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O GRANDE CIRCO- PIERRE CLOSTERMANN, MEMÓRIAS DE UM PILOTO DE CAÇA DAS FORÇAS DA FRANÇA LIVRE DA RAF.

   A editora C&R lança livros de guerra no Brasil. Preenche um buraco, esse gênero tem muito prestigio em todo o mundo, aqui mal se encontra. Livro bem cuidado, belas fotos e desenhos dos aviões.
   O pai de Pierre lutou em 1914/1918. Perdeu as duas pernas na carnificina, mas mesmo assim apoia o filho quando ele resolve se alistar como voluntário na segunda=guerra. Familia rica, negócios pelo mundo, Pierre poderia continuar sua vida na segurança do Canadá ou do Brasil. Mas não. Vai lutar na Royal Air Force, a RAF, a aviação inglesa, única força a deter Hitler em 1940.
   A França não. E o livro, o diário real desse piloto, começa com o lamento pelo triste papel feito pela França. Ela não lutou, ela se rendeu. Mas, fora do país, De Gaulle organiza o ataque, franceses das colônias, franceses americanos, lutarão. Pierre estranha a Inglaterra. Mas logo se sente em casa. É 1943. As batalhas de Pierre Clostermann começam.
   O estilo é admirável ! Nos sentimos dentro do avião. Ele sabe descrever a surpresa do inimigo que chega, as batalhas feitas de medo, de suor, frio, confusão. Os aviões se misturam, se caçam, atiram e erram, se perdem. Amigos morrem. Aos montes. Eles levantam vôo de manhã, de tarde, de noite, sentem fome, sentem sono, dor. E o medo que não se vai.
   Pierre odeia a guerra. Ama a aviação. Ao final do livro ele fala de sua admiração pelos ases da aeronáutica alemã. Pilotos soberbos, que venceram 200 duelos. O luto que se abateu sobre a base quando Nowotny, um inimigo, foi morto. Porque acima de tudo eles eram aviadores, irmãos nos ares que deviam lutar. Pierre contrapõe a terrível carnificina da infantaria, com sua lama, seus membros despedaçados, a sujeira, e a guerra nos ares, limpa, fria, elegante, homem a homem.
   Mas sim, ele sente a dor de ter bombardeado cidades. Aviões ainda a hélice, o que os obrigava a ver a explosão, ver o fogo, gente sendo explodida. Guerra olho no olho, se olha o piloto inimigo que atira.
   Numa das folgas Pierre vai pescar. E faz amizade com o dono das terras onde ele pesca. Um velho inglês, de cachimbo e tweed. Esse homem, que janta com ele, morrerá num bombardeio. E Pierre descobre que a esposa e o filho do velho inglês já haviam morrido em 40, ele na batalha da Grã=Bretanha, ela em Londres, num bombardeio. Pierre passa a admirar a Inglaterra. As bombas caem e eles jogam cartas. A casa em chamas e o chá sendo servido em ponto. O fato que Hitler nunca entendeu, os ingleses não saem do costume, a fleuma permanece.
   Pierre não gosta dos americanos. Porque até mesmo Hitler manteve as cidades de pé, nunca bombardeou para arrasar. Os americanos, e os russos, não. Para deixar seus soldados mais "protegidos" eles fazem um bombardeio arrasador. Destroem tudo. Sem pensar, sem remorso. Dresden, Munique, Berlim, Caen, Strasburgo, Dieppe, todas são incendiadas, anuladas, riscadas do mapa. É uma vingança fria, sem honra.
   Churchill e Roosevelt discutiam muito por esse motivo, Churchill queria que se preservasse o máximo possível, Roosevelt ( e Eisenhower ) queriam a aniquilação. Venceram.
   As missões se sucedem. Novos aviões, os nazis lançam o primeiro jato, o primeiro missil, mas é tarde. A guerra em seu fim é desespero. Batalhas aéreas gigantescas. 90 aviões contra 120...Os alemães constroem fábricas subterrâneas, 400 novos aviões por mês, 500, 1000...Mas a Inglaterra não desiste! Spitfires, Hurricanes, Typhoon, os nomes dos aviões são lendários! Pilotados na unha, com sangue saindo do nariz, sem ar, a 25 abaixo de zero!
   Pierre Clostermann sabia escrever. E viveu muito! Morreu aos 92 anos, em 2002.
   Homens como ele? Não mais.

