1977-1969-2014-SEMPRE...

   Não lembro da loja. Sei que foi em Pinheiros. Na Teodoro Sampaio. Em 1977 ela era uma rua mais decente, ainda tinha algumas lojas bem legais e não existiam camelôs. A esquina com a Pedroso de Morais era bonita, tinha a doceira Docinho. Todas as travessas eram silenciosas, residenciais, ainda não havia comércio na Mourato e na Lacerda. Só a Fradique tinha movimento. Fazia sol, era fim de verão. Saímos do bar do meu pai e compramos dois discos. Abbey Road foi escolhido por ter Come Together. E Let It Bleed por causa da crítica que Ezequiel Neves havia escrito. Voltamos para o bar e ficamos esperando a carona de nosso pai. No escritório que ele tinha a gente rabiscou na porta a data e o nome dos dois discos. Essa porta, com os anos, acabou cheia de escritos. Esse foi o primeiro. 
  Na sala, ao sol, só na manhã do dia seguinte, a gente os escutou no 3 em 1 da Sharp. 
  Lembro que achei o lado 1 dos Beatles muito bom e o lado 2 decepcionante. Com o tempo adorei. O disco dos Stones achei esquisito. Não gostei muito. Meu irmão, que coisa, gostou dele de primeira. Numa manhã, inesquecível, em que ouvi Let It Bleed de meu quarto, enquanto Edú o escutava na sala a todo volume, descobri que aquele era o disco. 
  Existem discos que me são tão vitais quanto meus pulmões. Siren do Roxy Music, Led Zeppelin - Houses of The Holy, o Transformer, Pin Ups de Bowie.  Nenhum mudou minha vida como Let It Bleed mudou. Durante o resto de 77, e agora lembro que errei a data, ele nao foi comprado no fim do verão, mas sim em agosto, eu o escutei sozinho em casa, toda tarde, em frenética excitação. Estudava datilografia às 4 horas e sempre descia a rua até a escola cantando Let It Bleed. 1977 definiu a eternidade da minha mente, foi o alicerce, foi o acordar da infância, foi ver o mundo. O disco da capa do bolo e da roda foi sua trilha.
  Hoje, 28 de novembro de 2014, ele completa exatos 45 anos de vida. Em agosto foram 37 anos comigo. O mesmo vinyl errado ( o selo do lado A está colado no lado B ). Sulcos que me trouxeram blues, sexo, euforia, beleza, raiva. A guitarra de Keith nunca soou tão cortante, o timbre suave e ao mesmo tempo forte, cheia de silêncios, de respiros. A bateria nunca foi tão jazzy, Charlie em plena forma. E Mick, ainda longe da mania dos falsetes, cantando como Mick, um preto. É meu disco favorito? Não sei. É aquele que mais me traz lembranças fortes. 
  Em dezembro desse mesmo ano fomos à praia. No Caravan vermelho de meu pai fomos cantando, eu e meu brother. Ele cantava Country Honky e eu Let It Bleed. A Serra passava voando pela janela, o fim da tarde parecia uma festa e a praia teria gosto de vida. 
  Como voce pode notar, Let It Bleed é mais que um disco. Não há como falar dele apenas como música. Ele, como um terreno fértil onde coisas crescem e respiram pelos anos passados, solo úmido, solo rico, brota e traz frutos e sementes que se espalham dentro e fora de mim. 
  Se a música é a lingua do cosmos, este disco alicerça uma mansão estelar.

EM 1977 O MUNDO VOAVA E IA ATÉ 2020.

   Em março de 1977. O ano de 1969 havia passado a oito anos, lógico. Assim como hoje, novembro de 2014, está distante oito anos de novembro de 2006. 
  Ou não?
  De março de 69 até março de 77 nós vimos: O fim dos Beatles e toda a carreira solo dos quatro. A invenção do Hard Rock e o auge e a decadência de Led Zeppelin, Deep Purple, Grand Funk, Bad Company, Black Sabbath, Alice Cooper etc. O auge e a velhice do prog rock. De Yes a Genesis. De Pink Floyd a King Crimson. Tudo isso não havia em 69. 
  O funk seria criado. Earth Wind and Fire, Funkadelic, Ohio Players, Kool and The Gang. E a disco já existia. Elton John já vivera seu império e já o perdia. Assim como Bee Gees, Abba, Peter Frampton, Marc Bolan e James Taylor. Stevie Wonder começava a ser passado.
  Lou Reed criara entre 71 e 75 sua obra. O Roxy Music já não existia. Tudo fora feito em 4 anos apenas, 72 a 75. David Bowie era Bowie, sua fase rock morrera. Estava em Berlin com LOW quase pronto. E Iggy tinha The Idiot já acabado. 
 Todo o rock alemão nascera em 69 e entrara em ocaso em 74. Assim como Kevin Ayers, que nascera em 70 e perdera a esperança em 75. 
 Rod Stewart e os Faces em quatro anos passaram de gênios a vendidos. Nesse tempo Eagles e Fleetwood Mac se venderam e se popularizaram. 
 Em 77 as novidades mais novas eram Clash, Talking Heads, Blondie, Patti Smith, Elvis Costello, The Jam, Specials, Bruce Springsteen, Ramones, Kraftwerk e os Sex Pistols. I Feel Love de Donna Summer e Giorgio Moroder era o futuro. ( Ele era no cinema Star Wars e Close Encounters. Rocky e Annie Hall ). 
  O escritor quente era Philip Roth. E Saul Bellow. Norman Mailer. Truman Capote. Updike. Gore Vidal. Na TV tinha Starsky e Hutch. As Panteras. Cyborg. Bill Cosby. Muppet Show. Casal 20. SWAT. Love Boat. Roots. 
  O homem fora a lua. O primeiro transplante de coração. Inventaram o PC pessoal. O Partido Verde é criado na Alemanha. 
  Mas esquece. Tou falando de música. Entre 69 e 77 apareceram e estouraram Tim Maia, Secos e Molhados, Raul Seixas, Rita Lee, Martinho da Vila, Novos Baianos, Fagner, Alceu Valença, Belchior, Fábio Jr, Made in Brazil, Banda Black Rio e as Frenéticas. 
  Kiss, Cat Stevens, Carpenters, Neil Young e The Band. JJ Cale e Queen. Todos fizeram seu melhor entre 70 e 77. E o Heavy Metal nascia ao lado do punk. Ao lado do techno. E o RAP se preparava no gueto. 
  Reggae se espalha em 72. Em 77 Bob Marley já fizera toda sua obra. 
  E então?
  Duas coisas:
  Primeiro eu vejo como a carreira no rock e no pop é efêmera. Com sorte são 4 bons anos. Se voce é excelente são 5. Gênios chegam a 10. Falo de relevância. Há quem dure 50 anos. Tendo apenas 8 de real valor. ( Sim, são so Stones. )
  Segundo que em contagem de tempo tipo seculo XXI, o período 69/77 equivale a uns 20 anos. Entre 2006 e 2014 lembro do auge e ocaso de um bando de cantoras e de algumas bandas que quase foram e não chegaram a ser. Mais, o que realmente mudou nesse últimos oito anos? Qual a novidade rock/pop? 
  Em março de 77 eu comprei Abbey Road e Let It Bleed juntos. E esses dois discos, que tinham apenas oito anos, pareciam ser então de 1810. Aliás em 2014 eles parecem ser mais novos que em 77. Em meio a Johnny Rotten e Paul Weller, Bowie e Eno; Paul e John, Mick e Keith, tinham voz de pré-história. 

SUPER INTERESSANTE, NOVEMBRO DE 2014.

