LONGE DESTE INSENSATO MUNDO...

   Assisti ontem, mais uma vez, esse filme de John Schlesinger. Quantas vezes? A primeira foi na TV Manchete, em...1990? O visual do filme nos alucina. ( A foto é de Nicolas Roeg ). Planícies sem fim, o mar, o verde, a umidade, a gente vê o filme e sente o frio do lugar. Ao contrário de David Lean, este épico olha as beiradas. Deixe explicar.
  David Lean se tornou um clássico para sempre porque ele conseguia, em meio a filmes grandes e caros, aprofundar o caráter dos personagens. Ele fazia blockbusters com alma, filmes imensos e épicos que examinavam a personalidade dos tipos humanos como filmes pequenos podem fazer. Este filme não. Schlesinger não se aprofunda, o que ele busca é o ambiente. E nisso ele é bem sucedido. Claro que ele perde algo em troca. No livro de Thomas Hardy, Bethsabah, a personagem de Julie Christie, é muito mais forte. É uma mulher independente, destemida, dura, original. Aqui não. Ela quase é reduzida a uma simples mulher vaidosa. Mas algo fica do livro. O mesmo ocorre com o militar feito por Terence Stamp. No livro ele é um romântico. Aqui ele é quase um playboy. Dito isso vamos ao que se destaca nesta sinfonia cinematográfica de verdes, de vento e de rochas. O ambiente.
  Roger Ebbert dizia que há filmes em que o que queremos é ficar absorvendo, viver neles, morar dentro do filme. Roger cita Monsieur Hulot, de Tati, como exemplo. Concordo. E aqui acontece o mesmo. A câmera insiste em dar closes nos personagens menores. E em grupo, esses tipos pequenos invadem o filme e criam sua magia. Camponeses trabalhando, cantando, desempregados que dançam na praça, mulheres rindo, casamentos, ovelhas pastando, cães, galos, bois, crianças brincando...O vento, a montanha...Você se vê lá dentro, em 1870, no norte frio da Inglaterra, e você se encanta. O filme, cheio de drama e de dor, te seduz por isso, pela ambientação, pela gente que lá vive e respira. Não pense que são detalhes abstratos, frios, como em Terrence Malick. Não. São pequenas narrativas dentro do fio maior. Quentes.
   É preciso estilo para conseguir esse efeito. Num cinema hiper veloz e editado, como o de hoje,  isso é impossível. Voce mal consegue ver o cenário, não tem chance alguma de se acomodar dentro do filme, fica de fora do ambiente e dentro da eletricidade dos efeitos velozes. Sem chance.
   Que lindo filme!!!
   PS: Não pense que todo grande filme dá essa vontade de morar dentro dele. Eu não gostaria de viver no mundo de Rastros de Ódio. 

OSCAR WILDE, UMA VERDADE.

