GLENDA JACKSON VERSUS MAGGIE THATCHER

   Ontem a Tv exibiu bastante os elogios de Cameron à Thatcher. E também os ataques de uma trabalhista a Maggie. Essa lider esbraveja com fúria dizendo que Maggie implantou na Inglaterra o cinismo e o consumismo em sua forma mais cruel. O que a Tv não diz é quem é a feroz oradora. É Glenda Jackson, atriz ganhadora de dois Oscars de melhor atriz, em 1970 e 1973, e que largou cinema e teatro para se dedicar a sua cruzada anti-Thatcher. Seria fantástico vê-la como primeira ministra. Se estivéssemos em 1970 talvez isso acontecesse.
   Glenda surgiu no teatro inglês por volta de 1965. Como um furacão em Marat/Sade dirigida por Peter Brook. A peça, um libelo anarquista contra a moralidade e a normalidade, causou espanto. Pouco depois ela começava sua carreira nas telas. Mulheres Apaixonadas de Ken Russell, baseado no livro de Lawrence lhe deu o primeiro Oscar. Daí em diante, durante sete anos, ela ousou sempre. Em 1973 ganhou o segundo Oscar com a comédia amarga Toque de Classe. Mas já aí ela começava a se queixar. Dizia que os bons papéis estavam sumindo, perdia a vontade de atuar. Falou em largar tudo e virar politica. Ninguém levou a sério, afinal, em 1977 ela era um tipo de Kate Winslet mais séria das telas. Ela cumpriu o dito, largou e nunca mais voltou. Ontem vejo-a na Tv, a esbravejar.
   Nunca foi bonita. E sua nudez nos filmes sempre foi constante e natural. Ela não era bonita mas tinha algo de bicho, de indomável e de hermafrodita que fazia dela uma mulher fascinante. Em Delirio de Amor, aquele filme sobre Tchaikovski que é o mais exagerado carnaval do cinema, ela tem uma presença hiper-sexy como a esposa de Pietr Ilitch. Ela nunca teve medo, sempre foi intensa. Quando o palco e a tela começou a ser mais comedido e bem intencionado ela saltou fora. Sem nunca olhar para trás.
   A geração britãnica da qual ela faz parte foi pródiga em insatisfeitos. As escolas dos anos 40/50 formaram alunos muito inquietos e havia um programa educacional de artes que conscientizou toda uma geração. Terence Stamp, Julie Christie, Alan Bates, Vanessa Redgrave, Tom Courtney, Albert Finney, Edward Fox, são todos atores que esnobaram o estrelismo e tiveram uma postura critica em relação a sua profissão e ao mundo. Muitos deles largaram tudo por anos. Glenda foi a mais radical.
    Uma das mais trágicas consequências do governo Maggie foi a transformação das escolas humanistas inglesas em centros formadores de trabalhadores financeiros. Aprender a lidar com dinheiro passou a ser a maior ambição dessas escolas. Uma mudança pela qual Glenda sempre lutou contra. Não esqueçamos que até 1977 havia desenho, teatro, latim e história grega como parte do ensino normal. Coisas inuteis que serviam apenas para instigar a critica e despertar o senso estético. Isso morreu.
   Mas não Glenda Jackson, que vejo na tribuna chamando Cameron às falas, vociferando contra a memória de Maggie. Glenda hoje velha, sem vaidade, feia, uma bruxa de Sussex, temível e maravilhosamente viva.
   O ensino humanista morreu lá como morreu aqui. 
   Glenda e eu não.

SEI SHONAGON, DOWNTOWN ABBEY E LLOSA

   Interessante entrevista com Mario Vargas Llosa. Ele tem uma definição do que seja essa moda de séries de tv que é perfeita: São boa diversão. Descansam. Mas nunca são arte. 
   Eu concordo. Tem gente que trata Downtown Abbey, que gosto, como arte. Por favor! Só se voce desconhece arte! É diversão pop. Apenas isso. De bom gosto e nada ofensiva a pessoas "esclarecidas". Nada mais que isso. 
   Llosa destaca Faulkner como o último grande autor moderno. Bem...Faulkner foi um gênio. E sua escrita ainda é a coisa mais complexa dos últimos 70 anos. Ele antecipou o mundo cheio de ruidos e de informação em que vivemos agora. A multiplicidade de pontos de vista e a ausência de uma verdade. Para Llosa só Faulkner pode ser comparado a Tolstoi e Cervantes nos últimos 70 anos. Maybe...
   João Pereira Coutinho cita Evelyn Waugh. É um texto chato sobre crueldade, hipocrisia etc. O que me importa é que ele coloca Waugh lá em cima. Ora, que bom! Será que algum mocinho ao ler isso vai fazer o que eu fazia quando tinha 15 anos? Vai a enciclopédia saber quem foi Evelyn Waugh? Ou será que a preguiça e a falta de interesse venceram?
   Recebo a nova Filosofia, revista mensal da editora Araguaia. Walter Benjamin. O modo de pensar do chinês clássico. O carnaval e Dionisos. Well...Benjamin é o mais atual de seus contemporâneos. Porque? Ele era o mais aberto. Não se dogmatizou. Se abriu para a religião, a ciência, a comunicação, as artes. Chineses pensam em termos de mudança. Pouco usam o verbo "ser". Usam "estar". Desse modo voce nunca é alguma coisa. Voce e o mundo estão em um momento que será sempre uma transformação. 
   Querer conhecer um modo de pensar é começar a estudar a lingua em que esse pensamento de expressa. O fato da gramática italiana ser pautada pela musicalidade dos sons, o fato do francês desejar a absoluta clareza dizem muito sobre o que eles são e de onde vieram.
   Romero Freitas diz que o cinema é uma linguagem e que portanto ele não é palavra, música ou pintura. Ele diz por movimento. Lemos o movimento sem perceber. Se conseguimos narrar verbalmente e explicar racionalmente um filme isso significará que ele é falho. O cinema não pode ser explicado. Ele existe. Romero cita como exemplo dois momentos: o olhar de Monika para a câmera em Monika e o Desejo de Bergman; e  todo o Joana D'Arc de Dreyer. O olhar de Monika diz o que? Ele diz, mas o que é dito? Impossível dizer. Impossível descrever. Nós vemos e sabemos o que ele diz. Mas não podemos dizer. Não podemos porque não é literatura. Não é filosofia. É puro cinema. 
   Flavio Paranhos diz em outro artigo, sobre justiça, que O Sol é Para Todos o comove ao ponto de chorar. É o único filme que lhe causa choro. Somos dois. Atticus Finch é o maior nobre do cinema.
   Saiu e já comprei: O Livro de Cabeceira de Sei Shonagon. Escrito no ano 500 de nossa era, é o mais atual dos livros. Uma concubina observa a vida e a descreve num diário. Tudo o que ela escreve parece que foi escrito hoje. Sei Shonagon escreveu um tipo de blog afetivo 1500 anos atrás. Seu livro é um convite para  revalorizar a vida.
   Editora 34, custa 80 paus. Vale mais. 

