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SAUL BELLOW - RAVELSTEIN

É um Saul Bellow longe de seu melhor momento, este livro foi lançado em 1999. Curto para os padrões de Bellow, fala da amizade entre um escritor e um professor universitário famoso. Esse professor ficou muito rico ao lançar um livro com seus pensamentos. Gastador, chique, falador e fofoqueiro, o livro é um tipo de biografia não linear e incompleta desse personagem. ------------- Na vida real Bellow sofreu críticas por usar Allan Bloom, um famoso crítico literário, como modelo. Já li Allan Bloom ( não confunda com Harold Bloom ). É um autor divertido. O que digo é: E daí? Nada há no livro de Bellow que desabone Bloom. ---------------- Muito tempo atrás eu adorava esse tipo de romance. Todo passado dentro do mundinho de professores e autores, muito bem pagos. Mas ao estudar entre eles e me desiludir com seu saber, todo esse charme se foi. Eu via o universo acadêmico como a coisa mais desejável da Terra. Hoje os vejo como crianças masturbatórias. ------------ Ravelstein é então um romance que peca em aspecto central: Ravelstein não convence e o narrador, no momento em que a obra foca nele, é pateticamente desinteressante. Lemos as primeiras 50 páginas com gosto. São tantas citações de Platão, Sócrates, Tucídedes, Schiller, Goethe, são tantas compras na Hermés e Zegna, tantos hoteis chiques em Paris, é tanta descrição de vinho e comida que nos divertimos. Mas súbito percebemos que o livro não cria nada. É impotente. Bellow fracassa. Os personagens não nos importam. São chatos vivendo uma vida banal. Envernizada com bons livros e roupas caras, mas absurdamente banais. ---------------- Saul Bellow....pra que escrever um livro assim?

PONCHE DE RUM - ELMORE LEONARD

Saul Bellow, Martin Amis e Stephen King eram todos fãs de Elmore. Todos eles sentiam admiração pelo modo como Leonard usava diálogos. Ele usa muitos diálogos, sempre coloquiais e precisos, conseguindo descrever o caráter do personagem pelo modo como ele fala. Elmore jamais diz que Ordell e Louis são burros. A gente nota pelo modo como eles falam. Ele dizia ter aprendido isso com Heminguay, seu autor favorito. Mas ele tinha uma crítica à Hem... Seu coração mole. Heminguay era piegas. Estragava tudo com seu coração. Eu acho o mesmo. Ernest Heminguay é maravilhoso enquanto não começa a se lamentar. Ponche de Rum é de 1992. Leonard escreveu livros às toneladas. Nos anos 50 e 60 escrevia livros de faroeste. Alguns viraram filmes ruins. Um só deu um bom filme. Depois, a partir dos anos 70, começou a escrever livros policiais. Vários deram filmes horríveis. Três deram bons filmes. Get Shorty é o melhor filme. Irresistível Paixão é outro ótimo filme. E Jackie Brown, do Tarantino, é este Ponche de Rum. O livro é melhor que o filme. Jackie Brown aqui se chama Jackie Burke e é loira. Max Cherry, o pagador de fianças, é o centro do livro, no filme não. Tarantino ama Elmore porque foi ele quem o ensinou a escrever diálogos. O segredo dos livros dele serem tão bons é a calma. Ele desenvolve a ação com muito vagar, sem pressa, por isso o cool se mostra. As primeiras páginas são para conhecermos todos eles. E só então descobrimos qual o foco do livro, o que vai acontecer. É Heminguay de fato, o que vale é o diálogo, o caráter criado pelo autor. A ação é consequencia daquilo que cada um deles é. Voce une Ordell mais Louis e dá um desastre. Voce une Cherry mais Jackie e dá um acerto. É química. Quero mais!

COMPLEXO DE PORTNOY - PHILIP ROTH ( E UMA PALAVRA SOBRE A ADOLESCÊNCIA )

