BAUHAUS E SHOPPING CENTER

   No SESC Pinheiros tem exposição da BAUHAUS. Quando Gropius e seus amigos criaram a coisa no início do século XX tinham otimismo na alma e criação a espalhar pelo mundo. Uma usina de design, coisa hoje tão vulgarizada. Livraram as casas de paninhos, tapetões, veludos, mil cortinas, arabescos. Mataram o lar vitoriano, tipo de decoração que insiste em renascer. Erraram na sua fixação pelo concreto armado, mas seus tubos de aço, vidro, muito branco e espaços livres são must até hoje. E ainda agregarm em seu time Kadinsky, Klee e Mondrian, os mais elegantes artistas plásticos da época ( de todas as épocas? ).
   Indo a um Shopping após a exposição tive uma ideia.
   O homem tem uma ansiedade por beleza. Não cabe aqui dizer porque ( tenho uma tese ), mas ele, em toda a história, sempre esteve procurando viver, produzir, idealizar coisas belas. Coisas que lhe dessem a sensação de equilíbrio, harmonia e direção. Claro que não estou falando do sublime, passo seguinte a beleza, falo do belo cotidiano. Vejam, em nosso mundo o belo simples, livre, do dia a dia nos foi roubado. Essa beleza, consciente a todo homem, havia nas flores da primavera, nos pássaros, no sol se pondo, nos rios, nas colinas. Depois foi produzido em festas populares, nas catedrais, nos monumentos e nas praças das cidades. Dificil encontrar essa belezas em SP. Well.... Cruzo uma menina no Shopping e vejo seu olhar brilhar na vitrine de uma loja de sapatos. Beleza! O belo!!! Um relógio é belo. Assim como um paletó bem cortado, um sofá ou uma jóia. Um carro tem beleza. São nossos sóis se pondo.
   Encontrávamos essa beleza perdida também no cinema, mas ele se recusa a ser belo. Um filme bonito é o pior dos pecados para os inteligentinhos. Assim como não mais se pode fazer música meramente bela. A beleza fica reduzida a produtos, a objetos de desejo, a aço e plástico que brilha em harmonia, que parece calmo, correto e com sentido.
   Se a natureza foi exilada e as ruas nada mais têm de idilico, o que nos resta a apreciar são as vitrines que exibem a fina construção da beleza.

DONOVAN, A FLOWER IN THE GARDEN



leia e escreva já!

DONOVAN



leia e escreva já!

FERRAGUS- HONORÉ DE BALZAC

   Existem alguns autores, poucos, que são uma literatura completa. Desse modo, ler Tolstoi é como ler todo um capítulo, longo, da história do romance mundial. Se voce ler as quatro principais obras de Tolstoi e mais nada em toda a vida, voce poderá reinvidicar conhecimento em romance e em literatura mundial. Conhecer Tolstoi equivale a ler centenas de bons escritores. É assim com muitos poucos. Romancistas tão grandes, livros tão infinitos que os conhecer aumenta nossa alma, estica a nossa inteligência, dá sabedoria a nossa leitura. Depois deles voce lê melhor.
   Balzac é assim. Ler Balzac é ler toda uma literatura. Mais que isso, ele é inexplicável. Como podemos explicar um homem que escreveu sempre para tão apenas ganhar dinheiro, pagar suas contas, e que mesmo assim fez arte absoluta? Como desvendar um autor que escreveu como máquina, dezoito horas por dia durante dez anos, mais de 80 livros publicados, e que mesmo com essa produção industrial conseguiu ser único? Veja o caso de Ferragus...
   Publicado em capítulos, no jornal, virou febre em França, um tipo de novela das oito em papel. Balzac escrevia com essa intanção, a de vender, e conseguia sucesso. A história fala de ciúmes, de medo, de vingança e sempre de amor. Uma sociedade secreta, gente rica e gente pobre. Ladrões e nobres. E Paris. A cidade é o grande personagem. E como escreve Balzac!!!! Vielas e boulevares, casas sórdidas, palacetes, a lamacenta, fétida, imunda cidade. Putas, bêbados, loucos, devassos, jogadores. Becos para se perder, a cidade que Balzac odeia, e ama, e não se cansa de descrever. Gênios vivem lá e diabos.
   Balzac é diabólico! Me vejo doido para voltar pra casa e ler. Seus personagens nos capturam! Queremos ler sobre eles, conhecê-los cada vez mais. Flanar com eles. As páginas correm. Cores diante de nosso olham. Balzac pinta, faz música, narra e descreve. Seu estilo é a mescla de romance e realismo, de verdade e fantasia. Ele serve o prato completo. Domina sua arte, sabe tudo, sua escrita não tem limites.
   Que escritores passam essa impressão? O dom soberbo de tudo poder escrever, de poder criar milhares de personagens, todos individualizados, todos de verdade. O poder de dar cenário a cada página, de nos fazer ver, escutar e principalmente, querer prosseguir querendo mais e mais. Sensual Balzac, nos pega pelos sentidos.
   Eu admiro Henry James e amo Cervantes, mas Balzac me dá prazer, puro prazer, absoluto prazer. Eis um autor que pode te curar de uma ressaca de más leituras, de páginas mal escolhidas, de indicações da moda.
   Como ocorre com todo grande autor, Balzac é uma prova: Não gostar dele é revelar ao mundo e a si-mesmo a ignorância de um mal leitor.
   Devoro o gênio francês.

