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IDEIAS

   E se nossas ideias forem como ondas de rádio, vagando pelo vazio, até surgir uma antena que as possa captar.
  E então nossos cérebros, essa massa física de sangue e de nervos, seria um tipo de antena apta a captar ideias e sonhos e medos e verdades e ilusões.
  Isso resolveria um problema: como pode o cérebro criar coisas imateriais.
  Isso criaria um problema: de onde surgem essas ondas que vêm de fora.
  Teríamos de ser mais humildes para entender que minha ideia não é minha.
  Que tudo que crio na verdade não crio. Apenas tenho a rede adequada para captar.
  E assim se explica o porque de num dado momento tantas pessoas no mundo, distantes e incomunicadas, pensarem a mesma coisa no mesmo instante.
  E isso aclara a irrupção de uma geração apta a captar uma ideia.
  Ao mesmo tempo que me abro para receber uma ideia eu me preparo para poder receber essa ideia.

A FÍSICA DA ALMA - AMIT GOSWAMI....FOI UM LONGO CAMINHO.

   ...foi um longo caminho para que eu chegasse até aqui. E como nada sei, ainda tenho uma estrada, maior ainda, pela frente.
   Não, essas palavras não são de Goswami, são de mim mesmo. Desde cedo tenho me intoxicado de informações. Lembro que aos 9 anos comecei a ler romances, aos 10, livros de ciência e aos 15 as enciclopédias. Encontrei vários gurus e cheio de medo, sempre fugi de qualquer tipo de conhecimento religioso. Se um autor revelasse o menor viés místico eu prontamente o evitava. Ria deles. Me sentia seguro no mais completo materialismo. Queria ter certezas, e acreditava que o universo era somente um tipo de explosão sem sentido e sem fim. A vida, um acidente químico. Toda emoção seria apenas um arranjo de fluidos cerebrais. O acaso guiaria tudo.
  Mas eu nunca perdi a curiosidade. E continuei a andar. Abrindo portas. E certas coisas começaram a surgir.
  Primeiro percebi que o tempo é ilusório. Ele não conta fora de nós. É artificial. Depois notei que o número é sempre arbitrário. Nós contamos coisas para tentar dar ordem ao que não tem. ( Aparentemente não tem uma ordem numeral ). O que pode ser contado, medido e pesado nos dá uma tênue segurança. E então cheguei a conclusão de que nossa razão existe SEMPRE como redutora. Ela pega o inexplicável e ao ignorar sua incompreensibilidade reduz tudo ao nível racional. Ou seja, conta, enumera e classifica. Mas essa conta nunca fecha. As perguntas mais importantes continuam sem resposta.
  Passei a me abrir ao absurdo. E a perceber as linhas de pensamento abstratas. A vida, súbito, se aclareou. O universo aumentou. E ao mesmo tempo, meus limites, humanos, foram vistos e aceitos. Só sabemos aquilo que cabe em nós. Só vemos aquilo que nossa carne consegue ver. Como hardwares, temos um limite mecânico, mas a POTENCIALIDADE é infinita.
  Amit Goswami é físico, leciona em Universidade americana. E usa a física quântica para explicar a reencarnação. É claro que li este livro com dois pés atrás! Seria autoajuda....seria new age....mas não. Ele tenta ser sério todo o tempo. Conta e reconta fatos da física e os liga, logicamente, a possibilidades de vida e de morte. Fala-se bastante da morte e por isso me identifiquei muito com ele. ( A morte sempre foi o assunto central da minha vida ).
  O Livro Tibetano dos Mortos é explicado e ao final percebemos que este autor nos ensina a morrer. Morrer visto como chance de sabedoria, de coda luminosa, de transcendência. Morrer como o grande ato da vida. É como se toda nossa vida fosse isso, preparação para morrer.
  Ele cita bastante Platão, Whitman, Schopenhauer e uma montanha de autores indianos que não conheço.
  Não vou explicar sua teoria quântica, ela é cansativa e complicada. Eu não sei se a entendi corretamente. Mas o que devo falar é que a ciência tem se aproximado MUITO de certas teses espirituais e cada vez mais ouvir um físico falar fica parecido com algum poeta exotérico a criar.
  Goswami diz que Jung falava que no futuro a psicologia seria um ramo da física.
   A mais bela mensagem do livro é aquela que diz que todo saber passa pela intuição e que intuição é criatividade. Viver é criar e criar é viver a alma. Evoluímos quando criamos, intuímos, inventamos. Porque essa é a negação do automatismo e automatismo é vida mecânica, puramente material.
   Não é um grande livro, mas é uma grande mensagem.

JUNG, SONHOS E REFLEXÕES. UMA VIDA MUITO BEM VIVIDA.

   Um mito só é vivo quando muda. Tudo o que tem vida modifica-se o tempo todo. Os deuses gregos tinham vida, em seu tempo, porque sua existência se modificava com e ao lado dos homens. Desde o século XII o cristianismo parou de mudar. Toda tentativa de mudança passou a ser heresia. A crença se solidificou. Imutável, morreu. É um mito que pouco diz ao homem de hoje. Sua validade está fora da igreja, naquilo que ele pode dizer de particular a cada um individualmente.
  A razão não pode criar mitos. Ela se ocupa daquilo que podemos ver e ouvir. Pesar e medir. Sentimentos, intuições, individualidades estão fora de seu alcance. Seu interesse não é criar, é provar através da observação. A razão pega o que já existe. Dentro de seu mundo.
  O mito é necessário para dar sentido à vida. Sem ele nossa existência empobrece e o planeta fica à deriva. Cada ato, sem o mito, cai no vazio. A liberdade se torna falsa, porque ela fica restrita ao campo do comum, do vulgar, do provável. Só existe aquilo que é de todos. O indivíduo morre na razão.
  O significado da vida e seu sentido só pode ser percebido dentro do inconsciente. Mas ele existe indiferente ao consciente. Como sombra, ele age nos bastidores, longe da linguagem humana, em atos sem tempo, sem lugar e sem aparente consequência. Longe da razão.
  O homem é essa luta entre opostos: consciente e inconsciente. Polaridade que nos move, polaridade que por ser aquilo que nos define, é tudo o que podemos perceber no mundo. Só percebemos fora de nós aquilo que vive dentro de nós. Opostos em luta. Sombra e luz.
  Todas as respostas moram dentro de cada um. E só entramos nesse mundo, o do inconsciente, quando em crise. O neurótico é aquele que luta por ficar fora. O esquizo é aquele que entra e não mais sabe sair. Um fecha a porta. O outro não acha a porta.
  Há um centro dentro de cada um de nós que é incomunicável. Portanto ele é um segredo. UMA SOCIEDADE PRECISA DE SEGREDOS. É o segredo que faz nascer um grupo de iniciados. E deles nasce um reconhecimento. Uma sociedade. Algo que só eles sabem e entendem. Esse centro não reconhece lugar ou causalidade.
  Não se pode comunicar Deus a alguém. Deus não se vê ou se ensina. Ele é uma experiência. Você sente Sua presença. Sabe. E guarda esse segredo.
  O homem pleno, se é que ele existe, se ocupa daquilo que é valioso. O mundo perde tempo naquilo que pouco valor tem. Tudo que se liga ao tempo e é marcado pela pressa tem pouco valor. O precioso está fora do tempo, é eterno.
  ... termino o belo livro que a Cultura lançou com a Nova Fronteira em edição caprichada. Jung me convence porque tudo o que ele fala eu vivi antes. Bem antes. E vivo hoje.
  Todas essas frases acima são do livro. E devo ainda dizer que os melhores trechos são aqueles que falam de suas viagens. África. Índia. Novo México. A mais fascinante é aquela a Uganda e Kenya. Jung se esforça por os conhecer. Sábia a sua atitude de sempre ter em vista seu modo europeu de pensar. E me frustrou a recusa que ele teve em face de um momento dionisíaco. A coisa quase acontece numa tribo africana, mas ele não sai de seu mundo.
  Na cidade indígena do Novo México a coisa é mais plácida. Lá Jung tem talvez seu mais belo momento.
  A visão de Jung é aquela da dualidade sempre. O mundo da natureza é cruel e belo. O homem é consciente e inconsciente. Deus e o homem são opostos que se criam. Um ligado ao outro. A morte é a sombra da vida e a vida está unida a morte. Homem e mulher se motivam e ao mesmo tempo se repelem. Dentro e fora. Aqui e lá. Tudo em dualidade.
  Mas ao mesmo tempo ele reconhece que esse é o modo como ele pode ver a vida. E a vida existe também fora de nossas percepções. Daí o insaciável interesse de Jung pelo oculto, pela chance de procurar algo que esteja fora da razão e do tempo.  Das pistas cifradas de outros mundos. Do mundo interior. O sonho acima de tudo. As mensagens visuais do inconsciente. As sincronicidades. O estar aberto a todas as possibilidades.
  Fosse trinta anos mais jovem Jung teria feito aquilo que Huxley fez ( são almas irmãs ). Provaria mescalina e LSD para ampliar sua busca. Jung não criou dogmas. Ele ampliava experiências. Vivo.
  É um belo livro. ( Com algumas partes chatas. Jung não escreve bem. E reconhece isso. )
 
 

CRÍTICA LITERÁRIA FREUDIANA, UMA AULA LINDA.