   Que mérito há em se escrever um livro "como a vida real?" Observar e escrever aquilo que voce vê. Isso é arte? Claro que não, isso é no máximo jornalismo, e normalmente é tola ingenuidade. Porque ao olhar e escrever a tal da realidade já se perdeu, filtrada que foi pela mente e sentimento de quem a olhou. 
 Nada fica velho mais depressa que um jornal. Nada ficou mais velho que o realismo. Zola é ilegível. Como é Gorki. Escrever sobre o aqui e agora é sempre uma burrada. Nada fica mais enfadonho após um ano que o aqui e agora. Daí a genial sacada de Wilde. É preciso mentir. Mentir muito. 
 Zola envelheceu e mofou. Balzac não. Porque Balzac tenta ser realista, mas seu espírito romântico aumenta tudo, e faz com que os personagens fiquem maiores que o mundo. Balzac cria e criar é mentir. Salve Balzac!
 Ninguém na idade média se parecia com os rostos de Giotto. Nunca ninguém foi tão belo como uma estátua de Michelangelo. Nenhum grego se parecia com Hermes ou Apolo. Mas essa mentira guia a nossa realidade. E nasce outra sacada de Wilde: A vida imita a arte e não o contrário.
 Tudo o que moldou e molda nossa vida é arte= mentira. O século XIX foi criado por Balzac e por Baudelaire. O século XX foi cria do cinema. Nos vestimos, seduzimos, roubamos, conversamos, comemos, amamos, nos casamos, como em filmes. Eles não copiaram nossa vida, eles nos inventaram. Até nosso sofrimento é como num filme.
  Claro, um filme iraniano tenta ser real. Mas, segundo Wilde, ele não faz arte. É mero jornalismo. Sendo assim, não mudará nossa vida, apenas nos informará.
 Um fato: ir à Europa e procurar a Europa. A Europa é uma mentira. Criação de séculos de artistas mentirosos. Se voce a olhar com os olhos treinados pela arte conseguirá perceber a tal Europa. Se voce olhar com os tristes olhos do realista verá apenas um monte de ruínas e gente banal. 
 Toda nossa história é uma mentira. As melhores filosofias, teses, são sonhos mentirosos. E são elas que fazem a vida valer a pena. Olhamos um bosque com os olhos do impressionismo. Ou como se fosse uma gravura japonesa. Olhamos uma mulher como se ela fosse modelo de Modigliani. Ou musa de Rafael. A mentira da arte mudou a vida e fez com que a víssemos como se essa arte fosse a verdade. Cem anos de expressionismo fez com que olhássemos as cidades como cacos de horror. Cem anos de cubismo fez com os rostos humanos se transformassem em máscaras. Não víamos o inferno das fábricas antes do expressionismo. Vemos esse inferno por causa do expressionismo. 
 Wilde ama os grandes mentirosos. Rabelais, Cervantes, Swift, os autores que mentem e que mentindo criam o mundo. Tenho certeza que Wilde adoraria Italo Calvino. E Murasaki. Borges. E deliraria com as mentiras doidas de James Bond, Star Wars e Matrix. Mentiras que infectaram o mundo e alimentaram o dia a dia do real. 
 Por fim, Wilde fala da mais mentirosa das artes: a música.
 Mas isso é assunto pra logo mais...

WILLIAM WORDSWORTH- O PRELÚDIO. UM DOS ARQUITETOS DO EU.

   Pai de Walt Whitman. Como Whitman, que veio 40 anos mais tarde, Wordsworth namora seu ego. 
   Ego, essa invenção moderna que fica cada vez mais obsoleta. Primeiro Montaigne. Então Rousseau. E Wordsworth. Depois desses três egocêntricos, todo escritor passou a colocar seu imenso eu entre o livro e o leitor. Montaigne desnuda sua cabeça e seu cotidiano. Rousseau exibe seu coração. E Wordsworth ignora tudo a não ser si-mesmo. Por mais que ele fale daquilo que vê, o que importa é o que ele sente ao ver o que percebe. Jamais sai de dentro de sua alma. O mundo se torna espelho.
  Whitman leu Wordsworth, mas Walt era americano. ( Assim como Pessoa, herdeiro dos dois, era Luso e Atlântico ). Sendo americano, Whitman amplifica tudo. Whitman é maior ( não melhor ). O americano canta um continente, uma democracia, uma estrada sem fim. E tudo é ele. 
  Wordsworth nasceu no norte da Inglaterra, quase Escócia, na região dos lagos. Como Whitman, ele canta a estrada, a mata, a liberdade de ser solitário, as pessoas simples, os bichos, o mundo sem o homem, e o homem no mundo. Ele anda, caminha, vai à vida que é um caminho sinuoso. Mas a estrada de Wordsworth é curta. Ele anda pelos lagos, pelos bosques, pela natureza, mas é um caminho que leva de volta, que anda em círculos. Um jardim. Whitman quer ver toda a América. O inglês quer rever seu bosque. Whitman fala ao futuro. Wordsworth fala ao passado. Ele adora a infância. O pequeno e o discreto. Whitman é um pavão. Wordsworth é uma perdiz.
   Lançou o romantismo na Inglaterra. Por volta de 1800. Viveria oitenta anos, mas sua obra foi toda feita na juventude. ( Ao menos a que mais importa ). Quando velho ele se tornou um conservador. O que lhe valeu a raiva de Keats. Este livro, em tradução portuguesa recente, é sua última obra relevante, já escrita aos 40 anos. Ele aqui relembra sua infância, adolescência e juventude. A mata, a escola e Cambridge. A hiper-sensibilidade à natureza, aos cheiros, aos sons, às pessoas. Ele é sempre feliz, alegre, confiante. E solitário. Wordsworth namora sua alma. Ele cresce quando só, ama estar só, consegue ter amigos, mas se recolhe para ser si-mesmo. Aí sua profunda revolução. O homem fora sociedade por 5000 anos. Agora, em 1800, ele era UM. Se antes o maior dos castigos era o ostracismo, agora a solidão é um prêmio. Ser só é um privilégio.
  A escrita flutua, voa, alucina. O poema é longo ( 200 páginas ), dá voltas, anda em círculos. E faz sonhar. A gente anda, passeia, caminha com ele pelo tempo e pelo lugar. É delicia inesquecível. Inefável.
  Um gigante que escreve sobre o particular. Que vê o mínimo. Eterno.

