BRIAN PETER GEORGE ST.JOHN LE BAPTISTE DE LA SALLE ENO, SIM, ESSE É REALMENTE SEU NOME DE BATISMO....

   Quando os músicos da New Wave, em 1978, começaram a fazer montes de videos ( Eat to The Beat, do Blondie é o primeiro lp a ter todas as faixas transformadas em video-clip ), era na fonte das pesquisas de Eno que eles se inspiravam. Há um video que postei- King Leap Hat- que exemplifica aquilo que os wavers procuravam fazer. O video mostra o que entendo por video-clip. É soberbo, instigante e divertido.
   Se o rock pode ter um dia um gênio que represente a corrente hiper-bem-informada da arte, esse cara é Eno.Se Dylan é um gênio ele o foi como poeta puro, se Bowie foi um gênio ele foi um tipo de ator distanciado, mas se Eno foi um gênio ele foi um tipo de Cocteau/Picasso, o aglutinador, o fermento.
   E sempre sob controle, sempre elegante.
   Nada do que postei é de sua fase mais radical. Todas são canções em formato pop. Mas já com a ambientação fria, distante, sem emoção definida e profundamente visual de Eno. Ele antecipa tudo aquilo que valeu/vale a pena desde 1977 até agora.
   Se os anjos tivessem me concedido o dom da música, eu teria sido Brian Eno.
   Bato palmas então.

Brian Eno - Kings Lead Hat - 1977- Written & Produced by Brian Eno



leia e escreva já!

Roxy Music - Editions Of You VIVA!!! ENO!!!!!



leia e escreva já!

O SOM DO FUTURO NÃO FALA COM VOCE. ELE VIVE A SEU LADO.

   Brian Eno sempre foi voltado apenas para diante de si-mesmo. Ficou SÓ dois anos no Roxy Music porque achou que no segundo disco a banda já se repetia ( errou ). Ele está no Rio. Vai fazer uma obra visual-musical nos Arcos da Lapa. Vai durar todo o fim de semana. Vale muito a pena. Mais que isso, é obrigatório. Eno criou ( com o Kraftwerk ), tudo o que há na música pop atual que não tem compromisso com os anos 60/70. Explico.
   Em 1977 ele criou o conceito de música ambiente. Convalescendo no hospital, ele percebeu que a música que tocava no rádio valia muito quando se integrava ao ambiente, quando se tornava um tipo de objeto não-expressivo. O rock era expressivo demais, um monte de emoções desordenadas e sem razão, Brian Eno queria o contrário disso. O que ele desejava era apagar do pop e do rock tudo que remetesse a tradição do século XIX, a Beethoven, a música como lingua do sentimento. Ele queria música que nada expressasse, neutra, ausente, uma imagem na parede, parte do ambiente. Ela deveria interagir com o transito lá fora, absorver as vozes dos ouvintes, tomar para si os sons do mundo. Os ruídos, muitos, da cidade do Rio serão parte da música.
   Em Berlin, 1977, enquanto os punks vomitavam os bofes de tanta expressão, ele e Bowie se aplicavam em ser gelados, em fazer canção que nada tivesse de emocional, que fosse puro som e imagem. Depois ele tentou isso com Talking Heads, Ultravox e Devo; e até com o U2, a mais histérica das bandas, Eno conseguiu dar uma podada.
   Na entrevista que leio ele fala que estudou pintura na adolescência. Nunca música. Que som é imagem, é paisagem. Que desde sempre ele viu tudo como um clip, mas clip sem histórinha, sem conceito. Imagem pura. Fascinado pelo progresso, Eno pensa que mesmo baixar som na Internet é uma forma velha de pensar o som. Ele desenvolve um programa que jamais repete a mesma música. No futuro uma música será mutável aleatóriamente. Voce jamais a escutará duas vezes da mesma forma. Ao ser executada ela se auto-reformulará.
   Roxy Music de novo? São amigos, mas bandas com mais de cinco anos são patéticas.
   Interessante...desde mais ou menos 1995, as poucas bandas novas que me interessam são aquelas que de certa forma seguiram o modo Eno de pensar. Bandas não-emocionais, que fazem sons calcados em timbre, em ambientação, que criam massas de sons visuais. Toda banda que tenta, de novo!, expressar amor, ódio, desespero, tédio, alegria rocknroll, só pode ser ouvida como nostalgia. Voce vê caras de 20 anos fazendo aquilo que seus avôs de 70 fizeram até o limite.
   Em 1978 Eno já notara que após Dylan, Motown, Led, Iggy, MC5 e vasto etc, a linguagem da guitarra/bateria mais cantor emocionado chegar ao ponto mais alto. Depois só poderia vir a incessante repetição. A não ser que se seguisse uma trilha oposta a tudo o que eles faziam. Foi o que Brian Eno fez.
   Não foi pouca coisa. E ele continua nessa estrada. Não é um músico, como ele mesmo diz, eis um pintor de sons.