O Universo inteiro numa cabeça de alfinete. Tudo o que haveria de um dia haver todo ali. Mais que isso, o futuro-tempo todo ali. E então, no tempo de um pensamento, em meio a escuridão absoluta, a explosão. E nesse micro micro micro segundo, nasce o universo, nasce o tempo, nasce tudo o que um dia seria. 
E FEZ-SE A LUZ.
Cinco ingredientes: quarks, fótons, e mais 3. Na infinita combinação desses tijolos, o tudo. Isso faz de todos nós, irmãos. Não apenas irmão do macaco. Irmão do gorila, da flor, da pedra, da mesa, da Lua, de Plutão...do cosmos inteiro e da zona negra também. Viemos do céu.
Há mais. 
No limite do Universo, do Universo que foi nosso pai e nossa mãe, há uma rachadura. A pergunta que mais incomoda: e além? Cientistas já aceitam a tese, além existem outros cosmos. Onde nossas leis da física não se aplicam. Um mundo bizarro. E além dele mais outros mundos...
Mais ainda.
Se o Tudo é infinito, se mundos fazem vizinhança com mundos, o infinito também existe para dentro. O pequeno mais pequeno. A fração de milimetro elevada a bilhão. E nesse micro mundo quântico, tudo se move para onze dimensões. Onze dimensões. E nossa mente só consegue entender três... Um universo invisível, apenas intuído. Cordas, micro cordas que vibram em onze sentidos. Cordas que estão e ao mesmo tempo não estão. Vibram e criam uma incerta e caótica harmonia. E tudo isso pode se desfazer e desaparecer....agora....ou ainda não...
NO CAMPO.
Ao sol e cercado de cabras que berram. O vento contou a eles. Pitágoras intuiu. O universo é uma corda. Dividindo essa corda fazemos uma harmonia. O universo vibra. O universo é música das esferas. A música é a lingua do tudo. O segredo reside nela.
NA CAVERNA.
Platão intuiu. Nossos sentidos sentem apenas a sombra. A verdade está nas ideias. Dentro de nós está o mundo. Somos aquilo que não vemos. 
NO BOSQUE.
Caímos do céu. Em sete dias tudo foi criado. Deus vive dentro e fora de nós. O Criador está em tudo o que há.  Somos filhos. 
HOJE.
Somos pó. E ao pó voltaremos. Aquilo que eu sou sempre foi. E será sempre. Pó das estrelas. Sou cosmos. 
XAMÃ. 
Eu posso ir para outros mundos. Mas deles não posso falar. Posso sentir, posso até desenhar, mas não falar. Posso cantar. Mas não falar. Em mim, bem dentro, há fagulhas que estiveram na nascença de tudo. E que estarão sempre. Eu sou o infinito. 
Infinitamente pequeno. Infinitamente infinito. Afundo em mim e descubro mundos. Vou para fora de mim e reencontro universos. 
As cordas vibram e todos os poetas sempre souberam.
As coisas caem e todas os deuses sempre existiram.
A vida TINHA de ser criada, e nós sempre soubemos.
Além não ao nada. Porque o nada também é. 

SOBRE SENTIMENTOS E A SOMBRA- JUNG

  Eu estava na Cultura e então um livrinho surge em meu caminho. Um sinal? Não posso o ignorar. Pois eu estava lá para comprar, talvez, uma biografia ou um livro de viagens. Andando por essas sessões eis que deslocado estava esse livreto. Alguém pegou em outro andar e o deixou jogado em meio aos best-sellers. SOBRE SENTIMENTO E A SOMBRA de Carl Gustav Jung. Apenas 75 páginas. Capa preta, novo, a transcrição de 3 conversas que Jung teve, informais, em sua casa na Suiça, já ao fim da vida. A última conversa, eu vejo, foi feita no dia 29 de maio, o dia em que nasci. Well....como não comprar esse bilhete jogado em meu caminho? Ainda mais quando leio na capa de trás: """Viver é perigoso, e caso não seja, a vida não valeu a pena"". Caramba! Isso é Jung ou é algum astro do rock? Compro.
  Isso é Jung, um ato intercalado no absurdo da vida. Sentido dentro do acaso. Deus nas entrelinhas. Logo leio, no dia seguinte, um belo domingo, "" Não recuse o que se depara com voce na estrada. Aceite."" Omessa!
  Jung ao fim da vida não fala mais como um médico, fala como um avô sábio. O centro do livro é a seguinte constatação: "" Não pode haver bem sem o mal. O bem sem o mal seria a morte, a não-vida. Viver é pecar. O pecado é necessário para que se encontre o bem. Sem o pecado e o perdão não se encontra Deus. Um homem sem pecado não é humano."" Mas Jung evita habilmente dizer se Deus existe. Ele existe como ideia, como ente histórico, como causador da nossa sociedade, como força central dentro de nós. Nesse sentido, Ele é tão real como o amor, o pecado, a história ou a arte. Existe em nossa mente, e a questão é, Há algo no Universo que não existe como verdade em nossa mente?
  Interessante a afirmação de Jung, a de que todo deprimido ou melancólico é alguém que pecou pouco. A solução, claro que nuca definitiva, para a tristeza é: pecar mais, pecar muito. E depois se redimir.
  Há também toda uma conversa maravilhosa sobre antropologia, em que ele conta dos primitivos da Austrália, que ao perder a libido se recuperam através de todo um ritual com talismãs e totens. A libido sendo transferida para um objeto e sendo recuperada no trato com esse depósito do desejo.
 A maior parte das conversas sendo sobre Cristo e cristianismo, os erros da igreja e a questão central em que se tenta entender o que seja Humano e o que seja Divino. Aí surge a questão da sombra e de como não lidar com ela.
  75 páginas com a voz de um mestre ao preço de 20 reais. Tá de graça!

CLINT EASTWOOD/ CLAIR/ PHILIP SEYMOUR HOFFMAN/ JENNIFER ANISTON/ SIN CITY 2/ VIVIEN LEIGH

   THE PAWN BROKER CHRONICLES ( BUSCA ALUCINANTE ) de Wayne Kramer com Matt Dillon, Brendan Fraser, Elijah Wood, Paul Walker e Vincent D`Onofrio
O começo deste filme, com dois caras conversando abobrinha, lembra pela milésima vez ao Pulp Fiction. E todo o filme vai nessa toada: humor negro, guitarras distorcidas, bastante violência. Com uma diferença, absoluta ausência de talento. Uma salada de um cara que se acha Elvis, um bando de mulheres nuas, uns caipiras toscos, carros feios, e muito sangue. Uma tentativa desesperada de ser cool que se torna apenas uma bobeira tola e vazia. Nada faz sentido e nada tem graça. Uma pena ver alguns bons atores neste lixo. Nota Zero.
   SEM DIREITO A RESGATE de Daniel Schechter com Jennifer Aniston, Tim Robbins e Will Forte.
Dificil não sentir pena de Jennifer. Uma boa atriz perdida nesta tolice atroz. Ela é uma mulher rica e infeliz que é sequestrada por um trio de idiotas. Não é uma comédia, tenta ser um drama. O roteiro é tão imbecil que chega a ser ofensivo. O cinema vai acabar. Nota Zero.
   LADY HAMILTON de Alexander Korda com Vivien Leigh e Laurence Olivier
E eis que encontramos um filme do tempo em que o cinema era coisa de adultos. Acompanhamos a saga de Hamilton, uma mulher inglesa que nos tempos de Napoleão foi da fortuna à miséria. O filme não é bom, é apenas interessante. Vivien está tão linda que consegue nos hipnotizar. Ela é o conceito do belo em forma de ser-humano. Olivier, esposo dela nesse tempo, apenas tem de lhe fazer bela companhia. Ele consegue. O jovem Olivier era um galã perfeito. Nota 5.
   CAVALCADE de Frank Lloyd com Diana Wynyard e Clive Brook
Melhor filme no Oscar de 33 está longe de ser um grande filme. Nem mesmo bom ele é. Tem três problemas que o aniquilam. É um tema muito inglês feito em Hollywood. Segundo, o roteiro tira todo o wit da peça de Noel Coward, um imenso sucesso nos teatros de então. E o mais grave, todos os atores interpretam o filme como se ele fosse mudo. Se voce quiser saber o que seja um tipo de performance antiga, velha, veja isto. O tema é a saga de duas familias inglesas, de 1899 até os anos 20. Guerras e mais guerras. Coward já sentia a proximidade de Hitler, o filme é inerte. Nota 3.
   JERSEY BOYS de Clint Eastwood 
O novo filme de Clint, passou aqui?, surpreendentemente conta a história de Frank Valli, um dos mais bregas cantores do auge do rock`n`roll. A gente sabe que Clint não gosta de rock, e assim ele passa pelo período do filme, 1952-1979, como se o rock jamais tivesse existido. Frank Valli era um cantor romântico na linha de Johnny Mathis. Estranho filme, por causa do meio italiano se parece com um filme de Scorsese. Sem brilho. Não é um filme ruim. Não é mesmo! O seu problema é o tema, pouco interessante. Nota 5.
   O ÚLTIMO CONCERTO de Yaron Zilberman com Christopher Walken, Philip Seymour Hoffman, Mark Ivanir, Catherine Keener.
Oh mais um filme de gente doente! Mais um filme frio, seco, distante, que tenta se passar por arte! Mais um filme jeca que acha que arte significa seriedade e sofrimento. Aff...Ok, todos os atores são excelentes e todos eles têm chance de brilhar. Mas...so what? Nota 4.
  SIN CITY 2 de Robert Rodriguez e Frank Miller com Joseph Gordon Levitt, Bruce Willis, Eva Green, Josh Brolin, Mickey Rourke, Jessica Alba.
Parece uma brincadeira de amigos de 11 anos que adoram sangue. E nem os belos seios de Eva Green valem o filme. Ele é um nada sobre coisa alguma. É tão fake que faz Liberace soar como Liszt. Nada entenderam do que seja filme noir. Nada sabem sobre o que seja ser sexy. Desconhecem a escrita de roteiro. Pior, não têm simancol. Nota Zero.
  O VINGADOR INVISÍVEL de René Clair com Walter Huston, Barry Fitzgerald, Roland Young e Louis Hayward
Uma festa! Baseado em Agatha Christie, o filme fala de onze convidados que hospedados numa casa isolada, vão sendo mortos um a um. Quem é o assassino? Clair foge da guerra e em Hollywood se torna um dos mais encantadores dos diretores. Seus filmes voam. São diversão em alto nível de clima e de performances. Para quem quiser lembrar do que seja cinema popular bem feito e inteligente. Nota 9.
 