   Uma aula soberba sobre crítica literária. O professor, o mais enciclopédico possível, nos dá uma visão do modo psicanalítico de se analisar a literatura. Para tanto, ele nos traduz termos germânicos, conta fatos da vida de Freud, e exemplifica as interpretações que o homem de Viena dava a certos autores.
  A aula é fascinante e percebo, com alegria, que superei a muito essa visão empobrecedora freudiana. Sigmund foi um grande cara. Mas seus problemas emocionais ( uma resistência doentia em baixar a guarda e aceitar os limites da razão ), além de um narcisismo que via em todos um espelho de si-mesmo, fizeram de suas teorias uma espécie de consolo racional explicativo para todos aqueles que temem a vida. Ele dá farrapos de teorias jamais provadas, joga hipóteses maravilhosamente bem engendradas, pílulas de liberdade redutora para os que morrem de pavor do não-explicável.
  Fã extremado de Goethe, ele sonhava em ser o titã do século XX. E ao mesmo tempo invejava Goethe por ser tão "alemão". De tudo que o professor disse, destaco dois temas dentre vários.
  Freud achava que o impulso criativo nascia de um sofrimento. A dor fazia com que um homem criasse. Essa é uma visão assustadoramente não-imaginativa. Freud tinha uma bela imaginação, mas ele acreditava que sua imaginação era a verdade. Pensava então que esse mistério, a arte, era um tipo de compensação. Incrível ele ter escrito tamanha tolice. Existem artistas felizes assim como existem infelizes que trabalham em banco. Glamurizar a tristeza é jogo feito por todos, artistas ou não. Há artistas que são absolutamente livres, há pessoas reprimidas que não criam arte ou fantasias. Difícil comentar uma teoria tão pobre.
  Pior é a teoria do "medo de ser enterrado vivo". Essa neura, que atacou Poe, Kafka e Chopin, dá ao sofredor a obsessão de se imaginar enterrado e acordando no caixão. Um pavor imenso. Freud dizia que isso era o medo de voltar ao útero, o medo de estar vivo num buraco....como diria Francis: Well....
  Existe uma outra tentativa de explicação que conto aqui:
  O medo de ser enterrado vivo é, lógico, medo de ser colocado dentro da Terra. Paralisado num caixão, no escuro, você não pode fugir, está numa armadilha. Escuro é contrário a luz, luz é sinônimo de razão, estar no escuro, preso, é como perder sua luz e sua liberdade, ou seja, a razão. Medo que nasce em pessoas que não aceitam sua condição terrestre, essa neurose joga na mente da pessoa a surpresa de se ver como é: terrestre, limitado, preso na vida que nasce do chão, joguete nas mãos do destino, falível.
  Contrária da volta ao útero, essa fobia é medo do futuro e do presente, sentir-se preso a sua condição amarrada, no escuro dos instintos. Nada de mamãe. Nada de infância. O contrário disso.
  Quero deixar claro que o professor falou, e muito, sobre as teorias de Sigmund e não a criticou, a crítica é minha. A aula era sobre teoria freudiana e não sobre crítica à essa teoria.
  Ele nos falou ainda sobre um sonho de Da Vinci, em que através dele Freud chega a conclusão de que ele era gay. E também uma lembrança de Goethe, em que lendo esse texto Freud descobre ser Goethe muito amado pela mãe. O doutor se via quase como um deus. Descobrir tudo sobre alguém que você nunca viu, analisar uma personalidade inteira via um simples fragmento escrito ( Freud nunca leva em conta a mentira da criação ), é mais que uma análise, é um milagre! Da Vinci era um tipo de rival de Freud, um gênio que queria saber tudo, e o vienense o desqualifica numa visão preconceituosa. E Goethe era sua anima, ele luta para ver coincidências entre os dois.
  Muito divertida essa aula.
  PS: Dedico este texto a meu amigo Léo.

INTUIÇÃO

   Um raciocínio apresenta começo meio e fim. Há todo um movimento linear, temporal, que leva o pensamento de um ponto A até um ponto B. Uma impressão vira uma certeza. Ou é descartada.
   Uma sensação também vive em um tempo linear. Ela nasce dentro de um estímulo. Uma visão, um som, uma lembrança. Daí a sensação cresce, se estica e dura. Até desaparecer. Após um dado tempo.
   A razão toma conhecimento dessa sensação e a aceita. Ou não. Teme a sensação e a apaga. Ou tenta. Ou deseja a esticar. Fazer com que ela dure mais tempo.
  A intuição não existe no tempo. Ela surge como afirmação já pronta. Ela não cresce, ela é. Ela não se faz numa construção progressiva. Está feita. Sem começo. A intuição surge adulta, como certeza. Ela é uma simpatia. Kant dizia que ela é a coisa a priori. O objeto já pronto antes de que o percebamos. Objeto como ente, seja sentimento ou coisa. Descartes classificava a intuição como verdade atemporal. E hoje se diz que é a capacidade de se estar dentro daquilo que se tem como objeto exterior. A intuição é ser aquilo que se intui: simpatia entre dois objetos distintos.
  Ou seja, além de negar o tempo, pois já vem pronta, uma intuição nega o espaço, pois dois se tornam um.
  Em mundo racional e positivista, a intuição se faz objeto de crítica da razão. Por estar fora de parâmetros, ela é vista como irracional. Em um mundo apressado e distraído, ela mal é percebida. A intuição passa a ser confundida com uma mera sensação passageira.
  A intuição é a visão da alma.

ARCABOUÇOS SIMBOLICOS

Aula sobre ANTONIO VIEIRA. Século XVII. Havia uma construção cristã que conformava o modo de ver a vida. Exemplo. Um evento da natureza era visto sempre como uma manifestação divina. Mais que isso, a espuma do mar era um manto de um santo, uma flor vermelha o coração de Cristo.
A partir do iluminismo tudo passa para a razão. A razão não obriga a negação da existência de Deus, mas transforma Deus em Ser Super Racional. Um novo arcabouço, agora tudo é prova da racionalidade do universo.
Outra construção. Com Darwin e o capitalismo, tudo passa s ser uma luta. A espuma é palco de uma briga, a flor é chamariz de insetos, o mundo é uma disputa.
Os freudianos construirão um edifício alicerçado em libido e sexo. Cada imagem da vida será sexualizado. O que podemos dizer com certeza? Há hoje um menu onde você escolhe seu simbolismo. Única verdade é que precisamos simbolizar, ler a vida. 

Peter Gay, Os Vitorianos.

O século dezenove começa com a derrota de Napoleão, 1815, e termina em 1914, com a guerra mundial. Peter Gay fala direto, é preciso fazer justiça, o século da burguesia, o século vitoriano foi um século feliz. Peter desmistifica a imagem comum do que seria esse tal de vitoriano. Primeiro deixemos claro, um meio que nos deu Darwin, Pasteur, Burckhardt e Baudelaire não e de todo mal. No centro da burguesia nasceu o voto feminino, o fim da escravidão e o conceito de vida privada. O autor é brilhante no modo como demonstra que até. O século XVIII dormia-se em publico, fazia-se amor detrás de cortinas. A ideia de privacidade era inimaginável. Nem desejável. Toda a vida era vivida em grupo, à vista de todos. O vitoriano, inimigo em tudo do aristocrata, abomina e teme a falta de privacidade. Ele precisa de segredo, de um lugar só seu. E mais que tudo, ele precisa da família. O vitoriano é o homem com uma pasta e um guarda-chuva, ele precisa de uma casa com recantos só seus, mas ele é também o homem que abre estradas na África, compra quadros de Cézanne e escreve artigos contra a guerra. Peter Gay mostra cartas que revelam vida sexual por detrás dos roseirais, sensualidade após o jantar e curiosidade em mulheres que não eram assim tão frígidas. Peter Gay, biógrafo famoso de Freud, diz que assim como Freud pensou que o particular fosse o geral, e cometeu o mal entendido de crer que o extraordinário fosse uma regra, os anti-burgueses, Flaubert, Zola, popularizaram a ideia de que todo burguês era um chato. Transformaram seus conhecidos em fato do mundo. Gay fala ainda dos diários, uma mania tipica da época, do surgimento do conceito de adolescência, dos colecionadores e das feministas. A leitura é deliciosa. Ao final, ele compara os séculos, e favorece o dezenove, tempo de otimismo. O seculo vinte passa como o mais cruel dos tempos e o menos vitoriano dos mundos. Deles, desse mundo ponderado, controlado e amigo do diálogo, mantivermos apenas a privacidade, que agora é solidão. Familia, cavalheirismo de camaradagem entre iguais é conceito morto. Eis o porque desse fascínio que a época exerce, ela é o ultimo tempo seguro, ela promete coisas como calma, lar e familia. Apesar de ser esse o tempo da ansiedade, foi nos anos pós Napoleão que se começa a falar de tédio e de nervosismo, ao contrario do século vinte, os vitorianos acreditavam no futuro. Eram humanistas. Amavam a inteligência. Hoje amamos o quê?

