DONEN/ CARY GRANT/ BURT LANCASTER/ AL PACINO/ POWELL/ CAPRA

ARABESQUE de Stanley Donen com Gregory Peck e Sophia Loren
No inicio dos anos 60 foi moda fazer filmes do tipo "mistério-policial-chic". Donen fez em 63 o melhor deles: Charada. Aqui ele tenta fazer um filme tão bom quanto aquele. Infelizmente não consegue ( Pudera! ninguém mais conseguiu fazer outro Charada.) Mas este Arabesque não é ruim. Diverte e é bonito de se ver. Sophia nunca esteve tão perfeita e Peck é sempre ok ( Embora não sirva pra comédia. Suas cenas de humor naufragam ). Stanley Donen é o soberbo diretor que ajudou Gene Kelly a fazer Cantando na Chuva e que depois provou sua maestria com Sete Noivas para Sete Irmãos. Donen sabia dar a seus filmes um toque sublime de leveza, brilho, chique, humor e muita inteligencia. Em 1994 foi homenageado no Oscar e sua dança com seu prêmio é dos melhores momentos da academia. Nota 6.
NIGHTFALL de Jacques Tourneur com Aldo Ray, Brian Keith e Anne Bancroft
Ótimo policial noir. Tourneur foi um daqueles caras que sabia fazer qualquer tipo de filme. O que ele dava a todos os seus trabalhos era senso de ação, clima, e boas interpetações. Este filme tem tudo isso, e mais um enorme fatalismo pessimista. Tudo dá errado para seus personagens vulgares. Uma excelente diversão. Nota 8.
O LADRÃO DE BAGDÁ de Michael Powell com Sabu, June Duprez
Em que pese a maravilha de foto ( Georges Perinal ), o filme é muito irregular. Na verdade Powell dirigiu apenas um quarto do filme. Korda e Whelan dirigiram o resto. Isso lhe dá uma alternancia de ritmos, climas que não evoluem. Mas funciona como fantasia solta e tem seus momentos. Mas não espere demais. Nota 5.
ESTE MUNDO É UM HOSPICIO de Frank Capra com Cary Grant, Peter Lorre, Raymond Massey
Um filme que é todo falho. É a versão nas telas de peça de imenso sucesso. Fala de duas velhinhas que aliviam a vida de velhos solitários: elas matam esses infelizes. Mas a comédia não funciona. O motivo? Todos os personagens são irritantemente histéricos. Mesmo o maravilhoso Cary Grant está fora do tom. Dá para se perceber seu desconforto. Nota 4.
O HOMEM DE ALCATRAZ de John Frankenheimer com Burt Lancaster e Telly Savallas
Baseado em fatos reais. Um homem anti-social, ruim, é preso. Ele odeia as pessoas e idolatra sua mãe ( uma assustadora/edipiana Thelma Ritter ). Na prisão, um diretor passa a persegui-lo ( um odiável Karl Malden ), porque ele não se encaixa em seu plano de prisões ultra-racionais. Por acidente, esse preso cria um canário na cela, e passa, com o tempo, a ser uma das maiores autoridades do mundo em ornitologia. Sem jamais sair da prisão. O filme é muito dificil. Todo filmado dentro das celas, sem sol, sem alegria, nada apelativo. Lancaster está contido, seco, bastante viril e o resto do elenco está a sua altura. Frankenheimer, um dos grandes da época, sabe filmar esse tipo de tema. A câmera testemunha, não julga, mostra e jamais escancara. Não é fácil acompanhar vida tão árdua, mas caraca! Vale muito a pena. Nota 7.
O IMPÉRIO DAS ARANHAS de John Bud Cardos com William Shatner É um thrash fuleiro sobre aranhas que matam e aprontam. É versão pobre de Os Pássaros. Voce se senta e se deixa ver, e de repente se pega gostando. Nota 5.
ANNA CHRISTIE de Clarence Brown com Greta Garbo
Peça de Eugene O'Neill, ou seja, pessimismo ao extremo. Garbo prova mais uma vez ser grande atriz. Faz um papel sem nenhum glamour. Mas o filme, feito no inico do cinema falado tem um enorme problema: seu peso. No começo do falado, os aparelhos de gravação de som eram imensos, isso fazia com que câmera e atores não pudessem se mover. O que temos são longas cenas sem movimento ( isso seria resolvido no ano seguinte ). Chato pacas! Nota Zero.
JUSTIÇA PARA TODOS de Norman Jewison com Al Pacino, Jack Warden e Christine Lahti
No tempo em que o cinema americano era adulto, se fez este filme. É sobre um advogado que tem de defender de processo por estupro, o juiz que ele mais detesta. O roteiro de Barry Levinson mistura drama pesado e comédia louca, funciona e muito. Jewison, diretor engajado, mostra a vida de travestis, pequenos ladrões, julgamentos falhos e escritórios cheios de processos infindáveis. Pacino vai enlouquecendo e sua atuação é das melhores coisas que ele já fez. A explosão que ele sofre no final é das cenas mais citadas pelos jovens atores. Mas há mais: o filme é maravilhosamente rico. Um juiz que tenta se enforcar, um outro fascista, um advogado que enlouquece, um travesti sensível, todos são meio loucos neste filme que parece faiscar em mil direções, mas que jamais se perde. Posso dizer que se voce é daqueles meninos que ainda não descobriram o cinema adulto dos 70, que ainda pensa que Rede Social e Cisne Negro são o máximo...bem, veja este filme e depois a gente conversa. Há aqui uma complexidade fílmica não afetada maravilhosa. E há Pacino. Nota 9.
NESTE MUNDO E NO OUTRO de Michael Powell com David Niven e Kim Hunter
Uma obra-prima. Fantasia pura e poesia soberba em filme que trata de espíritos e anjos sem jamais ser fofo ou lacrimoso. Sério e socialmente nobre, Powell era um gênio. Este filme, diferente de tudo o que voce já viu, é testemunho de alma sem igual. Ver e crer. Nota DEZ!!!!!!
PARALELO 49 de Michael Powell com Laurence Olivier, Raymond Massey e Leslie Howard
Um grupo de nazis, perdidos no Canadá, tentam escapar. Coragem de Powell, o filme, feito durante a segunda guerra, tem nazis como personagens centrais e mostra os alemães como não-vilões. O filme, claro, ataca o nazismo, mas exibe o fato de que os alemães não são todos ruins e mais, que há soldados alemães inocentes. Fora isso, é uma aventura de primeira com deslumbrantes paisagens canadenses. Mais um show de Powell. Nota 7.

FIAM: UM LUGARZINHO MUUUUUITO ESTRANHO...

Ficava em meio a uma zona residencial. Na época, bastante deserta. Choveu muito naquele ano, e estranhamente, só me recordo de dias frios. O prédio era um antigo depósito de um supermercado, e lá dentro nos sentíamos como um tipo de produto perecível. Corredores inclinados, de concreto, labirintos.
Fernando Davino usava gola rulê, blusa justa cor de rosa e devia ter por volta de 102 anos. Muito magro, dava suas aulas de pé, no centro da sala. Amava suas teorias. Ana Teresa deu uma aula de redação em que o tema era O Bolero de Ravel. E ainda havia uma professora de psicologia com óculos fundo de garrafa. Estarão vivos? Aqui eles estão.
Era uma época snob. Tudo parecia aspirar a Londres e New York. E Londres/New York eram Londres e New York. Mas também era o tempo da explosão das marcas de surf no Brasil. Town and Country, OP, Redley, Natura... Então a classe era dividida entre surfistas ( toneladas ), o povo dos jardins e alguns aliens ( eu entre eles ). Nos anos 80 as tribos não se misturavam. Eu tinha de rebolar para andar entre todas elas. Acabava não sendo de nenhuma.
Meninas de cabelo punk e garotos de roupa preta e coturno. Esses eram os veteranos. Ao meu lado se sentou um cara de bigode que espirrou e se encheu de muco ao dizer "Presente!" Aquela foi a última era dos bigodes. Ele virou um brou e estava sempre chapado. Pasmem!!!! Era permitido fumar marijuana dentro da faculdade! Meia sala assistia às aulas chapada. A professora falava "Quietos!" E todos riam sem parar. O líder dos malucos era um cara com rosto do mal. Penso hoje: O que a gente estava fazendo lá? Eu sei o que eu fazia: Me apaixonava. Toda semana....ser garoto não é fácil.....
Festas em lugares com nomes engraçados: Radar Tantam, Pool, Victoria Pub, Rose Bom Bom, Madame Satã. Meu niver foi no Satã. Um desastre! Ninguém se sentiu bem num lugar sujo e sinistro, onde gente vomitava na sua cara e uma moça cuspia repolho em voce. Além de um porão úmido com cheiro de suór e punks querendo surrar quem não fosse punk. Mas as músicas eram ok. Eletro da época, teclados Casio.
Como seriam as amizades se na época existisse o msn? Não usaríamos o telefone e com certeza sentiríamos menos vontade de se ver. Porque a gente se via muito, e quando eu gostava de alguém, eu adorava esse alguém ( mesmo que durasse um nada ).
Snobs... eu pensava ser o novo Heminguay! E tinha amigos que queriam ser um Picasso, um Dior ou um Kerouac... Um dizia sonhar em beber champagne no alto do Empire State e se jogar de lá então.... outra queria comprar um título inglês e se tornar Lady qualquer coisa. Zoomp, Yes Brasil, Soft Machine e Elle et Lui. Um certo clima de deprê fake, deprê bonita, chic.
Amigos...eu não fui um bom amigo. Naquele ano eu estava doido, totalmente doido. Na verdade tinha um distúrbio que depois virou moda ( sempre na vanguarda, Tony Roxy ), síndrome do pânico, amada e odiada síndrome.... Mas eu ia vivendo, aos trancos e barrancos!
Fizemos uma peça de teatro para marcar o fim desse glorioso ano. Uma peça sem texto definido, sem nenhum ensaio e sem palco! Mas fizemos! E nela eu recordo de um Sheriff judeu ( Mel Brooks !!!! ), de índios de sunga cantando Martinho da Vila, de um bandido de preto e botas de bico fino ( eu ) e de uma cena de dança ( eu sempre desejei ser Bob Fosse ). Uma menina elegante tirando fotos, uma outra rindo, um ator de smoking e um frio cruel naquele auditório escondido.
De onde veio tanta coragem? Foi o ridiculo sublime! Grotescamente ousado! Ego- trip sem culpa.
Depois esse elenco se foi, o tempo os levou rumo a erros e, espero, muitos acertos. Outros anos vieram, outras peças menos carnavalescas e outras salas mais quentes e mais homogêneas. Mas aquele foi o ano zero da minha adultês. E daquele primeiro dia, com o cara de bigode e uma súbita paixão pela menina de roxo, até o último dia, com o cara de branco e a paixão pela menina de cabelo liso, ficou um rastro de riquesa e de risos que esse mesmo tempo não apagou, antes, valorizou.
Quem estava lá sabe... mauricio, romeu, giba, baker, ricardo n, fachinni, nelson, roberto, renata, moara, flavia, roberta, patricia, monica, andrea, paula.......