calligaris, mundo hoje e UMA BANDA DE ROCK

   Palestra na USP. Não falarei o nome, mas o cara sabe falar, o que já é um alivio. Voz alta e clara, raciocinio direto. Em dada hora ele fala de Cotardo Calligaris. Cita-o como exemplo da decadência do leitor de hoje. Se antes o jornal exibia Sabino, Lispector e Nelson, hoje seus cronistas são simples conselheiros sentimentais. Pastores leigos que dirigem as dores de leitores infantis. " Veja o que vejo, leia o que leio, pense como penso." Tudo com o brilhareco classe-média de frases como: "Estava eu em Nova Iorque", "Quando estive em Berlim"....
   Muito pior que seus pensamentos, à Revista Nova ou Programa da Hebe, é a paupérrima forma de escrever. As frases surgem aos trancos, quebradas, sem brilho, nada originais. Pensamentos rasos em frases áridas, é o pior dos mundos. O menos ruim seria Jabor ( em conteúdo ) e Marcelo Coelho ( em estilo ).
   Ele então nos dá para ler o que seriam os Caligaris de antes. Nada de conselhos sentimentais, nada de jeca exibição de "estilo de vida". Antes uma valorização da vida simples. Se fala de um café da manhã como se esse frugal café fosse a justificativa da vida intima. Se recorda um dia como se esse dia, banal, tivesse o significado de uma epopéia. O Homem comum, o leitor, visto não como um tipo de criança que precisa de orientação, mas como um adulto que tem uma vida e uma rotina que devem ser respeitadas e observadas. Nada há de util nessas crônicas. Aparentemente. São mais que uteis.
   Jamais voltarão. Cada vez mais queremos guias e não a valorização do que somos.
   André Forastieri publicou ontem um texto, lindo, sobre o show de Robert Plant. O que ele diz? Que o Led faz com que TODAS as bandas atuais pareçam coisa de meninos. Pequenas, modestas, timidas. O Led era um esbanjamento de energia, de força e de vida. Puro Nietzsche. Outra banda assim? Nunca mais.
   Estamos ficando tão diminutos que logo nos sentiremos diminuídos perante uma pulga. Época de menininhos feridos e de menininhas sozinhas. Bluffff....
  