O MAL EM SER CRIANÇA PRA SEMPRE. EXISTE?

   Um amigo me pergunta qual seria afinal o mal causado a esses eternos homens-criança que habitam todo o mundo ocidental mais desenvolvido. Ele não escreveu isso no sentido de alguém que acha que ser criança para sempre seja algo de desejável. O que ele interroga é especificamente qual seria o mal, onde ele se manifesta. Minha primeira resposta seria: abra a janela.
 Manifestantes com blusas amarelas querendo derrubar, na raça, um governo corrupto, porém eleito, têm uma atitude infantil. Pensam que politica é um eu quero. Esquecem do processo, dos trâmites legais, da chatice toda de ser adulto. Isso dá a todo ato uma cara de brincadeirinha. Tanto que eu tenho a certeza de que se a policia reprimisse a coisa eles chorariam. E procurariam o colo de alguém. 
  Meu foco não é comentar a politica brasileira. E não pensem que condeno a manifestação contra o PT. Tudo indica que o governo errou e de forma infantil a reação deles é falar que é tudo mentira. Mais um faz de conta. O que digo é que crianças nunca sabem lidar com o mundo material. Não é a praia delas. Acabam bufando e fazendo birra e no fim tudo sai do jeito errado. 
  Mas vamos em frente. Antes de falar o que pode haver de mal na infância eterna, devemos ver o que há de bom em ser adulto. O primeiro fato é esquecer as dores da adolescência. Um adulto olha para a adolescência como águas passadas. O segundo fato é possuir uma certa independência. Não depender de alguém que cuide dele, seja mãe, esposa, psicólogo ou guru. E o principal, um adulto pode jamais vir a saber quem ele seja de fato, mas ele cessou a busca constante pela sua turma. O adulto deixou de se preparar para a vida, ele já mergulhou. 
  Então eu diria que mais que ser dependente ou estar paralisado pelas brigas da adolescência, o eterno criança fica eternamente no quase. Ele olha a vida mas nunca mergulha nela. Vive na expectativa, desgastante, do inicio de sua vida ""de verdade""'
No mínimo isso lhe causará os sintomas clássicos da ansiedade. 
  Posso saber o que seja um adulto por filmes ou livros, professores ou conhecidos, mas eu ainda tive um adulto em casa, meu pai. E ele, pobre homem, foi profundamente odiado por isso. Além de eu ter comprado a ideia de que ficar adulto é negar tudo no pai, eu fui um adversário muito forte. E joguei sempre sujo. Em cada briga, que podiam ser quase comuns aos 14 anos, mas que se tornaram ridiculas aos 30, eu achava que estava caminhando rumo ao mundo do cowboy, o mundo do cara auto-suficiente. Claro que não. Era tudo um brinquedo de gosto ruim. 
   Meu pai trabalhava. E seu mundo era o do trabalho. Meu pai era um cara pronto. Ele tinha arrependimentos, dores e dúvidas, muitas, mas estava pronto. A vida para ele havia começado muito antes de que eu nascesse e sobre isso não havia volta. A corrente do rio da vida o apanhara. E ele procurava nadar. Mas não eu. Meu ideal era nunca sair da margem, ou melhor ainda, trocar de rio quando quisesse.
   E posso então falar de mais um mal:: a sensação engasgante, amarga, que todo cara como eu tem, de que a vida passa e eu fico. Melancolia que pode ser raiz de belas depressões, a sensação de que o trem passa sem voce pode te levar a imagem de que o mundo é algo que foge e sua vida uma estação vazia, pois os outros já partiram.
   Então voce brinca. Trens e rios imaginários. Partidas sempre repetidas, Voce vai à África, ao Japão, em carne e osso, mas a grande viagem voce nunca faz, mergulhar no rio da vida. A vida de adulto, que antes o horrorizava, agora lhe é tão distante que voce nem sabe mais do que se trata. E brinca. Como eu disse, brinca de ter um filho, de ter um casamento, de ter um emprego. Mas tudo pode ser revertido ou anulado. Sem compromisso. Tudo é um ensaio. O rio continua a passar.
  Me lembro que aos 16 anos meu maior medo era: adultos trabalham para sempre. A vida do adulto é dura. Eu não quero isso. Em seguida foi: o adulto é o homem que começou a morrer. A contagem regressiva começa nesse momento.
  O mundo moderno nos dá milhões de fugas para dentro de Neverland. Eu aceitei o convite.
  E a mulher nisso tudo? Ela passa a ser, e me dói dizer, mais um brinquedo. A chamamos para a festa, queremos brincar de ser namorado, de fazer sexo como nos filmes, de ter um grande amor. Quando elas percebem que aquele cara forte, bravo, maduro, decidido, está brincando de parecer adulto, e que ela É A PROVA DE QUE ELE CRESCEU, bem, nesse momento ela foge. A mulher, ter uma, se torna o objeto que prova ao mundo e a ele que o garoto virou homem. Virou?
   Assim como a briga com os mais velhos nunca foi maturidade, ter uma mulher é apenas uma ideia torta de ser GRANDE. Nas sociedades tribais voce não virava homem ao fazer sexo. Voce era primeiro um homem e depois fazia sexo. A mulher era um merecimento. A cereja do bolo. Agora ela é o caminho, a casa, todo o bolo e a cereja. Coitadinha. Coitadão.
   E agora vou parar por aqui porque cansei e vou dormir.

COMO SER UM HOMEM HOJE?

