 1968 Godard fez um filme com os Stones. Jean-Luc acreditou no que era dito no Banquete. Levou ao pé da letra. Jagger enrolou Godard. Riu dele e o filme é um lixo. Mick nunca teve nada a dizer. Seu discurso estava simbolizado nos requebros de seus quadris. Nada precisava ser dito. Ele falava que maio de 68 era o último suspiro ingênuo de adolescentes entediados que queriam mais sexo e menos familia. Se em 1776 essa energia fez um país e criou uma forma de vida, em 1968 ela só poderia criar moda. E criou.
   O disco é sublime. É extremamente cortante e extremamente suave. As guitarras parecem navalhas, não há disco em que elas soem tão metálicas. Parecem de lata enferrujada. E ao mesmo tempo há arranjos como o piano em No Expectations que é belo como o sorriso e a flor.  É um Banquete que recapitula tudo: de Beethoven até Stravinski. De Byron à Rilke. Jagger nunca cantou tão bem. E ele enterra a década de 60 dois anos antes de seu fim. A revolução estava encerrada. O ganho: Todos poderíamos ser Mick Jagger. Eternos adolescentes entediados.
   Brian Jones não pode tocar. Ficava dormindo num canto do estúdio. Dizem que Clapton e Steve Marriott tocaram guitarras. Sei lá. É um disco travado. Pra se ouvir de dentes cerrados. Ele marca o arranco da banda. Serão 4 anos insuperáveis.
   Em meio ao Kaos de tijolos e policiais, muitos caras caíram na real. A última revolução era um acerto de contas entre voce e voce-mesmo. O mundo já era dos jovens e o sexo já não era tabú. O que restava era saber lidar com o spleen, o vazio da vida, o nada a dizer. O Eu.
   Mick Jagger, de forma maravilhosamente intuitiva, soube disso muito antes. O que restava era montar uma banda e tentar chamar a atenção.
   Este disco é um porrete.
  

BEATLES E ROLLING STONES, A GENÉTICA DO POP ( BASEADO EM TESE DE KEN EMERSON, ENCICLOPÉDIA DO ROCK, ROLLING STONE )

   Os Beatles nasceram pobres. Tiveram uma educação truncada e começaram a ralar desde cedo. Seu objetivo era a sobrevivência. Trabalhar e ser aceito.
   Os Stones que contam ( Jagger, Keith e Brian ), cresceram no seio da ascendente classe média inglesa dos anos 50. Estudaram em escolas de arte ( Mick se formou em economia ). Seu objetivo era se exibir. Ser famoso e incomodar.
   Essas são as duas atitudes opostas que marcaram todo o pop feito desde então.
   A atitude Beatle, em que a banda ama seus fãs, e em que a ingenuidade idealista permeia tudo o que é feito. Os Beatles, mesmo quando de vanguarda, sempre procuram se comunicar com seu fã. E fundam a Apple em pensamento de extrema naive. Uma gravadora de amigos para os amigos.
   Os Stones sempre foram indiferentes a seus fãs. Eles desejam ser amados, nunca nos amam. Nada neles é ingênuo, tudo é calculado. A Rolling Stone Records existe apenas para administrar a carreira do grupo. A atitude deles é sempre a de "vejam como sou diferente".
   Ingenuamente Paul acreditou nos Beatles, ingenuamente John acreditou na paz, ingenuamente George acreditou em gurus e ingenuamente Ringo acreditou nos anos 60.
   Jagger e Richards jamais acreditaram em nada que não fosse neles mesmos. Jagger acreditou também em sexo e dinheiro. Richards em drogas e no blues. E todos os Stones nunca tiveram a ingenuidade de crer em seus fãs. Para eles os anos 60 foram cinicos.
   Os Beatles sempre são sérios. E tudo o que cantam luta para ser sincero. São reis do lá lá lá cantado em coro com seus fãs. Devolvem o afeto que recebem.
