ESPAÇO E TEMPO

   Tempo não é espaço. O espaço nós o podemos ver. O espaço nós o medimos. A matemática trata do espaço. Nossa razão, precisando lidar com o Tempo, trata-o como se fosse Espaço.
   Tempo não se mede. O relógio nos engana. A idade nos engana. Envelhecemos, claro, o Tempo existe, é real, mais: o Tempo é a Realidade. Mas ele não passa como se fosse uma reta. O Tempo NÃO PODE SER DIVIDIDO. Não se parte o tempo em pequenas porções. Ele transcorre como Coisa Inteira.
   Não existe no mundo real o Tempo como divisão. É uma invenção, empobrecedora, da razão. Uma confusão entre espaço e tempo. O tempo é ação e a Ação não pode ser repartida. Vamos aos fatos:
   Um atleta corre numa pista. Achamos que podemos dividir sua corrida, que é ação, que é tempo, em frames. Achamos que podemos fotografar a Corrida em divisões de tempo. FALSO. Ao dividir a corrida em frames, em pedaços de ESPAÇO, ela deixa de ser ação-tempo e passa a ser COISA-MORTA. Naquela foto não se acha o movimento, o que se acha é um corpo morto parado no espaço. E mesmo que se grave em filme esse atleta, tudo o que teremos é um pedaço de COISA-MORTA em falso movimento.
  Isso porque a ação só é ação no presente. E o presente JAMAIS SE REPETE. O atleta que correu aquela corrida continua sua ação dentro do Tempo. Ele correu, venceu, acenou, descansou, recebeu aplausos, acenou, bebeu, tudo numa ação indivisível. Não se trata de espaço, é VIDA, e assim é ação no Tempo. Melhor dizendo, é Tempo. E como tal, não pode ser apreendido.
  Ou poderá... A intuição sabe o que ele é e vive e respira dentro dele. Mas a intuição só se faz quando agimos sem nenhuma preocupação com tempo, espaço ou consciência. ( Ação não é apenas correr ou falar. Ação também é pensar, respirar, sonhar, digerir, bombear ). Quando não pensamos em nosso EU e agimos com toda nossa vontade, única e individual, estamos ao lado e dentro do Tempo, e nesse fluir intuímos o que o Tempo é.
  Nosso corpo, instrumento feito para se lidar com o espaço, instrumento que evolui e existe como AÇÃO, é uma espécie de filtro, coisa que recolhe o pensamento e lhe dá direção enquanto represa tudo o que não seja útil para aquela ação.
  Mas isso é assunto de outro post...

Bergson e a reflexão sobre o tempo | Franklin Leopoldo E Silva



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HENRI BERGSON

   Pessoas costumam confundir Tempo e Espaço. O espaço pode ser medido, o tempo não. Pois assim como podemos situar uma coisa e nos situar em um espaço, não podemos situar nada e principalmente a nós mesmos no tempo. O presente se torna passado assim que percebido e o futuro está sempre em um ponto vago no porvir. Não há ponto no tempo. Nem reta e nem espaço.
   Dentro do nosso ser mais profundo sabemos que a vida é movimento. Que estamos sempre em ação. Pensar, sonhar, querer, andar, fazer, tudo é ação. E o tempo é vida e vida é liberdade. No mais profundo eu a liberdade é plena. Pelo simples fato de que nos modificamos sem parar por toda a vida. Na intuição, que é ação criativa, tomamos posse de nossa liberdade. Fazemos sem pensar, somos sem questionar, vivemos sem querer, essa a liberdade. Ao contrário dos bichos, presos na necessidade, na utilidade de sobreviver, nós fazemos atos sem utilidade, sem necessidade, atos livres.
   Mais além, tentamos, para manter a lógica, crer na objetividade, no objetivismo, na causalidade. Não há causa e efeito no homem. O que fazemos e o que queremos não tem um porque. Ou, dizendo melhor, o que fazemos, nossas ações, são transformações. Mas atenção! Eu não sou um homem que muda. Eu mudo desde sempre. Jamais cheguei ou chegarei a ser.
   Para poder viver em sociedade usamos a memória. Ela nos diz aquilo que fizemos. E assumimos que o que fizemos é o que somos. Uma energia imensa é gasta nessa missão social: manter a ilusão de que se é um ser definido. Manter uma cara, um posto e uma personalidade. Sim, eu sou um indivíduo, mas isso que sou se define em um movimento. Lembro do que fui, mas o que sou NADA deve a esse que fui. Nem mesmo consequência do que fui eu sou. Vou me modificando na vida e no tempo. Parar de mudar é a maior das ilusões.
   Amamos esse ato criativo, a liberdade de agir gratuitamente. Admiramos profundamente quem muda. Superficialmente temos nossa personalidade social. E a maioria de nós crê e quer crer ser isso em totalidade. A maioria não chega a perceber a liberdade que é. Porque nós não temos a liberdade, não somos livres, a liberdade só existe em nós. O homem é a única coisa no universo que é livre. Tudo está preso a leis físicas e apelos da necessidade. O homem cria. Dentro de seu corpo físico, preso, banal, mora o espírito livre, intuitivo, que age e se modifica modificando.
   O Paulo de 1981 nada teria a ver comigo. Lembro dele, conheço ele, mas ele foi. Eu sou. Assim como este bairro, onde nasci, nada tem a ver com aquele que lembro. Nada conheço na verdade. Apenas estou junto no mesmo movimento. Sucessivo. Os atos que fiz não me trouxeram aqui. Não há motivos conhecidos que respondam como e por que estou aqui e sou isto. Apenas o movimento criativo.
  