NESTE MUNDO E NO OUTRO- MICHAEL POWELL ( DIRETOR CULTUADO POR DE PALMA, SCORSESE E COPPOLLA...E POR MIM. )

Um dos maiores prazeres de um cinéfilo é ver os filmes de Michael Powell. Com Hitchcock é ele o melhor diretor que a Inglaterra já teve ( David Lean e Carol Reed vêm atrás ). O que mais impressiona em Powell é seu arrojo. Todos os seus filmes são originais, diferentes, arriscados. Ele nunca é hermético, nada tem de intelectual, mas Powell corre riscos, chega perto do grotesco, tange o mal gosto, e sempre vence. É um gênio. Dos cinco maiores que o cinema já possuiu.
Do que trata este filme? De guerra, amor, morte, responsabilidade, das relações entre EUA e Inglaterra, de heroísmo e de ilusão. Ele começa com imagens do espaço sideral ( a foto, deslumbrante, é de outro gênio: Jack Cardiff ), e chega a Terra e então a Inglaterra, em meio a segunda guerra. Um avião está caindo e seu piloto se despede da vida. Mas há um erro e o além se esquece de levar sua alma para o céu. Em cena belíssima, ele acorda na praia e pensa estar morto. Mas não, sobreviveu a sua queda. Na sequencia ele se apaixona por americana, tem seu cérebro operado e recebe visitas de enviado do além que faz o tempo parar. Parece comédia? Pois não é. Parece melodrama? Nunca é. Filme pra chorar? Jamais. Não tem uma única cena feita para as lágrimas. O que é então? Poesia. O cinema de Powell é sempre profundamente poético, não no sentido de "belo" ou de "emocionante", mas sim no sentido de simbólico/sublime/imenso.
Perto do final há um julgamento no céu. Serve para vermos se ele deverá morrer ou permanecer vivo. E o que assistimos é a um surpreendente julgamento da nação inglesa. Irlandeses, Sul-africanos, americanos e russos julgam esse inglês e julgam seu país. É um momento breve, e tremendamente arriscado.
Várias vezes durante o filme me peguei sentindo o mesmo tipo de coisa que sinto ao ver os melhores desenhos feitos hoje. Por que? Porque Powell não teme nunca parecer ingênuo, tolo, infantil. Como ocorre com esses desenhos, ele não tem compromisso algum com o mundo adulto, com parecer adulto, ser artístico ou engajado. Powell filma aquilo que deseja, aquilo que quer dizer e jamais faz concessões ao que seria elevado ou comercial. O fácil não existe para ele.
Quem assistir este filme esperando uma bela história de amor ou um filme sobre almas do além estará comprando gato por lebre. O filme não se parece com nada que voce viu antes. E mais surpreendente: é deliciosamente popular.
Enumerar as Obras-Primas deste diretor é enumerar mais de dez filmes. O que posso dizer é que em 1960 ele destruiu sua carreira ao fazer o filme mais neurótico que já vi: Peeping Tom, filme sobre voyeur assassino que estava vinte anos além de seu tempo. Mas ele ainda conseguiu fazer em 1968 um de meus filmes favoritos: A Idade da Reflexão, possivelmente o filme mais feliz que já vi. Esquecido por toda a década de 60/70, Powell viveu para se ver reabilitado em 1980, graças as homenagens dos diretores citados acima. Casou-se então com a montadora dos filmes de Scorsese e foi premiado em Veneza. Morreu em 1988, aos 82 anos. Feliz.
Para quem dirigiu filmes como: OS CONTOS DE HOFFMAN, CORONEL BLIMP, OS SAPATINHOS VERMELHOS, NARCISO NEGRO e tantos mais, sua vida foi retrato fiel do mundo que retratou.
Michael Powell foi um poeta no cinema. Ele não narrava histórias. Fazia poesia. Como ele, ninguém mais.

O MORGADO DE BALLANTRAE- ROBERT LOUIS STEVENSON

Existem 3 tipos de livros: aquele que voce lê para saber o que acontecerá a seguir. Seu interesse é no enredo e em seus personagens. Existe um outro tipo em que o interesse é na forma como o texto é escrito. O interesse principal é no modo como o autor diz aquilo que será/é dito. E há um terceiro modo. Nele acontece a integração dos dois primeiros modos, ou seja, voce lê interessado nos personagens e ao mesmo tempo nunca deixa de se impressionar com o estilo do escritor. Apenas como exemplo cito Machado de Assis como mestre desse terceiro modo.
O escocês Stevenson é mestre do primeiro modo. Seus livros não são livros da arte da escrita, são histórias bem contadas que nos prendem pelo enredo bem urdido. Aqui acompanhamos a história de dois irmãos, um muito bom, outro muito mau. O modo como eles disputam herança, poder e amor é o cerne do livro. Mas atenção, é livro muito original. Em meio a toda aquela aventura ( piratas, casas frias e escuras, expedições à floresta, tempestades ) há uma fina análise de caráter. O bom filho acaba por nos exasperar, o mau nos seduz por sua esperteza. Ficamos em conflito: de quem gostar? Fato estranho, na verdade todos os personagens são falhos de caráter. Na bondade há muito de odioso. E o mal é revoltante.
A primeira metade do livro é das coisas mais prazerosas que já li. Ação e drama sem parar. E um soberbo clima de tragédia. Depois Stevenson se detém para esmiuçar o caráter da familia. No fim volta a ação. O final é negro, sujo e muito forte. É um livro que mereceu imensos elogios de Borges, Henry James e de Chesterton.
Stevenson foi um aventureiro em vida. Escritor arisco, viajou meio mundo e faleceu de súbito, nos mares do sul. Foi dos primeiros europeus a ver o surf dos reis havaianos. O livro é digno de quem teve tal vida.
Em tempo. Stevenson escreveu Jeckyl and Hyde... não seriam estes dois irmãos faces da mesma alma?