MASTROIANNI/ SOPHIA/ 1941/ JOSH BROLIN/ ANTHONY QUINN/ DEANNA DURBIN

   GI JOE, RETALIAÇÃO de Jon M Chu com Channing Tatum e Dwayne Johnson
A equipe é traída pelo governo. Aquelas coisas, voce disfarça a patriotada com alguns politicos "do mal". O enredo é primário, mas a ação é bem ok. Dá pra ver sem se irritar. Depois de dois minutos terminado voce não lembra de mais nada. Não é exatamente isso que o povo quer? Nota 3.
   O PREÇO DE UM COVARDE de Andrew V. McLaglen com James Stewart, Dean Martin, Raquel Welch e George Kennedy
Martin é um ladrão. Pego pelo xerife é salvo da forca pelo irmão, Stewart. O xerife, que é um puritano, os persegue pelo deserto. Os bandidos levam Welch com eles, como refém. Stewart e Martin formam um boa dupla. Um já velho e bom moço, o outro amargo e rebelde. Concordo com Tarantino, Dean Martin foi um ator subestimado. O filme é legal e de todos os westerns de McLaglen que vi, diretor que erra muito, é o melhor. Bela diversão! Nota 7.
   1941 de Steven Spielberg com Dan Akroyd, John Belushi, Toshiro Mifune
É o filme que quase destruiu a carreira de Spielberg. Caríssimo, foi um hiper fracasso de bilheteria e de crítica. É um comédia histérica e muito sem graça. O humor parece aquele de meninos de 11 anos. Mais que grosseiro, ele é bobo. Bons atores são desperdiçados e atores ruins ganham papéis grandes. Após os sucesso de Jaws e de Close Encounters, Spielberg se dava mal. ET seria sua salvação na sequência. Fuja!
   UM RAIO DE SOL de Henry Koster com Deanna Durbin, Charles Laughton e Robert Cummings
O maravilhoso ator inglês Charles Laughton faz um milionário que está morrendo. Seu filho apresenta uma desconhecida como sua noiva ( ele não encontra a noiva verdadeira que está fazendo compras ). O velho se apaixona pela falsa noiva. O filho precisa manter a farsa. Henry Koster, o diretor do sublime Harvey, faz aqui aquilo que fazia melhor, filmes para se sentir bem. Tudo é artificial, falso, ingênuo? Que bom! Porque não podemos crer em nossa própria ingenuidade? Durbin foi a atriz que salvou a Universal da falência nos anos 30. Aqui, adulta, ela exibe sua leveza etérea de sempre. O filme é uma delicia. Nota 7.
   A 25# HORA de Henri Verneuil com Anthony Quinn e Virna Lisi
Quinn faz mais uma vez Zorba. Impressionante! Não conheço caso de ator que ficou mais preso a um grande papel. Após 1964, quando fez Zorba, Quinn passou trinta anos fazendo variações sobre Zorba. Aqui ele é um romeno que na segunda guerra é confundido com um judeu. Vai preso. Depois o confundirão com várias "raças" até que ao final vai a julgamento como um nazista!!! O filme é tão improvável, tão absurdo que se torna até cômico. Uma bobagem gigantesca. Ah! No começo Quinn dança! Como Zorba, claro! Nota 4.
   SOLARIS de Andrei Tarkovski
Poucos filmes mexeram tanto comigo. Ele me deixou muito introspectivo, triste, me sentindo isolado. A verdade é que me identifiquei com o personagem central. O filme fala das coisas que mais me absorvem: tempo, memória, amor e imaginação. É um filme chato, preciso dizer isso. Mas que consegue nos dar alguns momentos de beleza sublime. Romântico então, verdadeiramente romântico. Nota 9.
   CAÇA AOS GANGSTERS de Ruben Fleischer com Josh Brolin, Ryan Gosling, Sean Penn e Nick Nolte
Pessoas que nada entendem de filmes falaram que este era um film noir. Onde? É um filme de gangster! O filme noir tem um homem sózinho, confuso, tentando desvendar um mistério. O filme de gangster, que foi criado em 1930 com Scarface e Public Enemy, fala de grupo de tiras lutando contra uma organização criminosa. É este o caso. E devo falar que é um bom filme. O roteiro é bastante fraco mas ele é salvo pela direção cheia de ritmo e sem frescuras de Ruben. Josh Brolin é perfeito. Tem voz e rosto de homem, passa a sensação de verdade. Já Ryan está no filme errado. Parece um menino vestido com o terno do pai e fumando escondido. Sean Penn imita De Niro em seus piores dias. Parece Dustin Hoffman em Dick Tracy. Mesmo assim este filme, de visual lindo, diverte e nunca cansa. Um adendo: Que época é esta em que vivemos? Cenas de violência são mostradas em detalhes pornô e cenas de sexo são feitas com lingerie e puritanismo. Why? Porque sexo só pode existir em filme "doentio"? Sempre vindo em embalagem de mal, de distúrbio e de doença? Porque seios, bundas e pênis nunca surgem em filmes alegres, leves e pop? Mas corpos dilacerados e sangue jorrando podem? Welll....Dito isto, este filme vale um 6.
   UM DIA MUITO ESPECIAL de Ettore Scola com Sophia Loren e Marcello Mastroianni
Quase um milagre. Scola consegue fazer um filme tristíssimo que não entristece. Um filme hiper dificil que nunca aborrece. Um filme tipo teatro que não parece sufocar. Ele se passa em dois apartamentos e a trilha sonora é feita pelos sons do dia em que Hitler veio visitar a Itália de Mussolini. Sophia é mãe de filhos fascistas e tem um marido do partido. Marcello é um homossexual que foi expulso do trabalho por não ser " marido, pai e soldado". Os dois se conhecem e uma mudança acontece nela. Ou não? Scola dirige com uma delicadeza exuberante. Toda cena é suave, dolorida, desbotada. Nos assustamos com um fato: Como pode aquilo ocorrer? Todos, alegremente fascistas, comentando a beleza de Hitler, a sabedoria do Duce. Bem, falo agora dos dois atores. Sophia é uma grande atriz. Nas cenas finais ela comove em sua derrota. Ela está vencida, presa, humilhada. Mas é Marcello que atinge o sublime. Nunca assisti um retrato tão perfeito de um homossexual. Em cada movimento de suas mãos, de seus olhos, percebemos sua homossexualidade, sem caricatura, sem exagero, sem nada de ofensivo, natural. Quanta melancolia naquele homem, quanta raiva muda. Lembro que em 1977 ele concorreu ao Oscar e o perdeu para Richard Dreyfuss em The Goodbye Girl. Dreyfuss estava ótimo, mas isso aqui é histórico! Um belo filme. Nota 8.