   Em Rastros de Ódio, o mitico filme de John Ford, Ethan, o personagem de John Wayne, parte em busca de uma menina que foi raptada pelos indios. Com ele vai um jovem mestiço e no filme vemos a transformação desse jovem em homem. O momento de sua transformação seria aquele em que ele se rebela contra Wayne. O filme, feito em 1956, coincide com esse que foi o ano do rock, o ano de Elvis. De repente, com a ajuda dos beats, se vendeu para a primeira geração americana criada em frente à TV, a ideia de que virar adulto era se rebelar contra os adultos. Estranho não? Ser adulto era brigar com um adulto, na maioria das vezes, o pai. As gerações seguintes aceitaram com alegria essa verdade. Essa nova verdade. Para ser um adulto voce tinha de enfrentar o mais velho e além disso criar um modo novo de ser. Voce tinha de nascer outra vez. 
   Nesse processo muitos afundaram, outros se perderam e ficaram brigando para sempre e a maioria simplesmente desistiu. Se para ser adulto eu tenho de ser brigão, rebelde, e ainda criar um novo EU, bem, eu prefiro ficar onde estou. Começou aí a infantilização. O jovem, que tinha de ser herói, entrega os pontos. As mães adoraram isso. Abriram os braços para aquele novo filho, um filho que queria ser novo para sempre. E o filho, perdido entre o dever da rebeldia e a incapacidade de se recriar, ficava num meio termo irritado. Vergonha e prazer. Vergonha de ter desistido, prazer pelo conforto. 
  Essa a minha hipótese. E mais uma vez sou obrigado a jogar a culpa sobre os teens do rock. Os hippies e etc. Vamos voltar ao filme. O jovem, papel de Jeffrey Hunter, amadurece ao se afirmar perante Wayne. Mas, e Ethan? O que ocorre com John Wayne? Ele parte porque odeia os indios. Quer na verdade se vingar. Encontrar a menina é secundário, ele quer o sangue. Mas ao encontrar a menina, agora crescida após anos de busca, Ethan faz o mais belo movimento da história do cinema ( segundo Godard e segundo este que vos fala ), ele a perdoa, a aconchega e a leva de volta para casa. Devolvida a menina à comunidade, o jovem que o acompanhou prestes a se casar, Ethan-Wayne parte. E temos o mais belo final de filme da história, Wayne na porta, indo, mas na verdade sem querer mais partir. John Wayne, e tinha de ser ele, mostra para quem quiser ver, o que significa ser adulto. Ethan começa imaturo e é ele aquele que realmente se transforma. Gosto de pensar que a partir dali ele encontrou uma mulher e foi viver numa cabana de madeira, onde criou dois filhos. 
  Escrevi mais de uma vez aqui que esse filme salvou minha vida. E que sempre que o revejo sinto meu pai próximo de mim. Fosse refeito hoje eu tenho a certeza que todo o foco seria no jovem e o personagem de Wayne seria secundário. 
  Agora falo sobre o cinema de 2015. Gostei da última entrega do Oscar. Mas uma coisa sempre me incomoda. A cada ano que passa os atores parecem mais e mais crianças. Pensava que era pelo fato de que a cada ano fico mais velho. Mas não. Eles são cada vez mais frágeis, delicados, vulneráveis, ou seja, infantis. Sua forma fisica e suas vozes combinam com os filmes que lhes são oferecidos. Filmes para crianças que brincam, sem saber, de ser adultos. Gosto muito, às vezes adoro, dos filmes de Tim Burton por exemplo. Como agora gosto dos filmes de Wes Anderson. São filmes bonitos, às vezes tristes, às vezes cômicos. E sempre profundamente infantis. O visual é o mesmo dos livros para crianças e eles têm uma imensa incapacidade de exibir relações entre homens e mulheres que não se pareça com um cartoon. Ou um conto de fadas. Isso não os desqualifica. São ótimos. E no caso dos dois, são honestos. Nenhum dos dois fica fazendo pose de adulto. São assumidamente infantis. E essa pode ser, eu não sei, uma característica adulta: assumir suas criancices. 
  O trágico é quando um filme infantil é visto como obra de um adulto. Não vou citar Lars Von Trier, um adolescente de 14 anos, embirrado, que brinca de chocar os pais.  O que devo dizer é que a maioria dos filmes de arte de agora são filmes de arte feitos por colegiais. Eles falam daquilo que teens conhecem, tristeza, solidão e raiva, e se perdem completamente quando falam do que teens não sabem, mas imaginam saber, amor, familia, trabalho, morte. Tudo é borrado com as cores de um adolescente egocêntrico que se imagina inteligente, culto e cheio de verdades a serem ditas. Nada é mais infantil que isso. Desse modo temos montes de filmes que brincam em ser Kubrick, Hitchcock ou Bergman. Mal sabem eles que nada foi menos infantil que Kubrick, Hitchcock e Bergman. Se soubessem de seus limites eles imitariam Bunuel, Fellini ou Welles, que foram gênios, mas que sempre mantiveram um pé na infantilidade. No caso dos três, consciente. 
   Preciso falar agora que quando Picasso diz que passou a vida lutando para voltar a ser criança, isso não significa que ele lutou para voltar a colecionar brinquedos ou a brincar de Batman. Como adulto, ele queria poder adentrar o mundo simbólico e sem palavras da criança. Era um adulto vendo o mundo infantil. Não pensem que Lewis Carroll ou James Barrie eram infantis. Walt Disney entendia as crianças. E por isso não poderia ser uma delas.
  Crianças odeiam ser crianças. Teens detestam não ser adultos. Só adultos infantilizados amam essa fase da vida. Ser criança é ter medo. Medo de ser abandonado. Medo de se perder na rua. Ser criança é estar sempre de olho em si-mesmo. Ligado na sua fome, sua sede, sua dor, seu desejo. Não existe o voce. Tudo é eu. O mundo mágico e lindo existe. Mas a criança não pensa nele, ela está dentro dele. É o adulto que percebe sua beleza quando já saiu dele. Ele é real. Tão real que na infância mal se percebe. Adolescentes são como crianças em quase tudo. Menos no contato com o voce. O voce existe e esse ser dá ao adolescente raiva, por ter invadido seu mundo, e desejo, por se parecer com uma porta. O adulto de 2015 muitas vezes fica na ansiedade dessa porta. Com a mão na maçaneta. Sem a abrir. E pode crer, eu sei do que falo.
   Ele usa bermudas. Fala montes de palavrões. Adora brincar. Nada parece muito sério. E é cheio de teorias adultas, verdades filosóficas. Vive mudando de metas. Viaja, experimenta, procura descobrir quem vai ser quando crescer. E tem 45 anos. 
   Mora com uma mulher. Mas não têm filhos. Quem sabe um dia. Moram juntos como quem brinca de casinha. Sem nenhum compromisso do mundo dos adultos. Sem filho, sem papel e sem casa comprada. Tudo provisório. Tudo de brincadeira. A palavra :: para sempre:: os apavora. 
   Não falarei do fim das cerimônias tribais. Dos atos que faziam do menino um adulto. Prefiro falar de duas que viraram brinquedo. 
   Meu irmão serviu o exército. E servir poderia ser um ato de virar adulto. Ele mudou, endureceu. Mas não ficou adulto. Por dois motivos. Primeiro porque servir é um ato sem significado algum. Ninguém mais fala que servir é virar homem. E o principal, voce sai de lá como entrou. O mundo não reconhece em voce um adulto, Na verdade te chama de azarado.
  O outro ato eu o cumpri. Entre católicos, aos 14 anos, voce é crismado. Crisma é o momento em que o menino, que foi batizado quando bebê, confirma a opção dos pais pelo Papa. É quando ele deve pensar na sua fé e a aceitar. Ou não. Eu a fiz como um zumbi. Não fazia a menor ideia do que era aquilo. E nem meus pais sabiam muito bem. 
  O limite do exército seria a guerra. E eu acho que nem a guerra hoje deixa de ter seu aspecto de brinquedo. E o passo após a crisma é o casamento na igreja. Cerimônia que hoje pode ser revertida em divórcio. O casamento é agora uma festinha de conto de fadas.
  A saúde da mente se exerce no equilibrio, impossível, entre o mundo sólido e o mundo interno. Toda dualidade deve ser aceita. Não podemos ser adultos absolutos, isso seria outra doença, mas ser adulto significa ser responsável por decisões, ser capaz de defender e abrigar pessoas, ser parte de uma comunidade que se aceita e não que se impõe. E ao mesmo tempo ter contato com esse mundo criativo e simbólico da infância. Mas sabendo que é o mundo DA infância, vivo e presente, mas nunca o único mundo possível e desejável.
   Nada  mais infantil que um filme de Tarantino, de quem eu também gosto. 
   Você consegue recordar um só casal adulto nos seus filmes? Há apenas um, Bruce Willis e Maria de Medeiros em Pulp Fiction. Ele cuida dela. Ela não é perfeita. Eles estão na cama apenas conversando. Um lapso na obra de Quentin, toda ela feita de mulheres gostosas e perigosas e de homens que falam como garotos na lanchonete da esquina. 
   Em um mundo de Homem de Ferro, onde Batman e James Bond são levados a sério e onde cada vez mais as bandas de rock se parecem com menininhos brincando no quarto,  ser adulto se tornou a maior e a única das rebeliões.

DA MELANCOLIA

   A vida de um artista, digamos Rembrandt, digamos Dante, podia ser cheia de dramas, de tragédias até. Dor, desespero, lágrimas. Mas por volta de 1850 começa a surgir um novo sentimento entre artistas. Ele não tem a força tempestuosa da tragédia, e nem a teatralidade do drama derramado. É pequeno, quase mudo, discreto e por ser assim, persistente. Melancolia é seu nome.
  Pelo que sabemos, artistas não eram melancólicos. Mulheres podiam ser. Idosos provavelmente. Pensar num Goethe melancólico é quase impossível. Mas a partir do meio do século XIX, desse século vagabundo que insiste em nunca terminar, melancolia passou a quase ser sinonimo de artista. Porque? 
  Nesta excelente aula, com textos de Adorno, Benjamin, Oehler e Bergson, alguns dos quais discordo, e ainda com testemunhos de Baudelaire e Proust, analisamos o que seria essa tal melancolia, se ela ainda existe, e o que a fez nascer. 
  Vários motivos são listados. Um dos mais sedutores é o que a relaciona com a falência da revolução. É em 1848 que a ideia de revolução vai a falência ( será revivida em 1917, por pouco tempo ). Como consequência, temos gerações de revolucionários obrigados a conviver com ""o fim do sonho"", a salvação apenas no individualismo, e a auto-censura em relação ao sonho. Se misturarmos tudo damos com o melancólico, um ser que descrê do sonho, teme as ideias compartilhadas e vive preso em si mesmo. 
  Será?
  Me convence mais a ideia do "" novo mundo"", tão clara em Baudelaire, o primeiro homem moderno e não `a toa, o primeiro melancólico. Baudelaire em 1850 faz algo que para nós é infelizmente banal, mas para ele era novidade: anda pelas avenidas de Paris. Anda não como um turista, um trabalhador ou um cidadão, anda como um flanêur. Jogando fora suas defesas, desfilando vafarosamente, sem pressa e sem objetivo, Baudelaire percebe o que nos outros e em nós passa anestesiadamente. A anti-humanidade da vida em cidade. Ele anda em meio a gente que não conhece. Vê pessoas que são estranhas e que lhe serão estranhas para sempre. Vive na beira da possibilidade: aquela mulher que passa poderia ser um grande amor, ela olha seus olhos, ele olha os olhos dela, mas se vão...Obrigados pela cidade, nunca mais irão se ver. Baudelaire percebe que tudo na cidade NÃO remete ao novo, ao encontro, mas sim ao velho e à despedida. Tudo o que vemos, mesmo e principalmente o recém inaugurado, vive na beira da destruição. É um adeus sem fim: adeus voce que passa, adeus rua que muda, adeus casa demolida, adeus amigo que some no fluxo da avenida, adeus, adeus, adeus....Nada permanece, nada consegue se tornar familiar. O homem no bonde é um estranho. PELA PRIMEIRA VEZ convivemos intimamente com pessoas que nos são completamente desconhecidas. Pior, pessoas que desprezamos. Viver me metrópoles é ser obrigado a exercitar o desprezo. Daí a melancolia, se o DESPREZO não for aprendido, a MELANCOLIA torna-se constante. Viver dizendo adeus e lutar contra esse adeus, eis o artista. Eis o melancólico.
  Para mim essa formulação é inquestionável por espelhar o meu sentimento perante a vida. E outra conclusão baudelairiana é a de que a melancolia se torna uma resistência invencível. O melancólico é aquele que desafia, que desanda a marcha, que vê o não-natural naquilo que parece certo. É preciso falar do choque.
  A cidade nos dá constantes choques. Ruídos, cores, riscos, medos, possibilidades, surpresas. Nossa mente não aceita choques facilmente. Choques são sempre ameaças. Algumas boas ameaças, mas sempre um choque. Na multidão, na super excitação, somos obrigados a viver como anestesiados. Ignorar os choques, mal percebe-los. O melancólico, que estranho, que parece o mais ausente dentre todos, é exatamente aquele que mais os sente. E que, falho em suas defesas, não consegue ignorar. Ele sente o ruído. Vê as ameaças. E como reação, defende o antídoto. 
  Sentirei falta dessas aulas...