Acabo de reler Complexo de Portnoy. É um vômito. Não conheço retrato melhor sobre a figura do judeu intelectual americano fim dos anos 60. A voz desse povo era Saul Bellow. Roth aqui se junta a ele. Bellow me parece melhor como artista. Roth tinha mais humor. Este livro é engraçado, muito engraçado; mas é também horrível, trágico e um pesadelo. Alex Portnoy conta sua vida ao seu terapeuta. Ele fala tudo. Seu ódio ao pai, à mãe, aos amigos, à vida, á Deus. Portnoy odeia. Ele ama odiar e não percebe isso. Há cenas no livro, muito poucas, onde seu lirismo ameaça surgir. Principalmente quando fala do pai. Alex ama seu pai. Mas seu pai é fraco, burro, limitado, uma vergonha. Então ele o odeia. Odeia muito. Lemos o livro e temos a impressão que Alex passou a vida no banheiro. Cenas e mais cenas de masturbação. E da prisão de ventre do pai. A família, hilária, se encontra em discussões dentro do banheiro. E tudo é motivo para gritos. Alex não come, Alex não tem fé, ele é mal educado e fala coisas sujas. O texto, nervoso, apocalíptico, adolescente até o osso, nos deixa agitados. Ele vomita palavras. Sua vida é uma piada. Teens são sensíveis. Mesmo os que parecem duros. O coração, ou a mente do jovem está em formação. Absorve tudo e sente as coisas profundamente. Dor e prazer ao cubo. Eu li Complexo de Portnoy aos 14 anos. Foi meu primeiro livro adulto. E agora, o relendo, percebo o quanto ele se gravou em minha alma. Para voce ter uma ideia: Tudo o que imagino que seria " meu romance" é ao estilo deste livro. Sempre que tento criar ficção, me pego escrevendo um Portnoy parte dois sem perceber. Uma confissão apocalíptica. Passei décadas vendo meu pai como Alex percebe o pai dele. Usei sentimentos e racicínios que estão no livro. Digo, com certeza, que eu seria outro não tivesse comprado Portnoy numa banca de jornais em 1976. Lembro de como o devorei, onde eu estava sentado, como me senti, o clima que fazia então. Vejo, hoje, em 2020, que há frases inteiras de Roth que estiveram gravadas em mim por toda minha vida. Sentenças que eu penso sem saber de onde vieram, como se eu mesmo as houvesse criado. O que lemos aos 14 anos é muito importante. Por isso digo que aquilo que os teens vêm hoje na net se torna parte de suas almas. A coisa é muito séria. Para o bem ou para o mal, Portnoy sou eu. E se não o tivesse lido, seria outro eu. Com o tempo Philip Roth perdeu muito do que tem aqui. Mas é compreensível, não é possível escrever dois Portnoy. Esta é a confissão sem censura de uma pessoa. A coisa foi feita. Fim. Tudo indica que o Nobel não veio porque não dariam o prêmio a mais um judeu americano falando de sua família judaica. Saul Bellow venceu em 1975. O Nobel é assim.

SOLAR, DE IAN McEWAN. MAIS UM GRANDE LIVRO.

   Me lembrou Saul Bellow. O clima desesperado e niilista, o "herói" falho, desagradável. Mas Bellow tem mais humor, McEwan é mais lírico. O lirismo dos que secaram. O livro, divertido, ágil, criativo, maravilhoso, acompanha a saga de Michael Beard, um físico mulherengo, feio, de meia idade, egoísta, vaidoso, assassino, ladrão, tolo, infantil. Ele "cria" um modo de produzir energia limpa e barata. Ganhador do Nobel, ele viaja ao Novo México, ao Polo Norte, bebe demais, come como um urso. O autor consegue conduzir esse caos com elegância, leveza, charme e jamais tomando partido explicitamente. Não é um livro panfletário, longe disso, Ian McEwan consegue dar explicações claras sobre física, química, sobre a diferença entre ciência e humanidades. Sua descrição do politicamente correto é hilária, uma crítica exata.
 Ian McEwan é o autor que deveria ter ganho o Nobel, mas suas posições politicas pouco claras o impedem de vencer. O mundo de hoje não entende e não tem a capacidade de entender a sutileza, a imparcialidade. É um tempo de branco ou preto. McEwan tem todas as cores.