AGORA ME DESCOBRI

Convoco voces para que saibam: Agora sou máquina. E como tal devo funcionar. Meus ossos serão lubrificados e minha pele será flexível. Funcionarei para fazer com que o Funcionamento das Funções do grande Organismo Mundial continue a Funcionar.
Meus pensamentos existem para alcançar um objetivo: Funcionamento. E quando eles se desviam, bem, cabe a mim-mesmo rearranjar meu equilíbrio químico para que tudo volte a sua clara e eficiente Função. O Pensar é uma troca de fluidos entre células e ele existe para dar uma direção ao corpo. Fora disso, tudo é Disfunção.
Descobri que houve um dia a Máquina Primeira. Uma partícula mecãnica que começou a funcionar e explodiu em energia. E que a maquinária daí advinda deu em mim-mesmo. Descobri que a Terra funciona! Correntes mecãnicas e fluidos quimicos que se adaptam ao lugar onde caem. Evoluem com a Sabedoria Funcional da Mecânica!  Tudo com a finalidade de funcionar, pois o que é a vida? Uma Energia mecãnica que Deve produzir mais vida.
Deus e Arte são falhas do sistema. Paramos às vezes para pensar em nossa finitude. E temos medo. Sim, Eis a maior das falhas em nosso sistema: Somos uma Máquina que Teme seu fim. O Temor é Tamanho que inventamos diversões. Nos distraimos enquanto funcionamos. Até pensamos que aquilo que vemos não seja a Verdade. A Verdade é nossa ação no Aqui e no Agora. A Verdade é nosso Trabalho. Eu Irei Partir, mas o Trabalho é Infinito.
Morrerei como uma máquina que sou. Enferrujarei e me tornarei esterco. Talvez um dia isso termine e consigam criar a Super-Máquina invencível. Mas até lá meu velho Modelo Anos 60 será destruído e substituído por novos modelos 2000 e alguma coisa.
Nosso comando descobriu que funcionamos melhor com música. A Música é um ritmo que faz com que nossos mecanismos funcionem mais harmoniosamente. E o Cinema é uma boa forma de se descansar de um dia de Funcionamento. Algumas dessas artes até fazem com que nossos fluidos neuroniais funcionem melhor.
O Sexo é uma forma funcional de se produzir novos modelos. É uma de nossas utilidades.
Animais são máquinas que têm um software mais antiquado. Serão inutilizados um dia. Não ha´razão nenhuma para a existência de um Tigre. Qual sua função?
Igrejas são ok. As mesmas máquinas que precisam de poesia, ou seja, Aquelas que apresentam falhas de funcionamento, precisam de Igrejas. Desde que sejam Igrejas úteis. Que façam a Máquina se Readaptar a sua Função. Assim como as Poesias sejam canções que elevem a maquinaria e as levem a sua função.
Ah! Maravilhoso Mundo Admirável ! Maquinário Concantenado! Graxas e Fluidos que me fazem Brilhar!
Máquina que Escreve e Funciona como aglutinador de Ideias. Ideias que são restos da Quimica que trabalha no Cérebro.
Agora sou Essa Máquina.

O PRIMEIRO LIVRO, A ILHA DO TESOURO, STEVENSON

Era uma coisa muito estranha... Ao passar meus olhos pelas linhas impressas na página branca eu via um garoto, via uma barrica de maçãs, via um navio de piratas. E de visão em visão acontecia aquilo que eu pensava ser impossível, lia as quase 200 páginas que me pareciam antes uma eternidade, e que agora eram como que uma viagem. De visões. Um milagre naquele ano ( mais um ), eu podia viajar no tempo, estava na Inglaterra de 17...
   Sim, foi meu primeiro livro. Eu sei, antes houve Renard, A Velha Raposa; mas esse eu não li de verdade, esse eu desvendei como um brinquedo. Porém este, A ILHA DO TESOURO, de Stevenson, esse foi tocado desde o inicio como um livro. A relação que tive/tenho com ele espelha a relação que tive/tenho com todos os livros. A possibilidade de uma passagem.
   Meu pai comprou pra mim. Anunciava na TV. Uma coleção da Abril, Clássicos Juvenis. Vinha embalado em plástico e a capa era uma beleza. Dura, mostrava um pirata subindo num navio. O mar escuro, o céu ameaçador. Um lampião nas mãos do pirata, o rosto era o de um assassino sujo. Era 1971, e em meio a meus amores, pela professora, pelos Monkees, pelos Hardy Boys e pelos desenhos do Pernalonga, mais um nascia, o amor pelas coisas que nos fazem voar. Principalmente as que vinham embaladas em forma de livro, com cheiro de papel e letras bem impressas.
   Eu tinha apenas 7 anos e a leitura foi lenta. Eu lia em voz alta, para meu irmão, que tinha 4 anos. Lia de manhã na cozinha, lia no quintal, debaixo do mamoeiro, debaixo da videira, junto ao poço. Lia no frescor do porão, lia na sala cheia de sol. Era um esforço, eu cansava, mas era um prazer, eu achava alguma coisa. Tinha nas mãos, só pra mim, um mundo paralelo.
   Jim era o menino. E quem me conhece perceberá o quanto meu gosto estético foi ditado por esse primeiro livro. A chuva de noite, a hospedaria. O mapa do tesouro, a morte. A viagem pelo mar e os tipos suspeitos. A fuga rumo à Ilha e a luta. O encontro do baú. Milhares de imagens que vão da velha Inglaterra suja e fria à ilha tropical e misteriosa. Os personagens, um velho doido perdido na ilha, o cozinheiro bandido, Black Dog.
   Hoje ele continua aqui comigo. O mesmo livro, agora com 41 anos de idade. Criou manchas amarelas, a lombada está cheia de pó. O tempo o marcou, da mesma forma que me marcou. Robert Louis Stevenson foi então o primeiro autor que li. E quinze dias depois veio o primeiro autor que chamei de "meu autor", TOM SAWYER, de Mark Twain. Mas essa é outra história...