   Os Stones nunca parecem sinceros. E jamais são sérios. Eles podem ser assustadores, vaidosos, sexys ou raivosos, mas nunca são confessionais. Não fazem nada para ser cantado em coro e sugam o afeto que recebem. Devolvem ele em forma de risos e deboche.
   Nos Beatles há toda a herança do meio em que cresceram. Eles são trabalhadores. E têm um modo cristianizado de agir. Há dor e culpa sinceras neles.
   Os Stones são pagãos. Seu modo de ser é completamente classe-média. Estão na coisa para se dar bem. Para fazer algo contra o tédio, contra o anonimato. São blasé.
   Let it be ou Hey Jude, All You Need Is Love ou I Am The Walrus são impossíveis no mundo dos Stones. Elas são todas confissões. São espirito.
   Sympathy For The Devil ou Under My Thumb, Let It Bleed ou Brown Sugar são impensáveis para os Beatles. São todas "do mal". São carne.
   Todo o pop desde então conformou-se a essas atitudes. Ou voce ama seu público ( U2 ), ou é frio com eles ( Led Zeppelin ).
   Amável ou excitante, naive ou cínico.

VIDA- KEITH RICHARDS, COMENTÁRIO CONTRADITÓRIO

Os Stones fizeram em 1964 um contrato com a Decca muito melhor do que aquele dos Beatles com a EMI. Se tornaram a banda mais rica do mundo e a mais paparicada pelos milionários. Ao mesmo tempo posavam de reis dos revolucionários e dos insatisfeitos do mundo, papel que ficaria muito melhor em qualquer cantor de blues da Geórgia.
A história dos Stones é sempre uma história de muita sorte ( e é isso que irrita aqueles que insistem em crer que arte é sofrimento ). Lendo o livro de Keith, o que vemos é uma vida onde tudo sempre dá certo. Ele não morreu jovem, logo ficou rico, sobreviveu aos punks e aos grunges e tem uma imensa e saudável familia. Chega a dar raiva!
Keith é injusto várias vezes. Resmunga sobre Jagger. Diz que em 1983 Mick tentou tomar os Stones para si, e que em 1985 Jagger cometeu a deslealdade de se lançar em carreira solo. Ora Keith! Voce ficou oito anos como um peso junkie nas costas de Jagger! Quem já conviveu com um viciado sabe o quanto eles são chatos! Jagger levou a banda sózinho entre 73/81. E cá entre nós, sem Mick Jagger nos vocais, voces seriam no máximo um The Who.
Isso é chato no livro. Keith tem um ego do tamanho do de Jagger, mas ele posa de doidão-blueseiro, o rei da honestidade. Será? Se o Mick de 1961 morreu nos Rolls Royce e nas noites de Cannes e Monte Carlo, o Keith timido e humilde de 1962 se foi nas carreiras de pó e nas agulhas de heroína ( e dá uma sensação ruim vê-lo defender o bom consumo de drogas ).
Mas ninguém é perfeito. Mesmo cheirando carreiras nos palcos entre uma música e outra, mesmo tendo feito dois dos piores discos da história ( Dirty Work e Steel Wheels ), mesmo tendo feito aquele show lastimável em Copacabana, quem sabe o que é rocknroll sempre vai entender o porque de sua importância. Eles são espertos, maus, soberbos, egocêntricos, auto-centrados e nada sofridos. E por isso são vencedores, o tipo de cínicos sexies, coisa que os Beatles ou o U2 nunca puderam ser ( estavam ocupados em ser os tais "artistas relevantes" ). Os Stones sempre souberam que rock é irrelevante, que depois de Chuck, Elvis e Little Richard todo o resto foi diluição.
Foda-se! Eu tinha de defender Mick Jagger ( que tem a elegância de se manter calado ). Dizer, que ruim Keith!, que Mick tem o pau pequeno é muuuita sacanagem!