FLEETWOOD MAC- RUMOURS, O ROCK DE L.A. MORREU.

   Vou começar falando algo que pouca gente se toca: disco que vende muito pode ser bom. Mais que isso, até mais ou menos 1974, disco bom vendia muito e se não vendia era considerado ruim. Os Beatles eram o melhor exemplo. Mas não só eles. Tudo o que era amado por críticos e fãs vendia bem. OK, essa crença fez com que Velvet Underground e Stooges fossem considerados ruins. Mas eram excessão. Ser relevante significava vender.
   A coisa desandou no meio da década de 70 quando lixo começou a vender muito. Apesar que o lixo de então pode ser o cult de 2014. Nomes? Rush, Kiss, Boston, Peter Frampton.
   O auge do poder das gravadoras se deu entre 1973 e 1985. Como ganharam dinheiro! As bandas ganhavam em um ano o que os Beatles levaram cinco anos para ter. Qualquer rock star de segunda ( Ted Nugent, America, Boz Scaggs ) tinha seu Rolls. E toneladas de pó. E centenas de tietes. Discos icônicos saíram nesse tempo ( aqueles que parece que todo mundo tem: Dark Side, Led IV, Saturday Night Fever, Thriller, Like a Virgin, Grease... )
   Agora mudo de foco. Nos anos 60 Londres tinha seu som. Liverpool e Manchester tinham seu som. New York tinha, Boston tinha. San Francisco tinha. Memphis, Miami, Detroit e até o Texas tinha seu som. Mas Los Angeles não. Havia um monte de bandas de SanFran e alguma da Califórnia, mas LA era um vazio. Pois bem, com a popularização da rádio FM, stereo, nasceu o som de LA. Qual ?
   Acima de tudo muito bem gravado. Uma porrada de feras de estúdio. Backing Vocals, clima de vida noturna. Um teclado delicado, baixo esperto e sacolejante, bateria mixada bem alto e tudo bastante clean. É um som chamado então de adulto, culto, de bom gosto. E posso dizer pra voces que na época eu achava esse som made in LA a coisa mais chata do mundo! E vendia aos milhões. 
   Voces lembram de alguém? Gerry Rafferty, Jackson Browne, Joni Mitchell, Poco, Eagles, Steve Miller, Randy Newman, Carly Simon, Linda Ronstadt, Billy Joel...e o que mais vendeu, Fleetwood Mac. 
  Hoje devo dizer que sei separar o joio do trigo. Joni Mitchell é genial. E os Fleetwood Mac? 
  Acabei de reouvir Rumours, 20 milhões de cópias, um dos dez discos mais vendidos da história do mundo. E continua sendo um mistério, o que ele tem de tão bom? Mais impressionante, ele é triste. Mais ainda, ele é muito bom. 
   Entrega o grande segredo do rock de LA- Beach Boys. A banda de Brian Wilson é a inventora do rock de LA. Vocais maravilhosos, som rico e cheio, o tal do bom gosto. E a loucura disfarçada. Assim como sabemos hoje que o cara que fez California Girls e Fun Fun Fun era um triste lunático, sabemos que todos os caras do som "numa nice, numa boa"de LA eram deprimidos e auto destrutivos. Cocaína, álcool e solidão, esse o mundo de LA. Mas a música é sempre pop bem feito. Pura esquizo.
   O Fleetwood Mac é a mais esquizofrênica das bandas. Nasce em Londres em 1966 como banda de blues. Mick Fleetwood na batera, John McVie no baixo e Peter Green na guitarra. Green vira um ícone, mas pira de ácido e foge pra Índia. Some por lá. 
   Os dois ingleses aceitam uma tecladista chamada Christine Perfect e o som vira pop tipo Paul MacCartney. Nada acontece, Perdem o público blues e não conquistam o povo do pop. Anos depois os três ingleses reaparecem na Califórnia. Desbundados, trazem agora um guitarrista bem californiano, Lindsey Buckingham, e uma cantora com a cara de LA, Stevie Nicks. O som? É puro Wings ( aliás, grande referência ao som de LA ) com grandes doses de Beach Boys e Buddy Holly. Começam a fazer sucesso e em 1976 acontece o milagre, lançam Rumours que se torna o LP mais vendido da história até então. ( Só seria batido por Thriller ). 
   Nesse interim, John McVie tinha se casado com Christine Perfect e Lindsey Buckingham com Stevie Nicks. Mas, durante a gravação do disco, os dois casais se divorciaram! Com brigas. O que é Rumours? O diário explícito dessa separação. Daí o clima de dor e de esquisitice do disco. Mas, é LA meu camarada, tudo bem feito, tudo bem pop. 
  Cada um traz sua parte: Christine é Paul MacCartney. Pop perfeito. Lindsey é Brian Wilson. Muito californiano, com um talento incrível para arranjos e harmonias vocais. E Stevie é a garota da Califa 1976: astrologia, magia e viagens mentais. 
  Venice Beach era o lugar. Aquele povo saúde e rebeldia, de cabelos descoloridos, tattoos clássicas e skates fininhos curtiu de montão esse disco. Foi a trilha dos anos Jimmy Carter, dos filmes pornô e da revista Hustler. Este disco e o do Eagles. E o Steely Dan. E eu já esquecia dos Doobie Brothers! 
  Sobreviveu esse mundo? Claro que não! É pura nostalgia e só quarentões vão gostar! 
   Mas voltar ao mundo O`Neill e Lightining Bolt é tão bom!