O MUNDO DO FUTURO, A ALMA DO PC, GLYN JOHNS E OSCAR WILDE

   Foi Glyn Johns que gravou mais da metade dos discos que eu mais adoro. Era ele que ficava detrás da mesa de mixagem mexendo os botões e olhando aqueles ponteiros dançarem. Glyn estava lá nos melhores discos dos Stones. Do Who. Estava no Led Zeppelin. Beatles. E depois com London Calling do Clash. Com Plush dos STP. E neste século voce vê o nome do cara em discos que tentam resgatar a sonoridade 60`s.
  É muito dificil escrever sobre som. A qualidade do som, o que diferencia um som de outro som. Falar em graves, em eco, em delay, em ruído pode ser disfarce daquilo que não se consegue expressar. O som de Glyn era diferente, era redondo. 
  Recentemente comparei, com um jovem amigo, o som de Transformer em cd e em vinyl. É outro disco. E eu não sei exatamente onde esse som muda. No vinyl ele parece impar. O som da bateria chia, o bumbo está mais áspero, e o chimbau arranha. O baixo desaparece no cd. Ele no vinyl parece descontrolado. No cd está onde deve estar, subterrâneo. Mick Ronson em cd soa quase convencional. No vinyl ele raspa as cordas e zune. Como disse um amigo meu, músico profissional, no cd voce ganha e perde: fazer um disco é barato, mas o som fica todo chapado, o cd não permite agudos ou graves que extrapolem um certo padrão. Glyn sabia produzir trovões. Os dois primeiros acordes de Led Zeppelin I, Good Times Bad Times provam isso. Em vinyl.
   Paul Valéry disse que não se pode escrever a verdade. Ela sempre escapa. Letras só se prestam a falar do mundo das letras. E, triste isso, pensamos em forma de escrita e quase que sentimos apenas em frases escritas. Quase. Então como falar de música? Como descrever um som? George Steiner dizia que toda arte aspira a ser melodia. Mais que isso, ele dizia que arte verdadeira não nasce na ordem, na paz e na limpeza. Arte surge no kaos, na injustiça e na sujeira. Ele próprio diz que talvez não valha a pena, mas a democracia mata a filosofia. E a falta da filosofia, principalmente da metafísica, destrói a criação artística. O homem democrata sob a democracia pode sentir dor, tristeza e criar boas tentativas, mas não sente o absurdo, o desespero, e a iluminação da arte mais atemporal.
  Glyn Johns foi cantor e ninguém sabia mais disso. Na Londres de 1966, ainda com ruínas de Hitler, ruas de barro e casas sem banheiro, a arte tentou erguer a cara do Kaos e sorrir. Não sei se alguma coisa vai durar até 2200. Mas a coisa foi bela. No close do rosto de Glyn, estranhamente andrógino, a arte está prometendo acordar. Os moleques sujos e fedidos crescidos entre 1940-1960 queriam brincar e esquecer.
  Metafísica. Para Steiner, a filosofia só é verdadeira filosofia quando se embrenha na metafísica. Filosofar é pensar na morte e em Deus. No infinito e na existência. No tempo. Uma coisa irônica está acontecendo, e eu notei isso em minhas limitadas leituras de física, a ciência mais moderna está a seguir, sem querer perceber, os passos da mistica. Mundos paralelos são agora aceitos como possibilidade real. ( E me espanta alguém ainda usar a palavra real ). O tempo é tratado como ficção. E a arte, pobre faminta, está ficando atrás da ciência. Hoje a física parece mais criativa que a arte.
  Nosso corpo é apenas um tipo de tablet. Um receptor e divulgador de informações, memórias, insights que giram pelo espaço afora. O tablet se estraga, fica doente e é jogado fora. Isso não afeta o mundo da internet, que continua a rodar. Mesmo sem a máquina individual. Hoje essa ideia parece bastante comum. Em 1980 seria incompreensível. Como Wilde falava, o mundo segue a imaginação. 
  O desenvolvimento científico dará aval para a religião e a metafísica. No fim dos tempos a cauda da cobra vai tocar a cabeça do bicho. A ciência nos levará ao mais arcaico. Que será o futuro. O mundo é ironia. Borges é o futuro.
  Glyn Johns canta Lady Jane em 1966 na BBC. É 2014 e eu o vejo só porque um técnico criou a internet, o youtube e meu PC. O cantor fala de um mundo de 1800, de Byron e Shelley. E eu o revivifico. No futuro um homem verá isso outra vez. E a imagem será cada vez mais mítica. E Lady Jane ainda mais terá status de totem. A referência de uma cultura e de um modo de sentir. O passado cada vez mais futuro, o presente cada vez mais indiferente. 
  Se não destruirmos tudo, e essa possibilidade existirá sempre, será o mundo mais budista que se possa exigir. Plácido. Quieto. Individualista. Voltado para dentro de si-mesmo. E a procura do oculto. Sejamos otimistas.

GLYN JOHNS "Lady Jane" ULTRA RARE VIDEO



leia e escreva já!

MIKE NICHOLS E WHITNEY HOUSTON

    Mike Nichols nos deu algumas das melhores direções de ator da história. E ele só não foi maior porque seu grande interesse não era nem cinema e nem teatro, era essa coisa chamada mulher. Mike foi um Dom Juan. Surgiu na Broadway como um jovem genial e arrogante. Logo foi para o cinema. Virginia Woolf tem alguns dos maiores desempenhos que já vi. Quem não testemunhou o milagre de ira que Elizabeth Taylor nos dá não sabe o que é uma grande atriz. Richard Burton tem seu melhor desempenho nas telas. Uma magia de ódio e de ressentimento sob falso controle. Depois Mike veio com A Primeira Noite de Um Homem, um filme NOVO em seu tempo, e que hoje ainda sobrevive como delicia de invenção e de homenagem à vida. Dustin Hoffman teve a sorte de estar nele. Depois Mike perdeu o interesse. Ficou rico, caiu na gandaia. Catch 22 foi um filme caro e flopou nas bilheterias. É um filme muito interessante. E bem doido. O brilho de Mike surgiu em algumas ocasiões, mas ele deixou de ser central. Sua morte não deixa um vazio porque ele já desocupara seu trono desde os anos 70. Repito as palavra de Forastieri: que o céu o receba com um dry martini. E uma coelhinha da Playboy. 
   Whitney, ao contrário de Mike que deixou um legado que faz o cinema crescer, Miss Houston destruiu a canção romântica americana. Com ela nasce a praga de se confundir cantar bem com exibir trinados e volteios vocais. A música das cantoras, mas também dos cantores, a partir de Whitney se torna fria, profissionalmente vazia. Os brilhos verdadeiros, fraseado, alcance, modulação e principalmente interpretação, passam a ser jogados no lixo. Importa muito mais um grito longo e afinado que a acariciante voz quente e complexa, pessoal de um Otis ou de Marvin. Repare: TODAS as vozes passam a soar iguais. Todas são Whitney.