Mas fazer o que? Keith é a própria imagem da coisa, gostar dele é o teste para se saber se voce está por dentro do que seja rocknroll ou se voce está irremediávelmente por fora. Se a sua turma é do carrão/garotinhas/riffs de foder ou quarto/lágrimas/melodias tristonhas.
A gente pode dizer que o cara tem muita, muita sorte...

VIDA, UM LIVRO ( ENERGÉTICO, LIBERTÁRIO, VITAL ) DE KEITH RICHARDS

O maior elogio que se pode fazer a Keith Richards é chamá-lo de negro. O objetivo dos Stones sempre foi esse: ser uma banda de black music, de preferência como as de Muddy Waters ou John Lee Hooker. Em 1965, nos EUA, músicos da Stax lhe disseram pensar que Satisfaction fosse alguma canção americana. Era dificil para aqueles negros crer que aquela música fosse feita por branquelos da terra dos Beatles. Esse foi o maior elogio que KR poderia receber.
Ele sempre foi do blues. Assim como Charlie Watts foi do jazz e Jagger do soul. E mesmo quando ele foi country ou disco, era um tipo de country-blues e disco-blue. Quando em 1973 Keith foi morar na Jamaica, os batedores de tambor das favelas jamaicanas logo o chamaram de negro. Um garoto feio de Dartford-England, nascido em meio ao ruido das bombas nazi, ter conseguido ser um preto do Tennessee e um rasta da Jamaica... bem, é um milagre.
Keith não faz drama com nada. Sua lição é: foda-se! Da infancia rebelde, filho único de mãe alegre que traía o pai com o vizinho mais jovem, aos momentos ( vários ) de quase-morte, nada vira drama, nada é lamentado. Ele é muito forte. Keith Richards é um cowboy, um pirata, e porque não, um herói.
O livro é cheio de momentos curiosos, de coisas que mesmo os fãs não sabiam, e melhor, nada é muito fantástico. Ele não aumenta, não mitifica, escolhe ser simpático, mas nunca hollywoodiano. Ficamos sabendo que Bobby Keys é seu melhor amigo, que Charlie Watts é um dandy que só gosta de jazz. Me chóco ao saber o quanto KR chama Brian Jones de escroto, um cara que se achava o máximo, um músico que deixou de tocar e que se afundava em auto-piedade. Keith conta a noite em que Marlon Brando tentou ir pra cama com ele e Anita ( sua esposa ), e melhor, descreve o clima de Londres em 65/67: Londres com seus pintores Pop, os herdeiros de sangue azul se entupindo de LSD, a descoberta de que tudo era permitido, os escritores, os cineastas, as groupies. Mick Jagger como um atlético conquistador, KR como um cara que precisava de carinho, dormir junto, ter alguma história.
As drogas. Ele passa tempos enormes vivendo por e para elas. Na década de 60 drogas eram coisa desconhecida. Eram usadas como descoberta, afronta, porta para fora da sociedade. Nos anos 70 elas se tornam moda, são usadas como documento para ser "in", e nos 80 são remédios para fazer tudo funcionar. Hoje são coisas para divertir, produto para criar uma sensação rápida e passageira.
Keith nunca demonstra o menor arrependimento. Ele usava drogas porque lhe davam prazer. É só isso, nada mais, e ele deixa isso bem claro. Tomava uma droga para acordar, uma outra pós-café para ficar ligado, droga de trabalho, droga para se acalmar, droga para pensar melhor e droga para ficar 3 dias de pé. Ele diz sentir saudades das drogas antigas, que não são mais fabricadas. Conta que o segredo para ter sobrevivido é nunca ter tomado nada de segunda, sua cocaína era Merck, direto do laboratório, tão pura que flutuava no ar; sua heroína era papoula 100% tailandesa, barbitúricos de farmácias de confiança e por aí vai... não há nada de sofrido, nada de culpa, nada de "agora vi a luz"; e também nada de "veja como sou louco". As loucuras que ele conta são nada glamurosas, e nenhuma é sexual.