ALGUÉM AINDA OUVE MÚSICA? ( A CRISE ANUNCIADA )

Tem muita gente reclamando: "Ninguém mais escuta um cd inteiro!" Acho que esse povo não sabe o que diz. A molecada deixou de escutar uma música inteira! E qual a novidade? A novidade é a tal da sensação. Vamos por partes....
Primeiro: Elvis não gravava lps. O que ele fazia era juntar um monte de singles e lançar um album. Os fãs ouviam tudo, mas o povão comum queria só os hits. Mesma coisa com Sinatra, Pat Boone ou Chuck Berry. Lp como obra integrada foi coisa artificial criada por Bob Dylan em 1965 com Blonde on Blonde. Vaidade talvez. Mas voce tinha de ouvir os 4 lados do disco duplo para "entender" a mensagem. Logo, todo mundo começou a deixar o single de lado e a pensar em lps. Foi a época mais egotrip da história do pop. Mas deve ter sido muito bom pra eles...
Na era da disco music ( 76/78), o single voltou com tudo, mas os anos 80 ainda são tempo de lps. U2, Prince ou REM pensavam sua música em termos de "encadeamento de faixas". A tecnologia e o culto da sensação mataram isso.
Quando em 1964, Kinks, Yardbirds ou Them lançavam singles e se concentravam só em singles era porque os fãs não tinham dinheiro para comprar lps. Mais: eles se pensavam como moleques fazedores de riffs. Jamais como artistas. Quando o Led Zeppelin lança Physical Graffitti em 1975, eles se enxergam como "mestres" de seu som. Possuem uma mensagem e seus seguidores ansiam por mais e mais e mais. Nesse onze anos ( 64/75), a tecnologia acompanha a ambição, o sentido é de menos para mais, mais ego e mais liberdade de ousar ( mesmo que isso signifique mais chatura, vide Yes ou Gentle Giant ).
Entre 2000/2011, o sentido é inverso, a tecnologia dirige tudo ao rumo do mais para o menos, menos expansão e menos atenção. É a tal cultura da sensação. Explico.
Seja música, seja cinema, o que se procura agora é uma sensação e não uma emoção. Emoção requer preparação e tempo, desenvolvimento de climas e de expectativas, já a emoção vem e vai com rapidez, não necessita tempo, elaboração, e nada deixa de resto. É inofensiva. Esse modo "novo" de usufruir a "arte" é o que faz a glória de filmes como Cisne Negro ( uma coleção de sensações fortes sem sentido nenhum ). E é isso que faz com que a molecada ouça um mesmo riff por todo o tempo. Porque hoje não se escuta nem sequer um single, não se deixou de ouvir apenas um lp inteiro, se deixou de escutar uma canção inteira, ou de se ter paciência para os tempos aparentemente mortos de um filme.
Com seus mp a molecada ouve batidas que se repetem indefinidamente e a graça é sua repetição. Em um minuto a música tem de se resolver e voltar a seu riff original. E é isso: uma constante mudança de faixas que levam sempre à mesma faixa.
Deve ter sido realmente bom fazer lps em 1975 e ter suas dezenove faixas escutadas uma por uma com total idolatria. Eu escutei Physical Graffiti inteiro durante dois meses todos os dias. Mas hoje, quando pego um disco para ouvir me vejo enervado e logo pulando faixa por faixa....
Uma banda jovem hoje tem seu ganha pão nos palcos e só nos palcos. Shows que na verdade são grandes pretextos para azaração e pulação ( alguém ouve com atenção? ). Duvido muito que alguma delas pense em termos de arranjos, encadeamento de faixas ou design de album. Essa época de semi-deuses passou e jamais irá voltar. Gravam-se 3 faixas de trabalho e o resto é enganação. Mais que isso: faz-se uma faixa de clip e as outras duas são mix.
Um momento de choque, de rápida e breve sensação, que se repete ao infinito. A arte hoje é isso.

A ARTE DE AMAR- OVIDIO ( COMO PEGAR MULHER )

Alguma coisa mudou em 2000 anos?
O jovem Ovidio escreve um tratado sobre paquera e sobre sexo e suas dicas são as mesmas que seriam dadas hoje. É isso o que mais impressiona, o encontro dos sexos continua sendo exatamente igual.
Fala de onde encontar as mulheres mais belas ( circo, certas ruas, festas, teatro ), e como saber se ela está disponível. O tipo de abordagem mais indicada ( sempre com humor, mulheres são pegas pelo sorriso ), e como cuidar do visual masculino ( deve-se ser magro, cabelos e barba bem aparada, nada de feminilidades: sem maquiagem e sem pernas depiladas, roupa limpa e bem passada, músculos duros e não exagerados, dentes claros ). A mulher é conquistada por aquele que parecer mais confiante, por aquele que sabe ser desejado, que se sente desejado.
Simples assim. Mas Ovidio avisa: seus conselhos são para os jovens pobres, pois àquele que tem dinheiro basta exibir seu poder.
Na parte final Ovidio se dirige às mulheres. Fala de quais são as melhores posições para o gozo, e ensina a como atrair seu homem. Deve a mulher parecer desinteressada, mas sem jamais desencorajar. Interessante é ele diferenciar o caso furtivo, do namoro: para o namoro é necessário o sofrimento, algo que impeça e adie o livre usufruir dos corpos.
Dica para os homens: quando com sua mulher faça-a sempre feliz. Quando longe, faça-a sofrer. A mulher se apaixona apenas por quem a faz sofrer. Mas deve ser uma dor bem medida, nunca em excesso. Dica às mulheres: se dê sem reservas. Mas jamais seja vulgar.
Ovidio, grande amante quando jovem, na parte final da vida se voltaria para outro tipo de interesse. As Metamorfoses contaria a história dos deuses ( escrito em tempo em que esses deuses já eram passado ). Roma era uma área de flertes sem fim e o grande interesse era seduzir e se deixar seduzir. Nesse jogo, escrito em forma poética mas sem meias palavras, o grande desejo é ser valorizado e ter seu poder reconhecido.
O texto é dos primeiros anos de nossa era. E volto a dizer: mudou o que?

Roxy Music - Mother Of Pearl



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ANDRÉ FORASTIERI E O ROXY MUSIC

Jamais eu esperaria que Forastieri tecesse odes aos Roxy. Mas sim!
Lí ontem isso. Ele escreve sobre uma coleção de rock, encartes de jornal com cds, que ele foi incumbido de escrever, e que deu em nada. A foto que ele usa para ilustrar esse texto é do Roxy. Ferry, Eno, Manzanera, MacKay e Thompson em 1973. E André diz: "Uma história do rock sem o Roxy Music é inimaginável. Por isso os coloquei no começo deste post."
André Forastieri no começo dos anos 90 era o cara dos escritos sobre rock. Texto de fã, cultura de jornalista sério. Mas nunca pensei que ele gostasse do Roxy. O que me leva a dizer que existem certas coisas que têm que acontecer. E que qualquer pessoa que realmente ame música pop ou rock vai um dia topar com os caras de lamê e botas espaciais, os Roxy.
Porque tudo que é feito agora é filho pobre do Roxy. Tudo. De Lady Gaga à bandinha mais obscura da Islandia. O rock será pensado em termos de visual/ironia e glamour decadente. E se falará de amor/festa/beleza. E do romantismo caleidoscópico de uma época que tudo oferece e nada doa. Se repetirá aquilo que o RM já dizia e experimentava, tanto tempo atrás....
Mas, o que é o tempo para uma banda que é maior que o contar de dias e noites?
Ferry é o protótipo de todo cantor que se entrega aos fãs com frio sofrimento e alegre distanciamento. E o som da banda é a mistura de soul/rock e eletrônica que é o que existe agora e desde 1979.
Filhos do Roxy Music, eu vos desprezo a todos.
Roxy Music, eu vos amo.

Holland vs Argentina World Cup 1974



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Holland vs Brazil World Cup 1974



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PARA QUEM QUER SABER DE ONDE VEIO O BARCELONA

O futebol é dividido em AM/DM ( antes de Mitchels, pós Mitchels ). Rinus Mitchels, ídolo de Telê Santana e de Claudio Coutinho, foi o cara que na Holanda dos anos 50, devastada pela guerra, mudou o modo de se pensar o futebol. Ele recolheu das ruas ( já nos anos 60 ) uma molecada que se chamava Crujiff e Neeskens. O resto é história. O Ajax, tri-campeão europeu, fez com que toque de primeira, velocidade e posições não fixas, se tornassem a marca do novo jogo: o futebol total.
Se voce assistir esse video, com alguns momentos de Holanda 2X Uruguai 0 e Holanda 4XArgentina 0, verá tudo aquilo que o Barça faz em 2011 feito em 1974. Do primeiro momento, em que TODO o time holandês ataca a bola em cinco metros de campo, aos toques de primeira no ataque e na defesa, o que voce irá presenciar ( felizmente com boa imagem ) é a maior exibição de futebol da história da bola.
Crujiff foi jogar no Barça depois da copa, e nos anos seguintes se tornou ídolo nos campos e depois no banco, como técnico. Toda a história do clube, desde então, passa pelo modo Holanda/74 de jogar: solto e rápido, posse de bola e marcação em todo o campo.
Eu vi aquilo ao vivo. ( Criança ainda.... ) e lembro de que os bobos chamaram aquilo de pelada e os visionários, de futebol pós-68. Foi uma revolução. Desde então, todos os times que valeram a pena ver ( O São Paulo de Telê, o Flamengo de Coutinho, O Palmeiras da Parmalat, e mais Milan de 89, França e Brasil de 82, Arsenal de Pires, Vieira e Henry ou o próprio Barça, foram todos, mais ou menos, filhos daquele time laranja. )
Assista e babe.