É PRECISO APRENDER A VER?

    Crianças sabem ver. Olham.
   O vidro gordo de Toddy. A cor marrom e a tampa de lata. O rótulo com a cara de um menino que ri. As letras que dão voltas e curvas. A redondez da embalagem pesada.
   O tom de azul de uma ilustração do Peter Pan. Um azul profundo dos céus noturnos de uma Londres que nunca existiu. O azul mais profundo e salpicado de luzes brancas e de pontos dourados. O azul infinito, o mais lindo tom da mais linda noite. Cor que se esparrama das folhas de papel perfumadas de novidade para minhas mãos.
   O formato das bolachas doces em forma de bichos. O desenho sinuoso da girafa e a forma compacta do rinoceronte. O leão que parece rugir e a hiena que é feia. A cor sem graça das bolachas e a dureza da forma simples. Algumas são mais escuras, e essas são as melhores.
   Melhor que ver as imagens na tela de TV é ver o belo móvel de madeira amarela. As pernas longas e finas, pretas, com pés dourados. Os botões redondos, de madeira preta e que são enfeitados com metal. A tela de vidro verde, arredondada, que reflete o meu rosto. O brilho da madeira lustrada, com cheiro de lustra-móveis Shell. E detrás dela um mundo de segredos. Uma placa de papelão e entre as frestas posso ver as válvulas acesas. Elas brilham amarelas, fios se aquecem e fazem um zumbido discreto. Será dentro dessas válvulas que vivem os homens que aparecem na TV?
   As paredes com sua geografia de linhas pintadas de azul claro. Lá no alto há uma moldura de madeira que corre por todo o quarto. O lustre é um imenso guarda-chuva de ferro, cheio de furinhos, azul. A parede á áspera e vejo uma aranha minúscula passear. As cortinas voam com a brisa da manhã preguiçosa.
   Um cesto de roupas velhas. De palha. Dentro dele tem paletós antigos e panos vários. E lá mora um ratinho branco que nunca vi. Abro o cesto e me enfio lá dentro. Nele exsitem coisas para se ver que nunca ninguém viu. E eu quero ver o que nunca ninguém viu. Dentro.
   Cada flor guarda seu inseto. O vermelho faz "zuuummmm" e uma doçura que não provo se esparrama para fora. Por entre as folhas verdes o sol pinta círculos que tocam minha cara. No chão as formigas correm para fugir do tempo. Joaninhas nas folhas, marimbondos voam. A terra úmida tem uma confusão de folhas perdidas.
   Em cada pedra há uma vida.
   Os pássaros voam em círculos que toda tarde são os mesmos. E toda tarde eu observo e vejo. E toda tarde é um todo. Conheço cada um deles. O que tomba para a direita, o que tenta ir à frente, aquele que pia mais alto. As nuvens tem um deus que me olha. Isso eu sei e ninguém me disse.
   Depois eu pedi essa nuvem pra mim e tirei o deus de lá.
   .......Então a gente para de ver.
   E hoje eu mal sei como é seu rosto.
   A arte nada mais é que a tentativa de se voltar a ver. A poesia é a lingua da visão.
   Frase de Picasso: "Passei a vida inteira tentando reaprender a ver como era quando criança".
   E eu? Tenho passado as últimas três décadas tentando ver como via antes......
   A janela do porão era suja e quebrada. Ficava ao rés do chão de quem passava fora. No vidro imundo e quebrado uma teia de aranha. Ela era vermelha, redonda, e me dava medo. Mas a vontade de ver era maior. A teia parecia pó e carregava um monte de insetos já secos. Tudo naquele cenário parecia úmido. No beiral da janela tinha um dedal. E uma bolinha de gude. Quando chovia a aranha sumia. Eu pensava que ela se encolhia até ficar um nada. Um nada que morava lá. A chuva batia no vidro e algumas gotas entravam no porão. Era um lugar precário. Um rato passou lá fora um dia. Olhou pro vidro e correu. Um dia pintaram tudo.

