BACALL

   E Lauren Bacall também parte e o mundo perde muito. Acho que era o último mito vivo. A última pessoa a ter feito parte da Hollywood de sonhos. Filmou com Hawks, com Huston. E foi a esposa de Humphrey Bogart. Era ela que ele chamava de kid. 
  Bacall foi modelo. E aos 19 foi descoberta pela esposa de Hawks na capa de uma revista. De cara ela estreou como estrela. E com Bogey. Se apaixonaram. E casaram. 
  O estilo dela era andrógino. A voz era masculina, a atitude era independente. Ela parecia capaz de levar um homem pra cama. Ela enfrentava Humphrey Bogart cara a cara. O que ele fazia ela podia fazer. Virou estrela. O cabelo e os olhos, a voz e o jeito de fumar. O assobio. 
  O glamour do mundo, que já estava diminuto, agora está microscópico.
  Adeus Lauren. Bogey a esperou por seis décadas!

ROBIN WILLIANS ( E ZÉ TRINDADE )

   Humoristas nos incomodam. Eles são como amores passados. Amamos e nos afastamos. Amamos porque nos fazem rir. E nos incomodam porque todo humorista pede e exige atenção. Eles fazem tudo para nos capturar. Fazem piadas, caretas, trocadilhos, tocam em feridas, gritam, cantam, dançam e nos pedem: Please! Love Me!!!!
  Essa a tristeza, nem tão secreta, do humorista. Ele precisa se esforçar para ter atenção. Enquanto isso, aquele cara bonito e calado tem toda atenção sem esforço algum. Johnny Depp e Brad Pitt não vão se matar. Robin Willians e Fabio Fanti sim. Porque para humoristas, seja Jerry Lewis, Mussum ou Buster Keaton, tudo está sempre por um fio. Eles brigam com o mundo porque acham que o mundo não lhes dá atenção. E gritam por amor. 
   Eu sempre achei que Jim Carrey seria um suicida. 
   E é tudo tão injusto. Steve Martin, John Candy, Robin, Gene Wilder, todos foram/são grandes atores. Mas o mundo, que os ama, não os leva a sério. Rir, a mais nobre arte, sempre parece vulgar perante o drama. O drama seria mais realista, profundo, verdadeiro. Não é. Uma grande comédia é tão profunda quanto um grande drama. Billy Wilder prova isso. Chaplin provou isso. E não vamos esquecer que 50 anos depois, as comédias do cinema sobrevivem muito melhor que os dramas. Groucho vence Greta Garbo e Preston Sturges é maior que Joan Crawford. 
  Robin Willians foi Popeye e foi um Peter Pan de meia idade. São comédias tristíssimas. Fez uma babá maravilhosa e A Gaiola das Loucas melhor que Michel Serrault. Foi o professor que todos sonham em ter na Sociedade dos Poetas Mortos. Pirou e salvou Bom Dia Vietnã e seu melhor filme é O Pescador de Ilusões. Como acontece com Steve Martin, seu talento merecia mais grandes papéis. Nos últimos anos foi virando ator coadjuvante. E voltou a TV. 
  Humoristas morrem errado. A morte de Chaplin foi errada. Como foi a morte de Costinha, Zé Trindade e Dercy. É errado porque morrer não faz parte de fazer rir. Esse drama não casa bem com quem sempre deu a volta e saiu rindo e dançando. 
  Que Deus salve os humoristas. Gênios que percebem cedo a carência mortal que habita todos nós. Que assumem o vazio e tentam rir desse buraco. E no processo nos dão um presente: O riso. 
  PS: Mario Monicelli. Não posso escrever sobre humor sem citar seu nome.
 

Mingus Dinasty - São Paulo International Jazz Festival 1980



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CUMBIA AND JAZZ FUSION- CHARLES MINGUS E A MINGUS DINASTY

   No meio de 1980 teve um festival de jazz em SP patrocinado pela prefeitura e pela TV Cultura. Vieram Woody Shaw, Chick Corea, Peter Tosh ( eu sei, peixe fora d`'agua ), Etta James e Al Jarreau. E a Mingus Dinasty.
 Essa banda existia para manter viva a música de Charles Mingus. O homem havia morrido em 79 e seu legado estava vivo, vibrante, batendo. Eu voltei de uma festa de família e botei a TV no festival. Era um grupo interessante. Batera e baixo ( Danny Richmond e Charlie Haden ), mais piano, trompete, e dois sax. Começaram a executar Cumbia e Jazz fusion, uma música de 30 minutos. E a coisa me pegou como raras vezes antes. 
  O ritmo. A síncope latina, preta da batida insuspeita. Ritmo vital. Sangue em ebulição. Jazz que vem da selva.
  O piano. Swinga. Me apaixono e fico intrigado. Toda paixão é uma intriga que nunca se desfaz.
  E entra a banda. Big jazz Duke Ellington tromba com a cumbia. 
  Um RAP no meio. Sim, um rap pré-rap. 
  E o fim. Um dos momentos chave: cada um deles cessa sua execução, um por vez, e sai do palco de fininho. Fica só Danny, o ritmo vital, a percussão pulsando, e fim.
  Caralho!!!!!!
  O disco foi ansiosamente procurado e o comprei um ano mais tarde. Foi minha primeira breve fase jazz. Cumbia e Miles. Reouço e revejo. Duca7 !