Holanda x Uruguai 1974.wmv



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SEXO É BOM, AMIZADE É MAIS

Existem três valores supremos em nosso mundo-moderno-atual-contemporâneo: juventude, consumo e sexo. Nesse mundo os 3 valores ditos acima estão sempre interligados. Juventude é valor em si por ser produto novo para consumo: nova moda, nova casa, novas idéias ( ? ), novos produtos de arte ( ? ). É a lógica do iogurte aplicada ao mundo inteiro, cremos que tudo tem prazo de validade. Gostamos de uma novidade pelo simples fato de ser uma novidade. A comemos como verdura fresquinha.
Quem cultuar o antigo será desancado ( a não ser que culturar "esse" velho seja uma nova moda ). Assim como parar de consumir é estar fora do mundo "que vale a pena". Essa lógica é a mais óbvia e nem vale a pena falar. Mas o que vale dizer é a coragem que é preciso ter para se admitir que "sexo não é tudo isso". ( Como está na Folha de hoje, 20/06 ).
Ao dizer isso voce ouvirá coisas como:
A- Voce deve ser um fracasso na cama.
B- Voce só esteve com fracassados na cama.
C- Voce não saiu do armário.
Todas essas são respostas que nada dizem, elas falam de dentro do sexo como senhor absoluto. É como discutir o Corinthians com um corintiano. ( Ou palmeirense o Palmeiras etc.... ).
Mas o sexo é garantia de felicidade? Comer todas ou dar muito é felicidade? Cama é tão bom assim? E mais: não é esse o grande tabu? Mais que se dizer ateu ou maconheiro ou comuna, ser do contra hoje não é ser assexuado? Assexuado sem nenhuma imposição religiosa nisso, como falta de fome sexual.
Eu não sou assexuado. Mas sexo, pra mim, nunca foi prioridade. E mais, todos os melhores momentos de minha vida, com mulheres, ou sem elas, foram momentos sem sexo, momentos de AMIZADE. Daí a irritação que senti/sinto toda a vida com essa IMPOSIÇÃO. A ditadura ( que os amigos reforçam sempre e sem saber ) de que ser feliz é comer um monte. Então ninguém é feliz aos 12 anos? Ou aos 70? Então todo playboy é feliz? Feliz na cama, talvez, e fora dela?
Amizade é meu valor supremo. Posso ser absolutamente feliz sem sexo algum, mas fico seco e vegeto sem amizade, sem diálogo, sem a liberdade de se poder expressar o que se é. Sexo é legal. É ok. Tanto quanto pegar uma onda ou marcar um gol. Mas não é O Objetivo da vida. ( Aliás, as pessoas mais tristes que conheço/conheci são todas muuuuito experientes em sexo e nada vividas em amizades ).
Me parece que a liberação sexual nos deu essa armadilha. Hiper valorizar um valor que é parte dos prazeres de se estar vivo, mas jamais O Valor. Como cachorro preso em coleira, que quando é solto sai correndo sem rumo e se esborracha numa avenida, a liberação anos 60 nos deu essa euforia ilusória.
Tá dito.

MEDITAÇÕES - JOHN DONNE

Nasce rico e católico. Torna-se um dos mais famosos poetas metafísicos ingleses. Rompe com a igreja, viaja pelo mar, estuda muito, escreve poemas eróticos. E na parte final da vida, torna-se deão da igreja anglicana. Politicamente ativo. Morre em 1631. Inglaterra de Marlowe, Shakespeare, Ben Johnson, do rei James e de Elizabeth. O momento decisivo da criação de um império. Criação dada pela ousadia, pelo arrojo e principalmente pela união. União de pirataria e comércio, união de monarquia e parlamento, união de religião e pragmatismo.
John Donne escreve estas meditações doente, muito doente. Doença da qual ele se recuperaria. Todos os seus pensamentos fazem então um paralelo entre a doença do homem e a doença da Terra, entre o funcionamento da vida individual e o equilibrio do mundo. Equilibrio que não há, pois Donne diz que viver, estar de pé, é estar pronto para cair. A vida é um estar com medo de adoecer e um estar doente, e o planeta é um corpo infeccioso.
Mas não pense que ler Donne é um sofrimento. Sua escrita é clara, poética, e em seus pensamentos sempre há um outro lado. É nos outros que podemos nos curar. A saúde só pode ser encontrada no cuidado dado pelo outro, a vida só é vida em comunhão. Se no semelhante existe o pecado, é também no próximo que se dá a vitória e a absolvição da dor. É impossível ao homem ser só.
Tolos humanos que nada controlam, incapazes de saber o que virá amanhã, incapazes sequer de saber se irão acordar após dormir. Terra que é o que somos, nosso corpo que funciona e adoece como o planeta funciona e adoece. Vida, que na carne do homem, na natureza ou no céu é sempre a mesma: toda a vida funciona e é constituída em mesma arquitetura e ciência. Nosso corpo é um espelho do cosmos.
Impressiona o modo como a escrita metafísica de John Donne antecipa fatos da ciência. O mais relevante são os pontos no céu que engolem a luz e a vida ( buracos negros? ). Donne diz ainda que nosso corpo é nossa fazenda, que a arrendamos e trabalhamos nela e por ela. Terra que é nossa por algum tempo, mas jamais saberemos se irá nevar ou estiar. Escravos do tempo, segundo Donne, tempo que se constitui de 3 partes que não existem ( o passado morreu, o futuro não existe, o presente passa ao ser percebido ) , mas que mesmo nessa inexistência ele, o tempo, nos faz escravos e nos derrota, sempre.
No mais, várias frases de Donne se tornaram citações conhecidas na cultura inglesa. Frases que encerram muito de fatalismo e muito de ensinamento. Metáforas que sobrevivem.
Afinal, todos sabemos hoje, que cada um que morre, morre em nós, e que todo sino que anuncia uma morte, lembra-nos de nossa mortalidade. Sim, John Donne fala todo o tempo da morte, mas eu juro: não dói o ler.