REPARAÇÃO, UMA OBRA DE IAN McEWAN

Crianças, como disse Chesterton, não mentem. Elas são absolutamente fiéis ao que percebem. Sabem, ainda, olhar a vida. Pouco distraídas pelas coisas que os adultos pensam, livres para sentir e observar, elas reagem sem filtros. Por isso a mentira de Briony é dúbia. Ela fala exatamente o que viu. Seu testemunho é descrição de um ato. Nada para ela é mentira. 
Em minhas aulas de literatura se enfatiza o quanto é dificil escrever sob mais de um ponto de vista. É uma arte refinada que se tem perdido, a arte de criar várias visões concomitantes sobre o mesmo ato. Ian McEwan faz isso com naturalidade e por isso é um mestre. Como Henry James, com quem muito se parece não em tema, mas no modo de escrever, ele nos confunde ao descrever várias verdades. Ela sabe que a verdade depende de se querer crer nela. E que toda verdade depende de se saber olhar. Nunca de se saber pensar. Briony diz a sua verdade. E destrói duas vidas. Ela é inocente. 
Escrever uma frase que seja original. Descrever uma rua ou um clima de um modo novo. Essa a marca de um grande autor. Assisti um filme com Clive Owen onde um professor de literatura, feito com garbo por Owen, recita o final de Rabbit Run de John Updike. Li esse livro em 2009 e só uma vez. Pois bem, a escrita é tão forte que imediatamente identifiquei o livro. A frase, belíssima, estava guardada numa folha especial em minha memória. E eu nem sabia disso. Mas lá estava. Ian McEwan é do tamanho de Updike. Talvez tão grande quanto Bellow. Com certeza é o maior autor vivo da lingua inglesa. E nunca vai ser nobelizado.
Há um momento no livro em que os dois amantes se encontram na rua. E ambos se sentem constrangidos. Por anos eles se amaram via correio e agora temem se ver e se intimidar pela emoção. Esse encontro, coisa de 4 páginas, é descrito de um modo tão delicado, tão verdadeiro e com tanto amor pelos dois que ao ler eu senti estar diante de um quase milagre. Isso é coisa de imenso talento. O livro, e várias outras cenas provam isso, é uma obra-prima e viverá enquanto alguém souber ler. O final, em que percebemos que o que lemos foi contado por Briony anciã e prestes a perder a memória, é outro momento de brilho gigantesco. Briony gostaria de ter salvado dos dois amantes. Mas ela não pode. 
Foi feito um filme sobre este livro. Joe Wright o fez. Adorei. Mas, claro, o livro vai muito mais longe. O filme é um trailer do livro. Um lindo trailer. 
O filme de Owen termina com o professor lendo um belo trecho de Ian McEwan ( pois é, que coincidência não? ). Ian fala do que seja a arte. A arte é a fala de homens imperfeitos que tentam alcançar a perfeição. E que nesse processo, fadado ao fracasso, nós, leitores, somos erguidos e ao ler tomamos contato com aquilo que temos de MELHOR. 
Ian McEwan é um nobre portanto. A arte, mesmo a mais realista e pessimista, existe para nos aperfeiçoar. Para nos tirar de um mundo incompreensível e nos levar a tomar contato com o melhor. Veja, para nos erguer, não para erguer o mundo. Para nos transformar, não para nos fazer entender a vida.
Este livro, triste, belo, cruel, feio, sempre perfeito, é uma obra-prima.
Vale!

VLADIMIR NABOKOV, OU, O QUE É UM ESCRITOR

   Nabokov morreu em 1977. Como Chaplin. E Hawks. As pessoas falam dos mortos de 2014 mas nenhum deles tem a estatura dos mortos de 77. Quando morreu, na Suiça, Nabokov era o escritor mais famoso do mundo. E um dos mais dificeis. Lolita se lê facilmente ( se voce for minimamente culto ), mas seus livros pós-Lolita são tão áridos como Beckett e Joyce. A fama popular de Nabokov caiu. Lolita virou tabú, a palavra Ninfeta é hoje um palavrão. Ele é esquecido porque todo escritor dos últimos 50 anos se torna esquecido depois de morto. Saul Bellow, Mailer, Yourcenar, Updike, Vidal, todos são muito menos conhecidos hoje que quando vivos. A molecada não faz a menor ideia do tamanho da popularidade de Bellow. E de Nabokov. 
  Ele não recebeu um Nobel. Bellow sim. O que posso falar é que Heminguay, Faulkner, Mann e Yeats receberam. Eliot também. Mas Joyce, Proust, Borges e Rilke não. Assim como Waugh. Penso que a lista dos não agraciados é melhor. Well...Nabokov é lembrado por alguns, e esses o chama de melhor escritor em inglês dos últimos cem anos. Funny....assim como Conrad foi o maior da virada dos 1900, e era um polonês escrevendo em inglês, temos aqui um russo que escreve em inglês. 
  A Veja publicou uma péssima resenha sobre Nabokov. A moça não entendeu nada! Fez uma crítica bolchevique a um aristocrata fugido. Nabokov é fino, chique, cômico, um esteta. Ele nos faz ver a beleza do quase nada. Nos ensina a olhar a vida. A moça nada percebeu. Pobre escriba...
  Bebo as páginas de Nabokov e ao lê-las me sinto um privilegiado. Alcanço sua nobreza. Comungo com sua vida fugitiva. Na verdade ele nunca saiu de sua fazenda. Esteve em Berlim, em Paris, viveu em Londres e na Califórnia. Por fim a Suiça. Era vizinho de Chaplin. E em todos esses lugares ele foi o mesmo. Um garoto russo da aristocracia. Culto ao extremo, cercado por seus 50 lacaios. E curioso sobre tudo e sobre todos. Um escritor.
  Vale!