PAUL NEWMAN/ STAN LAUREL/ VINTERBERG/ GEORGE ROY HILL/ LEE MARVIN

   MONTEREY POP de D.A.Pennebaker
Meu amigo Fernando Tucori diz que foi e é impossível se fazer outro festival como esse. Primeiro porque ele reuniu 70% do que havia de melhor então, segundo porque todos tinham menos de 28 anos. Menos Ravi Shankar, claro. Como cinema é um grande filme. Pennebaker, nome mito dos documentários, captura todo o clima. Fantástico: A platéia é quase tão fascinante quanto os artistas. Observe como não existem duas pessoas parecidas! Sim, é a explosão da contra-cultura. Ainda se acreditava no fim do mundo repressivo. Essa certeza está na cara de todos. Outra coisa duca: os caras terminavam de tocar e iam assistir os colegas...No meio do povão!!! Dá pra ver Jimi e Janis vendo shows com a galera. Assim como Brian Jones andando por lá, na boa...No festival teve muito mais shows. No filme ficaram Simon e Garfunkel, Jefferson Airplane, Hugh Masekela, Animals, Janis Joplin....Quero destacar The Who, que quando vi na TV em 1978 mudou minha vida. Elegantes, livres, corajosos, históricos. Hendrix bota fogo na guitarra. Tem Country Joe and The Fish em momento de absoluto psicodelismo. Mas o show é roubado por Otis Redding. Voz baby, voz...Ravi Shankar encerra botando todo mundo pra viajar e meditar. Como show é um filme nota 10. Como cinema vale um 8. D.A.Pennebaker captou o feeling da coisa. È bem mais que Woodstock.
   VALE TUDO de George Roy Hill com Paul Newman
Grande sucesso, este filme tem uma importância sociológica. Mostra o momento em que o esporte deixa de lado o pseudo-cavalheirismo. Newman é técnico de um time de hockey fracassado. O sucesso vem quando ele aceita o jogo sujo. Aceita mesmo. Não pense que ele se arrependa. A violência vence. Roy Hill é o cara que fez Butch Cassidy e depois o genial e oscarizado Golpe de Mestre. Era um mestre em filmar malandragens. Paul Newman conseguia ser cool até fazendo este trapaceiro, fracassado, sujo treinador. O filme é bem bom. Nota 7.
   DÍVIDA DE SANGUE de Elliot Silverstein com Jane Fonda e Lee Marvin
De todos os filmes que ganharam Oscar de melhor ator, este é dos mais bobos. Sim, Lee Marvin é um ator que adoro. Ninguém mereceria prêmios mais que ele! Basta ver o que ele faz em The Dirty Dozen. E aqui ele está bem como um cowboy bêbado.Mas o filme é bobo. Jane Fonda é a garota que precisa desse cowboy para reaver suas terras. O filme é uma comédia. Um adendo: Eu pensava que Quem Vai Ficar com Mary era o primeiro filme a usar uma dupla de cantores para comentar o filme. Aqui temos Nat King Cole e Stubby Kaye fazendo exatamente a mesma coisa.... é a melhor coisa do filme. Nota 3.
   ARIZONA VIOLENTA de H.Bruce Humberstone com Randolph Scott e Richard Boone
Funciona bem este western sobre a rivalidade entre dois ex-amigos. Boone injeta doses de credibilidade ao vilão. O filme funciona como muito boa diversão. É o tipo do filme que fará um fã de western feliz e que ao mesmo tempo não servirá para conquistar novos fãs. Nota 6.
   ONDE IMPERA A TRAIÇÃO de Don Siegel com Audie Murphy
Séculos antes de fazer Dirty Harry, Don Siegel dirige este western classe B sobre homem que tenta dar paz e ordem a cidade violenta. Siegel já dirige bem aqui. A narrativa é rápida, bem cortada, objetiva. Na verdade não é bem um western, parece muito um filme noir passado com cavalos. Tem até uma femme fatale. Excelente clima. Nota 7.
   OS QUATRO PISTOLEIROS DO APOCALIPSE de Lucio Fulci com Fabio Testi e Lynne Frederick
Viu Django? Eis aqui mais um western spaguetti. Muita violência, música pop, sexo. Na verdade este é um filme bem louco. Fala de um grupo de desajustados que tenta cruzar deserto e chegar a cidade. O sangue espirra, todos são maus e sujos, cenas absurdas. Falta humor aqui. Nota 3.
   FESTIVAL DE CURTAS DE LAUREL E HARDY de Leo McCarey e George Stevens
Que alegria ver O Gordo e O Magro!!! Oliver Hardy e seu tipo ranzinza, vaidoso, ambicioso e Stan Laurel, um gênio, com seu tipo infantil e suave. Uma mistura que deu completamente certo. Eles sempre se dão mal, as coisas sempre rumam para o desastre, e nós, hipnotizados, vemos deliciados a coisa acontecer. Mais uma vez. Ainda há público para eles? A julgar pela constante reedição de seus curtas, sim, há. Nota Dez.
   AS NOVAS VIAGENS DE SIMBAD de Gordon Hessler com John Philip Law e Caroline Munro
Tem os efeitos de Ray Harryhausen. Mas estranhamente eles dessa vez não funcionam. O filme não possui clima, magia, não encanta. O roteiro é muito fraco. Uma pena. Nota 4.
   A CAÇA de Thomas Vinterberg
É impressionante a falta de cultura cinematográfica de muitos de nossos criticos. Alguém falou da obra-prima de William Wyler? O filme Infâmia, com Audrey Hepburn e Shirley MacLaine, fala de duas amigas professoras que são acusadas por uma aluna de lesbianismo. As duas são massacradas pela cidade. Uma delas se suicida e a outra tem sua vida destruída mesmo após a prova de que a aluna mentia. Esse filme do mestre Wyler é um dos filmes mais cruéis e devastadores que vi em anos. Acima de tudo é uma aula de direção. Dito isso devo dizer que este A Caça é um filme bem bacaninha. Claro, eu abomino o cinema feito na Escandinávia. Todo filme vindo de lá tem essa marca da religião luterana: pregação moral, ausência completa de humor, criatividade fria e "utilitária". Não são filmes, são pregações sobre o mal e o bem. Agora voce pode dizer: Mas seu amado Bergman não foi escandinavo? Sim. E Ingmar teve todos os defeitos dessa alma luterana. Mas ele compensava isso com seu senso absoluto de estética, de beleza e do sublime. Ingmar era um esteta, um apaixonado pelas mulheres, pelo mar e pela luz. Isso redime sua herança escandinava. Filmes como esse A Caça me entediam porque antes de vê-lo eu já adivinho tudo o que será filmado e como será demonstrado. Mas é um filme bacaninha. Tem um ator bom. Nota 5.