SAGA DOS VOLSUNGOS- SAGAS ISLANDESAS.

   Feira de Livros da USP. Não ia desde 1999. Melhorou muito e valeu muito a pena! Rocco e Companhia das Letras não foram. Mas eu comprei 12 livros! Nos meus cálculos, em preços da Cultura, teria gasto mais de mil e quinhentos reais. Na Feira gastei 400. Comprei livros de luxo. Um com fotos de SP no século XIX. A bio de Matisse. Um livro com fotos de Doisneau. O livro escrito por Capa, com imagens raras. O recém lançado livro sobre o glitter rock. A bio de Bergman com intro de Woody Allen. A bio de Pete Townshend. E mais Chaucer, Marlowe, um livro catalão Tirant Lo Blanc, um álbum de Snoopy, Guerra e Paz em capa dura, um sobre decoração, e ainda este livro, sobre sagas medievais da Islândia.
   Porque Islândia? Na introdução de Théo de Borba Moosburger, fico sabendo que a Islândia ocupa um lugar privilegiado na história do romance europeu. Primeiro, foi o país que antes de qualquer outro escreveu em língua própria e não em latim; e segundo, escreveu em prosa e não em verso. Tolkien adorava essas sagas e muito de sua obra vem daqui. Do que trata? Da fundação da ilha islandesa, de seus primeiros reis e heróis. Um mundo que nos é quase incompreensível.
   A primeira coisa que salta aos olhos: A ausência de clemência ou de piedade. Matar é coisa absolutamente corriqueira. Mata-se por que se gosta de matar, pois para se poder ir para o céu dos vikings era preciso morrer em luta. Morrer de doença ou velhice era ir para o reino de Hel, o inferno, morrer lutando era ir para Asgard, onde se podia lutar mais. Pois a vida era isso, uma briga sem fim. Sangue e vísceras. Um homem vivia pela espada, por sua familia e por seu rei.
   Não posso nem discutir sobre sua coragem. Em barcos pequenos eles chegaram a Groenlandia e até a América!!! Eles eram mais que corajosos, não tinham noção alguma de preservação da vida. Tinham muitos medos, mas ao contrário de nós, seus medos não se ligavam a morte ou a dor. O maior medo era a desonra, ter o nome sujo, ser um fraco. Dor fisica e morte eram nada.
   Algumas cenas espantam. Além de assassinatos sem culpa ( e não falo de guerra, as mortes eram em simples passeios na floresta ), o reino começa com um filho que é fruto de um casamento entre irmão e irmã. Sem qualquer culpa, a irmã seduz o irmão e têm um filho que será um rei e um herói.
   Dragões, bruxas, adivinhações, tudo entra nessa saga como fato normal, conhecido, cotidiano. É um mundo pré-cristão e não-greco-judaico, é o mundo da mais pura raiz européia ( nos esquecemos sempre que Atenas e Judéia, Pérsia e Egito são reinos orientais. A Europa pura é a celta, ou seja, a dos vikings, suevos, francos, saxões, íberos ). Uma sociedade familiar, voltada para a guerra e para a magia.
   O estilo da escrita, sem qualquer adaptação, traduzida a crú, é rústica. As coisas são narradas de modo direto. Nada de descrições, nada de ambiente, nada de clima. É ação e mais ação. Briga e mais briga, viagem e mais viagem, mortandade sobre mortandade.
   Anti-europeus gostam de falar que a Europa e sua cultura são violentas, a mais violenta do mundo. Não sei. A China nunca foi um mar de rosas e Maias ou Incas estraçalhavam os inimigos sem dó. Talvez a velha cultura judaica, os cartagineses e os hindús tenham sido menos cruéis. Talvez. Mas nos choca muito ver um massacre inutil de crianças e mulheres ser louvado como ato heróico, o que ocorre todo o tempo aqui. Para passar o tempo, o herói vai a uma cidade para "saquear e matar um pouco".
   Jung estudava muito essas histórias medievais e via nelas a raiz de sonhos e de sintomas. Se ele estiver certo, chega a ser aterrador a imensa carga de violência que temos em nosso sangue. Porque neste mundo, o grande, o supremo prazer é o de matar. Se assim for, nosso mundo cristão e pós-cristão cometeu uma obra ainda maior do que eu pensava. A substituição da guerra pela convivência e do sangue pela fé. Mas o guerreiro, o doido e sem freio assassino, o irrefletido e puro impulso, o vaidoso e inconsequente está lá, está cá e está em todo canto. Desse duro ponto de vista, um moleque briguento e ladrão está muito mais perto da verdade humana que um dinamarquês hiper-civilizado e do bem. Não a toa o alto indice de suicidio na Suécia, o reino dos vikings tendo se transformado no país da paz e da sociedade justa.