HOUELLEBECQ, O ÚNICO

Michel Houellebecq é o cara. É o único escritor que realmente escreve sobre aquilo que o mundo é agora. Seu mundo é meu.
Para ele, nós apenas comemos, dormimos, transamos, trabalhamos e morremos. Mais nada. É um mundo sem heróis, sem deuses, sem qualquer transcendencia, reduzido ao nada.
Saiu um texto sobre ele na Folha de 3/10. Eu conheci Michel através de Iggy Pop. Sim, Iggy gravou um disco inteiro sobre Houellebecq. Iggy pensa ser ele o cara. Em mundo cada vez mais árido e vazio, só podia ser um francês o cronista deste tempo de mierda.
Partículas Elementares e A Possibilidade de Uma Ilha. São seus livros ( por enquanto ). Não se engane, voce vai ouvir falar muito dele ainda.
Mas não pense que eu o considere Grande.
Não lava os pés de Saul Bellow ou de Sebald. Mas o problema é que Sebald e Bellow estão mortos. Assim como Updike. Dos vivos, Le Clezio tem um estilo melhor, Roth é mais elaborado e criativo, e Coetzee é muito mais "escritor". Perto desses caras, Michel é tosco.
Porém é sua a escrita do século que nasce e já está gasto. A ruindade de Houellebecq é a ruindade da França/Europa/Terra de agora-já. Um desencantado fedendo a fumaça e a calor sudorífico. A água evapora, e com ela a poesia. Abrimos mão de tudo o que é subjetivo. A alma se vai com isso.
É tempo de Michel Houellebecq.