SOBRE SENTIMENTOS E A SOMBRA- JUNG

  Eu estava na Cultura e então um livrinho surge em meu caminho. Um sinal? Não posso o ignorar. Pois eu estava lá para comprar, talvez, uma biografia ou um livro de viagens. Andando por essas sessões eis que deslocado estava esse livreto. Alguém pegou em outro andar e o deixou jogado em meio aos best-sellers. SOBRE SENTIMENTO E A SOMBRA de Carl Gustav Jung. Apenas 75 páginas. Capa preta, novo, a transcrição de 3 conversas que Jung teve, informais, em sua casa na Suiça, já ao fim da vida. A última conversa, eu vejo, foi feita no dia 29 de maio, o dia em que nasci. Well....como não comprar esse bilhete jogado em meu caminho? Ainda mais quando leio na capa de trás: """Viver é perigoso, e caso não seja, a vida não valeu a pena"". Caramba! Isso é Jung ou é algum astro do rock? Compro.
  Isso é Jung, um ato intercalado no absurdo da vida. Sentido dentro do acaso. Deus nas entrelinhas. Logo leio, no dia seguinte, um belo domingo, "" Não recuse o que se depara com voce na estrada. Aceite."" Omessa!
  Jung ao fim da vida não fala mais como um médico, fala como um avô sábio. O centro do livro é a seguinte constatação: "" Não pode haver bem sem o mal. O bem sem o mal seria a morte, a não-vida. Viver é pecar. O pecado é necessário para que se encontre o bem. Sem o pecado e o perdão não se encontra Deus. Um homem sem pecado não é humano."" Mas Jung evita habilmente dizer se Deus existe. Ele existe como ideia, como ente histórico, como causador da nossa sociedade, como força central dentro de nós. Nesse sentido, Ele é tão real como o amor, o pecado, a história ou a arte. Existe em nossa mente, e a questão é, Há algo no Universo que não existe como verdade em nossa mente?
  Interessante a afirmação de Jung, a de que todo deprimido ou melancólico é alguém que pecou pouco. A solução, claro que nuca definitiva, para a tristeza é: pecar mais, pecar muito. E depois se redimir.
  Há também toda uma conversa maravilhosa sobre antropologia, em que ele conta dos primitivos da Austrália, que ao perder a libido se recuperam através de todo um ritual com talismãs e totens. A libido sendo transferida para um objeto e sendo recuperada no trato com esse depósito do desejo.
 A maior parte das conversas sendo sobre Cristo e cristianismo, os erros da igreja e a questão central em que se tenta entender o que seja Humano e o que seja Divino. Aí surge a questão da sombra e de como não lidar com ela.
  75 páginas com a voz de um mestre ao preço de 20 reais. Tá de graça!

PSICOLOGIA E ALQUIMIA- CARL GUSTAV JUNG, NEM TANTO EXOTÉRICO ASSIM...

     Quando nossa razão se depara com alguma coisa irracional o medo nasce. E se essa irrazão não for logo domesticada e diminuída, para caber dentro de alguma gaveta classificatória, o medo vira pavor. Para lidar com a falta de razão da vida, alguns criam toda uma filosofia, outros mergulham numa religião e há quem se arvore dono da verdade última. O absurdo é que nossa inteligência tem limites óbvios e a vida escapa.
     Para lidar com o irracional Freud inventou toda uma rede de teorias e de postulados sem nenhuma chance de verificação empírica. Sua dificuldade em aceitar a validade da fé fez com que ele desse o nome de ciência a algo que nada tem de científico, antes sendo uma igreja. A psicanálise só pode funcionar se o paciente tiver fé na teoria e no pastor. Deverá se agarrar aos dois como um crente confia em seu pastor. Vendo de fora, nada prova a existência de complexo de Ëdipo, castração ou transferência. Espero que os doutores tenham desenvolvido e ido muito além da dupla Freud-Lacan. Do modo como eles postularam a coisa é pura vaidade pseudo-científica.
    O mesmo acontece com Jung. Sua teoria irá agradar a quem tiver a pré-disposição de o aceitar. Meu espírito ama o artístico, para esse tipo de gosto, Jung cai melhor que Freud, que nada entendia de criatividade. Mas nada no que ele escreve pode ser provado, então se dá o mesmo, tudo passa a ser uma questão de fé. Talvez a vantagem sobre Freud é que para Jung fé não é um palavrão. A fé é positiva, real, e pode ser considerada em igualdade com a ciência. O melhor em Jung é que ele nunca nega o óbvio, que seja, Deus existe, mesmo sendo uma criação maravilhosa da mente universal. Deus deve então ser sempre considerado, seja na mente, nos costumes e na história. O cristianismo formou a nossa sociedade, o modo como damos valor as coisas, o modo como agimos e como percebemos a vida. Formou nossa sociedade em termos ideais, pois o paganismo sempre irrompe como a grande força visceral do homem.
   Mas há um problema nisso tudo: o cristianismo jamais venceu o paganismo. Ser cristão sempre foi um ideal distante e a igreja, sabendo disso, da impossibilidade de se tornar cristão, espertamente, fez dois movimentos: simplificou e humanizou o cristianismo, e principalmente adaptou o impulso pagão a fé cristã.
   O livro, árduo, pois Jung, e ele sabia disso, escreve mal, Freud é muito melhor escritor, postula que dentro de nosso ser existe esse inconsciente pagão. Simplificando Jung, eu diria que é como se houvesse uma zona escura, no centro de nós, onde o fato de eu ser Paulo, brasileiro, vivendo em 2014, nada importa. Essa zona negra, inconsciente geral e universal, igual em todos nós desde sempre e para sempre, não reconhece tempo e espaço. Nela o eu nada é. O conflito se faz aí: um eu que luta para ser racional, educado e ter um ser-si-mesmo, e o inconsciente, escuro, insondável e que irrompe em momentos de extremo pavor. Ou de fulgurante encanto.
   Jung criou essa bela teoria observando símbolos comuns a todos os seres e todas as épocas. Costumes que se repetem, atos que se fazem sem um porque. Escrito antes da segunda-guerra, a teoria alcançaria popularidade máxima no pós-guerra. O nazismo, pagão e escuro, é a confirmação da teoria. Ou não.
   E a alquimia nisso?
   Alguns homens, antes filósofos, hoje artistas ou cientistas, sentem a proximidade do inconsciente. Vivem quase na fronteira. Para tentar entender o que os aflige, eles procuram penetrar e compreender essa área de sua alma. Alguns, talvez Blake, Dante, Picasso, conseguem entrar nessa região e retornar. Atente ao fato que não há como compartilhar essa experiência. Como falar de um mundo além do verbo?
   Os alquimistas eram homens que tentavam encontrar a chave do inconsciente via ação manual, ambiente e trabalho árduo. Misturando sangue e mercúrio, fervendo e destilando, lendo e lendo e lendo, mergulhando cada vez mais em seu inconsciente, eles acabavam por ter visões: a transformação do chumbo em ouro, a visita de um unicórnio, um anjo, o elixir da luz escura. Por volta de 1700 a razão divide a mente humana: de um lado a ciência e de outro a irrazão. A alquimia passa a ser chalatanismo, magia para se ganhar dinheiro. ( Algo parecido com aquilo que se tornou a astrologia antes e a igreja agora ).
   Recordo que aos 7 anos meu brinquedo favorito era um estojo de quimica. Eu me trancava no porão de casa e ficava todo o dia misturando cores. Vendo vapores. Sentindo cheiros. Meio tonto, a grande viagem da brincadeira não era tentar fazer aquilo que vinha no folheto de receitas do brinquedo, mas sim crer que seria possível criar um monstro, uma explosão ou uma coisa NOVA. Nesse movimento de mãos, mente e criatividade minha mente se deixava aumentar e a viagem começava: para dentro, sempre para dentro, em meu porão.
   É isso. É mais ou menos isso.