CONFISSÕES- W. SOMERSET MAUGHAM

   Memórias do famoso autor inglês escritas quando ele tinha sessenta anos. Ainda viveria mais vinte, vindo a morrer em 1965. Não espere encontrar a intimidade do autor aqui. Ele quase nada fala de sua vida física. Estas memórias são espirituais, estando assim próximas daquilo que Montaigne e Rousseau escreveram. Maugham fala de seus livros e de suas peças. Dá muitos conselhos e percebemos o ressentimento que ele tem em relação a crítica. Crítica que jamais lhe deu o valor devido.
   Maugham foi um autor de imenso sucesso popular. Seus livros e suas peças fizeram dele um homem rico. E muitas obras ainda se tornaram filmes bem sucedidos. Nascido inglês, ele passou seus primeiros sete anos na França, seu pai era do corpo diplomático. Quando seus pais morreram foi para a Inglaterra, onde foi educado por um tio, severo, frio e religioso. Maugham jamais se sentiu confortável em seu país. Suas influências são francesas, Maupassant e Flaubert, e seus favoritos também, Stendhal e Balzac. Já adulto, ele irá estudar na Alemanha e sua vida será feita de viagens. Os Mares do Sul foram sua viagem mais importante.
   Algumas estocadas que ele dá em ingleses são certeiras. O fato de que eles pouco se interessam por sexo e que têm relações sentimentais e nunca apaixonadas. Ingleses gostam de lembrar de seu canto, gostam de manter uma quente amizade, mas são incapazes de arroubos românticos. Sexo é uma desagradável obrigação. São comerciantes, povo feito para o ganho monetário, sem a poesia de alemães e o dom hedonista dos latinos. Se isso é verdade ou puro ressentimento não cabe a mim dizer, o que posso falar é que sua literatura é realmente marcada pelo "bom-tom" e uma falta de sexualidade vibrante. Falam de bons e velhos tempos, do campo e da escola, de amor espiritual, mas raramente contam abertamente casos de pura luxúria ou de tara. Mesmo nos liberais anos de 1970, suas descrições "apimentadas" sempre soam falsas ou pior, violentamente culpadas. É uma literatura insuperável na arte de descrever a natureza, de contar a infância, de lidar com aventura, mas não consegue ser filosófica ou carnal.
   O melhor de Maugham são suas descrições de suas leituras de adolescência. A aventura de um novo livro, a emoção inesquecível. São páginas em que me vi. Mas devo dizer que não é um grande livro. Maugham enrola, estica, pula, edita, acaba por fugir.
   Um tímido. Ele fala que gosta de estar só, apenas a observar a vida. Pena que aqui ele apenas flutuou pelos temas, sem os tocar e arranhar.
   