ARTE OU DIVERSÃO, O QUE É O CINEMA? 007 E COSMÓPOLIS.

    Vou falar de dois filmes que vi ontem e os dois não poderiam ser mais diferentes.
    A SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE é o mais desprezado dos filmes de James Bond. Isso porque ele carrega o peso de ser o primeiro sem Sean Connery. Em 1969 esse foi um assunto tão importante quanto o fim dos Beatles em 1970.
    Connery saiu do papel porque ele não queria passar a história como "o ator que é James Bond". Sean era ambicioso e assim que saiu foi logo fazendo um filme nada pop com Martin Ritt. Quem assumiu o papel? Chamaram um australiano de nome George Lazenby. Esse tal de George seria o único Bond a fazer apenas um filme. Ele foi execrado, ridicularizado, perseguido. Só agora, eu que adoro Bond, vejo George nesse papel. Ruim? O filme é ótimo. George faz um 007 deselegante, meio brega, tosco até. De certa forma ele antecipa Daniel Craig em seu tom anti-glamour.  O problema é que em 69 todo mundo lembrava de Connery... ninguém iria engolir Craig assim como não admitiram Lazenby. Connery voltaria em mais um filme e depois viria a era do gozador Roger Moore.
   Cada James Bond explicita seu tempo. Sean Connery era machista, cruel, politicamente incorreto e frio como aço. Sexista e sexy, nada bonito, muito bom ator. Roger Moore espelha os anos 70. Moore era gozador. Não levava nada a sério e brincava com o papel. Timothy Dalton foi a cara dos anos 80: insosso, arrumadinho, sem originalidade. Pierce Brosnan era indefinido. Mezzo Roger Moore, mezzo Dalton. E agora Craig, a cara de nosso tempo: Musculoso, frio, objetivo e bastante violento. Nada de elegãncia ou de safadeza, ele é um trabalhador.
   Quanto ao filme de Lazenby, ele tem cenas de ação enlouquecedoras. O estilo já é o hiper-editado, vemos flashs de ação, mas sem exagero, ainda dá pra saber quem é quem. Perseguição em esquis, perseguição em carros, perseguição em trenós. E a melhor Bond-girl da história: Diana Rigg, atriz que era mito na TV inglesa e que por isso foi chamada. Bond se casa com ela no final. E temos ainda a trilha do gênio John Barry. ( Aliás, 1962, ano da estreia de Bond, foi o ano das históricas trilhas sonoras de Bond, de Pink Panther por Henry Mancini e de Breakfast at Tiffanys... )
   Esse é o cinema diversão, hiper profissional e que eu considero dificílimo de fazer. No outro extremo temos o cinema arte, o cinema que pretensamente ignora o público.
   COSMÓPOLIS transpira "arte" em cada fotograma.  Tudo nele é artístico: os cenários, a trilha, a luz, e principalmente as falas. Ele tem aquele ar tristinho, escurinho-tipo: luz de geladeira, que todo filme de arte tem atualmente. Como julgar um filme tão "superior"?  Tão antenadinho? Superior em ambição, Cronenberg quer fazer uma crônica sobre tempos ruins. Portanto se em Bond o que nos pedem é: Divirtam-se; aqui ele pede: Pense. Pensamos, como pensamos. Pensamos tanto que dormimos. O filme é constrangedor. Explico.
   O que ele fala? Que o capital flui pelo mundo como um tipo de sangue venenoso que corrompe nossas vidas. Impessoal, ele obedece regras próprias. O carro flui pelas ruas, navega pelo oceano do mundo real, que sendo real é antigo, pois o mundo do dinheiro virtual é sempre o mundo do futuro. Vemos um tipo de vampiro, um morto vivo que flui nessa odisséia sem herói em busca de nadas que nada trazem. É um filme morto, tão vazio quanto seu tema. Cronenberg critica o mundo virtual, mas nada oferece em troca. Pior, coloca na boca dos personagens frases de um primarismo constrangedor. Personagens que são tão artificiais quanto um Schwarzenegger empunhando uma bazuca. Ah sim, o diretor de filme de arte sempre pode falar: "Tudo é proposital! Voce é que não entendeu"...Uma pinóia! Seu filme-funeral está longe de ser arte sem aspas, ele nada cria de novo, nada cria de perturbador, e passa longe da beleza, mesmo da beleza do horror. Há quem o aplauda. Como nos piores filmes de pseudo-arte, este filme possibilita a que qualquer um projete em suas imagens sentidos e simbolismos que ele não tem. Filmes de arte ruins podem ser como espelhos.
   O cinema atinge seu zênite quando une a arte de verdade com a diversão. Quando consegue perturbar e fazer o tempo voar. Quando o filme faz pensar e ao mesmo tempo dá prazer. O prazer do pensamento, da descoberta, da beleza ou da catarse.
   007 dá prazer e não faz pensar.
   Cosmópolis é um buraco. Masturbação chique travestida de discurso fatalista.
   Prefiro o prazer.