O MORUMBI

   A avenida Jorge João Saad, aquela que vai dar no estádio...era um córrego. Não,não era, era mais que um córrego, era um riacho. Para ir à escola eu tinha de cruzar esse córrego. A ponte era um tronco de árvore caído. Passava correndo, sem olhar pra baixo. Quando chovia não ia, tudo alagava. A Giovanni Gronchi era uma estrada, não uma avenida. Estrada porque parecia não ser mais São Paulo. Asfaltada, era caminho para Itapecerica da Serra. Ao longo dela só eucaliptos. Florestas de eucaliptos. O cheiro forte, sempre frio. Som das folhas ao vento, chuva de folhas, sombras. Quilômetros de eucaliptos. Por toda a Giovanni só 3 construções: o estádio, o colégio americano e ao final a fábrica da Pullmann. Era engraçado. Após um tempão de árvores e cheiro de árvores, súbito, cheiro de bolo assando. Ao redor da Pullmann tinha sempre a marca dos bolos ao forno.
  A avenida Morumbi era rua de travestis. Quando ela chegava junto a ponte do Brooklyn. "Moças" de minissaia faziam ponto nas calçadas. Era mais uma avenida de eucaliptos. Terrenos vazios, bosques e os travestis. Um nada completo. Algumas poucas mansões enormes. Sem muros. Se passeava para se ver as mansões.
  Mas eu morava em outra parte. Na beira do Morumbi, perto de onde hoje é a TV Bandeirantes. Algumas ruas já tinham asfalto e nelas se andava de kart. A maioria era de terra. Poucas ruas. O bairro era uma confusão de terrenos baldios sem muro que se uniam a mais terrenos baldios. A gente podia andar em linha reta, cruzando dúzias de terrenos, terras que pareciam sem dono. Naquela parte do bairro não tinha eucalipto. Eram campos de capim e de mamona. E enormes cupinzais. A gente fazia guerra de mamona e cachimbos pra fazer bola de sabão. Na minha rua passava um carro a cada meia hora. 
  Lagoas a todo lado. Algumas com fundo de pedra. Meu primo nadava pelado. Pegava siri. Riachos cheios de peixinhos. Amarelos, eles nadavam contra a corrente e eu ficava doido de prazer em ver seus corpos claros na água com sol. Parecia um tipo de milagre. No fim da tarde tudo se lotava de sapos e rãs. 
  Cobras verdes, fininhas, andavam pelo capim. Enormes incêndios. O capim fazia um barulho legal quando queimava. Estourava. Cobras cegas quando a gente cavava junto ao cupinzal. Ela eram brancas e feias. Diziam que cuspiam no olho da gente. Ratos enormes. E gambás. Preguiças. Micos. Eu vi. E não faz tanto tempo assim.
  Tinha uma bica onde a gente bebia água. E da frente da minha casa dava pra ver a avenida Paulista. De tarde a gente via o relógio do conjunto Nacional. Da porta da cozinha a gente via o pico do Jaguaré. Bem claro, verde, parecia perto. O Morumbi era lugar de se ver longe. E de escutar. Pássaros a semana toda e a torcida no estádio domingo de tarde. 
   Quando chovia era lama. Muita. E no inverno era muito frio. Nevoeiros que duravam o dia inteiro. Calor de cigarras e de gafanhotos. E eu juro, vacas que passavam de mansinho na frente do meu portão.
   O que eu fazia? Eu olhava. Como eu olhava! Deitava junto a um abacateiro e ficava olhando nuvens. Elas se modificavam, voavam, paravam, iam-se. Quando surgia um avião era uma festa. Vóooooommm...e passava-se. Às vezes dava uma tristeza... a poesia já se avizinhava de mim. Eu sabia tudo tão lindo e ao mesmo tempo sabia que tudo passava. 
   Um dia achei em minhas andanças piso de cerãmica em meio ao mato. Restos de uma casa demolida desde quando? O muito velho deparou-se comigo. Ruínas. Uma coluna caída, um resto de porta. 
   Outro dia era a piscina onde flutuar era um tipo de nascer outra vez. Sabia na pele que tudo era ciclo. Mas acreditava sem pensar em crer que a árvore da minha tia era para sempre. Mudanças que mudavam sem passar.
   O Morumbi era um campo de aprendizado. Aprendia a ver, a escutar, aprendia a pensar em ócio. Entendia o espaço. 
   2013 são 40 anos depois. E agora o eu que sou sabe que não existe vida sem espaço aberto, sem horizonte e sem poder ver o Jaguaré. Não existe vida sem cigarras e sem pontes pra cruzar. E a morte mora em muros altos e terrenos fechados. 
   