ABAIXO O MUNDO REAL, LUCIA GUIMARÃES, ONTEM NO ESTADÃO

   Ela escreveu um texto que saiu ontem no Estado. Assustador. Descreve uma propaganda do Facebook. Uma reunião de familia em que uma Parente, Velha, Gorda e Feia fala sem parar. Enquanto isso uma Adolescente, Magra e Bonita, em seu Face, dá as costas a velha e a ignora com solos de bateria, guerra de bolas de neve, imagens na tela do PC que são MAIS REAIS QUE A REALIDADE.
   A mensagem que Lucia Guimarães percebe: Celebremos a autoabsorção no eu. O desprezo pela refeição comunal, o desprezo pelos feios, o desprezo pela realidade, o mundo belo e sem perigo da virtualidade. O veredito foi dado: O mundo é feio, velho e deprimente. Voce só pode ser feliz no Face. Lucia recorda a missão oficial que o hiper-fascista Zuckerberger ( hiper-ressentido com a natureza, diria eu ) advogou em seus começos: Dar poder as pessoas para tornar o mundo mais aberto e conectado. Hahahahahaha! Lucia fala que nesse mundo feliz do Face conversar com alguém que está a sua frente é pura perda de tempo. Cool é desprezar o que não é cool. É um tipo de escapismo não-romântico, sem risco, sem o sublime, previsível e controlado. A solidão, estado em que podemos criar e refletir, fica abolida. Lucia descreve estudantes do campus onde o terrorista de Boston estudava. Esses estudantes, ANTES de pensar em entregar o assassino, apagaram todas as pistas virtuais dos PCs do rapaz. O mundo real NÃO podia entrar naquele mundo virtual do campus, então, antes da policia, apaga-se tudo. Salva-se o cool perfeito do feio e imperfeito.
   Notei isso já em 2007. O mundo atual favorece a divisão dos homens em guetos isolados e estáticos. Explico. No mundo do rádio e da TV sem cabo, do jornal impresso e da revista volumosa, voce era exposto a vários mundos que não eram o "seu". Assim, eu era exposto a samba e funk para poder ouvir rock. E acabava por conhecer e ocasionalmente apreciar samba e funk. Antes de ver o filme de Fellini na Globo às 23 hs, assistia As Panteras e Chico City. Meu poder de edição da vida era mínimo. Na escola eu não podia escapar numa tela do meu colega chato ao lado ou da gordinha nerd atrás de mim. Isso tudo era bom? A pergunta não é essa. A pergunta é: O que esse mundo não virtual me trouxe? Conhecimento.
   Tenho amigos hoje que podem passar toda a vida ouvindo apenas as mesmas músicas, vendo os mesmos filmes e vivendo em um mundo onde só vivem pessoas da mesma turma. Conectados, TODOS gostam das mesmas coisas, consomem os mesmos produtos. E ilhados, longe de gostos e modos de ser diversos, crêem burramente que eles são ALTERNATIVOS, afinal, são DIFERENTES. Diferentes do que?
   Na tela voce protesta contra o desemprego. E gente cool como voce vai a rua fazer um lance cool onde voce diz o que não quer, mas não consegue formular o que deseja. Na verdade o que os cool da Espanha e da Grécia querem é poder ficar no Face sem se preocupar com a vida real.  Grana para poder viver para sempre entre gente cool em lugares cool. Não importa como esse dinheiro venha.
   Vejo em filmes italianos de 1950 o quanto os avôs dessa geração lutaram. Filas para comida, barracos e curtiços, improviso dia a dia, solidariedade entre vizinhos, espirito de grupo. Seus netos e bisnetos são mimados. Babys de fraldas em forma de bermudas pinky. O desejo deles chega só até a tela de seu brinquedo, o espaço de seu berço tem forma de apê e as brincadeirinhas infantis travestidas de sexo sem consequência. Seu mundo TEM DE SER de bebês para bebês. Daí o horror ao velho ( velhos livros, velhos filmes e velhos cool ), ao não-controle e a solidão. Bebês precisam de babás 24 hs ao dia.
   Mas o pior é: QUEM CONTROLAR, OU AO MENOS ENTENDER O MUNDO LÁ FORA, dominará com facilidade essa turminha cool. Fácil assim.
   Platão again. A teen toda cool está na caverna entretida com suas sombras. Lá fora tem o mundo de verdade. Quem diria....Platão escreveu sobre o futuro.