MULHERES APAIXONADAS/ REGINALDO FARIAS/ WILLIS/ CLIVE OWEN/ BATMAN/ PIRATAS PIRADOS

   MULHERES APAIXONADAS de Ken Russell com Alan Bates, Glenda Jackson, Oliver Reed
A prosa de DH Lawrence desaparece aqui. E nem poderia ser diferente. Como levar para a tela a profusão de ideias, de imagens e de pensamentos tortuosos que abundam no livro? Lawrence é infilmável. Ken Russell tem aqui o momento mais famoso de sua carreira ( concorreu a Oscar de direção ). Seu estilo se faz presente: exagerado, ácido, desagradável, sem nenhuma noção. E estranhamente fascinante. Não esquecemos de suas imagens. Há uma profusão de cores, de gritos, de cenas fortes, de tentativas apaixonadas. O filme, como o livro, que é o melhor de Lawrence, fala de dois casais: um par de amigos e uma dupla de amigas. Eles se conhecem e se envolvem. Glenda está magnífica. Para quem não sabe ela foi a grande atriz da época ( 1969/1976 ),  no auge da fama abandonou o cinema para fazer politica na Inglaterra. Neste filme ela é Gudrun, a mulher que na década de 20 quer viver plenamente. Alan Bates, um de meus atores ingleses favoritos, é Birkin, um homem insatisfeito, rebelde, livre, que se envolve com a amiga de Gudrun. Oliver Reed faz o ricaço e violento amigo, que se apaixona por Gudrun. Necessário dizer que o filme passa longe do convencional. Nenhum casal chega ao namoro normal. Todos se comportam como loucos, como bichos ou como queria Lawrence, humanos estéreis em alma. O que me fez pensar no seguinte: Como o mundo mudou em dez anos! Um filme como este seria impossível em 1959. Cheio de cenas de nú frontal masculino,´tem a famosa cena dos dois amigos lutando boxe pelados. Lawrence escreveu um livro sobre a sede por um novo mundo. Lawrence queria um novo sexo, novas relações e nova religião. O filme de Russell não passa perto disso. É mais um tipo de histerismo abobado sobre um quarteto doido. Mas é um bom filme. Irritante, inflado, pedante, e forte. Nota 7.
   CRUPIÊ de Mike Hodges com Clive Owen
Em 1971 Mike Hodges fez um dos melhores filmes do cinema inglês: Get Carter, onde Michael Caine fazia um bandido extra-cool. Era uma pelicula que antecipava o cinema de Danny Boyle e de Guy Ritchie em 25 anos. Em 1973 Hodges fez o fascinante Homem Terminal, uma sci-fi cabeça que fracassou. E então sumiu. Já com 65 anos, ele volta em 1998 e faz este filme sobre um observador. O crupiê é um escritor que se coloca à parte da vida. Para ele existem dois tipos de humanos: os jogadores e os crupiês. Os jogadores vivem, jogam, se arriscam. O crupiê observa, vê o que rola. Mas o filme, fascinante, vai além disso. Ele segue regras, não mente, gosta de coisas bem feitas, corretas. Se parece muito com um cavaleiro medieval, e creio que é assim que ele se vê, um tipo de cavaleiro etéreo, com seu código de honra rigido. Hodges mostra aqui seu absoluto dominio de imagem. O filme é soberbo. Tenho absoluta convicção de que Mike Hodges foi um grande diretor. Nota 8.