VOCÊ, O GRANDE TIM MAIA.

   Descendo a rua de terra, um monte de caras e de vozes chegam até mim. As janelas estão abertas e por elas saem sons de choro, de riso, de panelas de pressão em ação. Cheiro de feijão e de bife fritando. Cachorro vadio, moscas, muitas moscas. Uma água suspeita corre rente a sarjeta que ainda é um plano para um dia ser feita. Meus pés em sandálias de couro sentem a dor das pedrinhas pontudas que insistem em entrar debaixo da sola do pé. Gente sobe, gente desce. Olha lá! Da rua dá pra ver a cama de uma tia. A pesada madeira marrom. Uma cama enorme, do tipo que nunca vai poder sair do quarto. E um rádio, pousado na janela, joga para esse céu sem fim uma canção.
VOU MORRER DE SAUDADE!
   Foi devagar. Os negros foram entrando no rádio e tomaram as telas de TV na sequência. Não eram mais negros de cabelo liso e de terninho cinza. Nem os bambas de camisa listrada e chapéu branco. Esses novos negros não choravam e nem faziam piada. Cantavam. E tinham cabelo de preto, voz de preto e raiva de preto. De todos eles ninguém era mais preto folgado que Timaia. Timaia era como eu o conhecia e ele era tão desafiador que eu sentia medo dele. Aos 8 anos eu temia o negão. Hoje, agora, não. 
  EU HAVIA ESQUECIDO MAS HOJE É O DIA DOS SANTOS REIS.
  1971 viu o dominio do negro folgado. Porque ele foi um susto. Um negão que botava toda voz no chinelo. Ouvir Timaia é bom, cantar junto é melhor ainda. O cara trouxe uma mistura de baião com soul music. De Bossa com Yeah Yeah Yeah. Ele vinha de Sam Cooke e de Estácio. O disco, o segundo dele, é curto e direto. Lindo como uma rua de terra cheia de crianças em manhã vagabunda de verão. Janelas abertas pras moscas entrarem. 
  Ninguém usa metais como ele, e no meio tem até um xilofone maneiríssimo! E uma sessão de cordas que antecipa a discoteque. Os violinos sibilam.... 
  E sim, tem a voz. Quente, suada, vagabunda. Uma voz que pode dizer toda bobagem, ela vai soar como lei. A voz surge, sem esforço, e toma conta de todo o espaço. Ecoa na cabeça, combina com a alma, lava tudo com lava de som. Queima. Sexo. 
  Um monte de anos depois este disco continua a esquentar. 
  Mágico ano da MPB.

GEORGE STEINER E A BÍBLIA

   Minhas raízes materialistas me impedem de ler a Bíblia. Lê-la seria como capitular. É estranho, pois eu venho a anos num processo de estudo e de interesse por religião cristã e de epifanias variadas. Mas não consigo me aproximar da Bíblia. Há algo naquele livro que me traz a mente algo que eu não quero ver. Agora não. 
  George Steiner diz que a Bíblia é o maior e o melhor livro já escrito. Todas as histórias de todos os autores estão lá escritas. De Dante a Kafka, de Cervantes a Sartre, tudo está lá. Poesia e drama, lenda e romance, erotismo e o mais profundo pessimismo. Terror insuportável e beleza transcendente. Mas não é disso que desejo falar. 
  O que deixa Steiner confuso é que ele consegue imaginar Dante trancado num quarto escrevendo a Comédia. Consegue, com muito dificuldade, imaginar a mente que pensou o Quixote. Apesar de ser imensamente complexa, a mente que nos deu os pensamentos de Montaigne é uma mente como a nossa. Porém dotada de mais brilho e de mais inteligência. Steiner consegue até mesmo imaginar Shakespeare acordado, preocupado com o final de Lear ou com o que fazer com Falstaff. 
  Mas é impossível imaginar um homem a escrever, a imaginar, a criar o sofrimento de Cristo na cruz. Não há como nossa mente entender uma mente que criou Moisés, Salomão, Jó ou a cena no monte das oliveiras. Isso foge a nosso entendimento do que seja arte ou filosofia. Isso foge até a nossa ideia de loucura ou de delírio. Está além do mundo que conhecemos ou que podemos criar na imaginação. É um texto tão embrenhado em nossa mente que faz parte de nosso modo de existir. Vemos a vida pelos olhos daquele universo. Mas ao mesmo tempo ele nos é completamente estranho.
  E mesmo com esses comentários de Steiner, e antes eu já lera os de Tolstoi, Whitman e Donne, todos em mesmo nível de admiração, mesmo assim eu não posso pegar e ler o livro dos livros. A história que fez com que eu afinal fosse o que sou. Minha familia vinda da Europa, européia desde quando? E antes? Judia? Muçulmana? Bíblica nos três casos possíveis, minha carne meu sangue meus genes, moldados em histórias de David, em milagres de Jesus Cristo, em ensinamentos de Paulo, de Israel, de Ismael, de Canaã... desde 1500, desde 1200, desde quando?  Aqui, em 2010, procurando por um salvador, por uma luz, uma nova vida, uma purificação, salvação. Louvando o Amor. Desde quando?
  Guardo o livro. 
  Um dia.
   Um dia.... 
  

NENHUMA PAIXÃO DESPERDIÇADA- GEORGE STEINER. A GRANDEZA DE UMA PESSOA.