THATCHER VENCEU TODAS E TODOS SEMPRE

    O que posso dizer sobre Maggie? 
    Ela mudou o mundo. Foi a última lider a mudar globalmente a história. Acabou com a Inglaterra trabalhista, do bem-estar social. Com ela nasce a politica como administração econômica. O que passa a importar é o saldo da balança e nunca a população em si. Mesmo governos aparentemente diferentes de Maggie ( posso citar o PT e Clinton ) se guiam por essa coisa "maggiieana":  Politica é salvar a economia.
    Ela pegou a Inglaterra quebrada. Era o tempo dos punks, dos hippies e do país aturdido pelo IRA. Tive um amigo que morou em Londres na época ( 1975/1977 ). Era uma cidade maravilhosa e decadente. Jovens imigrantes moravam de graça em casas abandonadas. Comunidades eram sustentadas pelo governo. O imposto dos mais ricos chegava a 50 por cento ( o que fez com que quase todos os astros do rock se mandassem e fossem chamados de traidores ). A Irlanda do Norte pegava fogo e a sensação era de fim do mundo. Por mais que fosse uma deliciosa cidade de glitters e pré-punks, Londres não tinha futuro nenhum. Às vezes lembrava a Berlin de 1920. Claro que um discurso baseado em força e coragem venceria. O que os conservadores não esperavam era que Maggie salvasse a economia e matasse a velha e risonha London Town. 
   A coisa pegou fogo e em todos os confrontos Maggie venceu.
   Jovenzinhos de 2013 não sabem, mas a Inglaterra já foi país de gente viril. Os trabalhistas, nascidos nas minas de carvão de Newcastle eram a verdadeira imagem do povão. E os intelectuais seguiam o esquerdismo elegante de Shaw. No rock os Kinks eram seus representantes. Tudo se foi com Maggie. Ela esmagou a esquerda e as velharias e se tornou o modelo daquilo que Reagan faria nos EUA. O pau comeu. Ela fechou todas as estatais que não davam lucro. Os mineiros foram pra rua. Fizeram greve de fome e Maggie os deixou morrer sem ceder um centímetro. Surrou os argentinos, matou irlandeses, enfrentou passeatas com bombas e cães. Assustou tanto a esquerda que ela se desfez aos poucos. Principalmente porque a Inglaterra voltou a se sentir segura, imperial, dona do próprio nariz. Enriqueceu. Mas pagou um preço alto, se tornou um país frouxo. 
   O cinema acabou. Todo incentivo estatal a cinemas menos pop se foi. O cinema inglês passou a depender da TV e da publicidade. Derek Jarman e Stephen Frears tiveram de ceder. No rock houve uma guerra. As bandas "two-tone" ( Specials, Madness, Beat ) junto a Clash, Costello, Paul Weller, passaram a se radicalizar. Lutavam frontalmente contra Maggie. Ao mesmo tempo nascia o novo rock inglês, bandas que variavam entre um deslumbramento yuppie ( Duran Duran, Human League, Spandau Ballet ) ou uma melancolia derrotada e flácida ( Joy Division, Smiths, Ultravox ). Logo todos os rebeldes se calaram e o rock da ilha desde então varia entre os alegrinhos fofos e os tristes presos em seu quarto. 
   Vencendo todos e sendo reeleita sempre de barbada, Maggie acabou assustando até seus eleitores. Porque eles começaram a perceber que a velha England havia morrido. Não havia mais espaço para o bom teatro subvencionado, para os excêntricos revolucionários e para os "doces vagabundos". Tradições que faziam da Inglaterra um pais único foram esquecidas. E os futuros lideres sumiram. Tarde demais perceberam que a Inglaterra não voltara a ser a potência de Disraeli e de Asquith mas apenas uma Boston da Europa.
    O legado de Maggie foi o de ter acabado com a politica como coisa abstrata. A realidade passou a ser o balanço econômico. Tudo se resumindo a inflação e desemprego. Não se pode negar, Maggie venceu. Todas e todos. Sempre..