   POSSESSÃO de Neil LaBoute com Gwyneth Paltrow e Aaron Eckhart
O filme se passa entre ratos de bibliotecas. Vemos livros, manuscritos raros, estantes repletas. É o mundo fechado dos eruditos, dos pesquisadores, dos amantes de letras. E paralelamente se mostra a vida de poetas românticos de 1850. É o ambiente que mais adoro. Mentalmente é onde vivo.  Mas tenho de confessar a verdade: fora isso o filme nada tem a dizer. Fica sendo um tipo de Ghost para ratos de biblioteca. Não tem um porque, não faz sentido, não emociona. É um absoluto fiasco. La Boute sempre foi um enganador. Nota 2.
   CÓDIGO PARA O INFERNO de Harold Becker com Bruce Willis e Alec Baldwin
No cinema em 1998 já era fraco. Em dvd agora é quase um nada. Bruce, de quem gosto, vinha do mega sucesso de Sexto Sentido e fez este policial bobo, filme que tenta criar emoção com as figuras de um policial decadente e uma criança autista. A trama é muito fraca, pior, inverossímil, e Bruce não pode usar o que tem de melhor, seu humor. Becker foi um dia uma promessa...fez pluft...Nota 3.
   PIRATAS PIRADOS de Peter Lord
Animação sobre piratas bem doidos. Divertidíssimo! O filme é uma explosão de bom-humor e de gozação saudável. Leve e colorido, ele cumpre plenamente seu propósito: fazer rir sem jamais parecer grosso. Os tipos são todos bem delineados e as tiradas funcionam em tempo exato. Mais uma grande animação.  7.
   BATMAN de Leslie H. Martinson com Adam West e Burt Ward
Quem em criança viu Batman jamais irá conseguir levar a sério um herói de malha justa e capa negra de morcego. É uma figura ridicula, seja aqui ou seja com Tim Burton/ Chris Nolan. Este é o longa que nasceu com o sucesso da série de TV. Visto hoje ele é chato pacas. Nota 3.
   ASSALTO AO TREM PAGADOR de Roberto Farias com Reginaldo Farias
Um grande sucesso do cinema brasileiro e uma aventura que ainda funciona muito bem. Um trem é assaltado. Acompanhamos o destino dos assaltantes. O ambiente é a favela. O filme faz pensar: o que mudou? Estão lá os barracos e o povo mal vestido. A diferença é que hoje a favela não tem mais o jeitão rural que tem aqui. Vemos árvores e porcos nas vielas e muita criança pelada. Hoje a violência cresceu, os barracos têm TV e geladeira. Uma mudança de atitude: aqui todos querem sair da favela, têm vergonha de viver nela. Hoje há um orgulho, uma "alegria" por ser favelado ( da comunidade ). Isso significa o que? Aumento de auto-estima ou comodismo? Eu não sei. Um fato: em mais de 40 anos elas continuam lá. O povo que lá vivia em 1966 lá continua. O filme tem ação e drama, é bom. Nota 6.
   O MONGE de Dominik Moll com Vincent Cassell
Lixo. Num mosteiro um monge milagreiro se envolve com sexo. O mal invadiu o lugar, em quem esse mal vive? Logo percebemos que o mal está no monge que lá foi criado. Não espere nada de sério. O filme tem um tom pomposo, mas é raso como um pires. Pior de tudo, é chatíssimo! Nota ZERO.