FILOSOFIA NÃO É ISSO.

    Tive uma pequena discussão com um professor de filosofia do ensino médio. Além de professor, ele é militante do PSOL. Não usarei este espaço para falar mal de alguém que não pode contra argumentar. Mas devo dizer que tem coisas que ficaram bem claras.
    Primeiro o susto que levei ao me defrontar com um verdadeiro comunista. Eles são poucos. Tive contato com 3 ou 4 em toda minha vida e fazia mais de 20 anos que não falava com um. O susto veio do fato de que o discurso não mudou. Ele são superficialmente de Rousseau. Acreditam na bondade inerente a todo ser humano. Menos na bondade dos capitalistas. Para eles, todo homem nasce bom, o capital os torna ruins. Toda a complexidade da vida é reduzida a essa simples certeza. Nisso, são mais simplórios que qualquer religião banalizada.
    Me assombrou também a acusação a mim feita: para ele eu seria um defensor de Alckmin, a prova disso é não o atacar. Pior ainda, para ele a queda de Collor foi justa porque Collor foi eleito graças a edição do debate feito pela Globo. Dilma é inocente. Se ela mentiu nos comícios e na TV isso foi um erro perdoável.
   Ele se diz feliz. A anarquia está se impondo ao país e isso é muito positivo. É preciso destruir. Mais ainda, sim, há mais, ele é incapaz de entender uma coisa chamada Midia, pois entende que a Midia simplesmente força as pessoas a desejarem o mal.
   Acho que não preciso dizer nada, suas teses falam por si. Obviedades, lugares comum e uma sofisticação de pensamento digna de Bolsonaro. Uma mistura esquisita de Franciscanismo, feudalismo ritual, senso de pecado, medo do ouro, e preconceito, muito preconceito.
   E ora veja só, ele ensina!

A MENINA DOS OLHOS DE OURO- BALZAC

   Ufa!!!! É apenas uma novela, uma narrativa curta, com poucos personagens, mas puxa! Como escreve bem esse francês!!! O enredo poderia ser de Oscar Wilde. Um super dandy parisiense, belo, cruel, rico, irresistível e jovem, vê uma moça lindíssima num boulevar em Paris. Ela acaba por se aproximar, e dentro de um palácio gótico, eles fazem amor. Mas há um segredo...e esse segredo leva à morte. O dandy é puro Wilde. Amoral e egocêntrico. Cínico. Ele vive para o prazer. Balzac descreve a Paris pobre no começo da novela, a cidade dos excluídos. Depois fala da cidade dos pequenos burocratas, dos comerciantes e vai subindo nessa escala financeira até chegar no grande capital, no dandy. A narração se concentra então nesse mundo hedonista. O clima se torna gótico, quase de pesadelo e logo estamos absortos. Balzac consegue em poucas páginas nos lembrar Zola, Dickens e o citado Wilde. É acima de tudo Balzac, recheando o texto de toques sutis, de afirmações ácidas, de descrições exatas.
   Ele disputa com Dickens a primazia de ser o primeiro grande autor profissional do ocidente. Seja ele ou não, ele é um dos quatro grandes modelos do escritor potente, dono de talento multiforme, ilimitado, vasto, criador de tipos, de enredos e de moral.
   Impossível não ler Balzac.
   PS: Os outros três fundadores são Dickens, Stendhal e Jane Austen. Eles criam e esgotam um modelo imortal.