O CINEMA POPULAR

   Quem me acompanha sabe: tenho escrito pouco sobre cinema. Isso tem dois motivos, primeiro meus estudos de letras. A literatura tem me ocupado muito. E segundo é que ando meio de saco cheio de filmes. Porque?
   De 2005 a 2010 fiz minha coleção de DVDs. O que compro agora são aqueles poucos filmes geniais que ainda são lançados. Esse período de formação de meu acervo foi maravilhoso, mas, acabou. E cinema, arte visual, não é como a música ou a literatura, o cinema é em comparação uma arte perene. 
   A gente pode escutar vinte vezes em vinte dias um disco legalzinho. Mas não vai assistir vinte vezes um filme apenas legalzinho. E eu não falo de ouvir o disco no carro ou dançando, falo de ouvir com toda a atenção. Cinema não vive como um disco ou um quadro, não nos acompanha como trechos de um livro. Um filme para ter esse poder tem de ser muito especial. Eles existem, mas sua porcentagem é muito pequena. 
  E o que se faz hoje, sem preconceito, é quase sempre irrelevante. E assim meu interesse vai minguando...Sempre vou amar meus filmes, mas vou escrever mais uma vez sobre Fellini ? 
  Well...Conto tudo isso pra dizer que num DVD recém lançado de René Clair, há como extra uma entrevista de rádio que ele deu em 1960 nos EUA. Observe, é 1960, o auge do cinema de arte, momento em que os críticos tinham a certeza que os filmes populares iriam desaparecer. Pois bem, nessa corajosa entrevista, para surpresa do repórter, Clair diz que " Raros são os filmes relevantes que não fizeram sucesso de bilheteria!" 
  René Clair começa citando Chaplin e Buster Keaton, como exemplos de artistas populares em alto grau de arte e de diversão, e continua citando Ford, Hitchcock, Hawks e Wilder. O francês diz que há excessões, e Kane é o melhor exemplo, mas mais de 90% dos grandes filmes artísticos tiveram bom público! 
  Penso então que na década que lá começava, 2001, Bonnie and Clyde e Mash seriam big hits. Que Kubrick, Scorsese, Coppolla ou Woody Allen sempre tiveram público ( menos para seus piores filmes ), que Kurosawa ou Malle sempre deram lucro e que mesmo os melhores filmes de Godard tiveram uma boa platéia. Quando ele ficou chatérrimo o público se foi. E sua arte se foi com eles.
  Muito lixo é feito e vira sucesso. René Clair desmente isso. Ele conta que muito lixo é feito e vira fracasso de bilheteria. Um sucesso sempre é um bom filme. Nunca é chato, mal feito, burro ou irrelevante. O público sabe o que merece ser visto.
  Bem, talvez em 1960, antes do blockbuster, do filme lançado ANTES do boca a boca, fosse assim. Hoje há big hits realmente ruins. Mas, claro, percebo que poucos filmes de grande sucesso são absolutamente ruins. E muitos filmes de arte o são. Preconceitos que tive me impediram de ver Lord of The Rings por anos, e depois descobri que são filmes ótimos. Mas Avatar é horror puro, um lixo. 
  Diria então que devemos desconfiar do filme de arte que só dois caras viram. E entender que os melhores filmes dos bons diretores são aqueles que tiveram mais público. Sempre. 
  E jogar fora o preconceito. Uma fila na bilheteria pode ser melhor sinal que um prêmio em Berlin.