RENÉ CLEMENT/ HITCHCOCK/ DELON/ BECKER/ KUROSAWA

Semana de clássicos. Aí estão eles....
O SOL POR TESTEMUNHA de René Clement com Alain Delon, Marie Laforêt e Maurice Ronet
Tom Ripley, gatuno de extrema dubiedade criado por Patricia Highsmith, escritora de extremo talento, tem aqui seu retrato definitivo. Matt Damon e John Malkovich também o interpretaram, mas Delon bota os dois no bolso. Damon era bobo demais, fez um Ripley pouco sedutor; Malkovich lhe deu um excesso de perturbação, levou-o a condição de psico; Delon está no ponto certo: alheio a si-mesmo, sedutor delicado, elegantemente cruel. Ripley é o proletário invejoso, falso amigo, que deve levar o playboy Greenleaf, de volta a sua familia. Ripley irá matá-lo e assumir seu lugar. O filme de Minghela era 100% novo rico: tentava ser elegante ostentando dinheiro. Aqui, na absurdamente elegante Itália de 1959, temos o máximo de glamour sofisticado sem nada de brega ou ostensivo. Nas lindas casas de praia, nos objetos de decoração e nas roupas dos personagens temos uma aula de como ser elegante ao infinito. Roma de vias cheias de gente flanando, de mesas à calçada, sol e alegria, troppo bella! O filme, hitchcockiano, prende nossa atenção não só por seu estilo visual ( foto brilhante de Henri Decae ) ou a trilha sonora impecável de Nino Rota; nos prende pela trama sem furos, pelo suspense constante, pelo prazer que temos em observar a esperteza em ação. E pela face de Delon, usando seu dom de parecer sempre perverso e ao mesmo tempo desamparado. O filme tem ainda um dos melhores finais da história: uma construção de climax e de surpresa digna de Hitch. Um final inesquecível em sua ironia e crueldade. Filme atemporal, belo de se ver e intensamente absorvente, é mais um acerto do multi-premiado Clement, diretor de 3 obras-primas eternas. Para ver e rever. Nota Dez.
JAMAICA INN de Alfred Hitchcock com Charles Laughton e Maureen O'Hara
Um nobre inglês do século XVIII é secretamente um contrabandista. Já contratado por Selznick e aguardando sua mudança para a América, o mestre inglês fez este filme às pressas em clima muito ruim. É de seus filmes menos interessantes ( em que pese a excelencia do elenco ). Uma pena... Nota 4
CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO de Alfred Hitchcock com Joel McCrea, Laraine Day, George Sanders e Herbert Marshall
Muito bom filme do mestre. Joel é um repórter americano enviado a Europa para fazer matéria sobre o inicio da guerra. Lá se envolve em trama de espionagem. O filme tem várias cenas sensacionais. Aquela do moinho talvez seja a mais famosa ( mas não a melhor ). O mérito do filme é o de jamais parar, a ação corre todo o tempo, fatos sobre fatos, nada muito lógico, mas quem pede lógica em filme de Hitchcock? O que importa é o clima, a condução de nossa atenção, o brinquedo maravilhoso que é o cinema. Um belo filme! E como é bom ver George Sanders atuar! Nota 7.
A DAMA OCULTA de Alfred Hitchcock com Michael Redgrave e Margaret Lockwood
Fato: este é um dos filmes mais famosos de Hitch. Grande sucesso de sua fase inglesa. Uma velhinha desaparece num trem. Uma moça sabe de seu desaparecimento, mas ninguém crê na existência de tal velhinha. O tema da paronóia à Hitchcock. O filme é delicioso! Filmes em trens sempre são divertidos e este talvez seja o melhor. Lockwood é de uma beleza arrebatadora ( e simples ) e Redgrave ( que é a cara de sua filha, Vanessa ) dá classe e humor ao todo. Puro fun, escapista e rápido, Hitch se diverte e nos diverte muito. Nota 8.
REBECCA de Alfred Hitchcock com Laurence Olivier e Joan Fontaine
O poderoso produtor de ...E O Vento Levou, David Selznick, importou Hotchcock da Inglaterra para fazer este filme. Alfred acabaria voltando à sua terra só em 1972. Este filme, imenso sucesso, é hiper-romantico, gótico, e só se torna 100% Hitchcock nos momentos finais. Mas é um belo filme! Conta a história de um trilionário viúvo que se casa com a simplória mocinha feita por uma exagerada Fontaine. Mas esse casamento será aterrorizado pela lembrança da ex-esposa Rebecca e por uma governanta ( Judith Anderson em ótima atuação ). Joan Fontaine, em que pese sua frágil beleza, tem uma atuação quase caricata. Vê-la ao lado do equilibrado Olivier chega a ser cruel. Ele faz do personagem central uma aula de como ser romantico e econômico ao mesmo tempo. Mas Fontaine comporta-se como em ópera, exagera tudo. Fora isso ( e na época a atuação dela foi elogiada e a dele não ), o filme é digno de seu sucesso. O assistimos com uma estranha sensação de sonho. Todo ele se parece com uma ilusão gótica, mofada, feiticeira. É o menos Hitchcockiano dos filmes americanos do mestre, mas como cinema é obra de competência esmerada. Gigantesco e plenamente bem realizado. Nota 8.
GRISBI, OURO MALDITO de Jacques Becker com Jean Gabin
Jacques Becker... que grande diretor! Eis este filme: um velho gangster quer se aposentar. Um último golpe será tentado. Dará certo? O filme é muito mais: quando Becker dá um close em Gabin, vendo show de strip, vemos a imensa magnitude do filme: é sobre a morte. Gabin está cansado, nada lhe resta a não ser se retirar. Mais: Ele tenta ser nobre em meio ao lixo. Mais: Becker e Gabin sabiam que seu tempo se esgotava, fizeram filme que é ode genial ao fim. Uma elegia. Visualmente o filme é riquíssimo. Boates, aptos, carros, fumaça e putas. Muita grana fácil. Jean Gabin, o mais famoso ator francês, está em seu maior momento. Nunca seu rosto estóico foi tão frio e deseperançado. Becker, diretor dos mais viris, leva tudo com precisão absoluta, o filme não tem erros e não tem nenhum truque. Nada nele tenta ser simpático. O filme é como aquilo que retrata, eis o segredo da perfeição em cinema: dirigir ao estilo do seu tema. Filme fantástico! E além de tudo é dos mais jazz- films já feitos! Nota DEZ!
MAD LOVE de Karl Freund com Peter Lorre
Freund foi grande fotógrafo alemão, mas este filme ( famoso ) de terror é falho, muito falho. Nada a dizer sobre o médico doido que troca as mãos de pianista pelas de um assassino. Lorre está assustador, sempre foi grande. Mas o roteiro é bobo. Nota 2.
OS SETE SAMURAIS de Akira Kurosawa com Takashi Shimura e Toshiro Mifune
Crítica abaixo. Um dos mais famosos e endeusados filmes da história do cinema. Funde arte e diversão à perfeição. Muito ambicioso, ele mudou a história do filmes de ação. Obrigatório para quem deseja conhecer o que seja Um Filme. Que nota dar? DEZ!
A ILHA DO TESOURO de Byron Haskin com Bobby Driscoll e Robert Newton
O primeiro filme ( não desenho ) da Disney ( 1950 ). A Ilha do Tesouro de Stevenson foi meu primeiro livro. Lido ao sol, aos 9 anos de idade. O filme é digno desse livro: bonito e cheio de bons momentos. A fotografia de Freddie Young é lindíssima. Uma bela Sessão da Tarde. Nota 7.

CHARLIE E EU

Eu não choro por Charlie, meu velho cachorro, ter se ido. Choro por mim.
Não tenho a ilusão de pensar que cães são "humanos" ou que pensem e sintam como nós. Não. Eu adoro cães pelo simples fato de eles serem maravilhosamente cachorros.
Eles cheiram mal, são sujos, não têm vergonha, fazem bagunça. São completamente maloqueiros. E é por isso que eu os amo.
Meu Charlie, um meio-boxer totalmente canino, morreu ontem. Acordo hoje e o encontro morto em sua cama. Tinha 11 anos e meio. Era mal-humorado, antipático, preguiçoso e egoísta. Mas eu olho seu corpo frio e penso exatamente isto: sentirei falta de seu cheiro, de sua baba, de sua cachorrozidade.
Chorei, e chorei muito. Por mim. Porque cada vez mais eu percebo que amadurecer é realmente dizer montanhas de Adeus.... Enterrar os mortos.
Caraca Charlie!!!!! Voce podia ter ficado mais um pouco comigo!!!! Que merda!!!!!
O canto dele ficará vazio. O resto é a vida minha que segue...

OS SETE SAMURAIS- AKIRA KUROSAWA, O TEMPO É O ÁRBITRO QUE CONTA

Fazem vinte anos que vi este filme pela primeira vez. Hoje o vejo pela quarta. E penso nessas duas décadas em quantos filmes vieram, causaram sensação e foram esquecidos em seguida. Assisti Os Sete Samurais em 1991 pela primeira vez, numa cópia horrorosa, e mesmo assim o filme me pegou. Feito em 1954, ele causou sensação no Ocidente e lançou várias idéias que logo se fizeram cliché. Até então não se faziam filmes sobre grupos de heróis, não existiam filmes com heróis que eram derrotados ( embora a derrota aqui seja parcial ) e não havia esse tipo de ação vertiginosa. Kurosawa e este filme são até hoje molde de todo filme de ação épica. É estudado quadro a quadro por todo diretor que almeja o ápice.
Em pouco mais de 3 horas, vemos uma aldeia camponesa, no Japão de 1500, ser assaltada por bando de bandidos ferozes. Cansados de sofrer, esses camponeses contratam samurais para os defender. São os sete que se unem e salvam a aldeia. Mas, é claro, o filme é muito mais.
Samurais já se vêem então como raça em extinção. Seu tempo já é passado e eles trabalham por comida. Pior, os camponeses desconfiam deles, não gostam desses assassinos profissionais e nada os une de fato. Apesar do filme ser ágil, leve, às vezes até mesmo cômico, a sombra da tragédia e da solidão paira sobre os samurais. Eles não fazem parte da comunidade.
As cenas de ação são bastante violentas e nada possuem de "heróico". Todas as mortes são feias, cruéis. As pessoas morrem como ratos, aos berros e em agonia. Kurosawa é famoso por ser um mestre em ação, por saber como ninguém usar várias pessoas em ação coordenada, mas sua violência é sempre sem glamour, árida e desajeitada. Kurosawa realmente odeia a guerra.
Cada samurai tem sua personalidade muito bem definida, mas este épico apresenta um show de Toshiro Mifune. Ele faz um samurai palhaço, bruto, sujo, sempre aos berros, com gestos simiescos. É uma criação de coragem, uma criação de originalidade plena. Não bastassem seus outros filmes, este garante o lugar de Mifune entre os quatro ou cinco maiores atores do cinema. Ele brilha e encanta sem jamais parecer querer agradar. Coisa dos deuses.
A mais lembrada cena é a longa sequencia final, feita na chuva e na lama. Ninguém filmava a chuva como Kurosawa e aqui há sua prova. Um diretor menos genial filmaria tudo do alto, colocaria música de ação e faria cortes de plano e contra-plano. Kurosawa não opta pelo fácil nunca. O som é o ruído de galope de cavalos e gritos. A ação é filmada a altura do chão. O que vemos são patas que correm espirrando lama, ouvimos gritos e berros e temos então a sensação de estar na luta em si. Os cavalos correm de lá pra cá, nossa visão é detrás do abrigo, a lama espirra e a chuva escorre. O que ocorre é confusão, mortes feias e o medo em forma de cinema.
Mas o filme não é só isso. Há a procura e escolha dos sete samurais, a aldeia sendo treinada, a floresta e seus riachos, e o final, um dos mais conhecidos e amargos do cinema. Os samurais percebem nada ter ganho, nada terem encontrado e pior, não terem mais lugar no mundo de trabalho e paz do futuro.
Kurosawa, mestre maior ( não consigo pensar em diretor maior, talvez apenas Ford e Hitchcock lhe cheguem perto ), jamais filma fácil. Cada tomada é pensada em seu melhor modo e nunca no mais simples. Mas atenção: nada é feito como exibicionismo. Se toda cena tem seu esmero e seu desafio, tudo gira ao redor da história e jamais ao redor do efeito vazio. A história anda, avança, somos levados para dentro daquele Japão e colocados ao lado daqueles personagens. Esquecemos que há um diretor-gênio por detrás de tudo aquilo. Ele não é o filme, ele faz o filme.
O tempo julga com justiça toda arte. Os Sete Samurais está sempre em catálogo. Garotos de 15 anos o descobrem em 2011. Prêmio maior não existe.