ASSEXUADOS

   Mais difícil que aceitar um homossexual ou um pansexual hoje, é aceitar um assexuado. Posso já ver um freudiano ou um sociólogo a dizer que eles são doentes, reprimidos, seres aleijados. Exatamente como os gays eram vistos antigamente. Importante é entender o que eles são e porque tentam se afirmar como tal.
   Conheço bem essa turma. Minha adolescência foi bastante tímida. Não sei se fui um assexuado de vanguarda, um dos primeiros, lá por 1978. Eu comprava revistas eróticas, via filmes de nudez, amava olhar mulheres na praia. Mas ao mesmo tempo eu detestava as baladas com meus amigos. Eles só pensavam em sexo, em putas, em comer alguém; e tudo o que eu queria era encontrar um "grande amor". Até hoje isso me incomoda. Me sinto pressionado a ter sexo, a valorizar a vida sexual, a praticar, a desejar, a ser um homem com várias parceiras. O problema é que detesto a palavra parceira. Odeio a parceria. Fico então num meio termo: nem assumidamente romântico, nem um comedor.
   Pela reportagem que leio, inglesa, claro, homens e mulheres assexuados têm vida sexual, até transam, mas nunca sentem ser essa a prioridade. O que eles querem é carinho, abraço, conversa, sair e viajar, companheirismo. O sexo é visto como ok, mas nada de sublime. Há neles uma saudade da era do romantismo, do platonismo, da vida espiritual. Não são religiosos, quase todos são ateus, mas sentem falta do entendimento entre almas, seja isso o que for. Acima de tudo eles fogem da hiper-sexualidade do mundo moderno. E por isso penso que eles têm um poder enorme de incomodar, de sofrer chacota, de não ser aceito.
   Minha primeira reação é pensar que são todos gays não assumidos.
   Sexo é divertido. Mas está longe de ser uma coisa central na existência. Pode estar nascendo aí uma bem vinda clareza.

AMOR DE PERDIÇÃO- CAMILO CASTELO BRANCO. PORTUGAL E SUA MÁ SINA.

   Ah Portugal Portugal...aqui estão seus fidalgos que jamais pensam em trabalhar. Que não aplicam seu dinheiro em produção. Que vivem de renda, de alugueis e cuja única forma de enriquecimento maior é o casamento. Em pleno século XIX a burguesia lusa ainda vive como na idade média! Nada de indústria, nada de ambição capitalista. Aquele mundinho pequeno, tosco, bobo, de casamentos arranjados, de padres fechados e si, de preguiça abjeta, de tolas emoções. Mundo de uma imensa maioria feita servil, sem vontades, de cabeça baixa, e uma fidalguia esnobe, burríssima, com ares de realeza, com suas intrigas de honra, seus preconceitos de classe, e a preguiça, a preguiça burra que traz o azar. O azar português...
 O romance, enorme sucesso, fala do amor que não se pode realizar. Famílias de posses, inimigas. Tudo termina em morte. Mas nas entrelinhas vemos esse universo, esse mundo mesquinho, vazio, pobre, sem objetivo nenhum. Alma lusa que nada em círculos, cismada, tonta, rancorosa.
 Triste.

SAUDADES DO CINEMA

   Tenho escrito pouco aqui. Ando sem tempo. Mudança de casa, rolos, estudos...
   Vi apenas 5 filmes no mês de abril. Faz anos que não vejo tão poucos filmes. E ontem de noite senti saudades do mundo do cinema.
   Saudades de Marcel Carné e suas sombras, a neblina nas ruas feitas em estúdio. Senti falta da cara de Jean Gabin, dos sobretudos mal amarrados, dos Gitanes fumarentos.
   Saudades da voz de Cary Grant. Dos décors de suas salas em histórias feitas para entreter. Os longos automóveis azuis e os drinks com gelo.
   Houve um tempo em que Robert Mitchum e Charles Laughton faziam parte da minha vida. E sinto falta do tempo em que a vida era filmada por Howard Hawks. Vida com tempos mortos que eram cheios de alma.
   Sei que dificilmente voltarei a minha rotina de um filme por noite, às vezes dois. As descobertas foram feitas, os deslumbramentos sentidos.
   Mas sinto falta desse amor. Que como todo amor verdadeiro vira saudade, deixa um vazio e a lembrança de alegria.

Peanuts-Theme



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Vince Guaraldi - Joe Cool (Vocal)



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SCHULZ E PEANUTS- DAVID MICHAELIS. QUANDO UM CARTOON CRIOU O FUTURO.