ABANDONE-SE HOJE

   Eu já lera isso ( em Nietzsche, em Agee ) e volto a ler a mesma ideia em Chesterton. A ideia de que o homem tem se tornado cada vez mais frio, contido, reprimido, inumano. Já tenho algumas décadas de memória para contar e devo dizer que o mundo que vi em 1975 ou em 1985 é bastante mais quente que aquele que agora vejo.
 Cada pensador dá sua opinião sobre o porque dessa transformação gradual, mudança que tem feito das pessoas ilhas de indiferença. Para Chesterton o problema é da própria mudança. Uma época que ama a mudança em si-mesma não consegue lutar ou dar valor a nada. Mudar se torna rotina e mudam-se os objetivos, os ideais. Mudar a meta é mais fácil que a alcançar. Derrubam-se totens, a vontade se desfaz e o homem se torna indiferente. Mudar todo o tempo vira rotina. Tudo muda todo o tempo para que nada se construa. 
 Inclusive relações ou arte. Como tudo vai mudar, e assim sabemos que tudo será destruído, para que construir algo de realmente bom, eterno, perdurável ? Se sabemos que o amor não é eterno, para que amar ? Para Chesterton, o primeiro passo para a felicidade do homem ( e ela é possível, aliás, mais que possível, ela existe aqui ), é retomar o conceito de eternidade. E com ela reavivar a moral. Existem coisas que são eternas SIM. E com essa eternidade vive uma moral que é imutável. 
 Um erro repercute para sempre. Um crime será punido com completa reciprocidade. A bondade mora na verdade e a verdade é real e eterna. O amor dá acesso a vida sem fim onde tudo é maior e melhor. A violência é um mal sem nada que o redima. E o principal: Somos todos nós um campo infinito onde se dá a luta sem fim entre o bem e o mal. E, como seres donos de liberdade e de missão escolhida, devemos lutar essa luta. Honrar a vida. 
 Se todo esse modo de pensar parece medieval é porque tudo de mais profundo e imutável que possuímos é medieval. Amamos como homens da idade do romance, cremos como homens de fé, lutamos por um pouco de honra e justiça e sentimos os pavores dos pastores e lavradores de então. Ou, se todo esse mundo agoniza ( é o que observo ) temos a missão, sublime, de defender seus últimos, e derrotados, testemunhos. 
 O coração perdeu. A razão dogmática nos faz crer que o coração é o menos confiável dos orgãos por ser simplesmente o menos controlado. E o que menos aceita dogmas que o reduzem a nada mais que músculo e sangue. Bilis secou.
 Não mais a ira divina, não mais a vingança maligna. Nunca mais iremos morrer por uma ideia. A paixão que move a vida ou a dor que faz com que a vida se revigore. Não mais o mistério. E se voce é cego ao mistério, creia-me, o tédio irá lhe matar. Gota a gota.
 Se um amigo é apenas um contato, se a arte é apenas um evento e se a criatividade nada mais pode ser que uma distração futil, a vida terá o valor da futilidade. Será nada mais que o tic tac de um relógio.
 Vá além. Enlouqueça. E cometa os piores vexames. Seja infantil como todos são e temem parecer. Exiba sua originalidade. Mesmo que ela seja burra. Ame e fale que esse amor é pra sempre. Mas acima de tudo, jogue seu cinismo no lixo e com ele seu egozinho. Confunda-se com a vida. Rasteje. Rasgue. Sangre. E beije. Perca a vaidade de nunca se ajoelhar. Ajoelhe-se. Admita que alguém sabe o que voce nunca irá saber. Apequene-se. E se abandone. E então encontre. 
 É isso.

EROTISMO, ALLAN BLOOM, ROUSSEAU

   Voce pode fazer uma pesquisa e divulgar os dados de quantas trepadas a população dá em média por mês. Voce pode até mesmo tabular quem teve orgasmo. Quem é hetero, gay e bi. Mas voce não tem como perguntar ou responder NADA sobre o erotismo. Sexo se aplica a pesquisa científica, erotismo nunca. Porque sexo pode ser reduzido ao ato sexual. Erotismo é o que?
  No mundo da ditadura cientifica, o sexo, como tudo o mais, é reduzido. A ciência trabalha com quantidades e com medidas, o sexo pode ser simplificado ao máximo e reduzido ao que se pode medir e contar matematicamente. O erotismo não. Na verdade, no mundo da ciência, Eros nem sequer existe.
  O relatório Kinsey começou o trabalho de morte do erotismo. O sexo foi colocado a luz e tudo se reduziu ao comum. Todos passaram a pensar em ser como todos. Se vinte por cento são assim, eu também posso ser assim. Mais, o homem jogou o erotismo no lixo e passou a seguir a massa: saudável é ter cinco orgasmos? Eu os terei !
  Freud nos brochou antes. Pensou que criatividade fosse sublimação, quando na verdade criatividade é ser humano. Sublimação é palavra criada por Rousseau e seu sentido vem de sublime. Sublime é o ato, apenas e tão somente humano, de se tomar um ato físico ou uma coisa e torná-la sublime, mais do que aquilo que ela é na natureza. É quando o homem se apropria de algo natural e o torna humano. Seja dando contornos de deus ao mar, sendo fazendo de mármore uma obra de arte ou transformando uma necessidade física, como o sexo, em algo sublime, o erotismo.
  Nosso tempo vive o capítulo final deserotização do homem. Mulheres esqueléticas ou bombadas, homens meninos ou frágeis demais. Pornografia. Aulas de sexo seguro. O orgasmo discutido com a mãe no café da manhã. Esquecemos que o sexo nivela os homens aos bichos, e que o erotismo nos define.
   O bicho trepa. Com qualquer fêmea. O homem imagina. Pensa ser aquela mulher a única. A única que poderá lhe dar prazer verdadeiro. E para ela, ele cria música, poema e luta para ser mais sedutor. Ao contrário dos bichos, o gozo passa a ser secundário, toda a história é um grande prazer. Ele imagina e a imaginação é o homem. 
   Rousseau antecipa o amor burguês. O amor viria a ser um contrato. Muito mais próximo de um advogado que de um poeta. Ele sabia que Eros era questão de amor-próprio. Que o homem vivia pelos olhos dos outros, que o amor-próprio dependia do que ele pensa que os outros pensam de si. E que no erotismo o homem joga com aquilo que ele imagina que ela seja e aquilo que ele imagina que ela sente por ele. Politica enfim. Rousseau sabia que quando a politica morresse o erotismo iria junto. ( Hoje politica é pornografia. Há quanto tempo não se ouve um discurso que signifique alguma coisa? ). 
   Sedução é dar espaço a que o outro imagine algo sobre nós.
   ( Há quanto voce não vê um belo beijo em um filme? ).
   Animais vivem no amor -por-si. Amor por sobreviver e sem levar em conta a opinião dos outros sobre ele. Um cachorro não pensa no que a cadela acha ou sente sobre ele. Nós sim. Até quando? 
   Nossos mestres em amor são cantores de funk. Ou intelectuais que nada sabem sobre Eros. Sabem apenas teorias reducionistas que mecanizam tudo. Como faz a pornografia. 
   O amor deve ser ensinado por aquele que ama. Simples assim. Pelos seres eróticos, pelos grandes amantes, pelos sedutores. 
   PS- Não à toa o melhor livro sobre erotismo que já li foi escrito por Frank Sinatra.