EUGÊNIO ONEGUIN- PUSHKIN

   Existem livros que lemos no momento exato. Falam diretamente ao momento que vivemos então. Eu não sei porque, entre tantas opções, resolvi reler este livro. Pushkin é o maior poeta russo. Um romântico típico, mas um romântico que conseguiu sobreviver em nossos tempos cínicos. Porque Pushkin é um gênio, e o gênio sobrevive a modas. 
   Dostoievski o adorava. Nabokov o ama. E se Nabokov ama alguma coisa essa coisa merece muita atenção. 
   Li esta obra-prima pela primeira vez dois anos atrás, apenas. Gostei, mas senti que aquele não era seu momento. Este é. A névoa do poema, do romance, da narração cai sobre mim. Romantismo. Belo romantismo. Todas as características do melhor romantismo estão presentes. O spleen. Os personagens sofrem de tédio. Vivem sem interesses, isolados, presos de uma sensação de que nada vale a pena. Indiferentes. Ao mesmo tempo há um amor sublime à natureza. Descrições apaixonadas de estações do ano, de bosques, de céus. Um agudo senso de psicologia. A alma das pessoas se desnuda. E, súbito, o amor surge e é feita a escolha, esse amor será frustrado. 
  No deserto que é a vida, Eugênio, um seguidor de Byron, mata em duelo seu único amigo. E depois se apaixona pela menina que antes recusara.  O final, seco e abrupto, é magistral.
  O estilo de Pushkin é simples. Um poema em rimas que é um romance. Pois o poeta não escreve poesia, ele narra uma história. Lemos em seu ritmo, rápido, musical, leve, vibrante. Um soberbo prazer nos invade. Parece que estamos nas estepes russas, sentimos a luz, vivemos a vida dos personagens. 
   Se voce está in love, eis seu livro.