   George Steiner é judeu. E ele jamais nos deixa esquecer isso. Nascido em Paris, em 1929, educado e começando sua carreira de professor em Londres, ele se fez um dos grandes críticos da cultura do século XX/XXI. Lecionou em Oxford e em Harvard. Sua cultura é enciclopédica. Ele vê a cultura do ocidente de dentro do judaísmo. Para Steiner, o Ocidente é filho de Atenas e de Jerusalém. Como pensador refinado, ele nunca afirma a existência ou a não existência de Deus. Seus guias são Kierkegaard, Spinoza, Nietzsche, Marx, Pascal e Kant. Profundamente filosófico, sem medo, ele afirma e duvida, deixando claro todo o tempo que toda a glorificação do texto, da análise, do contra-argumento, da bibliografia, tão caras ao ocidente, têm claras raízes judaicas. O Velho Testamento, a Torá, são modos fundadores de análise textual. Este livro precioso ( olha minha influência judaica dando as caras ), se divide em palestras, teses, capítulos de obras, folhas avulsas escritas entre 1978- 1995. 
  São 21 ensaios em 490 páginas. Dificil escrever sobre seus textos. São tão profundos, tão claros e ao mesmo tempo complexos, que apresentá-los a quem não os conhece é como os desmerecer. Não há como comentar sem rebaixar sua grande altura. O que posso dizer? 
  Posso falar da profunda impressão, impressão que chegou ao quase pavor, da visão de Steiner sobre a beleza, a verdade e a dor de se ser um judeu. Ele consegue, racionalmente, unir a morte de Jesus ao campo de extermínio nazista. E não teme tocar na ferida: Nós odiamos todo aquele que nos chama a atenção para a perfeição possível. Jesus, assim como Sócrates, morre por ser insuportávelmente perfeito. Por cobrar de nós a perfeição da qual abrimos mão. Pessoas assim sempre serão martirizadas. É a explosão da individualidade dentro de um mundo que preza a anônima mediocridade. No caso de Jesus, e esse é um texto que me perturbou, judeus serão perseguidos sempre, mesmo que de forma inconsciente, por terem "" jogado fora a chance de dar ao mundo o reino de Deus. Os judeus negaram Jesus, nunca o aceitaram, e isso faz com que o ocidente veja neles aqueles que optaram pela dor, pela morte e pela desunião.""
  Steiner tem um capítulo soberbo sobre a América. Como pode um país que tem um museu de bom nível e uma sinfônica até no deserto, não conseguir produzir um só filósofo relevante? Não ter um grande compositor, não ter ninguém que se compare a Mann, Joyce, Proust ou Kafka? Um país com centenas de ótimas universidades não produzir um único grande pensador,ou uma grande nova teoria de arte, de filosofia, de politica ou de psicologia.  Steiner lembra que mesmo na ciência, todo grande desenvolvimento teve algum estrangeiro emigrado envolvido.  Sem a mente estrangeira, os EUA se tornam um país cheio de dinheiro, porém pobre de ideias. 
  Ele nos mostra então o porque. E sua tese não faz média com nosso tempo bonzinho. Grandes ideias nascem na pobreza, na guerra, na ditadura, na luta. A sociedade americana, e nisso ""ela pode estar certa""", optou pela democracia e pelo bem da maioria. Acontece que a maioria sempre será incapaz de apreciar ou de entender coisas complexas. Não se ensina numa grande universidade a ouvir Mozart ou a ler Wittgeinstein. Isso nasce com a pessoa. Nos EUA a maioria quer ter museus onde se tenha a POSSE de tesouros europeus, mas onde imperem produtos culturais ralos, simples, fáceis de entender. Mais que isso, é insuportável a um americano, ou incompreensível, a ideia de que uma poesia ou uma sinfonia possam valer mais que dinheiro. Uma vida vivida na pobreza, mesmo que plena de poesia e de filosofia, é uma vida jogada ao lixo. Numa sociedade SINCERA como a americana, que escancara a ganância material da maioria dos homens, a grande arte, que requer solidão, sacrificio e estranheza, se torna uma doença, algo a ser tratado. A Europa, lugar profundamente não-democrático, onde a ideia de genialidade, de beleza na pobreza, do charme da loucura, está arraigada, a obra de arte é vista como parte da vida, coisa cotidiana, normal, privilégio a que se tem direito de usufruir pelo dom SUPERIOR de uns poucos escolhidos. Sim, toda arte e filosofia são aristocráticas. Não existe grande humanidade onde a democracia impera. Eis um paradoxo. A alma só atinge sua plena grandeza na adversidade. Steiner cita a literatura russa sob o jugo dos czares e depois do stalinismo como exemplo de força espiritual. Para ele, grandes pensadores hoje estarão fermentando no oriente, na África, na América do Sul ou na Palestina. 
  Impressiona como esse modo de pensar se afina com o meu. A falta que faz na arte do primeiro mundo de hoje de uma certa sujeira, de algo de profundamente despojado, imperfeito, cruel, injusto e desafiador. A higiene, a organização, a garantia das bolsas de estudo, tudo isso contribui para a construção de uma arte e de um pensamento subjugado, preso, sem desafios.
  George Steiner ainda escreve sobre Kafka, Weill, Husserl, Freud, Marx, Hegel, Péguy...e muito sobre o Velho Testamento. Sócrates, Platão e Jesus de Nazaré. Sempre sob a ótica assumidamente judia. Desse povo escolhido. De gente que pensa sobre o pensamento, escreve sobre a escrita. Desse povo de rabinos que criou o marxismo e a psicanálise, formas de judaísmo revigorado. O mais terrível é que Steiner crê no sacrifício final do povo de Israel. Sua total aniquilação. E crê que nesse momento o mundo perceberá que com Israel se perde o sentido de história, de Deus e de continuidade. Ficaremos orfãos. 
  Ele não nos poupa. Adoramos odiar judeus. Adoramos odiar intelectuais ( que se parecem todos com judeus ), cristãos verdadeiros ( que são filhos de judeus ), marxistas ( que pregam a igualdade do Velho Testamento ), esquisitos ( com sua cara de gente do gueto ). Odiamos todo aquele que não é da tribo. A tribo do comum, do igual, do parecido comigo. 
  Não, não pense em sionismo. Steiner acusa Israel de negar, com seu estado, as leis de Moisés. De não ter aprendido com a Shoah ( o holocausto ). De ser injusto. Desigual. E pouco espiritual.
  George Steiner é o intelectual clássico. Ele perturba. Desassossega. Corrompe.
  Ao fim ele defende Judas. E nisso ele toca em nossa maior ferida... Judas, o judeu, o grande traidor.
  Sem mais palavras. Steiner sabe, assim como eu intuo, que a palavra tudo estraga. Leia.
 

A VIDA ROEU A CORDA E CORREU, MANOEL FOI ATRÁS DELA.

   De primeira vez a gente vê. O tecido claro da janela por onde o sol entra. E o friso de madeira que enquadra o alto da parede. Azul claro. E a brisa bailarina. As coisas voam e a gente voa junto. Folhas. A couve se erguendo da terra, elegante. Alfaces deitando. As penas das galinhas. Flutuam. As unhas garras ciscam na terra e o bico bica. Coelhos saltam. Eu coelheio com eles. Parreiras se esgueiram como cobras. Cobra verde que se parreira entre as folhas verdurosas. Bananeiras conversando com o fim de tarde. Poço. 
   Minhocas saltando dentro dos papos dos patos. Ratinhos de orelhas borrachudas. Gatos chatos. Os canários soltam luz pelo bico. Meu pai beija os canários. Um pai que beija passarinhos. Nuvens sonhando com a noite. A fogueira protesta calorando nossa cara. O universo espia o limoeiro e mamão. Mãe que espalha lençóis brancos sobre o gramado. O universo é todo meu.
   Teia de aranha na janela quebrada. Fendas nas paredes falam de outro mundo. O chão frio chama. As coisas pedem. Elas pedem que eu lhes dê vida. E eu respondo brincando.
   Manoel de Barros sabia bem mais que eu. Mas eu sei o que ele mais sabia que eu. A vida brinca e ela é nos dois, sete anos. Depois a gente brinca com as palavras. E elas serão vivas enquanto a gente lembrar dos dois e sete anos. Porque é assim que a gente respira. 
  Manoel agora é chão. E evapora. Daqui a pouco vai estar na boca das rãs. E na urina dos sapos. Ele deixa as palavras e volta a ser poesia. Eu sei mas não falo não.

RITUAL DE LO HABITUAL- JANE`S ADDICTION

O povo dos anos 80 levou Bowie e Ferry ao limite do pastiche e tudo ficou tão cool que nada mais podia ser cool. O cool virou fake. Todo mundo em 1985 com cara de Bryan, terninhos de David e pensando no 1958 style. 
Mas em Venice, Califórnia, essa frescura nunca deu.  Os caras ignoraram toda essa bobagem e continuaram com Jay Adams ( Voces precisam ver o filme sobre os Z ). Tinha lá o The X. E um filme como Breathless, do Jim MacBride, mostrava que nem tudo estava perdido. E fermentou. De repente essa turma 1985/1987 tava no lixo. No lugar do keyboard era a vez de um baixo estilingado. E as ruas voltaram a zunir. E as cores retornaram. O povo saiu do quarto e foi pra rua e pra praia.
Ritual de Lo Habitual é um dos hinos desse tempo. Desse último renascimento antes do tudo grátis do download que tirou o valor de tudo. Perry e Dave apareceram como dois ogros em 87. Nothings Shocked que eu comprei em 89 avisava mas ninguém levou a sério. Com Ritual eles tomaram o cetro. E o que hoje é banal ( tattoos e piercings, dreads e ganja, latinidad e perigo ) foi colocado no centro da coisa. Adeus paletós Armani. Adeus topetes e sapatos. Agora era todo mundo pelado. 1990. Bom tempo para se ter 18 anos! Revistas, zines, clips, bermudas e esportes. Foi aí que a moda foi tomada pelos esportes 4 ever. Surf, skate, esqui, basquete, futebol.
O disco é um testemunho. É som de malocagem. De molequeiro. Guitarra hendrixiana e bateria marleyense. E a voz de tomado, de duende daimon de Perry. O Lolla viria a seguir. Perry mudou o rock pra melhor. Depois a deprê da bundice voltaria. Mas enquanto o bruxo perryano deu as cartas a coisa foi foda.
Ritual é bom pacas.