O HOMEM DO MACHADO

   Depois do calor africano a tribo conheceu a Era Glacial. E tiveram de se unir ainda mais em cavernas e cabanas de pele de rena. Impacientes com o frio que não passava, castigados pelo vento, sentiram então, 50000 anos atrás, um novo impulso. No escuro do inverno sem fim, na nostalgia do sol, no sono temperado por fome, no medo e na insegurança, o impulso de criar surgiu. O desespero podia ser mitigado pela representação daquilo que se precisa e não se encontra. A mão usa a pedra e no osso do mamute faz nascer uma rena. A mão se amplia e na parede pinta o verão. A fala acompanha a mão, foi a mão que deu voz ao pensamento, fazendo o homem canta e fala, ensina, consola. No osso do mamute se guarda aquele dia terrível. Aquele dia que viu nascer o milagre: consolando e aliviando esse homem nos deu sua vida. 50000 anos depois, no fim da Era Glacial, nós ainda sabemos dele. O maior desejo daquele Herói anônimo agora acontece: Chega de gelo!
   Muito tempo antes ( Há um milhão de anos ).
   No luxo de verde sem fim, entre feras e presas, frutas que exalavam perfume por milhas e milhas além, um insignificante número de homens vaga atrás de comida. A vida sendo somente o ato de coletar e tentar vencer a fome que dura desde o nascimento até a morte. Uma vida com fome. Mas acontece um outro milagre: Um dentre eles pega uma pedra e a esculpe. Bate pedra contra pedra e afia e faz uma ferramenta. Um machado. Ele corta a carne, corta a madeira, esfola a pele, mata o inimigo. Quem ele foi? Porque ele o fez? Jamais teremos como saber o porque de um entre tantos executar esse ato definitivo. Porque os outros continuaram macacos? Mas não é disso que desejo falar. O que me importa é a razão, essa voz que só tem paz quando encontra uma ordem naquilo que não tem porque. E que inventa coisas na vã tentativa de ordenar e dar respostas ao que nunca se saberá. Foi a carne que desenvolveu nosso cérebro? Dê carne a um orangotango por meio milhão de anos e ele será apenas um macaco mais forte. E assassino. Tristes tentativas de resposta da razão.
   Daquela tribo, nossos pais africanos, um foi caçador, um ficava observando a vida, um era louco, outro mandava, um era tarado, um foi o mais idiota. Houve o nervoso, o sonhador, o mau. E um criou o machado. Somos filhos deles, eles vivem dentro de nós. A imensidão da savana nos seduz, o escuro das cavernas frias nos faz sonhar. O medo é nosso irmão, o terror de ser caça nos faz avançar. Andamos, precisamos andar, é nosso mais forte instinto, quem não anda morre de fome, de sede, é pego por uma fera. E quando somos obrigados  a parar de nos mover, no gelo, na neve, sonhamos e criamos mundos. Dentro do escuro. A sina humana: dentro e fora, consciente e inconsciente, sonho e sol.
  O homem do machado foi o maior de nossos heróis.

O QUE É A BELEZA

   Pessoas infelizes perdem o senso de beleza. A tristeza pode ser bonita, mas a infelicidade não consegue reconhecer esse fato. Algum psicólogo deveria estudar isso. A capacidade de perceber o que é belo pode salvar uma vida. Mais que isso, salvar um povo.
  Pintores são os divulgadores daquilo que seu tempo pode ver. Se Giotto pintava a pureza de anjos em paredes de igrejas pobres, isso se devia a capacidade de seu tempo em perceber anjos em cada manhã. E se Monet via movimento e cor como tudo que existe no mundo, era porque seu tempo tomava a consciência de que tudo era velocidade e fugacidade. Os artistas percebem antes. O Zé da esquina só notou isso 50 anos mais tarde. Cézanne lutou contra isso. Sua obra é uma tentativa de parar o que se move. 
  Pollock viu que tudo é uma energia nervosa e que na verdade a vida é desfeita. Um ato aleatório que espiritualmente faz sentido, mas esse sentido nos escapa. O Zé só começa a perceber isso agora, sessenta anos depois. Warhol viu nos supermercados nossa nova igreja e nosso museu. Acertou na mosca. Mesmo que hoje a arte pareça esquecida, sua mediocridade é ainda testemunho relevante da futura hiper-mediocridade dos Zés. 
  Porque o artista percebe antes. Bowie brincou em 1972 de artista Pop e em 2014 todos são Bowie ( produzidos, calculados, frios, profissionais, atores ). Assim como Welles percebeu antes que o cinema era arte do ego do diretor e Shakespeare sentiu que a escrita podia ser um campo de guerra entre o eu e o anti-eu.
  A beleza se faz em todos eles. Sem o maravilhamento, mesmo que brega, mesmo que rápido, não se faz nada que permaneça. O que mais nos deixa aturdidos é quando percebemos a beleza da tragédia. 
  O senso do belo, sei disso com absoluta certeza, nasce na infância. E não por se crescer em lugar bonito, ou ter a sorte de ser feliz e amado. Mas quando temos tempo para ver. Na infância, quando deixados em paz, entregues a nós mesmos, vemos um mundo inteiro numa tarde de marasmo, intuimos a poesia numa manhã de calor, criamos uma lenda entre pedras e panos velhos. Cheiros, cores, ruídos, tudo é novo e tudo se fixa em mente vazia e virgem. Se não somos perturbados por horários, barulho e pressão, criamos a certeza da beleza. Ela se afirma e existe para o resto da vida.
  Em Sochi, nesta Olimpíada de Inverno, vive beleza para quem a conhece. Uma suiça que desce em seu snowboard e erra tudo. O rosto com um olhar que é mais triste que morrer. Os olhos não conseguem ver, ela vira a face para o chão, a boca se contrái, os cabelos parecem dizer: Eu errei. Eis a beleza se dando para ser notada por quem a conhece.
  Foi John Keats quem falou que uma coisa bela é uma alegria que dura para sempre. Mais que isso. Uma coisa bela nos faz viver para sempre.

SAGA DOS VOLSUNGOS- SAGAS ISLANDESAS.

   Feira de Livros da USP. Não ia desde 1999. Melhorou muito e valeu muito a pena! Rocco e Companhia das Letras não foram. Mas eu comprei 12 livros! Nos meus cálculos, em preços da Cultura, teria gasto mais de mil e quinhentos reais. Na Feira gastei 400. Comprei livros de luxo. Um com fotos de SP no século XIX. A bio de Matisse. Um livro com fotos de Doisneau. O livro escrito por Capa, com imagens raras. O recém lançado livro sobre o glitter rock. A bio de Bergman com intro de Woody Allen. A bio de Pete Townshend. E mais Chaucer, Marlowe, um livro catalão Tirant Lo Blanc, um álbum de Snoopy, Guerra e Paz em capa dura, um sobre decoração, e ainda este livro, sobre sagas medievais da Islândia.
   Porque Islândia? Na introdução de Théo de Borba Moosburger, fico sabendo que a Islândia ocupa um lugar privilegiado na história do romance europeu. Primeiro, foi o país que antes de qualquer outro escreveu em língua própria e não em latim; e segundo, escreveu em prosa e não em verso. Tolkien adorava essas sagas e muito de sua obra vem daqui. Do que trata? Da fundação da ilha islandesa, de seus primeiros reis e heróis. Um mundo que nos é quase incompreensível.
   A primeira coisa que salta aos olhos: A ausência de clemência ou de piedade. Matar é coisa absolutamente corriqueira. Mata-se por que se gosta de matar, pois para se poder ir para o céu dos vikings era preciso morrer em luta. Morrer de doença ou velhice era ir para o reino de Hel, o inferno, morrer lutando era ir para Asgard, onde se podia lutar mais. Pois a vida era isso, uma briga sem fim. Sangue e vísceras. Um homem vivia pela espada, por sua familia e por seu rei.
   Não posso nem discutir sobre sua coragem. Em barcos pequenos eles chegaram a Groenlandia e até a América!!! Eles eram mais que corajosos, não tinham noção alguma de preservação da vida. Tinham muitos medos, mas ao contrário de nós, seus medos não se ligavam a morte ou a dor. O maior medo era a desonra, ter o nome sujo, ser um fraco. Dor fisica e morte eram nada.
   Algumas cenas espantam. Além de assassinatos sem culpa ( e não falo de guerra, as mortes eram em simples passeios na floresta ), o reino começa com um filho que é fruto de um casamento entre irmão e irmã. Sem qualquer culpa, a irmã seduz o irmão e têm um filho que será um rei e um herói.
   Dragões, bruxas, adivinhações, tudo entra nessa saga como fato normal, conhecido, cotidiano. É um mundo pré-cristão e não-greco-judaico, é o mundo da mais pura raiz européia ( nos esquecemos sempre que Atenas e Judéia, Pérsia e Egito são reinos orientais. A Europa pura é a celta, ou seja, a dos vikings, suevos, francos, saxões, íberos ). Uma sociedade familiar, voltada para a guerra e para a magia.
   O estilo da escrita, sem qualquer adaptação, traduzida a crú, é rústica. As coisas são narradas de modo direto. Nada de descrições, nada de ambiente, nada de clima. É ação e mais ação. Briga e mais briga, viagem e mais viagem, mortandade sobre mortandade.
   Anti-europeus gostam de falar que a Europa e sua cultura são violentas, a mais violenta do mundo. Não sei. A China nunca foi um mar de rosas e Maias ou Incas estraçalhavam os inimigos sem dó. Talvez a velha cultura judaica, os cartagineses e os hindús tenham sido menos cruéis. Talvez. Mas nos choca muito ver um massacre inutil de crianças e mulheres ser louvado como ato heróico, o que ocorre todo o tempo aqui. Para passar o tempo, o herói vai a uma cidade para "saquear e matar um pouco".
   Jung estudava muito essas histórias medievais e via nelas a raiz de sonhos e de sintomas. Se ele estiver certo, chega a ser aterrador a imensa carga de violência que temos em nosso sangue. Porque neste mundo, o grande, o supremo prazer é o de matar. Se assim for, nosso mundo cristão e pós-cristão cometeu uma obra ainda maior do que eu pensava. A substituição da guerra pela convivência e do sangue pela fé. Mas o guerreiro, o doido e sem freio assassino, o irrefletido e puro impulso, o vaidoso e inconsequente está lá, está cá e está em todo canto. Desse duro ponto de vista, um moleque briguento e ladrão está muito mais perto da verdade humana que um dinamarquês hiper-civilizado e do bem. Não a toa o alto indice de suicidio na Suécia, o reino dos vikings tendo se transformado no país da paz e da sociedade justa.
   É um livro dificil.