NUMA MESA DE BAR ( MULHERES, BACH E O BLUES )

   Uma conversa com um amigo à mesa de um bar na noite de um domingo terrível em seu tédio soberano. Então tudo aqui escrito pode ser caótico, ou não, porque um dos meus defeitos mais chatos é a falta de desarrumação.
   Mulheres, claro. Meu amigo teve mais um relacionamento errado. Pelo menos ele tem relacionamentos. São mais que contatos futeis, regra de hoje entre adultos. Pobres mulheres! Na ditadura de SEX AND THE CITY em que elas vivem, quem ganha somos nós que agora temos mulheres livres. Não precisam de nossa ajuda e de nossa proteção. E elas têm de levar os filhos a escola, fazer ginástica, trabalhar, ficar bonitas e ainda ir às baladas da noite. Têm de ser mães, trabalhadoras, sexys e livres. E elegantes sempre. Coitadas...Nós apenas aplaudimos. E sentimos falta de uma mulher mais lenta e relaxada, que não imite Sarah Jessica Parker. Menos piadinhas e mais bom humor, please!
   Não sou comuna. Aliás acho comunas ingênuos. Tão ingênuos como coroinhas de igreja. Mas devo dizer que o capitalismo conseguiu atingir seu mundo perfeito. Pense e veja... Existem séries de TV que têm como atração o trabalho. Sim! Voce fica em casa, após trabalhar todo o dia, vendo gente na TV trabalhando!!! Não é incrivel??? Voce assiste um funileiro consertar um carro, um cozinheiro fazer um banquete para 500 pessoas. Voce assiste um bombeiro em seu cotidiano de work, voce vê uma corretora vender casas e um maquiador maquiar. É o sonho do hiper-capitalismo, transformar o trabalho em show, em desejo, em espetáculo. E tome médicos operando, advogados advogando e vendedores vendendo. Falo que isso é absurdo, muito absurdo. Imaginem numa mesa de bar quatro  amigos conversando: "Cara, quero ser um funileiro e usar minha serra e serrar muito!", "Eu quero pegar meu carro e vender casas! Muitas casas! Yeah!"  Na TV são workers bonitões, glamurosos...Bláh!  Vamos falar a real: Cara, trabalho é uma merda! A gente trabalha porque é obrigado, porra! Não vem o bacana da NBC ou da CBS me dizer que a vida de um peão é excitante. Bullshit!!!
   Meu amigo e eu andamos meio downs. A gente conhece isso: Blues. A verdade é que ninguém ouve blues por anos e passa impune por isso. Voce fica sabendo as coisas.
   A vida é toda imperfeição. O amor é sempre torto. Não adianta negar, amamos aquilo que não temos. Se voce percebe que aquilo é 100% seu, bem, já era, voce perde o tesão. Se voce começa a babar por uma mulher e a ligar pra ela toda hora, logo voce vai ver o que te acontece. Parece bobo falar isso, mas é o que é.
   Mães amam seus filhos porque sabem que vão perdê-los um dia.
   A arte é perfeita. O mundo da arte e do pensamento é perfeito. E mentiroso. Eu passei anos atrás do amor que existia na arte, atrás do sentido que há na filosofia, atrás da beleza que há na pintura e da harmonia que vive na música. NECAS! Isso não existe. Platão estava certo. A vida é sombra. As ideias são a perfeição. A matemática é perfeita. O mundo não é matemático.
  Meu amigo, lembro que voce ouvia Bach e vivia em paz maior. Tá na hora de voltar a Bach.