JAMES, SLITS, JAMES, COATI, JULIO

Lembrei porque eu era tão maluco nos anos 80.
Dá uma sacada nos videos abaixo e sente. Se voce não pular com James Chance esquece. Voce tá morto cara!
Slits é do caralho!
Thanx Julio.

James Chance & the Contortions - I Can't Stand Myself



leia e escreva já!

I Heard It Through The Grapevine The Slits



leia e escreva já!

Sey Hey Ain't You Heard The News - Coati Mundi /Kid Creole & The Coconut...



leia e escreva já!

james white & the blacks from "Downtown 81" Jean Michel Basquiat



leia e escreva já!

Julio Barroso: Marginal conservador (trailer)



leia e escreva já!

A VIDA SEXUAL DO SELVAGEM- JULIO BARROSO

   Era 1991 e meu amigo de baladas, Percy, aquele que delirava no Satã e fazia amizades eternamente futeis com todos os trapos chiques do mundo, bem, Percy me deu este livro da editora Siciliano ( existe ainda? ). Isso foi em 1991 e em 91 eu estava já bem caseiro, posando de lord dono de terras. Imaginação é uma das realidades possíveis baby.
  Então volto agora mais um pouco, 1984. 
  Esse foi, talvez quem sabe, o ano mais admirável de minha life. Por uma montanha de motivos que talvez eu esteja com preguiça de detalhar. But...nesse ano eu me apaixonei quatro vezes, e só isso faz de qualquer ano uma coisa admirável. Mas houve mais. Descobri escritores, músicos, pintores, uma constelação. E nunca estive tão sedento de inspiração quanto então. Era uma ração de piração inspirada. Tudo de novo que rolava era meu. Eu flutuava de juventude doida. Ousava. 
  Pois foi nesse ano que Julio Barroso morreu. E nas explosões de epifanias que eu vivia, sua morte foi uma construção vulcânica. Julio caiu da janela de seu apto no Jardim América. Pó ? Vai saber...Li isso num jornal de um cara na sala de aula da Fiam. Fazia frio e era junho. Mas, o fato é, quem era Julio?
  Agora é 1981 e é sábado. Saiba que 1981 é o tempo de Gilliard e de Gretchen. E também da genial alegria de Jorge Ben, Cor do Som e do Pepeu. O Brasil, começando a se soltar, vivia o fim do sonho hippie peace and love. Viria em seguida o chic and sex. Mas... Na TV Bandeirantes Nelson Motta apresentava um programa jovem chamado Mocidade Independente. Gravado em sua boate na Faria Lima, nesse programa teve Bowie com Ashes to Ashes. Teve Arrigo Barnabé. Teve Kid Creole and The Cocoanuts. Teve Gabeira. E teve o Júlio. Com as Absurdettes, ele aparecia num cenário neon onde pintava seu rosto magro com baton. Era esquisito pacas, porque a cara dele era de raiva e o gesto de extrema suavidade. O som ao fundo era um tipo de trip dark. Me deu ansiedade. Gelada.
  Na hora não notei, mas eu já conhecia Julio. Desde um ano antes, quando ele esteve na geração de redatores finais da agonizante Revista POP. Na Abril, ela era A revista. Julio escrevia sobre reggae, funk, soul, new wave e novidades africanas em geral. Julio era desbundado. Alucinado. Exagerado. Como eram os ótimos críticos musicais da época. Como eram Zeca, Okky, Ana, Zé Emilio, Valdir. Nomes que a gente lembra até hoje. 
  Dou um salto para agora, novembro de 2014. Aqui está o livro de Julio. Livro que não via desde muito tempo. Estava no fundo de um baú. Protegido. E meio esquecido. Vou desfolhar com voces. Let`s go...
  O livro é em P/B e tem desenhos, meio africanos, um tipo de graffitti, em todas as páginas. O formato é big, retangular. Amigos de Julio escrevem textos sobre ele. O que mais falam é de sua energia, alegria e do monte de ideias que brotavam de sua cabeça. Julio era carioca, e morara em NY, no Caribe e rodara Europa. Fotos que mostram o luxo irrecuperável de 1980. Tem algumas, de Vania Toledo, com Julio, May East, Gigante, Alice, andando em alguma rua madruguenta dos Jardins, que são o fino do extra-cool. Saudades de Teddy Paez....
  Textos escritos por Julio. Me surpreendo. Eu escrevo como Julio. O cara me influenciou pra caramba! Julio-Zeca-Francis, tento, sei que longe deles, tento...Os textos de Julio falam de novidades de então. Música africana, reggae, soul de vanguarda, new wave, jazz experimental, novas bandas made in Brazil. Tem alguns poemas de Julio, letras de músicas, ideias. Ele queria montar um escritório que vendesse ideias. Para quem não as tivesse. Ele adoraria viver a época da intenet. Hoje teria 60 anos.
  Em 1980 Julio formou a Gang 90. Na boate do Nelson Motta, na Faria Lima. Entre aquele monte de peles de tigre fake que lá havia. Julio era DJ lá.
  Aliás o livro tem uma foto do convite da Noite Brasileira de Julio em NY. Em 1979 ele foi DJ por lá. No convite tem Cassiano, Lady Zu, Gerson Combo, coisa fina, todos lá.
  Voltando. A Gang se apresentou num festival de MPB da Globo. E foi vaiada. Isso em 80. Em 83 eles fariam parte da trilha sonora de uma novela da mesma Globo e estourariam. Em 84 Julio partiria. O disco da Gang, o único, que eu comprei na época e ainda tenho, é uma mistura de tudo aquilo que ele ouvia. De Blondie a tribal africano. Reggae a pré-rap. É bom mas tem um grande problema: tem a sonoridade dos discos de MPB da época. A bateria fraca, a guitarra suavizada e todo o foque em cima da voz e dos teclados. Parece fake. Fraco fake. Soft demais...but i like it ! 
  Temos daquela geração os piores. Lulu, Herbert, Roger, Lobão....os melhores se calaram ou se perderam: Ritchie, Marina....Cazuza, Cássia, Renato....e Julio. Nada foi mais trágico que o destino dessa geração. Os medíocres restaram.
  Julio, assim como meu amigo Percy, sempre vai me recordar os Jardins. É o som de um mundo que não mais existe. Então ainda era cheio de silêncio, de escuridão, de sombras e de deslumbramento chique. Percy vive em Curitiba agora, e lá é DJ. Julio foi pra onde vão os poetas eternamente jovens. E eu tou aqui. Apertando teclas e tentando manter vivo o sonho e a luz...
  Postarei alguns clips do sons que Julio amava. Enjoy it. 
  A lição de Julio e de sua geração foi e é: Seja curioso, furioso, chique, sempre!
  
  