Pesada é apenas a história de Anita, a maravilhosa Anita, modelo alemã, ex-Brian Jones ( tem uma história muito boa dela e de Keith fugindo de Brian no Marrocos ), mais doida que KR e que tinha conexões com Andy Warhol, Fellini e Roger Vadim. Nos anos 70 ela entra na paranóia pura e o casamento naufraga. KR é salvo por Patti Hansen, uma saudável modelo americana, sua esposa até hoje. È bonito perceber então, já lá no fim do livro, que Keith nunca mudou. O guitarrista espinhudo do Ed Sullivan Show é o mesmo cara do Piratas do Caribe. Como eu, Keith nada joga fora. Se ele descobre rap, reggae, disco, funk, o que for, ele os adiciona ao que já conhecia; ao contrário de Jagger, que para se reciclar precisa jogar fora o passado, KR preserva e revaloriza sempre tudo o que foi. Ele soma, nunca substitue.
Gram Parsons é o cara a quem ele tece os maiores elogios. É ótimo ler o que ele fala sobre amizade. Assim como é legal ver o que ele diz sobre John Lennon, um cara que aparecia sempre em seu apartamento, que tentava seguir seu ritmo de drogas, mas que sempre terminava a noite no banheiro, desmaiado ao lado do vaso e dizendo: "Onde estou?"
Stones e Beatles se comunicavam sempre: " Hey John, estou com uma nova aqui, voces vão lançar algo agora?...Então espera 3 semanas, eu lanço agora e voces depois." Paul foi procurar Keith quando brigou com Heather Mills ( 2005 ) na Jamaica ( Keith mora lá, vizinho de Bruce Willis ), os dois chegaram a compor juntos e Keith disse a ele que a grande diferença entre Beatles e eles é que os Beatles sempre foram um grupo vocal. Tudo neles tem a voz por base, a parte instrumental só como acompanhamento; os Stones são um grupo instrumental, a base é sempre um riff, uma levada de guitarra. Brancos e negros, certo?
Ele conta como gravaram o Banquete dos Mendigos, em gravadorzinhos Phillips, apenas violões em volume alto que se distorciam pela pouca potência do gravador. Um tipo de som que hoje se perdeu. Conta a saga das gravações de Exile e desce a lenha em Jagger.
Não vou falar dessa parte. Acho dificil. Mas concordo que MJ tentou ser David Bowie na década de 80 ( todos tentaram e se ferraram. Bowie em 1983 estourou como ídolo teen-inteligente, todos os caras de sua geração tentaram operar o mesmo milagre, de Ferry a Rod, de Paul a Eric ). Keith acha um absurdo Jagger querer ser Bowie, pois Jagger é muito melhor que Bowie, o que ele fez foi se rebaixar. Dá pra discordar?
Keith diz sonhar em sempre fazer blues, Jagger odeia recordar Exile ou Let It Bleed.
É lindo ler sobre seu reencontro com o pai, trinta anos sem o ver. O pai, velho, tornou-se um tipo de pirata, um velho de pub, conquistador, forte, duro, o cara. ( Há uma foto linda no livro, os dois juntos ).
Já no fim, quando diz passar muito tempo lendo, Keith toca numa coisa Junguiana, não sei se sem querer. É quando ele fala dos horários. Que é uma besteira da revolução industrial, um conto do vigário, essa coisa de que devemos comer ao meio-dia, dormir oito horas por noite... tipo: hora de comer, hora de acordar, hora de transar...Foda-se, Keith diz que o certo é comer quando dá fome, dormir quando se tem sono e transar quando há desejo. E a droga entra nisso também. Cada um tem seu tempo, seu limite, seu ritmo, cada um é um.
E vem daí aquela fala linda que ele escreve, de que ele sabe ser um simbolo, e que todo cara que se fode trabalhando num emprego de merda, com um horário cruel e uma vida sem sal, tem dentro de si um Keith Richards asfixiado e que cabe a ele representar esse cara que insiste em viver dentro de cada um.