OUTRAS VIAGENS SOBRE SOLARIS

   Não esgotado o assunto, volto a desenvolver pensamentos nascidos do filme de Tarkovski ( Sobre o filme especificamente falo abaixo ).
   Eu amei seus seios, sua boca e sua pele inteira. Amava seu tom de voz, os dentes tortos e o cheiro de sexo. Sua impulsividade, seu humor sincero e reto, seus sonhos simples. Amava suas canções e o modo como ela ria sem medo ou vergonha. Sua coragem. Mas há uma questão nisso tudo: Eu a conheci? Eu realmente sei quem ela é, foi, queria ser? Ela me conheceu?
   O que sei de sua história? O que ela sente ao acordar, ao menstruar, quando está só, quando pensa nos pais. De onde ela veio, o que fez, o que é. Eu a conhecia?
   Esse é um dos assuntos dificeis do filme. Outro é a identidade. Assunto que é o mais importante da filosofia e da neurologia hoje. Existe um eu? Há algo de particular em mim ou em voce? Não seríamos apenas um arquivo de memórias e de reações óbvias? Que eu sou? Quem ela é? Mais perturbador no filme é: Será possível ter contato com alguém? Ou nos iludimos pensando que aquela distãncia, aquele não-conhecer, aquele quase nada, seja um contato? A questão agora não é mais Quem eu sou e sim, O Que eu sou.
   O filme dá duas pistas.
   Amamos aquilo que perdemos ou que podemos perder. Não amamos aquilo que achamos ter para sempre. Desse modo, pouco ligamos para pais e mães, que nos parecem pra sempre, e amamos a vida, que sabemos perder um dia e aqueles que nos parecem mais distantes. Quem ama a Deus O ama por sua incerteza e não o contrário. Tarkovski diz isso e mais: Amaremos a Terra apenas quando ela estiver destruída.
   Segunda pista: Se ela que eu amo pode ser uma ideia virtual em minha cabeça, o que remete ao fato de que ela não existe e na verdade é substituível; lógico será que eu também seja uma virtualidade na cabeça dela. O filme vai nessa lógica até o limite ( e tentarei não descrever o final perturbador ). A vida como um oceano de memórias, um pai que tem um filho que será e é sempre uma ideia abstrata em sua mente criativa.
   Parece exotérico para voce? Eis o mais platônico dos filmes.

SOLARIS- ANDREI TARKOVSKI.... FILMES DE ARTE PARA PESSOAS INTELIGENTES ( NÉ NÃO? )

   Todo filme que precisa de "bula" ou de manual de instruções é falho como cinema-puro. A linguagem do cinema não é verbal, ela é cinemática ( é terrivel ter de dizer algo que deveria ser tão óbvio ), mas nossa cultura é 100% verbal e então temos de transformar música, pintura, dança e cinema em discurso verbal. Deixa de ser bobo manézão! Filme muito falado, filme que só vale como narrativa verbal NÃO vale como cinema. Pode ser um bom conto, uma aula de filosofia, mas nunca um grande filme.
   Solaris dialoga com 2001 de Kubrick. Lançado 4 anos mais tarde é a versão russa da saga espacial-filosófica de Kubrick. O filme anglo-americano é mais cinemático, ele não precisa de palavras, é puro deleite visual. Solaris é literatura. Fico imaginando os orgasmos que Aronofski e Von Trier devem sentir com sua loooooonga chatice. Tarkovski faz tudo aquilo que eles ( e mais um monte de modernetes ) tentam fazer. Com uma diferença crucial: Andrei tem muito a dizer. E pensa com originalidade. Soderbergh refilmou esta saga em 2002 com George Clooney. Foi seu maior fracasso. Os fãs de Aronofski e que tais não suportam aquilo que seus guias adoram. Vamos ao filme...
   Um psicólogo é enviado ao planeta Solaris. Na estação orbital russa, um dos tripulantes morreu e dois outros ficaram doidos. Porque? Lá, o psicólogo descobre que o mar gelatinoso que é aquilo que compõe o planeta tem o poder de ler a memória das pessoas. Com esse conhecimento ele dá vida a essa memória. O psicólogo recebe então a visita de sua ex-esposa, morta a dez anos. Ela surge como ser de carne e osso, real para todos os outros, mas desmemoriada. Ela é sua esposa, mas ao mesmo tempo não é. O psicólogo se apaixona de novo...
   Realidade virtual. Muito mais sofisticado que Matrix e outros desse tipo, Tarkovski fala que a consciência é uma verdade ilusória. O que amamos? Amamos aquilo que amamos, mas o que é esse amor? Roger Ebert dizia que o filme demonstra que o amor é "amar a ideia que fazemos do amor", amamos aquilo que imaginamos sobre a pessoa amada, amamos aquilo que desejamos crer. O psicólogo do filme ama a réplica de sua esposa, réplica que não é a esposa mas que parece ser essa esposa. Esposa virtual, criada com as imagens da memória do marido, mas, ironicamente, desmemoriada, sem história, sem origem familiar. E essa réplica sofre por não ter história.
   O filme, lento ( Tarkovski é o diretor mais lento de toda a história ), solene, silencioso ( e com algumas poucas cenas com belíssima música eletrònica ), tem um apuro visual que beira o sublime. Por exemplo a primeira cena, das algas e da água, a poética e inesquecível cena dos amantes sem gravidade, flutuando, e a cena final, forte, surpreendente e misteriosa. Não descreverei essa cena, mas direi que ela muda toda a compreensão da obra.
   É um filme chato. Algumas cenas são exasperantes. Por outro lado é um filme que dá tempo a que pensemos sobre aquilo que vemos. Apreciamos uma cena, sempre longa, e depois podemos raciocinar sobre ela. Esse é o objetivo de Tarkovski. Um filme que é como uma instalação, cenas que formam um todo. Sublime? A teoria do sublime diz que a beleza-sublime nasce em meio ao medo, ao esforço, a vitória sobre uma força maior. Este filme nos dá beleza em meio a uma chatice quase insuportável. De seu modo é sublime. Seu mistério fica em nossa memória. É absolutamente original.