   É um livro dificil.

PORQUE OS HOLANDESES ERAM TÃO MAGROS?

   Quando em 1974 a seleção da Holanda, o mais revolucionário dos times, surgiu para o Brasil, o que mais me impressionou foi a magreza dos caras. Cruijff era cadavérico e Neeskens parecia um etíope branco. Logo depois, numa entrevista, o gênio do futebol europeu dizia que em sua infância ele aprendera a jogar bola nas ruas, entre as ruínas da guerra. O futebol holandês nada mais era que a lembrança daquela alegria do jogo de rua entre muros destruídos. Lindo não é?
   Leio então no livro de Alex Kershaw sobre Capa, que na Holanda pós-guerra, a ração diária a que cada um tinha direito mal daria para alimentar uma criança de 6 anos. De 1939 até a recuperação, que se dá apenas no meio da década de 50, europeus passavam fome. Manteiga, café, leite, carne ou ovos, eram artigo de luxo. A base era batata e pão preto. A falta de tecido é que originou a onda do vestuário mais simples, e não a inspiração de algum Dior. E a fome é que nos levou a magreza como beleza.
   As bios de, por exemplo, Keith Richards, MacCartney ou Peter O'Toole mostram isso: terrenos baldios, ruas em escombros, liberdade para andar e sumir, espaços de ninguém. Crianças nascidas entre 1935/1950, de poucos recursos, gripadas, sujas, famintas. Fabricando brinquedos, inventando jogos, sem conforto, usando a imaginação. Vendo os EUA como reino da fartura, sonhando com Hollywood e com Elvis.
   Todos eles ao crescer romperam radicalmente com esse passado miserável. Novos ricos, renasceram numa exuberância de sexo livre, drogas, sonhos, utopias e tempo em velocidade. Cresceram em meio ao caos, a carência material, mas por outro lado, conheceram a solidariedade entre vizinhos, a comunhão, sonhos de reconstrução, o ato de se dar valor a um pedaço de pão. Trouxeram para a vida adulta esse conhecimento. Saber o que seja nada ter. Saber o que é só poder contar com sua força e com a little help from my friends. Essa Europa, a Europa de quem hoje tem 80, 70, 65 anos, lhes vem a mente como pesadelo, pobreza "que parece ter sido irreal", ou nostalgia, saudade de "um lugar onde tudo era de todos e todos eram pobres. Juntos." Penso que essa geração, exatamente a que vem antes da minha, a de meus pais, foi a última geração européia a ter força e fé, por ser a última a ter conhecido o desespero e o horror na casa ao lado. A partir dos caras nascidos me 1955, 56 ( sou de 63 ), começa o mimo, a bundice, o não ter o que dizer por não se ter vivido. Tédio. É a geração flácida de Morrissey, a turma chic e esnobe, o povo que luta pela liberdade em um mundo que já liberou tudo.
   Leiam esse livro de Kershaw. É uma aula de história. Imperdível.

SANGUE E CHAMPAGNE-ALEX KERSHAW, A VIDA DE ROBERT CAPA, TRAGÉDIAS UTÓPICAS E CONCLUSÕES PRAGMÁTICAS.

   O livro é de uma beleza imensa. E simples. Cheio de suspense, a vontade é de o ler de uma vez só. Pode ser a melhor bio que já lí. Que me desculpe Richard Ellman.