   Todo mundo em 2016 sabe que a característica mais forte de nosso tempo é a infantilidade. Somos velhos narcisistas, olhando e lambendo a vida inteira a ferida que odiamos e amamos ao mesmo tempo. Temos objetos que nos protegem da dor. Temos bonecos. Temos canções tristes. E nosso rosto, principalmente dos "meninos" é melancólico. Queremos colo. E vivemos sós, sempre sós, em nosso quintal virtual. Schulz criou esse mundo em 1950. Artistas, como dizia Shelley, são antenas que percebem as energias do mundo. ( Shelley disse isso com outras palavras ), Schulz conseguiu intuir o futuro. Ele fez isso porque ele foi um de nós antes disso ser comum. Podemos dizer que Schulz estava 50 anos adiantado.
   Ele nasceu na região mais gelada dos EUA, filhos de imigrantes noruegueses. Filho único, cresceu com um imenso sentimento de solidão. O pai era barbeiro. Trabalhava o dia todo, orgulhoso de seu trabalho. A mãe era fria, crítica, distante. Schulz se sentia um nada. Transparente. Sim, ele era Charlie Brown. Depois a mãe morre de câncer quando ele tem 20 anos. E no dia após o enterro ele pega o trem para ir lutar na segunda guerra. Acontece uma surpresa. Schulz, hiper deprimido, faz sucesso na guerra. Vira sargento e comanda um batalhão. Descem na França em 44. Invadem a Alemanha. Talvez seja o tempo mais feliz de sua vida.
   Sempre desenhou. Muito bem. Tinha amigos, mas isolado, passava o tempo desenhando. E lendo. Nunca fez faculdade. Em 1950 começa a publicar os Peanuts. Em 1955 surge o sucesso. Uma surpresa. Uma zebra. Tinha de ser.
   Cartoons em 1950 eram de heróis ou Al Capp. Já havia o quadrinho sério, crítico, mas Schulz criou o quadrinho melancólico. Ele deu voz a crianças tristes. Mostrou que a infância não era feliz. Com o tempo mostrou que nada no mundo era feliz. Sem Schulz não haveria Woody Allen. Nem as baladas folk hippies. Nem o mundo tristinho de hoje.
   No começo Charlie Brown era a tira. Depois Lucy deu nova energia à tira. Lucy era calcada na primeira esposa de Schulz. Brava, nervosa, agressiva. Patty Pimentinha foi a segunda esposa, esportiva, sonhadora, desencanada. Lucy é a mulher dos anos 60. Patty a dos anos 70. E, acima de tudo, veio Snoopy.
   Hoje nos acostumamos, mas Snoopy foi o primeiro bicho de cartoon a pensar. E ele, sozinho, capturou todo o mundo hippie. Virou mania tão grande quanto Beatles ou maconha. Ele era o sonhador, o cara que podia ser aviador, tenista, agente secreto, tudo com a força da imaginação. Snoopy é a liberdade de sonhar, de querer ser, de crer na mente e na fantasia. Foi Snoopy quem deu o salto, foi ele quem criou a moderna indústria do cartoon. De toalhas a anúncios de carros, de posters a discos, camisetas, tudo era Snoopy. Não a toa, em 1969 o módulo lunar foi batizado de Snoopy. Um desenho do beagle foi levado pelo astronauta à Lua. E o acoplamento foi chamado de abraço entre Snoopy e Charlie Brown.
   Schulz criou ainda Linus, o filósofo que tem um cobertor de segurança. ( Diz o livro que Winnicott adorava Linus e escreveu sobre ele ). E com Linus veio a TV em 1965. O especial de Natal, o dia das bruxas, o dia dos namorados. E o mundo. Peanuts se tornam mais conhecidos que Mickey. Tanto quanto a Coca-Cola, o MacDonalds e a GM. Schulz fica muito, muito rico, e sempre infeliz.
   Ele não conseguia acreditar me ser amado. Teve 5 filhos, vários netos, e mesmo assim se sentia só. Surpresa: ele não sabia lidar com crianças. Nunca se sentiu seguro com mulheres. E dava palestras sobre Deus e Jesus.
   Foram 18.000 tiras. Por 50 anos ele fez tudo sozinho. Nunca deixou um assistente o ajudar. Em 1978 viu o começo da geração de seus fãs tentar tomar seu lugar. Primeiro Garfield, que ele odiava. Depois Calvin e Haroldo, que ele adorava. Achava Garfield mal desenhado e uma má influência. Via Calvin como algo de seu universo.
  Schulz morreu em 2000. Milionário, cheio de filhos, admiradores, netos, e milhões de fãs. E morreu achando que desperdiçara a vida, que ninguém o amava, e que nunca fora um artista de verdade. Não percebeu que de todos os símbolos da América eram os Peanuts aqueles que os americanos mais queriam ser. Muita gente quer ser Elvis, James Dean ou John Wayne. Marilyn ou Mae West. Mas todos eles são inacessíveis. Ser Charlie Brown, Lucy, Linus ou mesmo Snoopy não. Todos podem ser. Todos são. Eles sempre estarão lá, no seu campo de beisebol, na escola, no acampamento. No muro se lamentando, olhando a menina ruiva, esperando a Abóbora, voando atrás do Barão Vermelho. Enquanto houver um jovem tímido, um adulto inseguro, um velho saudosista, uma mocinha raivosa, um doidão sonhador, um filósofo perdido...Peanuts é pra sempre.