QUANDO UM TEXTO MUDOU UM SÉCULO....A VONTADE DE SENTIR, POR SCHILLER

    Vick-Vaporub, começo este texto com esse nome. Logo direi porque. Digo agora então que o texto de Friedrich Schiller, aula de estética, é um dos melhores e mais comoventes testemunhos que li em minha vida. Durante as 3 horas da aula eu fiquei profundamente comovido. Alguém em 1795 havia falado TUDO AQUILO QUE EU SINTO, BUSCO, SOFRO, DESEJO. 
   A professora deixa claro, o texto do alemão genial, melhor amigo de Goethe, contemporâneo de Schelling, Kant, Beethoven, Schubert e Holderlin, mudou o século. Poucas páginas que modificaram todo o mundo ocidental. Lembremos, a época de Schiller é o tempo em que o livro é rei único. Nunca antes ou depois se levou um escritor e sua obra tão a sério. Era um mundo da palavra, do discurso, da pena. Mas é hora de resumir. Do que trata a tão capital obra? 
   Falemos então do sublime...e não pense que esse assunto se restringe a poetas e músicos. Ele é o maior desejo de todos.  Já mostro como e porque.
   No mundo grego o sublime era valor cotidiano. O sentimento sublime era vivenciado na cidade em jogos, na arte e nas festas. Para eles, a função da arte era dar ao homem essa experiência. Por toda a história européia esse desejo permaneceu, às vezes em maior evidência ( idade média e renascimento ), às vezes quase extinto ( era iluminista e século XX ). Schiller ao escrever seu texto rompe com essa tradição iluminista anti-sublime. Demonstra o mecanismo do sublime, sua diferença do belo e prova que onde ele mais se encontra não é na arte mas sim na natureza.  O universo está impregnado do sublime, nossa razão é que o evita. Porque? 
   Primeiro porque ele é súbito e não programado. Segundo porque ele quase aniquila a razão ( mas nunca o eu ). 
  Nosso eu tem como maior desejo seu crescimento. Queremos ser maiores, mais inteiros, livres. Ser livre é ser maior, crescer sem amarras, sem tempo e sem espaço. O belo nos contenta, faz com que nos sintamos em paz com nosso eu, satisfeitos e em equilíbrio. O belo faz com que nos sintamos nobres. O sublime vai além disso. O sublime nos dá medo. O sublime nos desafia a enfrentar a vida. Diante do sublime nos encolhemos, nos apequenamos. Sentimos nosso eu em grave perigo. Vemos o que preferíamos não ver. Nos desequilibramos. Fosse só isso não haveria motivo algum para irmos atrás do sublime. Mas após o horror vem o prazer. Por vencermos o medo, sentimos nosso eu crescer, se fortalecer, prevalecer. No sublime o terrível se torna belo, a vida vence a morte, o medo é destruído pela vitória. O sublime nos move pois aumenta nossa percepção da vida. 
   Aqui faço uma pausa: Liotard e toda a intelectualidade de Paris postula o sublime como única saída possível para a arte em crise de nosso tempo. Para eles, só a volta do sublime poderá fazer a arte voltar a ser relevante e viva.
   A tese de Schiller tem uma história. Antes dele Joseph Addison já dizia que a "imaginação ama ser preenchida por algo que a força a ir além de seus limites".  Nossa mente ama a contemplação do mar, das montanhas, do céu, de tudo que signifique espaço aberto, força, poder, liberdade enfim. Sentimos atração pelo que é maior que nós e nos força a ir mais longe.
  Schiller pega essa tese e a reforça. Amamos o mar. A montanha e o céu. Mas, mais que o mar, amamos o mar tempestuoso, terrível, em vagalhões. Mais que a montanha amamos a avalanche, o vulcão, a tempestade de neve, e mais que o céu, amamos o raio, a chuva, as estrelas que caem. É o sublime, o perigo que ameaça e ao qual vencemos. 
  Edmund Burke antes de Schiller falará em beleza positiva e negativa. Positiva sendo pequena, doce, delicada. Negativa sendo grande, escuro e ácido. 
  Entra na história Immanuel Kant...."O modo como nos relacionamos com o mundo é ditado por nossas faculdades."  Ou seja, o sublime mora na natureza e como somos parte da natureza, mora em nós. Para Kant, o que importa não é o sublime fora de nós, mas sim "o modo como olhamos o sublime, o processo entre o olhar e o sentir."
  Porque certas pessoas, pobres desafortunadas, passam pela vida sem um só momento sublime? A resposta se encontra no tempo. É preciso tempo para se olhar, é necessária uma vida contemplativa, é primordial a experiência cotidiana do belo, é fundamental a educação dos sentidos e dos apetites. Saber ver, saber ouvir e saber ser livre. Mais Kant:
  "Veja: A obra de arte ( verdadeira ) é sem conceito, livre, jogo puramente estético. Imaginação em harmonia com a razão. A imaginação criando e a razão construindo. Nada aqui é conceitual ou lógico. O que se joga é o prazer. A arte é sempre um prazer."  
  Kant ainda afirma que a arte é universal, pois é como se qualquer um pudesse ser atingido pelo jogo. "Como se" é diferente de "é". Necessário um conhecimento para se fazer parte do jogo, o conhecimento do belo e a vivência da liberdade.  O belo nos coloca em harmonia conosco-mesmo, estimula nossa vida, vivifica nosso desejo de estar vivo.
  Voltando a Schiller:
  Se o belo nos harmoniza, o sublime nos coloca em conflito. No sublime a razão entra em guerra com a imaginação. O que é criado não se completa na razão, antes a desafia. A dor da desarmonia é o primeiro sentimento do sublime. 
  Nascem então dois tipos de sublime:
  O matemático e o dinâmico.
  O matemático tem a ver com tamanho e proporção. Diante do muito grande a imaginação sente sua impotência. Não consegue o apreender. A razão força a imaginação a se superar. Podemos então superar nossa própria imaginação. Surgem as ideias supra-sensíveis: Liberdade, Deus, Infinito.
  Só na arte o ser humano pode ser livre. Pois é na arte que todas as categorias lógicas são plenamente usadas, ou seja, o ser transcendental e o ser do conhecimento. Na arte vamos além do mundo sensível, além do conhecido e além do animal. Chegamos a plena liberdade.
  O sublime dinâmico lida com o movimento interno que nasce no sublime. Diante da força vital sentimos medo. Medo diante do que é forte demais, vivo demais. Dinâmico demais. Nossa vitória começa ao reconhecermos nossa ínfima pequenez diante dessa força. Ao mesmo tempo resistimos e aí começa nosso prazer. Nesse sublime sabemos todo o tempo sermos fracos e pequenos, mas resistimos e assim vencemos.  Vencemos porque possuímos nossa razão-moral. Razão-moral que é a liberdade. Liberdade por estarmos além do plano animal, por podermos resistir moralmente a nossos instintos, a nosso medos. O prazer vem do distanciamento diante da ameaça.

  Para Schiller, o desenvolvimento estético possibilita a liberdade. Dá a possibilidade da escolha moral. Aprendemos a usar nossas faculdades além do mundo da experiência. Nos tornamos mais do que aquilo que somos.

  Esse texto caiu como uma bomba. Por pouco mais de cem anos a busca pelo sublime ditou o comportamento de todo jovem. Viagens de aventura, experiências com sexo e com drogas, arte pela arte, andarilhos, voluntários em revoluções....A busca pelo sublime não tinha fim e se morria sublimemente. Acima de tudo o amor. A dor que causa prazer= sublime= amor.