   Capa nasce na Hungria e adota esse pseudômino ao se profissionalizar. Há uma lenda de que ele queria ser confundido com Frank Capra. Bobagem, Bob é um nome bem americano e ele quis parecer americano, e Capa era seu apelido de adolescência. Capa em húngaro quer dizer Tubarão. E como o tubarão, que nada e caça a vida toda sem parar, Capa viveu muito, sem endereço fixo, sem familia e nunca só. Ele tinha uma capacidade enorme em fazer amigos, estava sempre fazendo piadas e foi, entre seus amigos paqueradores famosos ( Picasso, John Huston, Gary Cooper ) o mais Don Juan de todos. Tinha jeito de criança levada, olhar de desejo, cheiro de aventura, humor, muito humor e bom gosto. Combinação irresistível para as mulheres. Não era bonito, era baixo, e nunca teve dinheiro, gastava tudo, mas era um rei. Fundou a agência Magnum ao fim da segunda-guerra, a primeira agência a defender e ser dona de todos os direitos dos fotógrafos, com Cartier-Bresson ( de origens nobres e sempre um cavalheiro ) e Seymour Chim ( de origem judaica e plebéia como ele ), fez da Magnum um novo capítulo na história das artes visuais. Chim fotografava a Europa, Bresson o oriente e Capa o que desejasse. Foi o mais famoso fotógrafo de guerra e o maior prêmio da fotografia de ação leva seu nome. O melhor do livro é observar as mudanças na vida de Capa, mudanças que contam a tragédia do mais triste dos séculos, o XX.
   O muito jovem Capa se faz promissor ao conseguir fotografar Trotski em comicio. Pouco antes de ser assassinado, o revolucionário russo faz um discurso. Capa sente cheiro de morte no ar e consegue fazer as únicas fotos do evento. Logo depois é mandado para a Espanha.
   A Espanha vivia então o sonho socialista em seu radicalismo total. Tudo era comunitário, a liberdade era absoluta. Uma mistura de solidariedade, sonho, idealismo e fé nos homens posto em prática. Mas logo a coisa azedou. O general Franco une tropas na África e avança sobre a Espanha. Hitler e Mussolini usam essa guerra como campo de provas, treinam tropas na ajuda à Franco e lançam novas armas. Socialistas de todo o mundo se alistam como voluntários para defender a Espanha livre. Orwell, Heminguay, Dos Passos, Steinbeck, todos se unem na luta. Capa fotografa e faz seu maior trabalho. Fotografa com paixão, toma partido, luta e corre riscos terríveis. Lança uma frase famosa: "Se uma foto não estiver boa é porque voce não chegou perto o bastante". Diz ele que as pessoas lutavam sorrindo. Iam alegremente para o sacrificio. Ainda acreditavam na morte por uma ideia. Crianças morrem nos primeiros bombardeios da história contra civis ( obra de Hitler ). Fome, dor, orfãos. Fogem espanhóis para a França. Cruzam os Pirineus na neve, morrem de frio aos montes. Capa junto. Na França são postos em campos de concentração para morrer. A França não quer se comprometer. Capa se aflige e faz piadas, dá humor para quem sofre, fotografa e divulga ao mundo a tragédia. Franco massacra espanhóis aos milhares. Vence. Será ditador por mais de 35 anos. A Espanha voltará a ser medieval. Os voluntários voltam chorando. Há uma cena explêndida no livro: A homenagem que o povo espanhol faz aos voluntários quando eles desfilam se despedindo. Capa chora. Pior que tudo, ele amava Gerda, uma grande fotógrafa que morre numa explosão. Capa nunca mais irá se recuperar. Começa aqui a nascer um novo Capa, mais cínico, mais mulherengo, muito mais ansioso.
   Vai à China. Guerra contra o Japão. Chiang-Kai-Chek e Mao-Tsé-Tung, ainda unidos, lutam contra o imperador Hiroito. Capa sente que a China consegue virar a guerra. A guerrilha de Mao. O povo sempre sorrindo. Bombas e mais bombas.
   Capa não suporta a vida comum. Viciado em adrenalina, viciado na guerra. Contradição: Capa odeia a guerra, mas ama o que ela traz de ação e de amizades. Nesse tempo, na guerra de campo, no chão, homens fazem amizades para toda a vida, compõe sagas biográficas e sentem a "Terrível alegria da ação".
   O que Capa faz? Joga. Joga muito, é uma geração do poker e da roleta, de enormes apostas. Capa perde muito. Não liga. Ele ama a adrenalina. E faz sexo. Traça atrizes ( Ingrid Bergman foi uma paixão real em que ele não investiu muito ), prostitutas, modelos, cantoras, nobres e pobretonas. Faz fotos de esportes. E vem mais uma guerra.
   Spielberg usou as fotos de Capa como base de todo o "Resgate do Soldado Ryan". Alex Kershaw faz do desembarque algo de eletrizante e inesquecível. Dor, sangue, suspense, pavor, crueldade. Capa é dos primeiros a pisar na praia e dispara a câmera. Balas zunem, todos morrem a seu redor. Mar cheio de sangue, de pedaços de corpos. Não tenho a arte para descrever a cena. Kershaw tem. "A deusa banalidade ainda não tomara o poder. O Horror absoluto era uma novidade."