Isso é lindo. E o livro é lindo.
Dá uma puta tristeza quando acaba. A gente pensa: Que merda, eu estava me acostumando a ficar com Keith toda tarde! Que bosta de saudade desse cara do caralho!
Após ler o livro eu não aumento meu amor por Keith Richards. Isso seria impossível. Ele é meu anjo do mal desde 1974. Mas aumentou meu respeito por ele. Keith Richards é um grande cara!

FORA DO AR

Fora do ar a quatro dias. Às vezes fico assim, sem me reconhecer. Ou me sabendo de verdade.
Quando fico nesse estado de foradoarzice sinto tanta vitalidade dentro do meu peito que chego a sentir que a vida é apaixonante. Mas não o apaixonante que a gente fala da boca pra fora. Não. É saber que a vida é leve, que o deixa ir, deixa sangrar mais que vale.
E minha mente se solta e se vai sem saber nada. E meu corpo vai atrás.
Coisas rolam. Coisas vêm. Doce 1983, doce 1992, doce 1998, doce 78. Ver o rio e afundar a cara naquela lama toda. Frases pra voce ( só pra voce baby )
O mundo se divide em quem gosta de cães e quem daria a vida por um deles.
Quem ouve rocknroll e quem se explode ao escutar uma guitarra "mal" tocada.
Tem aqueles que desejam uma mulher bonita, e tem quem possa matar ou se matar por uma bonita mulher em uma noite bonita. O desejo é uma faca guardada, enferrujada.
Alguns são brancos, outros pretos e outros muito escuros.
Tem quem se divirta com alegres diversões. Para outros tudo é diversão, mesmo o abismo.
Certos seres vivem com espelho e outros seguem o ruído. Quebrar o espelho com um grito, isso fazem outros.
Beleza é a razão. Mas há quem ame o feio sujo. Desde que seja um feio elegante e um sujo único.
Há quem perceba a ridicula futilidade da arte. Há quem veja a inutilidade de tudo.
Enquanto todos correm, um anda beeeem devagar
E quando todos seguem os horários de dietas industriais, outros comem quando sentem fome.
Bem.....
Duvide de tudo e diga sempre foda-se.
Jay Leno disse que o triste é que aprendemos a fazer aviões e foguetes
Mas não sabemos fazer um Keith Richards.
No fim de tudo, o mundo se divide em quem detesta Keith
E em quem o adora. ( E são esses os da coluna dois ).
Foda-se o que vou dizer ( estou muito fora do ar ):
Quando nasci eu escutava Ruby Tuesday e quando senti pela primeira vez o ódio pela ordem e pelo progresso, eu cantava Lets spend the night together. E ao descobrir o desejo que arranca a pele e expões a carne eu cantava Satisfaction e caía. Porra, KR estava comigo sempre ( quando a coisa valia a pena ): Na merda em que estive no colegial, um cabeludo em antro de fashions, eu cantava Citadel, e quando afinal achei minha "Anita" ( e botei um A na minha garganta ) era Happy na cabeça. Foda-se, estive no auge com tudo isso, essa básica música de preto que é sempre blues ( blues rock, blues soul, blues country, blues pop e até blues disco ). Eu estive em estradas e camas com You Gotta Move.
Então a coisa é que não é questão de gostar ou desgostar de KR. O fato é que o cara é uma tatto em minha vida, tá sempre lá. E se hoje eu começo a envelhecer, é ainda e agora mais ainda, que KR me mostra como envelhecer sendo o mesmo de sempre.
Porque ele nunca muda. E o negócio que nos maravilha é esse: o velho Keith nunca muda, é o mesmo de 64, de 73 ou de 2000. Fincou o pé na borda e disse: Foda-se, daqui não saio e não mudo.