A CAVERNA, O SÍMBOLO, O LIVRO

   Uma experiência verdadeira, profunda, transformadora é petrificada em forma de igreja. Se voce quer viver uma profunda experiência religiosa não a procure dentro de uma igreja. Porque começo este texto dizendo isto?
    Não vivemos para comer ou para procriar. Vivemos para ser. O mais antigo testemunho de um ser que pode ser chamado de humano nos mostra: Um longo labirinto escuro e aterrador. Após rastejar, se machucar, ter medo eis que conseguimos chegar ao núcleo: as pinturas na caverna! O centro da montanha. Esse é o símbolo primordial daquilo que somos. Dentro de nós, em nosso escuro interior vive o infinito. A psique em sua totalidade. Onde não existe tempo, espaço ou fim. Aquilo que só eu posso ser. Mas para chegar até esse âmago a coisa dói. Como dói!
   A teoria de Jung é básicamente otimista. Daí sua desvantagem. Nosso tempo é profundamente pessimista. Em Jung tudo tende para a luz. Nosso self, centro mental, não é bom ou ruim, ele é natural. E tem poder de dar vida. Quanto mais longe desse self mais entediados, sem ideias, morto. O contato com o self dá vida. A vontade de viver mora lá.
   Otimismo. Não existem pessoas iguais. Para encontrar o self cada um tem seu modo, seu caminho. Cada louco tem uma loucura única. Cada medicamento age a seu modo particular. A busca pelo self é busca por vida. Essa é a raiz de toda religião. E da arte, religião dos ateus. A busca por transcendência que se dá a cada um a seu modo. Por isso ser impossível uma tese psicológica única. Em sua originalidade cada ser deve mergulhar em sua gruta e encontrar seu centro. Como? Geralmente pela dor. Pela crise. Pela solidão.
   No mundo moderno, sem simbolos verdadeiros, sem ritos que ajudem, sem lendas e sem silêncio, onde tudo se pensa e o discurso interior nunca cessa, encontrar o self se faz quase impossível. O mal de agora é o excesso de controle, de razão, de porques.
   A luz da razão a vida nunca vale a pena. Lutamos para acabar no túmulo. E ser esquecidos. O que nos faz prosseguir é essa força tênue e distante que promete "algo a mais". Pode ser chamada de Deus, duende, anjo, xamã, fé, esperança, missão, consciência...não importa. Está dentro da mente, existe em nós e ao redor ( pois influencia tudo o que podemos perceber ). A razão a teme. Porque ela pede por humildade. A humildade de saber que a razão não é senhora da vida. E que nosso pobre ego precisa do self para continuar a viver.
   Criatividade, o encontro com essa vida nova sempre se dá pela criatividade. Pela ousadia original. Ser o que voce tem de ser. Como saber? Como entender a mensagem daquilo que não tem lingua racional? Lendo com atenção os sinais, as pistas.
    Fomos animais. Fomos irracionais. A razão surge e evolui para podermos sobreviver na luta pela vida. Adaptamos nosso cérebro à técnica, a comunicação, ao pensamento linear e claro. Simples. Mas aquilo que fomos não morre. Está aqui. Em mim. Em nós. Ancestralidade. Instinto. A voz da natureza em mim.
    Duas correntes no século XX. Gente que viveu essa experiência ( Borges, Hesse, Kazantzakis, Yeats, Camus, Rilke, Jung, Mann, Kandinski, Klee ) e gente que nunca a quis escutar. Tenho certeza que Paulo Coelho, por exemplo, viveu uma experiência significativa, mas, mal escritor que é, nunca conseguiu transmitir nada dessa experiência. Então uma multidão de pessoas que sentem esse anseio e mal sabem o que seja vão atrás dele. E nada encontram. Elas têm de escrever seu próprio "Diário de um Mago" e não pegar de barato esse relato de quinta categoria.
    Bem, escrevi aqui apenas um breve testemunho. O livro, a derradeira tentativa de Jung de escrever simples, tem muito, muito mais. De certa forma tudo que escrevo está lá exibido.
   

O CEPTICISMO ( ASSIM, COM P )

   Cresci como cético. E essa descrença foi tâo forte que marcou meu rosto. Minha face é cética, minha expressão transparece ironia. Tenho enormes dificuldades em convencer mulheres de meu amor.
    Jamais acreditei em Papai Noel. E com oito anos já desconfiava da alma ou da existência do céu. Cresci, e na adolescência eu não acreditava na vida. Tudo acabava em morte e então nada tinha valor. Pra que isso se tudo termina em nada? Passei vinte anos nessa absoluta certeza.
    Mas eu sobrevivi, porque para viver precisamos de ajuda. Usei a arte. Sentia orgulho de meu niilismo. Acreditava em heróis. Homens que viveram em calmo desespero, esses eram meus heróis. Gauguin, Picasso, Heminguay, Tolstoi...músicos de jazz...
    Ao ficar mais adulto comecei a procurar teorias que me fizessem entender a vida. Budismo ( a corrente de reencarnações explica tudo! ), Freud ( o instinto sexual explica a vida ! ), Darwin ( somos bichos e a biologia é nossa sina! ), Jung ( tudo é tão complicado que nada podemos saber )... Mas, cético ao extremo, logo percebia que todos eles dependiam de fé, fé que nunca tive. Voce precisava jogar fora a dúvida e acreditar num sistema arbitrário. Como? Crer em reencarnação é como fazer uma aposta. Nada pode provar seu resultado. Crer no Édipo de Freud é ignorar que nosso instinto básico é a fome. O bebê ama a mãe porque ela tem seios cheios de leite. O pai não. Isso é tão óbvio! Darwin nos obriga a acreditar num poder de transformação que chega ao ponto da magia. E Jung não consegue consolar ninguém porque ele próprio se perde em dúvidas. ( Na verdade Jung é o anti-Freud. Um era tão neurótico que via em tudo o horror do sexo, o outro era tão doido que via  na vida alucinações ).
   No meu extremo ceticismo eu duvidava. Só podia aceitar aquilo que eu-mesmo vivenciara, ou seja, quase nada. Então, quando me deparei com a morte, momento que tudo define e desnuda sua cara, algo aconteceu. Passei a desacreditar de minha própria descrença. Cheguei ao paradoxo: Cético em relação aos céticos.
   Se nada há para se crer, e mesmo assim tudo continua a ser inexplicável, então tudo pode ser válido, tudo pode ser verdade. Acho que foi Bergson que formulou isso: Ou voce descrê de tudo ( e nesse tudo entra até a ciência e a razão ), ou voce crê em tudo ( e nesse tudo entra a ciência e a magia ). O meio termo é sempre tolice, abrir um olho e fechar o outro, tatear.
   Hoje não posso dizer que creio em tudo. Mas a princípio nada condeno. Minha vivência e minha inteligência são limitadas, o que posso pretender saber?
    A única certeza que tenho é a de que ninguém sabe coisa alguma sobre as questões mais importantes. O que conhecemos é aquilo que cabe em nossa pequena e assustada mente. Vemos, sentimos, e pouco compreendemos. Respeito então os darwinistas, freudianos, junguianos, budistas ou ateus radicais. Todos precisam de algum sistema, de algum tipo de explicação PARA AQUILO QUE OS ATERRORIZA. Todos precisam negar o que os assusta e crer naquilo que os consola. Como eu.
   Na pequenez redutora diante da imensa verdade da morte, eu me vi como sou e entendi o porque da necessidade da humildade. Saber que nada se sabe e se deixar nas mãos da vida.
   PS: Claro que continuo aqui divagando sobre meus conhecimentos de cinema, livros, quadros, filosofias, poesia e coisas assim. Sei um pouco dessas coisas. Mas tenho a consciência de que tudo isso é apenas brincadeira, coisas de criança, sonhos ou ilusões bacanas. A vida, a verdade, o estar-aqui e o estar-sempre são coisas bem além de tudo isso.