O ELOGIO DA LOUCURA- ERASMO DE ROTTERDAM, TODOS SÃO UNS PEIDORRENTOS

   Quando a Biblioteca do Congresso Americano elegeu os cem livros mais importantes do milênio ( ou seja, sem Biblia, Alcorão, gregos e latinos ), este livro, para minha imensa surpresa, ficou em terceiro lugar. ( Dante e o Quixote à frente ). Como atualmente ando estudando, com prazer e fascínio, o humanismo da renascença ( existe outro? ), eis que leio a obra central de Erasmo. Divertida, criativa, ácida, cômica, pessimista, didática e acima de tudo, dúbia. É o mais inteligente livro que li em minha vida.
   Erasmo perdeu os pais cedo e por isso foi aos 10 anos mandado para os monges. Isso desenvolveu nele o ódio aos dogmas, a disciplina, a vida limitada. Logo sai de lá e passa a viver entre Paris, Roma e Londres. Amigo de Thomas More, é na casa do amigo que escreve esta obra-prima. Lançado em 1509, ele logo se torna um sucesso. Todos lêem O Elogio da Loucura e Lutero chama Erasmo para sua cruzada contra o Papa. Erasmo não aceita. Vê nos protestantes um dogmatismo ainda pior que os dos católicos. Fica à parte dessa guerra, o que é condizente com sua obra. Editor, educador, Erasmo mudou a Europa. Anti-erudito, ele se preocupava em jamais parecer sábio, pedante, narcisista. Atacava os filósofos, os doutores, os reis e os bispos. Ria de suas frases sem sentido, de suas crenças vazias, de sua pretensão balofa. Percebia e expunha toda a loucura de seu mundo. E tinha a consciência de que essa loucura fazia desses bufões homens felizes. Ninguém no mundo mais feliz que um rei ladrão, um papa vaidoso ou um sábio cego. Ser feliz é portanto ser um louco.
   Quem fala no livro é a Loucura. Ela é uma deusa que alegremente nos conta um fato inegável: O mundo é dos loucos e aqueles que não o são têem uma vida pobre, triste e lamurienta. Essa a genialidade de Erasmo, nós nunca sabemos quando ele está falando a sério. Por exemplo, ao descrever os Poetas como seres esfomeados, vaidosos e tolos, jamais percebemos se ele os abomina de fato ou os compreende. A deusa Loucura se ri deles e nos convence de sua inutilidade. E assim acontece com advogados, médicos, escritores, nobres, padres e monges. Todos exibidos em sua estupidez, mas ao mesmo tempo Erasmo prova que é essa loucura, a ganância, a paixão, a luxúria, a mentira, a ilusão, que fazem deles homens felizes.
   Os dois momentos mais hilários são as descrições dos monges e das crianças. Monges remelentos, fedidos, passando a vida sem ler, sem trabalhar, inuteis. Bispos que discutem o sexo dos anjos, celeumas teológicos futeis como por exemplo se uma abóbora pode receber o Espírito Santo. E as crianças, egoístas idiotas, burras ( Erasmo sempre fala sem meios termos ), sujas, barulhentas, peidorrentas. E por isso, felizes. Em Erasmo ganha corpo essa certeza de 2013: Ser infantil é ser feliz. A ignorãncia é uma benção.
   Como seria maravilhoso termos um Erasmo hoje! Nos confundindo e nos deixando atordoados ao dizer que felicidade é ser Sarney ou Lula. Que alegria é assistir ao BBB e acreditar naquilo tudo. Ter um Erasmo para arrotar no rosto dos "doutores donos da verdade", peidar em astrólogos, teólogos, marxistas, liberais, cientistas, psicanalistas, existencialistas, poetas e roqueiros. Mostrar a absoluta loucura burra, a auto-ilusão risível que vive em todos esses seres absurdos, pomposos, falastrosos e masturbatórios. ( Inclusive o absurdo de blogueiros que chutam verdades que ninguém lê ). Erasmo seria delicioso ao mostrar o tolo carnaval de universidades e de congressos. Mostraria a infantilidade babosa de doutos venerandos, a loucura do delírio dos criadores de verdades "comprovadas".
   Falei dos capítulos sobre crianças e monges? Puá! Nada supera o escárnio sobre os professores! O modo como ele descreve os caspentos mestres, mortos de fome, ensinando gramática para crianças asnáticas e barulhentas, o modo como o tal mestre se torna um velho surdo, magro e remelento, a maneira como Erasmo por outro lado descreve a absurda e Louca alegria desses mestres fedorentos " que acreditam ter uma missão", caramba!, Erasmo é o Cara!
   Dizer mais o que? Este é desde já um de meus livros favoritos.