   Capa acompanha as tropas na Itália depois. Anzio tem as cenas mais cruéis que ele viu. Ele vive. Os soldados vivem. "Voce vive de verdade quando sabe que daqui a um segundo pode estar morto. Então voce passa a beber muito, comer tudo, e a amar com volúpia plena. Assim era a Itália em 44." Nos bombardeios em Londres Capa percebe que os casais fazem amor em praças e em cantos escuros. No medo da morte todos se entregam ao sexo. Londres era cheia de gemidos de coito. Mas a Itália foi mais. Mortos demais, fome demais, medo demais. E a amizade. A imensa amizade entre aqueles que sofrem juntos.
   Após a guerra, Capa foi aos campos mas não os fotografou. Dor demais? Por ser judeu? Ninguém sabe. O homem famoso por fotografar a morte não tirou uma só foto de Auschwitz. E faz uma observação inteligente: "Americanos sabem vencer uma guerra. Não matam prisioneiros e não estupram ( muito ). Querem ser aceitos pela população. Russos, assim como os franceses, entram arrasando. Matam tudo que se mova. Nâo fazem prisioneiros. Subjugam o povo "liberto". Não sabem fazer politica."
   Capa após a guerra vai, sem vontade, à Hollywood. Faz amizade com Huston e namora Ingrid Bergman. Se entedia. Tem aversão ao estilo americano. Acha tudo vazio, futil, infantil. Vai a sua cidade favorita, Paris. Cobra desfiles de moda. Vê a controvérsia: o povo odeia a ostentação dos ricos. Dior usa pouco tecido, faz vestidos mais curtos e simples por falta de tecido. Capa, o cara que fotografou gente lutando por pão e liberdade, agora fotografa sedas e veludos.
   Vai a Israel. Mais uma guerra. Solidariedade e socialismo de novo. Hoje, em 2013 pouco se fala disso, mas Israel nasce como kibutz, e o kibutz é a experiência comunista extrema. Tudo é de todos e todos são da comunidade. Judeus chegam de todo o mundo. Judeus pobres, ricos, ignorantes, escuros, louros, famosos, famintos. Um país se faz do nada. E seis nações árabes se unem e atacam. Outra volta à Espanha de 36. Um povo lutando alegremente por terra. Bombas explodindo enquanto crianças brincam se se importar. Velhos e mulheres com fuzis. Israel vence. Derrota o Egito. Vence exércitos oficiais com um bando de civis. Mas Capa percebe e fala: "O que será dos Palestinos? Onde eles irão viver?"
   Esfarrapados de Israel sorriem na vitória. Esfarrapados da Palestina ficam aturdidos. Onde ir?  Logo em seguida o fim do sonho. A ultra-direita de Israel em guerra com seu próprio povo. Capa parte. Chega de guerra.
   Vai ao Japão, onde fotografa o país em reconstrução. Capa diz que o Japão é um país feito para ser fotografado. Ama o povo. A calma. O trabalho persistente.
    Mas Capa está falido. E por isso aceita mais uma guerra. A última. No Vietnã em 1954.
   A França luta contra os vietcongues. E pela primeira vez Capa vai a serviço do lado "errado". Seu coração está com o povo oriental, os muito inteligentes vietnamitas que humilham os franceses com derrotas inesperadas. Mas Capa acompanha as tropas colonialistas. É um trabalho sem coração.
    E é lá que ele morre. Capa pisa numa mina em meio ao arrozal. Será o primeiro fotógrafo morto no Vietnã. Com 40 anos de idade, ele já um mito, comove o mundo. A França será expulsa do Vietnã e os EUA tomarão seu lugar "na luta contra os vietncongues". 
    Robert Capa viveu do idealismo puro da Espanha ao cinismo do Vietnã. Esteve no dia mais glorioso do século ( o fim da guerra em 45 ), e no dia que segundo Eisenhower "Foi o auge dos EUA", o dia D. Capa viu a decadência do mundo, o fim da fé humana, o fim das ilusões. Cansou de lutas, de morte, e de correr. Mas dizia que jamais conseguiria ser pacato, pai de familia, comum. Precisava de adrenalina. Viu demais. Viveu demais. Partiu.
   O livro de Kershaw é maravilhoso.