O GRANDE HOTEL BUDAPESTE, WES ANDERSON

   Tem um livro lindo nas livrarias sobre Wes Anderson. Ele é hoje o diretor mais cool na América. Aquilo que os Coen foram em 2005 e Tarantino em 2010. Leio a lista de seus filmes favoritos e adoro. O number one é MADAME D... filme misteriosamente sensual de Max Ophuls. E ele lança um filme com Ralph Fiennes, F.Murray Abraham e Adrien Brody, atores que gosto. E esse filme se passa na Europa oriental, o mundo de Mahler, Rilke, Lubistch, Ophuls e Wilder. Já gostei do filme antes de ver. 
  E ele começa a pleno vapor. Fiennes dandy, um tipo de glamuroso conciérge de um hotel chic no mundo de Zweig e de Dietrich. O visual é fascinante, o humor fino, o ritmo festivo e os movimentos de câmera fluidos. A câmera valsa. E os cortes são feitos no momento exato. 
  Vejo o filme com gosto. Finalmente Wes Anderson fez seu filme perfeito! Mas...
  Ralph é preso, o roteiro se torna rocambolesco, e inesperadamente o interesse se vai. A valsa acelera, atravessa, perde o compasso. O filme se perde. Desaba. O cenário começa a enjoar e Wes se torna refém de sua inteligência. Ideias demais. Tempo esticado.
  Triste, pois é um bom filme, invulgar, classudo, mas que poderia ter sido uma obra-prima. 
  Tantos filmes feitos hoje têm esse mal. Um começo vibrante e então a derrapada. Começam a rodar e rodar e nosso interesse se dilui. 
  Wes Anderson ainda fará um filme perfeito. E eu queria muito que fosse este. Pena.

Renaissance Can You Understand



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ASHES ARE BURNING- RENAISSANCE

   Todo músico americano, de rock, cedo ou tarde canta country music. E todo britânico cedo ou tarde experimenta sua música de raiz, o folk medievalista. Isso vale para qualquer época.  Nos dias de hoje é muito fácil encontrar essa influência, que muitos chamam de celta, em inumeráveis bandas. E mesmo aquelas que evitam flautas e violões possuem esse espírito, o estilo campestre e cheio de névoas medievais que ecoa em alguns grupos eletrônicos e no modo heavy metal de ser. 
  Nos anos 70 quase todo o rock inglês perambulou pela forma celta. O glitter e os Stones evitaram esse estilo, mas de Led Zeppelin a Genesis, todos mergulharam em sons de bumbos, violinos e sagas sobre elfos e meninas ruivas. Muito lixo foi gravado. Muito lixo. Muito lixo é gravado ainda hoje, em 2014. E continuará sendo. Está na alma dos saxões europeus essa nostalgia Tolkiana. Esse sonho com Arthur e Guinevere. Não existe uma só banda ou cantor americano que tente esse caminho. ( Mas existem ingleses, vários, que tentam cantar como no Tennessee ). 
  A coisa começou, em 65, com a Incredible String Band, que tinha uma radicalidade anti-pop absoluta. Depois vieram o Fairport Convention, Caravan e Steeleye Span. Daí foi incorporado pelo grupo dos progressivos e dos hard rockers. E foi ficando cada vez mais diluído até sumir por uns cinco anos, durante o auge do punk que os detestava. Volta em 1982 e nunca mais desaparece. Há muito dele em Van Morrison, no Roxy Music e no U2. Os canadenses têm revitalizado esse som, assim como os suecos e belgas. 
  O Renaissance foi dos mais mal compreendidos. Para os progressivos ele era considerado muito pop e para o pop era muito complexo. Eu sempre o achei simplesmente bonito. Annie Haslam cantava como um anjo viking e a banda soava como um trio de câmara. Era intimista. Cristalino e muito inspirador. Seu apogeu foi em 1973, com Ashes are Burning. Depois rolou ladeira abaixo. Hoje é nota de rodapé. Mas tem admiradores fanáticos. Cult. Nada cool.
  Ouvir este disco me traz lindas vibrações. E se lindas vibrações é um adjetivo que te irrita, bem, fique longe deste som. Ele é feito de paz e de harmonia. Pós-hippie, é a Inglaterra falida de 1973. Pubs onde se discutia astrologia, Tolkien, Jung e ecologia. 
  Eu gosto.