SPINOZA E A ECOLOGIA

Por sermos temporais, individualmente pessoais e conscientes, tendemos a imaginar Deus como um ser no tempo, um ser individual e um ser consciente. E se não cremos Nele, tendemos a crer ser impossível existir um ser que seja atemporal, não-individuo e não-consciente. Nossa mente sómente vê aquilo que por ela é percebido, tudo o que percebemos se dá em sua forma. ( Como a mente do computador que só entende a linguagem binária ).
Na ignorância, os sentidos nos mantém inconscientes de nossa ignorancia. Na ciência, o intelecto nos torna conscientes de nossa ignorancia. Pela sabedoria o intelecto nos livra da escravidão da ignorancia.
Nada na natureza é feito duas vezes. Toda manifestação da natureza é única, pois a natureza/Deus é infinita. Integrar-se ao todo cósmico, essa é a missão de cada um de nós. Mas essa integração não é feita ao modo oriental ( em que a integração se dá pela despersonalização ), aqui a integração se faz sem a perda da individualidade. Não devemos perder nossa individualidade por ser ela obra única. Nada na natureza pode ser desperdício.
Compreender é estar livre ( frase tão cara aos freudianos ), ser livre é ser livre da ignorancia. Conhecer a verdade é estar livre. E para ser livre é preciso estar liberto do que é ignorado.
Ser livre é ser livre do medo e do ódio. Toda prisão é medo e é ódio. Ver a vida como processo eterno. O que faz parte da vida é eterno no processo eterno da vida, na infinita variedade da natureza infinita e incriada.
Ser aliado da vida. E saber que Deus não é a natureza ( pensamento oriental ) mas está com a natureza. Deus não está em tudo, não é tudo. Deus está ao lado de tudo. Enorme diferença: se Ele está ao lado Ele não é tudo. Cabe a nós o livre arbítrio de ver Deus nas coisas e não as coisas em Deus.
A alma é uma potência que ansia por agir. A alma é plena na ação a que é naturalmente inclinada. A potência é a alma. Triste é tudo aquilo que restringe a força da alma. Alegre é o que a afirma em sua potência. Humildade é a ideia de nossa fraquesa. Amor-próprio é a ideia de nosso poder.
Cada objeto desperta o sentimento que lhe é natural. Assim, o amor que lá é despertado não será o mesmo amor que ali é despertado. Cada amor é amor por aquele objeto/ser. Nenhum amor pode ser igual a um outro amor. Como também cada tristeza, desejo ou ódio é peculiar a cada objeto entristecedor, desejável e odioso. Há tantas espécies de alegrias e tristezas como há coisas no mundo.
Existe em toda alma a potência para governar toda paixão. O desejo de cada um é diferente do desejo do outro. A alegria de cada um é diferente da alegria do outro. A tristeza de cada um é diferente da tristeza do outro.
Ao estar nas mãos das paixões o homem deixa de contar com seu livre arbitrio e passa a contar com a sorte. A paixão leva o homem ao acaso, onde o melhor pode vir a fazer o pior. Não existe paixão na natureza, não existe paixão em Deus. Nada na natureza é fora do certo, pois nada é feito com paixão. A natureza desconhece o que seja acaso/sorte. As coisas são em sua certeza e em sua clareza. Quando o homem reclama da natureza ele reclama de sua paixão. A natureza não o atrapalha, não o castiga, não lhe faz favores ou sortes. O homem é que a enxerga assim.
Portanto, nada na natureza é bom e nada na natureza é mau. Mas nela há a perfeição, perfeição sendo a livre manifestação de seu poder, de sua potência.
Tudo que postei acima são muito breves relatos de Spinoza. Uns poucos grãos de seu pensamento. Mas que pensamento! Qualquer dessas sentenças pode ser desenvolvida ao infinito e é isso que define um pensamento correto: ele é potente, leva a novos pensamentos que não o negam, que antes o fazem crescer.
Pego por exemplo o último que escrevi: a livre manifestação de uma potência é o bom na natureza. Um vulcão não é bom ou mau para nós. Não é bom ou mau por sua consequencia. Não é útil ou destrutivo. Não é necessário ou supérfluo. Mas se for um vulcão em plena e livre potência de seu poder "vulcânico", será uma potência boa. Vai daí que talvez o homem seja muitas vezes ( por paixão ) um bloqueador de potências. Um rio que deixa de ser rio, uma ave que se faz cativa ou um andarilho que é impedido de andar. Por inveja, cobiça, ganancia, fazemos de uma floresta um deserto ou de uma criança naturalmente sã uma neurótica. Potências que são bloqueadas para ter sua energia usada em outro canal: eis o mal. Eis a neurose.
A atualidade de Spinoza é surpreendente.

ANTONIO E CLEÓPATRA- SHAKESPEARE, RETRATO DE UMA PAIXÃO?

Antônio foi o último herói. Ele representa aquele tipo de lider que se impõe pelo carisma e pela palavra. Sua linhagem nasce com Alexandre, passa por Julio César e encontra em sua alma a última pegada desse líder hercúleo. Depois de Antônio, como bem diz Harold Bloom, o que vemos são burocratas e gerentes de reis.
Quando a peça começa, Antônio, já em meia-idade, está perdido no Egito, desacreditado, tornado escravo por amor a rainha Cleópatra. Roma se volta contra ele. Todos os cinco atos representam a decadência desse outrora dono de meio-mundo, agora feito animal de estimação, homem que hesita, teme, se desconhece. Vemos sua despersonalização. Antônio sabe não ser mais Antônio.
O texto é surpreendente. Onde esperávamos um drama pesado, lemos comédia, onde achávamos encontrar um casal louco de amor, encontramos um casal entediado. Onde a paixão de Antônio? Onde o amor de Cleópatra? Genialidade do bardo inglês: suas peças são inesgotáveis. Admitem múltiplas leituras. Antônio ama a sí-mesmo via Cleópatra. Embaralha-se nesse amor e quando acuado, precisando voltar a ser o herói, não consegue mais se ver como fora um dia. Se perde e mesmo em seu suicídio demonstra incompetência. Antônio beira o patético.
Cleópatra apaixona-se pelo papel que desempenha na história. E nela o texto se faz pós-moderno. Ela tem consciência de ser ficção, leva o papel adiante por saber ser esse seu destino: atuar no drama de sua vida. Suas falas sempre são auto-conscientes, parecem distanciadas, quase nascem ensaiadas. Mas a peça é ainda mais. Vários personagens vêm e vão, são todos bem definidos, íntegros, não-gratuitos. E vemos em Otávio o futuro do mundo.
Shakespeare acreditava no amor? Impossível saber. Mas é flagrante que aqui é o amor que destrói o homem, que faz de um herói um pateta, e leva uma mulher ao vazio. Shakespeare é sempre realista, o amor infantiliza. Mas o que lhes resta mais?
Gregos sabiam que o amor era uma falha, que amar aquele com quem se deita era ser vulnerável. Sexo sem amor, sempre. Amor aos filhos e aos amigos, nunca ao desejavel. Antônio, romano, falha nisso. Deixa de ser soldado, se feminiliza. Shakespeare exibe por cinco atos o suicidio desse homem. E no magistral ato final, o suicidio de Cleópatra, que não é uma derrota, antes uma afirmação de independencia.
Ler Shakespeare é recordar sempre o quanto podemos ser grandes. Esta peça é um milagre.
PS: Harold Bloom insiste em que só podemos apreciar plenamente o bardo no palco. Suas falas são maravilhosas se lidas, mas são nascidas para a fala. Weeellll.... ele fala da glória de ter visto a jovem Helen Mirren como Cleópatra, a melhor rainha do Egito dos palcos. Mas aqui, em SP, ver isso onde?