  Vick-Vaporub. Em ano de absoluta solidão, sofrendo de asma e cheio de Vick no peito, eu lia, com insônia, ouvindo o vento do inverno de 1977 bater na janela. Ainda quase criança, descobria o desespero de Kafka e de Dostoievskie e amava a Jeanne, menina triste que se foi logo. Cercado pelo cheiro de Vick, nas sombras de meu quarto gelado, eu lia e sofria....e tinha um estranho prazer. Uma sensação de proibido, de perigo, de doença misturada com sensualismo, de vida real tingida por além da vida. Eu crescia, me expandia, ia além, e sofria. Sublime. Não foi belo, foi sublime.
  Como sublime foram meus amores exagerados, como sublime é toda vez que olho para a Serra do Mar: me sinto pequeno e então me sinto grande...pequeno e grande, pequeno e grande, medo e prazer, encolhimento e liberdade.

  Nosso mundo sem tempo e sem o culto do belo desprepara todos nós para a possibilidade do sublime. Pior ainda, quando ele se aproxima paramos assustados no medo e NÃO OUSAMOS IR ALÉM DELE. Ah.....Mas amamos o sublime mesmo sem o saber! O procuramos ao saltar de para-quedas, ao cheirar coca, ao chorar num show de Neil Young ao amar a menina "errada". Lemos poesia, mergulhamos no Caribe, bebemos até cair, tudo em busca desse momento de sublime, dessa queda para cima, dessa morte que dá vida. 

  Crescendo cercado de patos e coelhos, com ruas de barro e lagos limpos, cercado de primas e de pratarias e porcelanas, meu senso de belo foi despertado, meu desejo pelo sublime conhecido e reconhecido. 
  Não tenho feito outra coisa além de procurar esse momento. 
  Que às vezes vem num pote de Vick-Vaporub. Ou no mar ao amanhecer em dia gelado. Numa melodia do Roxy Music ( For Your Pleasure é o sublime no rock ), numa calçada diante da janela da menina amada.
  Na minha única fé verdadeira: A vida vale a pena por ser sublime. E é só isso que me move.

OS 100 MELHORES DISCOS DE ESTRÉIA PELA REVISTA ROLLING STONE ( JAMAIS EU ).

   Eu até posso compreender que o primeiro disco dos Beastie Boys seja o mais importante disco de estréia da história. Afinal ele trouxe o rap para os brancos e o rap é a última coisa inovadora criada no rock. Lembro em 1985 como a gente achava esquisito aquele sampler de John Bonham, roubarem os riffs de Eddie Van Halen e Jimi Page, os vocais que não cantavam. Era coisa nova, realmente nova. Mas...não era simples cópia de Public Enemy e de Run DMC? ...
   O segundo melhor disco de estréia é o Ramones. Ok, o modo de tocar a guitarra deles mudou o rock, mas em 1977 eles não causaram a menor comoção. A gente se ligava muito mais nos Pistols e no Clash. Segundo melhor? Acho que o critério de influência, de novidade começa a fazer água quando a gente vê que o disco de estréia de Elvis Presley está em 79...79!!! Se for por influência nenhum é mais importante e se for por qualidade...então Ramones não pode ser o segundo melhor.
   Jimi Hendrix, Are You Experienced?, é o terceiro. Aí sim, o disco une qualidade com influência. Hendrix fez com que todo guitarrista de repente ficasse velho e o disco é uma obra-prima em criação. Mas Guns and Roses em quarto lugar só pode ser piada. Ou pior, provocação boba. 
   O disco de estréia mais importante da história, o disco que criou de Radiohead a Rem, de Stooges a Bowie está em quinto lugar: Velvet Underground e o disco da banana. Esse seria o justo número um, pelo simples fato de que ele criou sózinho todo um modo de fazer e de ouvir rock. Da capa do disco às roupas dos caras, tudo no disco é influente. E atemporal. Axl estar à sua frente é uma piada.
   Depois temos NWA em sexto e na sequencia Sex Pistols ( pra mim é o segundo disco mais importante ), Strokes ( what? ), e que bela surpresa: o disco da estréia de The Band em nono lugar. Se o Velvet criou o rock artístico, o rock anti-pop e anti-social, The Band inventa em 1968 o rock suave da recuperação da sanidade. Fazem a ponte do folk com o pop, da música de bom gosto com a sinceridade da solidão. 
   O resto da lista? Em ordem: Patti Smith, Nas, Clash, Pretenders ( que beleza! O disco Pretenders I é uma bomba de criação e de raiva ), Jay Z, Arcade Fire, The Cars, Beatles, REM, Kanye West, Joy Division, Elvis Costello.... Lembraram do ótimo disco do B'52's e o colocaram em 28. The Doors, que seria o melhor pra muita gente, ficou em 34, The Police em 41 e Television em 40. 
   Se está a se pensar em influência o primeiro disco do Black Sabbath não mereceria melhor posição que a 44? Os Smiths surgem em 51 e o maravilhoso, arrojado, soberbo, enigmático e lindo Roxy Music I fica num 62. Vixe!!!! O Roxy é hors concours....
   Temos ainda Pink Floyd em 47, The Beat em 64, Stooges em 66 e o primeiro dos Talking Heads em 68.  Byrds em 80 e lembraram dos Flying Burrito Brothers, em 99. 
   Acima eu falei que o Velvet seria o melhor disco de estréia da história por ser o mais influente. Esquece! Led Zeppelin I é o mais influente disco de estréia da história. Um disco que mudou o modo como um guitarrista deveria solar e um baterista deveria tocar. Na lista da Rolling Stone ele é o 72. Quem assistiu o filme Quase Famosos sabe que por toda a década de 70 a revista RS ignorou o Led. Toda crítica de novo disco era negativa e as excursões eram cobertas por jornalistas novatos com pouco espaço nas páginas de uma revista que preferia apostar em Boston, Steely Dan ou Dr. Hook. 
   Certas coisas nunca mudam....