AS AVENTURAS DE AUGIE MARSH - SAUL BELLOW

" ... e esse espetacular engrandecimento antigo, com suas ruínas de arte e inúmeros signos nobres, eu conseguia apreciar, ainda que não quisesse ser simplesmente esmagado pela grandeza daquilo tudo. Mas no poder moderno do luxo, com seus batalhões de trabalhadores e engenheiros, são as COISAS em sí, os produtos, que são eminentes, e o indivíduo não chega nem perto de ser igual à imensa soma delas."
Eis aqui SAUL BELLOW em AUGIE MARSH, conseguindo dizer o porque de eu me sentir tão mal perante a arquitetura moderna e tão bem perante cidades antigas. Andando por Roma ou Veneza somos esmagados pela grandeza da obra de GRANDES HOMENS. Cada monumento tem o nome e a face de algum herói. Prédios não remetem a ser humano nenhum. É apenas uma coisa. Esmagados pelo inanimado, sem pensamento, pelo absolutamente não humano.
" ... que em qualquer vida de verdade, voce tem de sair e ser exposto fora do pequeno círculo que abarca duas ou três cabeças na mesma história de amor. Experimente ficar, para ver, do lado de dentro. Veja quanto tempo voce aguenta."
Augie Marsh nasce em Chicago. Não conhece o pai e sua família é sustentada por parentes e pelo serviço público. Augie Marsh aos 10 anos é um malandro de rua. Vende jornais, tenta roubar e idolatra um tipo de chefão do crime. Acima de tudo, ele tenta agradar, não criar atrito, e segue sempre alguém. Augie é feliz.
"... e é isso que a humanidade sempre faz. Ela é feita desses inventores e artistas, milhões e milhões deles, cada um tentando a seu próprio modo recrutar outras pessoas para representar papéis coadjuvantes e apoiá-lo no seu faz de conta."
Augie percebe cedo que tudo é mentira. Ninguém, NUNCA, diz aquilo que realmente pensa ou sente. E desse modo, todos passam pela vida sem poder ser o que se nasceu para ser. Augie Marsh se apaixona, tenta estudar, rouba livros e os vende, mora em pulgueiros, e conhece gente, muita gente, gente rica, gente pobre, louca, sã, felizes e tristes. Tem um irmão demente e outro ambicioso que se tornará a proto-imagem do yuppie voraz.
".... como se, quando chegava o momento, deixássemos a companhia de quem quer que estivesse conosco e fôssemos reservadamente sair no braço com nosso antagonista eleito no seu esconderijo secreto."
Tentam enredar Augie no mundo dos milionários. Mas ele não cai, ele esnoba o dinheiro. Foge sempre, mas ao mesmo tempo está sempre de volta. Ajuda um aborto, se envolve em sindicato e vai pro México em caçada a águias e cobras e amor ( que sempre termina em desespero ).
" ....A GRANDE INVESTIGAÇÃO DE HOJE É QUANTO UM SUJEITO PODE SER MAU, NÃO É MAIS O QUANTO ELE PODE SER BOM."
Quem diz isso é Padilla, um dos caras que nosso herói conhece nessa jornada. Um dos muitos que fazem com que Augie se movimente, todo o tempo, logo ele, que tanto queria ficar parado. Porque Augie logo descobre que voce só pode ser voce se estiver parado.
"... no mundo da natureza voce pode confiar. Nele voce já sabe. Mas no mundo dos artefatos voce tem de ter cuidado todo o tempo. Nele voce tem de saber, e não dá pra ficar com tanta coisa na cabeça e ser feliz."
Num livro que tem um milhão de grandes pensamentos, talvez este seja aquele que mais me toca. Vivemos cada vez mais, em mundo onde PRECISAMOS saber coisas. Números de código, datas e horários, cruzar uma rua e pegar um táxi, pagar contas, ligar maquininhas, responder mensagens, cuidar do corpo, cuidar da beleza, proteger o patrimônio, cumprir horário, cumprir metas. Sobra espaço pra ser voce ?
"... tédio é a convicção de não poder mudar. O homem murcha quando pensa ser a mudança impossível. Mas não é engraçado ? Passamos toda a vida com medo da mudança e procurando o que nos faça estáveis. O amor por exemplo."
É um livro devastadoramente rico. Vem a guerra e eis Augie perdido num bote salva-vidas no meio do mar e depois eis ele casado e rico em Paris. E corneado.
Mas quem é Augie? Seria ridículo eu dizer que ele é todos nós? Mas ele é. Saul Bellow, gigante, consegue criar um adorável Candido do século XX. Otimista teimoso, apaixonado, desiludido, medroso, enganável e totalmente perdido. O livro é um colosso.

AS AVENTURAS DE AUGIE MARSH - SAUL BELLOW

Estou no meio deste livro. Mas ele é tão bom que preciso falar alguma coisa sobre.
Ele começa na infância de Augie, e Bellow é tão esperto que ele nos confunde. Durante essa infância ele faz com que nos sintamos como se vivêssemos outra vez nessa confusa fase da vida. O que temos são fragmentos mal compreendidos de vida. Rostos em flash, frases não explicadas e principalmente, uma maravilhosa e constante descoberta. São cem páginas de descobertas. Pessoas e mais pessoas que surgem sem motivo, acontecimentos pouco explicados.
Então vem a puberdade e a vida começa a se explicar. Agora as coisas têm um porque, as palavras significam algo, os personagens se explicitam. Augie se torna real. É estupedificante. Saul Bellow esbanja talento, sobra, é um gigante. As paixões de Augie, a relação com a família, o absurdo humor de tudo aquilo. O universo deste livro me encanta e desejo que jamais termine.
A habilidade em criar tipos beira o Shakespeareanismo ou o Dickensianismo. Centenas. Todos únicos, fascinantes e hilários. Desde o poderoso chefão tetraplégico até a milionária que quer adotar. Mas Augie é o melhor. Trata-se de herói completo. Augie não renuncia a nada, não abre mão de ser o que deseja ser, se estropilha todo, mas segue sendo livre, e o mais importante, Augie se interessa pela vida, por toda a vida. Ele se torna um dos meus mais caros heróis.
Como em todos os livros de Bellow, seu talento é tamanho que toda página tem alguma frase lapidar, alguma descrição perfeita e um toque de profunda filosofia. E tudo com satanico humorismo. Veja esta : na vida só importa o que vem fácil. O que requer esforço não é para voce. Lutar por uma mulher ou por um emprego nunca vale a pena. Isso não era pra voce. Quem ensina isso a Augie é um mexicano ladrão de livros e gênio em matemática. Outra : Augie sabia que nunca iria escrever para Avignon ou vencer uma guerra, mas, lendo esses livros, ele sentia fazer parte disso tudo. Um mundo maior. Era como a morte. Sabíamos que ela estava sempre alí, num canto do quarto, mas amávamos mesmo assim.
Nunca lí descrição melhor sobre o amor a leitura. Eu sei que jamais irei viver um amor como o de Heathcliff e Catherine ( MORRO DOS VENTOS UIVANTES ) mas creio neles e ao ler sua história FIZ PARTE DISSO. Pois agora estou no hilário mundo de AUGIE MARSH. Mundo de ladrões, mulheres vagabundas e falidos safados. Não quero outra vida. É um livro/universo precioso. Quando o terminar escreverei mais.