GINGER ROGERS/ JAMES WHALE/ OTTO PREMINGER/ RIO/ XAVIER BEAUVOIS

MÃE POR ACASO de Garson Kanin com Ginger Rogers e David Niven


Como ator coadjuvante Niven é excelente, mas não se segura como ator romântico central. Ginger está esperta e sexy como sempre, mas Niven não lhe faz contraponto adequado, além do que, Garson Kanin sempre foi bom escritor, mas nunca bom diretor. Um filme que tinha tudo para brilhar, decepciona. Nota 4.


HOMENS E DEUSES de Xavier Beauvois com Lambert Wilson e Michel Lonsdale


Primeiro uma explicação: eu não escrevo sobre os filmes que desejo escrever aleatoriamente. Escrevo sobre os filmes que assisti naquele período. Portanto, são estes os filmes que vi nos últimos dez dias. Este é um filme que irritará os preconceituosos ( parece ser o caso da Veja, que o taxou de anti-islã ). Bobagem! É apenas um filme que admira a fé e a coragem de religiosos católicos que não abandonam região islâmica onde correm perigo. A França tem essa tradição: é país de imenso ateísmo e ao mesmo tempo é berço do catolicismo mais puro. Beauvois e Bruno Dumont tentam ser os Bresson/ Rhomer de agora. Não conseguem. Digamos que este é um filme simples. E bastante sincero, portanto, corajoso. Só isso. Nota 5.


O RETORNO DE TOPPER de Roy del Ruth com Roland Young, Joan Blondell e Carole Landis


Moça é assassinada e seu fantasma é ajudado por Topper, o senhor simpático e simplório que consegue ver as almas do além. Comédia dos anos 30: ou seja, sem medo de ser feliz. É a terceira continuação do sucesso de 1937. Longe de ser tão divertida quanto a original, mesmo assim é um passatempo agradável. Nota 6.


THE OLD DARK HOUSE de James Whale com Melvyn Douglas, Charles Laughton, Boris Karloff, Gloria Stuart


Que grande diretor era Whale!!!! Para quem não se lembra, é ele o assunto de Deuses e Monstros, o belo filme de Bill Condon. Homossexual assumido e nada discreto, foi ele o criador do Frankenstein original. Aqui ele conta a história de grupo de viajantes que se abriga em casa misteriosa. Lá vivem um senhor misterioso ( e obviamente gay ) uma velhinha hilária e tétrica ( um personagem genial ) e trancafiado num porão um louco piromaníaco ( outra criação genial ). O filme é assustador e ao mesmo tempo é assumidamente hilário. Whale subverte tudo, seu cinema estava antecipando os anos 70. Lembra De Palma e lembra Mel Brooks. Gloria Stuart está sempre em negligé branco, longa, magra e sexy, e Laughton faz um balofo e alegre jovem playboy. O filme, todo feito em casa escura, suja e úmida, é soturno e ao mesmo tempo animado, vivo, alegre, pleno em criação. Para amantes de cinema é uma festa. Nota 9.


A CASA DOS MAUS ESPÍRITOS de William Castle com Vincent Price


Castle era o picareta rei dos drive-in ( cinemas para ver filmes dentro do carro ). Isto é uma bobagem sem clima, sobre festa em casa assustadora. Foi refilmado em 2000. Uma chatice. Zero.


O GATO PRETO de Edgard G. Ulmer com Bela Lugosi e Boris Karloff


Em termos de cortes e angulos de filmagem é de absoluta modernidade. Ulmer, recém vindo da Alemanha, traz o tipo de cinema de Lang e Murnau consigo. Décors cheios de arquitetura modernista ( à Bauhaus ) e figurinos futuristas. Mas há tanto exibicionismo aqui, o clima é tão opressivo ( Nazi ) que assistir a este filme é um quase sacrificio. Nota 1.


CZARINA de Otto Preminger com Tallulah Bankhead, Anne Baxter e Charles Coburn


Lubistch produziu e não dirigiu. Uma pena. Com Lubistch o filme ( sobre a sedução que Catarina, a Grande, da Russia, impõe a tolo soldado patriota ) seria leve e borbulhante. Com Preminger ele é travado. Os primeiros minutos prometem um filme delicoso, graças a excelencia dos diálogos, mas ele emperra nas cenas de sedução. O jovem soldado é feito por ator inexpressivo e chega a dar raiva sua falta de tato. Tallulah, mito do teatro americano, está ok. Preminger foi excelente em policiais e em dramas de denúncia, em comédia lhe falta convicção. Nota 4.


RIO de Carlos Saldanha


Longe da poesia sublime de Wall.e ou da riquesa de Ratatouille, este é mais um bom desenho desta era de bons desenhos. Ter preconceito contra cartoons hoje é não querer ver o óbvio: eles são mais sérios que 99.99999% dos filmes pseudo adultos. Falam do que importa e não têm medo de tentar. São pop e são sinceros. Em 2100, se alguém ainda estudar cinema, os anos 2000 serão lembrados como era de desenhos. Divirta-se!!!!! Nota 7.

LOW......DAVID BOWIE....ENO....IN BERLIN,1977

TODO PALHAÇO DEVERIA SABER. Low é o melhor disco da história ( do pop ).
TODO PALHAÇO DEVERIA SABER. lOW NÃO É POP. nem é rock. é outra coisa.
Cada faixa é um MANIFESTO. poesia sem poética e música. QUE MÚSICA?
PLÁSTICA.plástica. o som é como inumana emoção. QUE EMOÇÃO?
( TODO PALHAÇO SABE ( OU NÃO?): low inaugura toooooooodaaaaaaaaa a música feita desde então: toooooooodaaaaaaaa banda pretensamente moderna bebe neste disco. TODAS ELAS.
MAS DE ONDE BEBE LOW? bebe de roxy e de kraftwerk e de certos sons da américa ( suicide?). MAS LOW É MELHOR QUE SEUS PAIS? ALGUM PALHAÇO SABE?
eno disse a bowie: FAÇA MÚSICA QUE NÃO EXPRESSE NADA. FAÇA LETRA QUE NADA TRADUZA EM EMOÇÃO. mais que isso: pegue suas letras e corte frase por frase: mais que isso:embaralhe essas tiras e as cante. mais que isso.
BATERIA QUE É COMO GUITARRA E GUITARRA QUE É PERCUSSIVA.
ToDO palHAÇo sABe.
LOW É.

David Bowie - Speed of life



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A ROSA SECRETA de WILLIAM BUTLER YEATS ou MINHA DECISÃO DE ESTUDAR INGLÊS

No Brasil não há um só livro de Yeats em catálogo. O que levará incautos a pensar que Yeats é menos importante que Pound ou Eliot. Não. Yeats está para a poesia em inglês assim como Pessoa para a em português, ele é popular e erudito, central. Mas então porque em Portugal tudo de Yeats está em catálogo e nada nas terras tupis? Porque tive de comprar todos os livros em edições portuguesas, preço em euros, e não em edições brasileiras, com boas traduções daqui? Why?
Não sei. A última edição de Yeats é uma coletânea de 1991 !!! Em Portugal em 2010 tudo dele foi lançado. Penso que os portugas talvez compreendam melhor a poesia de Yeats. Coisa de quem vive nos cantos da Europa. Portugal, assim como a Irlanda, tem aquela sensação de viver entre pedras, ao vento, numa terra que ninguém desejou, em meio ao nada e nas bordas do vazio. E não à toa um dos contos deste livro chama-se "ONDE NADA EXISTE DEUS EXISTE".
Sim. É um livro de contos. Yeats recolheu vários contos folclóricos irlandeses e os publicou em 1900. Contos que falam de heróis e de magia. Recolher essa tradição, dar-lhe nova vida, foi a forma do poeta lutar contra a opressão inglesa e contra o racionalismo estéril do seu tempo. Na nota introdutória fala Yeats da maldição que foi para ele ter lido racionalistas ingleses na adolescencia e em como toda a sua vida foi uma longa estrada de retorno à religião.
Estrada de Yeats que é a minha estrada. Sou um homem profundamente religioso, mas não sou um homem de dogmas ou de igrejas. Nomear Deus, dar-lhe voz é para mim negá-lo.
Não consigo entender como alguém pode viver vendo na vida apenas células e luta evolutiva. A verdade não é apenas isso. A verdade é também isso. Mas é muito mais. Mas se voce quiser ser apenas um monte de sangue e ossos, é seu direito. Eu não sou. E entenda, dizendo isso não digo que Deus exista ou não, digo tão somente que a ideia de Deus existe em minha vida diária. Penso em anjos e em deuses: isso me basta. Não me importa se eles são "reais". São tão "reais" quanto são o amor ou o ódio. Os sinto. Me são dados. Vivem em mim.
Quero também dizer que meu ateísmo deve muito a negação de meu pai. Eu sempre precisei ser o oposto de tudo o que ele foi. Se ele era português eu odiaria Portugal e se ele acreditava em Deus ( apesar de odiar padres ) eu não iria crer. Desde de sua morte estou me sentindo livre para experimentar quem sou. Mais que isso: PERDI A VERGONHA DE SER FILHO DE MEU PAI. Me assumo como "purtuguesinho", filho de camponeses, católico, desconfiado e macho. Pedra e secura.
Quero também falar que desisto de estudar francês. Que ficar quatro anos falando de Baudelaire e de Rimbaud não dá!!! Estou cheio dessa coisa tão USP de acreditar que tudo é Merleau-Ponty, Levi-Strauss e Saussure. Em literatura só se fala de Valery, Flaubert e Mallarmée. Caraca!!!!! E Blake? Wordsworth? Se ignora Whitman, se ignora Keats, se ignora Shelley, se ignora Stevens. Chega de francês!!!!!! Eu adoro Yeats, Eliot, Henry James e Joyce. Apesar de Proust e de Stendhal, é da cadência de Shakespeare que sou par. Adeus França, é a língua de Sterne e de Wilde que abraçarei.
O livro de Yeats, creia-me, me fez ver tudo isso. E é para isso que existe a voz poética ( mesmo em prosa ).