O PÁSSARO RARO- JOSTEIN GAARDER

   Caiu nas minhas mãos, uma amiga pediu pra eu ler. Li. O Mundo de Sofia é bom. Uma bela maneira de se entrar no mundo da filosofia. Ainda lembro da impressão que me causou o capítulo sobre Berkeley. Mas este livro, que é o primeiro de Gaarder, lançado em 1986, é beeem pior. Sorry.
   São contos filosóficos. Num deles uma mulher com câncer descobre o budismo. Em outro um homem com câncer quebra loja de porcelanas. Há um conto futurista sobre mundo interligado. E por aí vai. Todos falam sobre gente no limite, momento em que o interesse pela filosofia nasce. Claro, são todos filosóficos. Ok, mas Italo Calvino e Borges fazem esse tipo de conto de modo muito melhor, muito mais filosófico e com uma originalidade que Gaarder não chega nem a sonhar. Ele escreve mal. Muito mal. Belas intenções, pensamentos válidos, falta talento. 
   Num dos contos, Nietzsche comparece. É demonstrado um fato: Apolo venceu Dionisos e no mundo de hoje somos fracos e assistimos passivos a vida rolar. No século XIX ainda se faziam coisas, mas agora apenas as olhamos. Ok, tá certo, mas e daí Jostein? Falar isso não é fazer um conto. Onde sua criação? 
   Em outro conto o personagem descobre que o mundo é impossível. É impossível estarmos de pé num planeta que é uma bola, é impossível que o ar vire energia e queime dentro da gente, é impossível que uma explosão tenha do nada criado o tudo, é impossível que Deus exista e é impossível que a mente de carne e sangue produza pensamentos abstratos, a vida é impossível. Mas tudo isso é real. Nasce desse aturdimento, sentimento que só os acordados têm, a filosofia. Belo tema para um conto né? Necas! Gaarder escreve um conto moroso e xoxo. 
   Livros como filmes às vezes são profundos e geniais ao falar de férias na praia ou de um homem e seu cavalo. E às vezes são incrivelmente rasteiros ao falar de Nietzsche, Deus e Platão. Um artista verdadeiro transforma uma conversa em mesa de poker em arte, um fariseu consegue fazer do ouro, pedra. 
   O Pássaro Raro é um pedregulho.

ROGER EBERT

   Li alguns livros de Roger durante esta década. Ao contrário do que dizem os jornais, ele não foi o melhor crítico de cinema do mundo. Pauline Kael escrevia melhor que ele. Ebert foi o único a ganhar o Pulitzer. De qualquer modo, eu adorava ler suas opiniões. Em 90% dos casos elas batiam com as minhas. 
   Uma das melhores coisas que um critico pode ter é o dom de despertar no leitor a vontade de ver o filme. Ou fazer com que um filme já visto pareça ainda mais interessante. Roger fazia isso. Sua crítica de 2001 é uma obra-prima. O melhor em Roger Ebert era sua falta de preconceito. Ele amava Bergman e Peckimpah, achava Steve Martin tão bom ator quanto Sean Penn. Para ele o Coelho Pernalonga não era menos nobre que Kurosawa ou Bunuel ( não é mesmo! ). Não porque ele fosse um mero criador de caso. Não porque ele fosse um cara anti-intelectual. Afinal, ele adorava Dreyer e Godard. Roger era simplesmente um amante de cinema. E via a arte em Duro de Matar assim como em ET e Asas do Desejo. Ele não elogiava uma comédia de Mel Brooks com menos rigor que Fanny e Alexander. Ele a assistia com encanto, o encanto do amor. Para ele o cinema era dividido em filmes bons e ruins, mal feitos e bem feitos, sinceros e mentirosos. Simples assim.
   Quando ele achava um filme ruim esse filme era chamado de lixo, porcaria ou vergonha. Ebert não temia ser direto. E tudo isso seria mero palpite se ele não nos convencesse. Se um filme era ruim, ele nos explicava o porque de sua ruindade. E se era bom, normalmente ele nos fazia entender sua grandeza. 
    O que o guiava era o prazer de ver e de ouvir. Um filme deveria ser instigante. Despertar alegria ou saudade, questionar ou incomodar, mas jamais fazer o tempo se arrastar ou a bunda doer. Cinema é amor ao ato de se filmar. Cinema é dar ao público uma emoção que pareça nova, fresca, renovada. Grandes filmes sempre parecem novos. Filmes ruins já nascem velhos.
    Roger Ebert morreu ontem após uma longa luta com o câncer. E viu Hitchcock, Wilder e Kubrick até o fim. Disse que teve uma vida sem tédio. 
    The End.