QUATRO QUARTETOS DANDO FRUTOS

  Dormir e acordar em outro mundo. 
 Essa frase ecoa em mim, dentro de mim. Dormir e esquecer. Não esquecer, ainda saber o que se é e o que se teve. Dormir e acordar em outra praia. Mas não é o mar que conhecemos, é outro mar e outro céu.
 Outro eu que ainda relembra o eu que sou. Em outro mundo de presente e sem futuro, um acordar que é somente rememorar.
 No quintal com varal passa um avião fazendo barulho que assusta. É o mesmo varal e o mesmo avião e até o quintal se repete. Mas não é o mesmo momento, é outro e no entanto não é passado. Muito menos um futuro. 
 Dentro do porão uma aranha tece. Ela tece junto a janela quebrada cheia de pó que se acumula desde anos. O teto baixo pintado de branco e a porta que raspa no chão vermelho desbotado. Umidade. Tudo é conhecido e tudo tem a estranheza de uma primeira descoberta. O porão não guarda lembrança alguma, e nem pode ser considerado desconhecido. Ele é presente.
 Dormir e acordar em outro mundo. Verde e cinza. Frio sem que o frio nos faça desconforto. Mundo de movimentos ensaiados para dentro. Mundo de onde nada pode cair e se perder e onde a destruição cessa e a construção esfria mais que aquece. 
 Nesse mundo de vácuo cheio de possibilidades o tempo se engole a si-mesmo. A areia sobe rumo ao presente. O presente é o destino. Volta.
 Acordar é um futuro. Dormir é um futuro. Mundo outro que não espera. Pássaros de silêncio e folhas de rosas dormindo sobre o papel que crianças recortam e riem. Ao mesmo momento ecoa um recorte de lembrança. 
 A dança existe sem a dançarina. A música é cantada sem o tempo. E a cor respira no escuro. Silêncio. O sono era barulho e fúria. Acordar é silêncio.
 Acordar em outro mundo sendo o mesmo e ao mesmo tempo sendo outro.
 A poesia é pouca.
 Escrevo isto após reler QUATRO QUARTETOS de Eliot.
 Essas imagens saem de mim.
 Essa ideia nasce em mim.
 Faz sentido em mim.
 Poesia é árvore, seiva da terra ao ar.
 Um sim. 

FREYA DAS SETE ILHAS- JOSEPH CONRAD

   Novela é algo muito curto para ser romance e muito longo para ser um conto. Saiu uma coleção de novelas e eu leio este belo texto da fase final da grande carreira de Conrad. O tema é o mais caro ao grande autor polonês-inglês: o fracasso. Belas pessoas com belos futuros que se transformam em patéticos fracassos. Aqui não é diferente. Freya é a filha loura e linda de um pacato dinamarquês vivendo nos mares índicos. Ela é inteligente, prática, dona de um bom senso a toda prova. Seu pai a adora, todos por lá a mimaram, ela é cortejada por um capitão inglês dono de um belo veleiro tinindo de novo. O que pode dar errado?
 Não existe segurança possível na vida. Essa a fé de Joseph Conrad. Tudo pode afundar, uma borrasca pode acontecer, e, acontece sempre. O azar no mundo de Conrad não é uma possibilidade, é uma certeza. 
 E como escreve bem esse bruxo! Só Henry James podia se medir com ele em sua época. E veja que essa é a melhor época da prosa em inglês, aquela que vai de 1870 a 1930. O texto é simples, direto e ao mesmo tempo cheio de sutilezas, de beleza viril, de antecipações que nos deixam em suspense. 
 Vinte reais apenas. Vale muito mais. Ler Joseph Conrad é sempre uma lição.
 