Tem só mais uma coisa: KR tem consciência clara de tudo. Ele disse:
Enquanto os caras têm de obedecer um chefe, cumprir um horário, jogar fora tudo o que queriam, fingir ser banal; eu fico aqui, lembrando a eles que todos são um pouco Keith, alguns mais, outros menos; mas lembrando que todos nós devemos algo a esse cara. O seu KR está lá...e creia, quanto mais livre voce for, mais perto da tona ele estará.
Portanto eu tou beeem fora do ar. E torça para que eu fique por lá.
PS: Isso foi escrito pra voce.

DE ANJOS E DE DEMÔNIOS

Como diz Nick Hornby, a música que voce escuta define sua vida.
Terminado o show de Paul a sensação é a de ter voltado de uma bela festa de natal. É tudo lindo, mas mesmo em Helter Skelter, nada fede ou sangra. Etéreo. Paul é um anjo e representa em seu mais alto grau o rock de apolo, o rock que é espírito. Dele ( e dos Beatles ) com seus discos absolutamente perfeitos, nascerá todo o rock progressivo ( de Yes à Floyd, chegando até o Radiohead ), todos os baladeiros puros ( Van Morrison, Kinks, Elton John, Coldplay ) e os cultores do pop grudento ( Robbie Willians, Rod Stewart, Oasis, Stereophonics, Roxy ).
Nos EUA a coisa é outra....lá tudo é tão misturado, que é dificil dizer se Dylan é anjo ou demonio, se ele é pop ou pagão. Mas os Beach Boys são os apolozinhos do som perfeito e todo o som negro da Motown seria apolo, enquanto o pessoal da Stax/Atlantic teria uma cara vermelha e dois chifrinhos na testa. Dionisio.
Em 1964 ( quem quiser que veja no you tube ). Nome da música: Little red Rooster : eu sou um galo de briga/ muito tarde para fugir de mim/ as galinhas no galinheiro/ cuidado com minha espora
Quem canta é um fresquíssimo afetado de lábios de borracha. Usa cabelo de mulher e blusa preta. Atrás dele, um louro detonado rí e um moleque feio cheio de espinhas mostra os dentes. Todos os anjos estão expulsos do palco. Aqueles demÕnios, aqueles duendes, aqueles dionisios jamais falariam em paz, jamais tocariam para as vítimas da guerra ou da fome, jamais participariam de movimento ou de grupo qualquer. Seriam individualistas, arrogantes, antipáticos, sujos, maloqueiros e muuuuuito sexys. E irritariam todos os anjos da Terra: eis a chegada do reino do Kaos: the rolling stones.
Deles brotaria a turma anárquica, o povo que não quer nada mais que fuck stars. Pretos, vermelhos, sanguineos, cheios de sexo ( e se há um defeito nos Beatles é sua completa brancura assexuada ). Mesmo hoje, destruídos por shows burocráticos ( Paul consegue ser bem mais convincente, talvez por ter sido desde sempre etéreo, ou seja, sem idade ), a turma de Mick continua sendo profundamente sexual. Se parecem com bando de velhos pervertidos.
Na América esse mundo dionisiaco foi desde sempre presente. Estava no blues, no jazz, e depois em James Brown e no funk de Sly Stone. Mas na pudica Inglaterra de 1964, nascer uma banda como a de Keith e Brian foi um verdadeiro milagre. A erupção de energias satanicas que vinham cozinhando desde Byron e Shelley passando por Oscar Wilde e Lawrence explode na bichice de Jagger e na sujeira de Brian e Keith. .. Se os Stones não tivessem existido todo o rock inglês se resumiria a canções bonitas e discos perfeitos.
É surpreendente eu ter reafirmado meu compromisso dionisiaco pelos Stones em show do mais anti-stoniano dos caras: Paul. Talvez porque a beleza em Paul ( e nos Beatles ) seja tamanha que meu diabinho, meu duende, começa a se arrepiar, e em meio as lágrimas que derramo pela genialidade de Blackbird me vem uma necessidade sexual de cantar STREET FIGHTING MAN!!!!!!!
Mal posso esperar pela volta dos Stones no Brasil.....