O LEGADO DE HUMBOLDT - SAUL BELLOW

Saul Bellow é o único autor obrigatório que escreveu de 1955 pra cá. Depois da geração de Waugh, Greene, Faulkner e Camus, é Bellow quem melhor sintetiza o que de melhor se escreveu nesses últimos sessenta anos. Nele vemos fagulhas de Updike, Roth, Atwood, Murdoch, Will Self, Pynchon, Barnes e Sebald. Apenas a literatura latino-americana nada tem a ver com sua escrita. Ele é o centro, então, da Europa e EUA em livros de ficção.
Começou a escrever nos neuróticos anos 50 e logo fez sucesso. Durante os anos 60 foi autor meio recluso, deixando os holofotes para Mailer e Capote. Nos anos 70 ganhou seu Nobel, sendo um dos mais jovens autores a atingirem essa glória. Faleceu no final dos anos 90. Publicou cerca de 12 livros, dos quais uns sete são centrais em qualquer biblioteca.
Sua escrita, quanto ao estilo, é aquilo que TODO escritor tenta fazer : simples e profunda. Não há nada de complicado, de barroco, de precioso em seu estilo. É um modo de escrever nervoso, rápido, febril, e que dá a impressão de ser fácil. Mas atenção : nunca se parece com o modo jornalístico de Heminguay. Bellow se enfia na mente dos personagens, mostra seus pensamentos, seus diálogos inteiros, suas caras e sua alma. Mostra o medo e o mal, principalmente. O personagem central, aqui como nos outros que li, é alguém em crise, acuado, à procura de alguma coisa.
Bellow é para homens adultos. Creio que as mulheres não irão gostar tanto. Ele é decididamente hetero, e nada tem de juvenil. Lembra filmes de Woody Allen ( porém, com muito mais ação ). Muitas coisas acontecem em seus livros : viagens para a Africa, cenas com a máfia, brigas a socos, tiros, mortes, sexo ocasional, sexo com amor, muitas cenas de grande cidade, pensamentos sobre livros e filmes, escursões ao campo, fugas e enlouquecimentos. Tudo com humor muito negro, com rapidez, com coragem, e com um dom de saber criar personagens... nunca li nada dele que não tivesse montes de tipos bem delineados e inesquecíveis ( e bastante ridículos também ).
Aqui ele fala de um escritor ( Citrine ) de muito sucesso, que se sente culpado pela miséria de seu guru ( Humboldt ) um autor alcoólatra/ anti-sistema, que foi seu mestre e seu descobridor. Mas o livro ainda encaixa histórias sobre a cidade de Chicago, sobre máfia, sobre jogo, sexo, mulheres tirânicas, vítimas e muito mais. É hilariante, e é um pesadelo. Não é a toa que Paulo Francis dizia ser Bellow o criador da atual literatura sobre a loucura urbana. Todos em Bellow são loucos. E ninguém percebe isso, pois são loucos também.
O livro tem a mesma ação doida de filmes como WONDER BOYS ou BARTON FINK. Tem clima de carrossel descontrolado. Mas é só o clima. O livro é obra de arte refinada, revisada, lapidada, de mestre. Saul Bellow acima de tudo sabe escrever. E escreve sem medo nenhum. Seu texto é como carruagem sem freio. Ou melhor : é como Chicago, cidade que destrói a sí mesma sem parar. Se engole. Texto faminto.
É pura perda de tempo ler outro autor atual sem conhecer Saul Bellow. Nossa cidade é a cidade em que ele escreveu, nossa vida é a que ele descreveu, e nossa loucura é a observada por ele.
O LEGADO DE HUMBOLDT é um maravilhoso e delicioso presente que foi deixado para nós. Além do que, ler Bellow dá uma vontade doida de escrever muito, escrever bem, escrever melhor. Bellow É o cara!