BOB, LE FLAMBEUR/ NOÉ/ MONICELLI/ SAMURAI/ UCHIDA/ AGATHA CHRISTIE/ BURT REYNOLDS

   NOÉ de Darren Aronofsky com Russell Crowe
O mundo do velho testamento encontra a Marvel. Os anjos caídos são personagens Marvel. Mas o Deus de Noé é o Deus vingativo da Bíblia Judaica. Aronofsky continua interessado em teimosia. Todos os seus filmes tem alguém que cai vítima de uma obsessão. Noé é teimoso em sua missão. E o filme se vulgariza com problemas familiares típicos de filmecos dos anos 2000. Um teen quer transar, a mãe defende a prole etc. O final é um belo achado. Ao sentir compaixão pelos netos, Noé adentra o universo da Bíblia de Jesus, o mundo onde o Amor é Deus. Noé dá o salto de Jeová à Jesus. Bonito. Russell é o Charlton Heston que se tem. Sem a nobreza de Heston e sem sua voz bíblica, Russell está mais para bárbaro que para herói antigo. O filme é ok. Aronofsky ao menos se livrou daquela papagaiada pseudo-profunda de Cisnes pretos e bailarinas infantis. Nota 6. Ah sim, o filme tem uma trilha sonora muuuuuito nada a ver.
   UM RALLY MUITO LOUCO de Hal Needham com Burt Reynolds, Shirley MacLaine, Dean Martin, Sammy Davis Jr, Jackie Chan, Telly Savalas...
Um elenco impressionante num dos piores roteiros já escritos. Um bando de corredores participa de uma corrida de L.A. até NY. Triste ver gente como Dean e Sammy em papéis que chegam a ser humilhantes. E Shirley está ainda mais mal aproveitada, um papel errado e bobo. Recentemente deram um Oscar honorário para Hal Needham. Nunca deram um para Anthony Mann ou para Preston Sturges. Isso diz muito sobre o Oscar. Este filme foi um fracasso e não lançou o jovem Jackie Chan na América. Ele iria esperar mais dez anos para estourar em Hollywood. Este filme é tão bobo que ele faz um tipo de otário japonês ( !!!!!! ) e quase não luta. Se salva alguma coisa? Telly Savalas, que tem um papel ok.
   SHERLOCK DE SAIAS de George Pollock com Margareth Rutherford, Robert Morley e Flora Robson
Miss Marple é uma velha dona de casa que desvenda crimes por hobby. Personagem criada por Agatha Christie, ela talvez seja mais interessante que Poirot, o outro ícone criado pela dama inglesa. Aqui ela desvenda a morte de um herdeiro. O filme é delicioso para quem gosta de coisas very british. Há cavalgadas de tarde, lareiras campestres, noites com vento, muito chá e tolos excêntricos. Tudo o que eu gosto. Um filme popular de uma série longa com uma atriz muito amada. Bom passatempo. Nota 7.
   BOB, LE FLAMBEUR de Jean Pierre Melville
Bob é um veterano. Ex-bandido, agora amigo de um delegado. Bob frequenta prostitutas mas não as leva pra cama. Bob ajuda amigos otários e odeia malandros cheios de si. Bob se veste como Bogart e vive em meio a cigarros, bebidas e muito jazz. Bob está por um fio e ele é mais noir que um filme noir. Bob é francês apesar de tudo, e tem a marca de Camus. Bob é uma obra-prima. Melville amava a América. Amava carros amaericanos, jazz e filme de Huston. Ele criou Bob, filme com atores que foram eles mesmo bandidos. É um filme malandro, inspirador, muito viril. É atemporal. Uma aula de comportamento sob pressão. Aula de estilo. Bob é o cara! Melville é o cara! Este filme é do cara. Nota Um Milhão.
   MEUS CAROS AMIGOS de Mario Monicelli com Ugo Tognazzi, Philipe Noiret, Gastone Mosquin.
O que é a amizade masculina? Sim caras mulheres que não nos conhecem, a amizade é isto aqui. Um bando de homens de meia-idade fazendo aquilo que homens adoram fazer: sendo adolescentes. Eles são bobos, alegres, emotivos, sarcásticos e têm uma fidelidade férrea aos amigos. O filme é uma coleção de travessuras. E, como é do grande Monicelli, mostra o outro lado dos amigos, seu lado coração. É um filme lindo, vibrante, inesquecível. Revejo-o sempre e sempre, e saio revigorado. Um fato: após rever este Monicelli e Bob Le Flambeur, eis que volta meu amor ao cinema! Viva! Nota Um Milhão!
   TREZE ASSASSINOS de Elichi Kudo
Saiu um box com seis filmes de samurai. Este é estéticamente admirável. Impressiona a forma como o cinema japonês sabe enquadrar. A arquitetura, o minimalismo dos ambientes. O filme é meio chato, pausado e um pouco artístico demais. Mas ao final tem uma longa cena de batalha que é digna de Kurosawa. Takashi Miike refilmou esta obra que é um clássico dos anos 60. Ah sim, fala de um grupo de 13 samurais que tenta destronar um lorde corrupto. Apesar da extrema lentidão inicial, vale muito a pena. Nota 7.
  A LANÇA ENSANGUENTADA de Tomu Uchida
Uma pequena obra-prima. Um filme de estrada. Um lorde viaja até Edo com dois servos. No caminho eles encontram um orfão, uma mulher, um velho e outros tipos. Uma mistura de humor, poesia e drama. Com ação. Tem uma cena maravilhosa: 3 senhores tomando chá numa estrada. Mistura magistral de absurdo, realismo, comédia, crítica social. O final é bastante trágico. Não conhecia esse diretor. Por este filme ele merece toda homenagem! Tão bom ter uma surpresa como esta! Nota DEZ.