CIÊNCIA NOVA- GIAMBATTISTA VICO

   Vico não foi famoso em seu tempo ( 1660-1744 ), mas sua influência acabou por se fazer sentir em Colingwood e Croce, ou seja, até o século XX. Marx gostava dele, assim como Herder, Nietzsche e Heidegger. Qual a marca que esse filósofo italiano deixou?
    Acima de tudo ele era anti-cartesiano. Vico logo percebeu que o modo matemático de Descartes não podia explicar a vida. Isso porque à razão explica apenas aquilo que por ela é feita ou criada. Eis uma grande proposição de Vico: O homem conhece aquilo que constrói. Aquilo que faz. Só podemos entender completamente as coisas que criamos ou que podemos fabricar. A matemática é a criação mais humana por direito e fato. Ela inexiste em animais ou no universo. Ela existe apenas no mundo do homem. Criada, desenvolvida e mantida pelo homem. Se amanhã todos os humanos deixarem de existir a matemática cessará de existir. Portanto, ela é completamente transparente ao homem. Por outro lado, a vida não pode ser completamente conhecida pelo homem. Pois ele não a criou, e não consegue fabricá-la. O mesmo se dá com o pensamento, com a natureza, com o cosmos. Como compreender profundamente algo que não fizemos e que não conseguimos reproduzir?
    Para Vico a grande ciência humana é a História. E história compreende também o estudo da línguagem dos homens, a arte e a religião. O homem construiu a história do homem no mundo e ela pode ser compreendida e totalmente desvendada. É uma obra nossa, de total responsabilidade humana. Vico a estuda então e desenvolve a teoria dos três estágios de uma civilização: a mágica, a heróica e a humana. Na época da magia tudo é obra de deuses e do sobrenatural, na época heróica tudo gira ao redor de heróis e de seres especiais e afinal na era humana se institui o governo dos homens, que pode ser republicano ou monarquista. Espertamente Vico chega a esse ponto pelo estudo das palavras. Ele pega uma palavra latina e pesquisa sua origem. Percebe então, por exemplo, que divino vem de divinare e que divinare era adivinhar, portanto divinizar é adivinhar, ser adivinho. É um belo jogo de palavras, mas nem sempre garantidamente correto. Pois Vico esquece que mesmo o antigo grego ou o antigo latim sofriam influências de outra línguas mais antigas e que uma palavra que pareça ser origem de algo pode ter vindo de uma cultura onde aquele vocábulo possuia outra raiz. De qualquer modo o que hoje nos impressiona é a habilidade e a inteligência da mente de Vico em busca da história.
   É irrefutável o fato de que o conhecimento só pode ser completo quando dominamos o fazer. E que a História é uma ciência 100% humana, ao contrário da biologia ou da química, que estudam coisas que existem independentes da vontade e do saber humano. Têm portanto limites ao nosso conhecimento.
   Ciência Nova foi lançado em 1725 e preparou o século XVIII para a explosão de história que nele haveria. O final desse século assistiria a insurgência do homem e de sua história. Vico, filósofo que hoje é muito reconhecido, sabia.