UMA AULA DE PAUL VALÉRY

   Valéry em aula na USP. Finalmente uma boa aula! O poeta tenta explicar o que é a poesia. Para isso ele usa o método de Bergson, ou seja, analisa a si-mesmo, sua carne viva. Isso porque se ele ler e analisar os outros ele estará entrando no erro da ciência, irá estudar uma coisa morta, separada de seu funcionamento, de seu agora. Olhando para dentro de si, Valéry pode tentar ver como se processa a coisa, tentar capturá-la em ação.
  A poesia surge como Perturbação. Ela desce sobre a alma e perturba o funcionamento das coisas. Primeira sacada genial de Valéry: As palavras ditas em prosa são como ruídos. Mal as escutamos e mesmo assim as obedecemos. A prosa faz as coisas funcionarem em sua certa expectativa. Uma palavra traz uma ação. Óbvia. No poema a palavra, que na prosa nasce e morre após ser escutada, aspira a viver. Uma palavra é investida de duração ( outro termo de Bergson ). Cada som é uma frase inteira e seu sentido nunca é esgotado.
  Valéry continua e conta que toda poesia é música. Ele anda pela rua e súbito sente uma perturbação. Tenta traduzir essa sensação em poema. Usa sua técnica para tentar dizer aquilo que parece indizível. Tenta ser músico sem instrumentos, sem cantar, sem som, escrevendo. Daí vem mais uma afirmação de gênio: Poesia é sempre impossível, pois, como disse Nietzsche, ao falar sobre um sentimento o matamos. Mas Valéry vai além, tentamos eternizar um momento, e nesse tentar o perdemos. Cabe ao leitor então, buscar rememorar aquilo que ele, o leitor, NÃO viveu. É aquele que lê que pode, e só ele, colher a dádiva da poesia. Chegamos ao paradoxo, o leitor é mais poeta que aquele que escreve, pois o leitor pode viver o escrito como coisa nova, viva, em movimento. O poeta não, pois ele sentiu e sabe da infidelidade cometida com a sensação.
  A mais bela das frases de Valéry é aquela em que ele diz que o poema é como um grão de sal, que cairá sobre a alma daquele que já tem grãos como esse dentro de si, mas que não sabe tê-los desde sempre. O sal do poema ao cair sobre esse leitor, dá começo a uma evolução dentro do leitor. Ele como que se lembra de algo que nunca viu. Ele reconhece no poema o poema que nunca escreveu. A perturbação do poeta perturba o leitor que tinha dentro de si a perturbação em potencia. Isso a poesia.
  O poeta nada mais é que o agente que leva esse grão àquele que sempre o esperou sem assim o saber.
  Bonito? Mais que isso. Poder.

PALIMPSESTO, A BIO DE GORE VIDAL. COM ELENCO QUE VAI DE KENNEDY À GRETA GARBO, DE TENNESSEE WILLIANS À....JÂNIO QUADROS!

Tenho uma amiga americana. Ela é da velha tradição pentecostal. Ao contrário dos protestantes europeus, os americanos levam a religião muito a sério. O país foi fundado como refúgio religioso. Os puritanos ingleses, perseguidos, foram à América em busca da liberdade. Daí o mito da Terra dos Homens Livres. Uma bíblia sobre a mesa, eles liam, oravam e amavam essa terra sagrada. Gore Vidal é ateu. Mas entende esse caldo religioso ao falar dos Kennedy. Joe, o pai de John, era católico e irlandês. Um chefão mafioso, fez uma fortuna com contrabando, bebida, prostituição e cinema. Comia todas as atrizes dos anos 10 e 20. Seu filho John, culto, foi estudar na Inglaterra, tinha uma ambição sem fim. Seu sonho era vencer a Rússia e ser o presidente do Império Americano. Gore Vidal era amigo de John e de Jackie, a moça de sangue azul que casou com John e foi chifrada ostensivamente todos os dias. John queria a guerra. Kruschev não. Mas desde a segunda-guerra, quem manda nos EUA é o exército. O país vive por suas guerras. A Rússia, fraca, pobre, foi demonizada. Eles morriam de medo dos EUA, mas na América o povo era educado a crer que a Rússia ansiava pela guerra. Kennedy, antes de ser morto pela máfia da Flórida, ele havia quebrado todos os pactos de seu pai, mudara leis. Abria o caminho para o Vietnã. O orçamento militar triplicou em seu governo. E nunca mais pararia de crescer. Quem falasse em educação ou previdência era chamado de comunista. Vidal estudava a Suécia, o bem estar social, o fato de escolas e saúde serem grátis por lá. Mas, a propaganda americana desqualificava a Suécia: eles eram adeptos do amor livre, eram ateus, faziam suicídio, eram infelizes. Eram comunistas.
Gore Vidal estava lá. De sua biografia, nada é mais interessante que o mundo politico. Mundo que caiu cada vez mais até o absoluto vazio de hoje. Bobby Kennedy é pintado como uma besta completa. E Nixon como aquilo que podemos chamar de gênio do mal. Paranóico. Há Rockefeller, Lyndon Johnson, Reagan, os Clinton ( terrivelmente perseguidos e solitários ), seu primo Al Gore, Eisenhower, Roosevelt, o senador McCarthy, Goldwater. E em meio a todos eles, Jânio Quadros! Sim, Kennedy fica fulo com Jânio. Reclama que não há país onde eles tenha intervido menos que o Brasil e agora um idiota joga a presidência no lixo e deixa o caminho aberto para os militares brasileiros, um bando de covardes pidões. Pois é...
A familia Vidal foi centro da vida politica. O avô foi senador liberal, o pai também. O pai, que Gore adora, foi também um pioneiro da aviação. Fundou a TWA. A mãe, Nina, é odiada por Gore Vidal. Invejosa, fofoqueira, dada a se sentir uma mártir. E pelas fotos que vejo no livro, uma das mais belas mulheres do mundo.
O jovem Gore lê muito. E se apaixona pela única vez na vida por um colega. O amor é realizado, mas esse jovem será morto aos 20 anos em Iwo Jima. Durante toda a escrita desta bio, em 1995, aos 70 anos, Gore Vidal recorda seu amor perdido. Ele serve como fio condutor da história. E sabiamente Gore faz de sua bio um retrato de quem ele conheceu e não dele mesmo. Desmistifica certas pessoas ( Churchill era um bêbado burro, qualquer um em seu lugar venceria a guerra com a ajuda americana e uma Alemanha falindo dia a dia ), mas também, sempre com uma escrita aguda e bem humorada, eleva quem merece essa elevação.
Descreve o mundo europeu pós-guerra, sexo barato e farto, felicidade nas ruas, mesmo com a fome de italianos, a construção de um novo mundo que logo seria abortado na guerra fria. Gore lança o primeiro livro gay da América, A Cidade e o Pilar, vira roteirista de cinema, autor de teatro, escreve na TV ao vivo dos anos 50 e volta ao romance em 1962, quando passa a morar em Roma. Roma em 62: alegria, vida livre, gente passeando, beleza. Roma em 1993: crime, sujeira, medo. Muda-se para um casarão à beira de um penhasco, de frente ao Mediterrâneo. Gore Vidal se torna uma figura popular. Um tipo de comentador sobre tudo o que vale ser comentado. Adoro seu texto e amo suas opiniões sobre literatura.
Vidal conviveu muito com Tennessee Willians, Paul Bowles, Anais Nin, Saul Bellow, Christopher Isherwood, Leonard Bernstein, Jerome Robbins, Rudolf Nureyev...Gore fala que o romance, após o cinema e a TV deixou de ser diversão. Passou a ser uma chatice a ser estudado por professores sem imaginação e por estudantes sem paciência. Ele exibe no livro a lista de best-sellers do NY Times de 1964. Em primeiro lugar está Gore Vidal. Depois vem John Le Carré, Ian Fleming, Louis Aunchincloss e Leon Uris. Uma das últimas vezes em que os mais vendidos eram romances para adultos. Em que um romance adulto conseguia vender 3 milhões de exemplares. Daí para a frente, só sexo, exoterismo, biografias, e auto-ajuda. E contos de fadas travestidos de romance adulto. Gore também tem críticas duras à escrita de Heminguay ( seco e sem imaginação ), um autor que deu milhares de frutos ruins. Com Heminguay todo homem metido a macho e que saiba escrever quatro frases duras acha que pode ser um escritor. O romance americano se torna um tipo de confessionário, uma prosa sem aprofundamento, sem invenção, apenas um longo descrever da vida ''como ela é""", o que significa a morte do romance como arte. Até os 20 anos era isso que o jovem Gore queria, mas aconselhado a ler Henry James ele muda. James, e mais Edith Wharton, Stendhal, George Meredith, Anthony Trollope, passam a ser seus modelos. Uma escrita elegante, ferina, dúbia, cheia de cor. Proust também é muito citado.
Gore Vidal diz que o mundo sempre teve, e continua tendo, seus donos. As pessoas verdadeiramente ricas, cultas, e também duras, frias, impessoais. E o tal jet set, os ricos que se exibem, que vomitam poder para as massas, mas que na verdade nada mandam, nada sabem e nada importam. O que ocorre é que esse alto mundo está se misturando com o jet set. O alto mundo tem se empobrecido e o jet set se assanhado. Isso faz com que se antes o poder fosse sujo e delicado, hoje ele seja sujo e grosseiro. A aristocracia morre quando ninguém mais quer servir a aristocracia. Quando todos se acham protagonistas. Esse é o caminho aberto para o vale tudo e a falta de direção. Gore não defende a aristocracia, quem a defende sou eu. Ele apenas descreve um mundo em sua decadência. Kennedy foi o primeiro Jet Setter a se imaginar um aristocrata. Um aristocrata filho de um mafioso. Bela aristocracia!
Poderia falar de tanta mais coisa! As filmagens de Ben-Hur, roteiro de Gore, em que ele e o produtor conseguiram fazer com que Charlton Heston não percebesse que a história era um romance gay entre Ben e Messala. Uma história divertidíssima! Há ainda a firmação de que no cinema dos anos 20 e 30 todos os atores eram gays e todas as atrizes lésbicas. O que chamamos de GLAMOUR é uma atitude gay. Gore foi amigo de Greta Garbo já no exílio da diva, uma presença de carisma absurdo e completamente ""sapata""". Como eram Marlene, Kate Hepburn e Bette. E também Cary, Gary e Powell. Um mundo gay. Que influenciou os heteros de ontem e de sempre. Uma ironia.
Ler este belo livro é como ter uma alegre aula de cultura. Alta cultura e cultura pop. De politica e de história. Uma beleza.
Ler Gore Vidal é como ler o melhor de Paulo Francis. Que bom.