FUTEBOL MADE IN BRASIL

   Toda a fama, glória e história do futebol brasileiro repousa em duas gerações. A geração de Garrincha, Nilton Santos e Zito, e a geração seguinte, que vai de Pelé até Rivellino. É a geração que venceu 3 copas em 4 disputas. Até ontem o Brasil vivia em sonho, ainda, de que a amarelinha tudo podia. Que bastava vestir a camisa com cinco estrelas e entrar em campo. O resto os deuses dariam. 
   Nós vencemos em 1994 e 2002. Eu sei. Mas foram vitórias com a herança da fama de 1970. A grife ainda era forte. Ela tem enfraquecido, ano a ano, só não vê quem não quer. Nos USA vencemos com a ajuda do calor, da retranca e do oportunismo de Romário. E mesmo assim, jamais demos show. E em 2002 tivemos apenas sorte. Não nego a classe de Ronaldo e de Rivaldo! Mas a vitória naquela copa nos fez mal, muito mal. Sentamos numa glória morta e pensamos que a arte do futebol voltara. Nada disso! 2002 foi um epitáfio. Uma ilusão. Foram dois bons jogos e um monte de adversários muito fracos. E só.
   Agora falam do exemplo alemão. Da retomada dos alemães a partir de 2002. Pouca gente fala que essa retomada se dá com uma reinvenção. Os alemães não estão imitando os espanhóis ou os brasileiros de antigamente. Eles simplesmente recordaram de Beckembauer, Overath, Breitner e Seeler. Adaptaram aos dias de hoje, mais velozes, a classe de toque e passe preciso que sempre tinham tido. Entre 1994 e 2002 eles haviam esquecido disso.
   Não sinto pena de um time ruim. Pena sinto de times como a França de 82, a Holanda de 74 e do Brasil de 82. Sentirei pena se a Alemanha não vencer domingo. Como posso sentir pena de um bando de garotos mimados e perdidos? 
    A recuperação da identidade nacional passa pelo estudo do futebol de 58/70. Adaptado a velocidade de 2014. Quem tem essa coragem?

TRÊS DE JULHO DE DOIS MIL E OITO

    O mundo atual nos salva da dor de dentes. Cura nossa gripe e nos distrai do vazio. O mundo nos dá melhor comida, melhores roupas e bons carros. oferece a nossa vida amigos, sexo e boas drogas. Supera a insonia, a impotência e até a calvície. O mundo atual me dá o prazer de falar com minha tia na Europa, reencontrar um amor perdido e viajar pelo globo inteiro em uma semana. O mundo atual é uma festa, uma balada, uma excursão à Disney. Ele nos dá lindos cachorros, belos babys e doces lembranças. 
  Mas...O mundo atual desistiu. Ele não tem mais ilusões, e nisso ele mostra sua sombra. Se na sua superfície ele é um garoto de 14 anos, sorridente, disposto, ágil, na sombra ele é um velho sem dentes. Ele desistiu de curar a violência, ele aceita a guerra como um mal necessário. Ele é cínico com o amor, relativiza tudo, teme errar, ele é um velho agarrado ao controle remoto. 
  Não sonha. Pior, ri de quem sonha. E despreza quem cria o original.
  Os homens que construíram nosso mundo derrubaram uma floresta. Foram objetivos, pragmáticos, científicos, limpos. Expulsaram da vida a superstição, o hábito sem sentido, a tradição e tudo que fosse antigo. Arrancaram rochas do caminho, desviaram rios e secaram raízes. E nesse processo nos tiraram heróis, deuses, sentimentos e intuições. 
  Valeu a pena?
  Pensei tudo isso seis anos atrás, quando o caixão de meu pai foi lacrado. Como se ele fosse escapar da sua definitiva embalagem. Higiene né?
  Eu pensei então que o mundo moderno nos ensina a lidar com o sexo, com o trabalho e com o tempo ocioso. Mas ignora o amor, o sonho e o vazio. E nada nos oferece para consolar a perda, a morte. Roubaram de nós a certeza de Deus, nos deram a dúvida, e o que nos ofereceram em troca? A pseudo-verdade? Que verdade?
  O caixão desceu à terra. E nenhuma modernidade me preparou pra isso. O horror da morte. A modernidade se cala, impotente.
  Uma semana depois fui `a missa por meu pai.
  Ergui os olhos ao altar. Azul. E o senti, presente, ao meu lado.
  Uma instituição de dois mil anos me deu aquilo que eu precisava. Verdade ou não, pouco importa: funciona. E entendi.
  O mundo atual, criança e velho, brinca e grita, ri e teme, e ignora o que realmente importa. Paz, vida e morte. Amor, tempo e criação. Fora isso, só remédios e distrações.