UM PRESENTE PARA MEUS AMIGOS

Me recordo de ser muito, muito jovem, e de ler em algum jornal as lembranças de Paulo Francis sobre seus tempos em Londres. O privilégio de ter estado lá, no auge do teatro inglês. Mais tarde em minha vida li a bio de Peter Brook e de Olivier e depois os comentários de Tynan.
Bem meus amigos, aí estão os quatro monstros sagrados da lingua inglesa. Olivier, Gielgud, Richardson e Redgrave. Olivier era o mais versátil, Gielgud o de melhor voz, Richardson o menos pretensioso e Redgrave o mais elegante. Podem olhar e se extasiar com Olivier em Hamlet, Gielgud recitando Shakespeare, Richardson com Keats, e meu momento favorito em atuação masculina no cinema: Michael Redgrave em The Browning Version. Nosso tempo de vulgaridade e de efemeridade tem esse consolo: momentos de gênio preservados para sempre ( mas haverá quem os possa apreciar nesse "para sempre"? ).
Acredite-me, voce é um privilegiado por poder ver estes quatro momentos. Aprecie sem moderação nenhuma.
Ps: Se esses são para Francis os quatro gigantes, ele também escrevia naquele dia distante sobre os peso leve. Atores britânicos de grande talento, mas não geniais: Alec Guiness, James Mason, Rex Harrison e Peter O"Toole. Videos deles em breve.

The Browning Version 1951 The Gift



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MUSICA

Até o inicio do século XIX música não era mais do que a TV é hoje. Toda música. De Monteverdi a Bach, passando por Mozart e Haendel, a música era considerada apenas uma arte utilitária, servia para missas, festas, jantares e para o amor. Nada mais que isso. A literatura e a pintura eram as artes nobres, verdadeiras, e a arquitetura vinha em seguida.
Isso começa a mudar em fins do século XVIII, com a criação da sinfonia, por Haydn. A marca da ambição mundana, do não-utilitarismo começa a aparecer. Seria preciso um deus para dar o passo decisivo. Beethoven.
Beethoven vem como titã. Ele brada sua fé em si-mesmo. A partir dali, o artista produz arte não mais para Deus ou para um rei, ele produz para seu próprio deleite. Mais: ele necessita fazer o que faz. Seu ser clama por expressão. Digamos a verdade: Beethoven, sózinho, mudou o mundo.
Ele cobra para ser ouvido, e ao mesmo tempo, ele tem desprezo pelos burgueses que o aclamam. A música passa a significar tudo: alma, ritmo da vida, sentimento abstrato, potência, mistério. Beethoven não conta histórias, não traduz funções, faz música, mais que isso: faz arte. Arte.
Sua revolução foi tão gigantesca, que no final do seu século, toda arte passa a ser considerada um desejo de ser música. Dessa forma, a poesia vira música, a prosa tentativa de fazer música em narrativa, a pintura um ritmo em pinceladas, a escultura harmonia musical em formas sólidas. Os artistas centrais do mundo, que antes de Beethoven eram pintores como Michelangelo ou Velazquez e escritores como Cervantes e Montaigne, passam a ser compositores. Wagner é o artista central do século e os outros se chamam Brahms, Verdi e Mahler. Com Beethoven arte se torna sinônimo de música. E creia, não era assim.
Seria como se hoje, em 2011, surgisse alguém que transformasse a dança ou o teatro em arte central. Mais que isso, fizesse com que a música, a literatura, se tornassem menores perante a dança ou o teatro.
A TV pensou ( e só pensou ) em ocupar esse espaço. As HQs ambicionaram isso. Por toda a década de 60 havia quem pensasse que o cinema era o centro de todas as artes. Mas não. Música, literatura e artes plásticas continuam em suas posições privilegiadas desde 1800. Arte verdadeira é livro, partitura e quadro. A TV, a HQ e o cinema não criaram seu Beethoven.
Porém, falemos a verdade: a música também não conseguiu criar outro Beethoven....
Dar a uma arte modesta estatuto de "A maior das artes", e fazer com que nessa esteira não só o futuro da música, mas a própria história musical fosse reavaliada ( Bach e Mozart só se tornam Bach e Mozart à luz de Beethoven, após a instituição da música como arte central ). Um deus que abriu caminho para seus descendentes, mas que também iluminou seus antepassados. Eis o gênio de Bonn.
Ps: meu compositor favorito é Mozart. E os outros são Debussy e Ravel. Beethoven, que foi o maior, é contrário ao meu temperamento.

A IMPORTÂNCIA DE SER PRUDENTE- OSCAR WILDE

Interessante observar que o Wilde do Brasil e dos países latinos não é o mesmo da Inglaterra e dos EUA. Por aqui Oscar Wilde é o gótico que escreveu Dorian Gray e o sofredor do Cárcere de Reading. Onde se fala inglês Oscar Wilde significa teatro e humor, acima de tudo humor.
Após Shakespeare é ele o autor mais representado. A dificuldade que apresenta em ser traduzido ( seu humor é baseado em trocadilhos e sotaques ) não é o que explica a raridade de Wilde em palcos tupis. A falta de atores Wildeanianos é o principal motivo. Temos excelentes atores para Tennessee Willians, para Lorca ou Pirandello; não os temos para Bernard Shaw, para Pinter e principalmente para Wilde. O sabor da palavra, o gosto pelo modo de pronunciar, a riqueza de dialogar sobre coisa nenhuma, esse rico teatro de Wilde não é aquilo que mais agrada ou mais dá possibilidades a nossos atores. Somos mais pés-no-chão, Nelsonrodrigueanos, afrancesados Molierineanos e muito noveleiros Diasgomesneiros.
Não temos Michael Redgrave.
A Importância de ser Prudente é sobre nada. Dois dandys e sua ida ao campo. Se fingem ser o que não são para poder casar com duas mocinhas. Fingem se chamar Prudente. O tema é apenas esse, e eu iria trair a memória de Oscar Wilde se começasse a falar do que significa tal enredo. Porque apesar de percebermos todo o tempo que a peça é mais do que é, que tudo aquilo é uma crítica àquilo que tanto glorifica, na verdade o que Wilde mais desejava era mostrar que a arte/vida era puro esteticismo, que a Londres de 1890 era centro de luxo em decadencia e que o sentido de tudo aquilo estava na frase que nada parece dizer e muito subentende. O epigrama Wildeano.
Milhões de páginas podem ser escritas com as frases de efeito de Wilde. Todas "absurdas", infaliveis, agudas. Engenhosamente feitas para não ir de encontro ao senso comum. Dessa forma tudo é dito ao contrário: mentiras mantém a honra de um homem e faltar ao trabalho dá dignidade à vida. Frases que lidas numa terceira vez começam a se mostrar muito mais sérias do que aparentavam ser. Debaixo de todo aquele riso ebuliente do dandy Wilde começa a surgir um leve gosto de desencanto.
O mundo de 2011 não pode ter mais um Oscar Wilde porque produzimos tantos falsos Wildes nas décadas passadas que a forma se desgastou. O humor é hoje mais duro, cinico, violento, explicitamente politico. Oscar Wilde adoraria fazer stand-up ( para se exibir ), mas odiaria o humor do stand-up, o público do stand-up e o próprio nome: stand-up. Vulgar.
Assim como é a arte de Beardsley e de Whistler, os escritos de Oscar Wilde estão presos aquele momento específico. Uma nação em seu momento de esbanjamento, um império que sabia ( com apreensão ) iniciar então sua inexorável descida, decadência "de luxe", empobrecimento em clima de calma e volúpia.
Todos sabem como tudo terminou. Wilde na prisão e a Inglaterra esfacelada em duas guerras. Até hoje, e para sempre, aquela ilha está condenada a chorar e festejar aqueles últimos anos de liderança. Oscar Wilde é um desses últimos suspiros.