GORE VIDAL

   Então Jack Kerouac chupou Gore Vidal... Estou lendo a bio de Vidal. Uma delicia, só que escrita naquele estilo Gore Vidal, claro. Um tipo de anti-Henry James. Ele diz gostar de James, mas escreve seco. Direto e rápido. Quanta fofoca!!!! E que belo tempo para se viver! 
   Foi ele quem me ensinou, via Paulo Francis, a ver a América. Gore Vidal nasceu numa das familias mais importantes dos EUA. Seu avô foi senador. Cego, ele era um defensor dos índios. Foi difamado pela indústria do petróleo, que ambicionava as terras dos peles vermelhas. Isso em 1909. O pai de Gore foi atleta. Mal casado, sua esposa era uma megera. Vidal foi filho único e nunca teve nenhum problema em assumir sua sexualidade. Para ele sexo é esporte, sem envolvimento. Um caçador. 
   Gore Vidal fala da queda sem fim do país. O mal começou com Teddy Roosevelt e a guerra contra a Espanha. Roosevelt, em 1900, se joga na missão de ""salvar"" o Panamá. Ignora a constituição, que pregava a neutralidade americana, o não envolvimento em assuntos estrangeiros, e nessa guerra desigual leva de brinde Filipinas, Porto Rico e Cuba. Teddy abre a comporta para a ditadura de generais e milicos dentro dos EUA. Desde então, e cada vez mais, a vida americana se baseia na guerra. Seu avô, junto com o presidente Woodrow Wilson tentou resgatar a neutralidade americana e não envolver o país na primeira guerra mundial. Mas não houve como. Desde então não existe guerra sem a presença americana. 
   O melhor do livro está na politica. Gore Vidal foi senador, amigo dos Kennedy e quase foi indicado para concorrer a presidência ( os EUA teriam um presidente gay e escritor. E tão tarado quanto Kennedy, que comia uma mulher diferente por dia. Toda a vida! ).  Se voce acha nossos escândalos indigestos....a politica feita na Casa Branca dá de lavada. Comprar senadores é coisa tradicional. Faz parte da democracia. E tem mais. Gore foi grande amigo da princesa Margareth, da Inglaterra. E ele fala o que todos nós suspeitamos, pouca gente nu mundo é tão idiota quanto a familia real inglesa. Burros, estúpidos, sem vida própria. Ocos como bonecos de pau. Moles e sem vontades. A pior familia real da Europa, não cai graças a Shakespeare. Gore tem bela teoria. Os ingleses, educados com doses cavalares do bardo, realmente acreditam no heroísmo dos reis e principes ingleses. Um rei é para eles algo tão mágico quanto....Shakespeare! A familia real da Holanda, da Dinamarca, da Espanha é muito mais nobre, pura e ativa que a inglesa. Mas será a inglesa a sobreviver sobre todas as outras. 
   Vidal fala bastante de escritores,claro. Foi amigo íntimo de Anais Nin. Que era uma chata e sem talento. Tennessee Willians, que era um caipira, mas, claro, talentoso. Paul Bowles, o melhor de todos. Conheceu também Faulkner, Cocteau, Saul Bellow, Mailer, Roth, o detestável Evelyn Waugh, Forster, Ginsberg, Kerouac, e os músicos Leonard Bernstein, Copland, além de bailarinos, bailarinas, atores.....Truman Capote, o grande mentiroso, está sempre por perto. Aliás há uma foto linda de Gore com Tennessee, Marlon Brando e Truman numa festa. 1948... segundo Gore foi o auge do país. Esbanjando dinheiro, viajando a Europa, morar em Roma custava o preço de um hamburger duplo. Foi o tempo em que a Broadway brilhava com peças de Tennessee e de Arthur Miller, O`Neil, os musicais adultos de Bernstein, de Copland, de Rodgers. O ballet moderno de Martha Graham. De Loring. O cinema ficava mais politico, na Europa, no Japão. Tempo de otimismo, muito otimismo. E de uma absurda fartura.
   Vidal viaja pela Europa em 48/50. Muitos amores. Glamour. E passa a morar na Itália boa parte da vida. Sempre com Tennessee ao lado. Com quem ele nunca teve nada. 
   É um belo livro. De uma das mentes mais privilegiadas de seu tempo. Um observador imparcial, esperto, malicioso, chique, e bastante sincero. 
   Vale muito ler. Sua cultura agradecerá.

GORDON, ELTON, NILSSON E A DOCE AGNETHA.

   Harry Nilsson era o melhor amigo de John Lennon. Entre 1971 e 1975 eles foram inseparáveis. Gravavam juntos, um participando do disco do outro. Seja dito, Nilsson fez sucesso por seu mérito. Era já famoso antes de topar com Lennon em NY. É dele o hit Everybodys Talkin, tema do grande filme Midnight Cowboy. Depois repetiu a dose com Without You, aquele sucesso choroso. Aliás Nilsson era um deprimido. Mesmo nesse clip que postei, a alegrinha Daybreak, a cara dele é de velório.
  Gordon Lightfoot é do Canadá. Terra de The Band, Joni Mitchell e Neil Young. E o Canadá é assim, mais americano que a América. Gordon fez sucesso nos idos de 69/76. Sempre folk. Sempre on the road.
  Preciso falar de Elton? Entre 70/77 ele fez um sucesso digno de beatlemania. É dos raros artistas que pode fazer um show de duas horas só com super hits. Aquelas canções que todos conhecem, dos 8 aos 88 anos, da faxineira ao mestre de filosofia. Como Paul. Me causa surpresa hoje ter causado surpresa em 1976 quando ele disse ser bissexual. Mais bandeira que ele só Barry Manilow. Um gênio. Sempre foi. O Cole Porter de minha geração.
  Eu ainda sou apaixonado por Agnetha. É a lourinha do ABBA. A saga dessa banda é muito fascinante. Em seu auge, entre 1973/1980, o povo do rock os ignorava. Abba não era rock. Esse foi o lado sujo dos anos 70, a segmentação ( nos EUA e Inglaterra. Aqui e no resto do mundo, incluindo Europa continental, tudo era uma bela mistura geral ). Sem solos de guitarra e sem cabelos rebeldes não havia chance de ser levado a sério. Até Elton era olhado com reservas. Assim como o Kraftwerk. Claro que os suecos não eram rock. Eles eram Pop, um maravilhoso pop ao estilo wall of sound de Phil Spector. A praia deles era a mesma dos Beach Boys. Das Supremes. The Miracles. As harmonias vocais, doces, são sublimes como cotton candy e a instrumentação tem aquele estilo "" todos juntos agora"" vigoroso que remete a Motown. E há Agnetha, a triste e doce Agnetha, a do sorriso triste....Uma fada nórdica em meio a banda que embalava bailes bregas e felizes de nossos pais. Doces suecos.
  Enjoy it.