SEM OLHOS EM GAZA- ALDOUS HUXLEY

   Terminamos de ler com uma sensação de sufoco. Escrito anos após Contraponto, ele está longe da perfeição formal dessa obra-prima. Este é muito mais torto. Falho. Cheio de erros. Por isso, incomoda. A gente sente estar diante de uma obra, grande e invulgar, mal feita. Isso acontece porque aqui o homem Huxley vivia uma transformação. Ele superava o niilismo de sua mocidade e começava a abraçar a busca espiritual de sua maturidade. Aqui ele escreve a travessia. E ela é árdua. Terrivelmente escura.
  Acompanhamos a vida de Anthony Beavis. De 1911 até 1936. Mais ou menos. E a forma que Huxley dá ao livro não nos ajuda. Em certos capítulos tudo é escrito como um diário, com data e narração em primeira pessoa. Em outros trechos é tudo em terceira pessoa, o narrador se torna o autor, distante e neutro. O tempo nunca é cronológico. O tempo avança e recua. Um quebra-cabeças. 
  Anthony perde a mãe quando criança e aprende a reprimir a dor. Se torna um homem neutro, sem vontades, alienado. Faz amor, casa, escreve, pensa, mas nunca sente. Dá desculpas para sua covardia. Foge de compromissos com a vida. Helen é filha de Miss Amberley. Ele namora a mãe, uma ricaça fria, vaidosa e volúvel, e depois casa com a filha, uma menina oca que vira militante comunista. Há ainda o pai de Anthony, um scholar fútil, os amigos de Cambridge, desde um gago obcecado pelo pecado da carne, até um niilista radical que procura a morte em aventuras vazias e revolucionárias. E mais gigolôs, missionários, católicos, ateus, jogadores, viciados...Politicos e dondocas. Uma multidão de pessoas vazias, hiper-ativas, histéricas, ninfo. O sexo permeia tudo. E Huxley, como ele mesmo diz, discursa nas entrelinhas.
  Nenhum dos personagens é Aldous Huxley. Anthony se torna, talvez, a voz de Huxley apenas nas últimas vinte páginas. Ou nem isso. O romance nunca é de panfletagem, na verdade Huxley exibe os erros do século: capitalismo, mas também comunismo, fascismo, e a corrupta democracia. 
  Ele aponta o dedo contra a forma de progresso que temos. O que progride é a matéria, a alma nunca progride. Temos o trator ou a penicilina, mas não conseguimos progredir e sair da caverna. Continuamos nos guiando pela violência. Huxley admite, o homem é naturalmente violento, mas e daí?  O homem poderia e deveria fazer a grande transformação e se tornar pacifista. O homem natural também não escreve ou dirige carros,ele aprendeu isso, porque não negar a natureza e aprender a ser pacífico? 
   Todos os personagens se perdem. Todos são destruídos por se envolverem com a vida levando a sério o que não é sério. A mensagem final do livro é hoje datada. Mas não superada. E nisso vai imensa diferença. Ela é datada porque, felizmente, muita gente em 2014 a segue. E não é superada porque o mundo de 2014, o mundo em sua lei geral, é o mesmo de 1940. Continuamos achando que o amor é algo à margem da vida, um tipo de luxo, uma sorte para poucos. Ou pior, ficção. Continuamos reagindo com violência à violência. E continuamos confundindo covardia com coragem. 
  Huxley prega o budismo zen. E hoje isso é um chavão. Mas quem segue? Falar se tornou um chavão, seguir não. Miller, um médico que Anthony encontra no México, no fim de sua jornada, fala dezenas de chavões hippies. E nenhum desses quase irritantes chavões pode ser contestado por quem tenha o mínimo de sabedoria na alma. Huxley foi um viajante. O que aqui ele escreveu era novidade na época. E era corajoso pregar o pacifismo no tempo do nazismo. Huxley se coloca claramente contra Hitler, mas também contra Stalin e contra os conservadores. O que ele pede é a revolução individual. Que cada um mude tudo dentro de si e fora de si. Que mude o modo de viver, o modo de sentir, o modo de falar. Que se torne vegetariano, pacifista, calmo, justo, nobre e veja em cada um uma parte de si-mesmo. 
   Ele não nega que isso é religião. E talvez, na página mais desagradável deste livro muito desagradável ( TODOS os personagens são terríveis ), Huxley diz que nós jogamos pedras nos heróis, nos deuses, nos mitos e nos exemplos....e agora temos o que?
   Aldous Huxley foi um grande homem.