CAMBRIDGE E OS SEM RÓTULO

   Tenho um professor que estudou em Cambridge. E em meio a aula ele fala da imensa variedade de tipos excêntricos que continuam a aflorar na universidade. Ao contrário de Oxford, muito mais "comum", Cambridge sempre foi famosa por atrair os tipos mais desajustados. Estranho o efeito que essa aula causou em mim. Um alivio súbito, um desafogo.
   Há uma tendência em mim, imposta pelo meio, óbvio, em me fazer invisível. Adotar um molde e passar então a crer na verdade desse molde. Desse modo, erro sempre ao tentar ser integralmente aquilo que me é sutilmente imposto. Lembro que meu terapeuta ( sim, já tive um terapeuta assim como um pai de santo ), dizia que o que nos outros normalmente se passa inconscientemente, em mim era sempre analisado. Meu vicio era o de analisar demais. Quando voce penetra nesse campo ( alô freudianos: penetra! ), a razão, essa ferramenta que teme tudo o que é vago e se ressente do que lhe escapa, passa a nomear aquilo que voce é. Assim passo a ser um rótulo, seja um dandy, um romantico, um moderno ou até mesmo um irracional. O rótulo se faz um alivio: "Óh! Eis o que sou!"  Triste armadilha, sempre que me vejo rotulado entro numa zona cinzenta onde nada acontece e os dias parecem ser todos iguais. Um tipo de depressão das possibilidades, a morte da minha "esquisitice". 
   Mas quando o professor fala dos cambridgeanos, e é claro que não estou me tornando um deles, não peguei emprestado mais esse rótulo, vejo diante de mim as imensas possibilidades de comportamento e de pensamento que existem na fauna humana. Porque seguir uma coerência e para que imaginar um perfil comportamental? A vida segue irrefletida e há uma multidão de seres sem rótulo que tentam e às vezes conseguem viver. Pessoas ilógicas, incongruentes, contraditórias, impulsivas e criativas. Pessoas que na verdade têm como único compromisso o erro, natureza e fim da vida. Errar em sua acepção original, que seja, tentar e nunca chegar a conclusão. Errar é viver, pois o acerto final, a conclusão é a morte, seja ela um fim-zero de tudo, ou um portal, conclusão e recomeço. Na vida que é sempre um erro e jamais uma certeza, tudo é tentado, tudo é modificado e reside nessa confusão de tolices e de quimeras a graça e a doçura de se estar aqui. A vida se escreve sem revisão, sem plano, sem autor. Erros sobre erros, acertos que nunca são conclusões e sim entradas para novas tentativas. 
   Ando pelas ruas, flanando, e observo os cinco ou seis tipos de gente que há ( aparentemente ): o moço de camisa xadrez e barba, o perfumadinho de polo, o careca de óculos e cafés, o funkeiro de calça skinny, o bonitão- bermudão e chinelo e o bombado de camiseta justa com frase gracinha. Muuuuita gente segue um desses perfis e uma das coisas mais chatas deste mundo que parece tudo permitir é a de que num show de rock ou no cinema, nunca tantos foram tão iguais. O moço do xadrez gosta da esquerda e da Vila, tenta ser bem brasileiro; o do polo ama New York e adora carros; o careca tenta ser liberal e vê todos os filmes "sérios" da Escandinávia; o funkeiro ri e só pensa em zuar; o do bermudão está sempre nas baladas e tem várias mulheres e o bombado faz pose e tem sempre uma turma. É só isso? Pior que muuuuuitas vezes é. Passivamente, sem perceber, pois todos se acham únicos, o molde se ajusta e o cara começa a falar e a pensar como aquele modelo de "homem". O tipo físico fazendo-ditando o espirito. Veja: Quantos gordos engraçados voce conhece? Quantos Johnny Depp ?
   O que essa aula Cambridge me deu é a certeza de que mesmo o careca de óculos que só fala em Hannah Arendt ou o barbudinho que só fala em cerveja, têm dentro de si uma vontade imensa de jogar essa bosta toda no lixo e se deixar errar. Rir de Hannah e deixar a cerveja ficar aguada. Duvidar de sua turma, ser incongruente, aloprar. Afinal, este professor é um surfista que dá aulas de ética e fala sânscrito. Irrotulável. 
   

MAIGRET EM NOVA IORQUE- GEORGES SIMENON

   É meu quarto livro sobre o inspetor Maigret. Simenon, autor popular que foi resgatado por autores ditos sérios, escrevia muito. Era capaz de fazer um livro em quinze dias. Alguns mais ambiciosos, outros não. Irônicamente os livros mais leves são aqueles que sobreviveram. 
   Livros policiais são maravilhosos. E muito dificeis de se escrever. Chandler, Thompson, Hammett, Cain, e os europeus Leblanc, Christie...dá até pra botar Poe e Chesterton no bolo. E nos anos 40/50, Simenon. O que nos seduz em seus livros é a mesma coisa que nos de Conan Doyle, a habilidade em criar ambiente. Lemos e vemos, sentimos aquilo que Maigret vê. O autor nos pega e nos leva a bares, ruas e hotéis, ao porto de New York, aos escritórios suspeitos. A trama, o mistério são secundários. Aqui, como em todo livro policial, o que ressalta é o clima. Por isso o cinema ama tanto esse tipo de literatura. Questão de décor, de movimento, de luz e de sombra.
   O caso, como em todo livro de Maigret, é intrincado e ao mesmo tempo simples. Ele parece complicado, é óbvio. E o óbvio sempre é o mais dificil de se perceber. Sim, muitos já disseram que Simenon foi um autor existencialista. Ora, os existencialistas foram hiper afetados pelos livros policiais! O herói vagando sem familia e sem lar, sem raiz e sem futuro pelas ruas escuras da cidade grande É Sempre um existencialista. Tão existencialista que ele faz, nunca escreve. Ele existe. Até hoje.
   Delicia!

LOLLAPALOOZA 2013- BUNDINHAS COM TALQUINHO

   Hot Chip. O que é isso? Um bando de fofuras de bundinhas talquinho espalhando piruetas de baby Johnson pelo palco....É pra rir? Antes que me chamem de homofóbico: AMO Bichas loucas como Bowie foi, Eno, Lou, Marc Almond , Mercury e um imenso etc. Adoro dandys dúbios como Marc Bolan ou Ferry. Mas esses meninos bonzinhos...vá dormir!
   Em meio a um imenso mar de covers de rock anos 80 ( nada de novo no ar, absolutamente nem uma nota original ), salvou-se a tentativa soul dos Alabama Shakes, banda que se ressente de não ter um baterista melhor; e um ar meio festivo dos Black Keys, esses errando por não ter mais groooove. O Queens é bom, mas toca em palcos errados. A platéia de mocinhos fofos e meninas gracinhas NADA têm a ver com os músculos de seu som.
   O Brasil matou a pau. Criolo teve todo o roll que 90% da gringolandia esqueceu. Foi sujo, suado, errado, barulhento e anárquico. E o Hemp instaurou  a alegria do mal comportamento. Sabe como é, gente do fundão e não os fofuretes da primeira fila. 
   Sacou?