Kraftwerk Ruckzuck (live on WDR TV in 1970) QUANDO O FUTURO SURGE...O TEMPO, UMA QUESTÃO....



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APRESENTAÇÃO DA FILOSOFIA- ANDRÉ COMTE-SPONVILLE. PARA QUEM QUER COMEÇAR A SABER PENSAR

   A filosofia não responde a nada. E nem se importa com isso. O que ela nos dá é um método de pensamento. Impossível filosofar sem conhecer filosofia. Sem ela voce pensa em círculo e não clareia nada. Filosofar é conversar com as ideias que vieram antes. Por isso é necessário, para filosofar, ler filosofia. Mas livros de filosofia são árduos. Porque eles não dão respostas, antes demonstram a construção, passo a passo, de uma pergunta. André Comte-Sponville nos dá aqui uma bela introdução à filosofia. Seu público alvo são aqueles que sentem o desejo de filosofar. Mas que não conseguem, por enquanto, ler filosofia.
   Na tarefa de popularização do pensamento filosófico existem dois caminhos possíveis. A pura picaretagem e a didática. Picaretas são vários e Alain de Bottom é o menos ruim deles. Didáticos são honestos. No didatismo voce pode contar a história da filosofia ou explicar o ato de se filosofar. Bertrand Russell tem uma excelente breve história da filosofia. Apesar de ignorar Schopenhauer e Marcel, é a melhor exposição histórica breve que já li. Sponville não fala de história, fala das doze grandes questões filosóficas. Cada capítulo aborda em seis ou sete páginas um desses tópicos. Ele não vulgariza.
   1- A Moral. A moral é individual. Não há uma moral que possa ser imposta. O que é a sua moral? André usa a parábola de Platão: Se voce tivesse um anel que te fizesse invisível, o que voce faria? Mataria? Roubaria? Estupraria? O que voce, mesmo sem ser visto, Não se permitiria fazer? Eis sua moral. Se voce não mataria ou mataria, eis a moral. Ela é sua e não depende de castigo ou de recompensa.
   2- A Politica. Politica é história. Moral do grupo. Tudo é politica e não fazer politica é assumir uma não-humanidade. A politica só existe na história de um grupo. Ela é o que o grupo foi e pensa ser. Acordo que nos livra da animalidade.
   3- O Amor. André fala de Eros, o amor que falta, o desejo do que não se tem. De Phillia, o amor ao que se tem, o amor feliz, o amor que protege e cuida. E de Ágape, o amor que dá e não recebe, o amor que é caridade, que defende e alimenta a tudo aquilo que é vida. Tudo que nos une a vida é amor: amor a si-mesmo, amor ao dinheiro, ao poder, aos livros, a natureza. Amor ao amor que se tem, ao amor que se dá e o amor que nega o que se é em favor daquele que se ama. Amor que é potencia.
   4- A Morte. O paradoxo da morte. A grande questão da filosofia. O que ela é? Como algo que existe ( a morte ) pode não ser? O que seria a vida sem a morte? Porque vivemos se morremos? Como pode a vida ter nascido do nada? E se havia o nada, porque surgiu algo?
   5- O Conhecimento. É possível conhecer algo? Voce conhece o que? Sua rua? Mas voce conhece mesmo sua rua? Sua história, sua materialidade, quem vive nela, cada grão de pó, cada mancha, tudo o que ela é, foi e poderá ser. Voce conhece voce-mesmo?
   6- A Liberdade. Existe? Se existe, o que é ser livre? Fazer o que quiser? Liberdade é fazer ou ser? André demonstra a ilusão da liberdade e a verdade da liberdade. Eis o que o livro tem de bom: Ele demonstra sempre mais de um lado, mais de dois, mais de três.
   7- Deus. Se Deus existe porque existe o mal? Que Pai é esse que nos deixa sofrer? Sponville é ateu, mas fala que afirmar a não existência de Deus é uma imbecilidade. Como afirmar a existência é também uma imbecilidade. Explica o que é um agnóstico, o paradoxo da fé.
   8- O Ateísmo. O que é o ateísmo, as formas de ateísmo. O ateu e o agnóstico, o mistério. Não há prova sobre Deus, nada nos leva a aceitar sua existência. O que é o materialismo?
   9- A Arte. É o mais satisfatório dos capítulos. O que é a arte? Porque ela existe? André dá a mais perfeita explicação do que seja um gênio: É alguém que cria algo de novo e de diferente, mas, que ao contrário do mero novidadeiro ou charlatão, deixa atrás de si um contingente fértil de seguidores, de discípulos. Eis a superioridade da arte: Se Newton jamais tivesse existido, suas leis com certeza teriam sido descobertas por algum outro. A gravidade estaria lá. Mas se Shakespeare, ou Beethoven, ou Michelangelo jamais tivessem existido, toda sua obra, todos seus seguidores, tudo aquilo que eles, e só eles, criaram, jamais teria nascido. Com certeza o mundo seria outro e nós nos veríamos de modo diferente: menor. Há uma bela definição: Toda verdadeira arte é poesia, pois a poesia é essa linguagem plástica que toca a  explicação do que seja a vida.
   10- O Tempo. Tempo....o passado e o futuro: existem? Tudo é o presente. Tudo é uma abstração. E se não houvesse gente...haveria tempo? Existe tempo no Cosmos? E pode haver ação sem tempo? O que é a eternidade?
   11- O Homem. O que é um homem? Eis um capítulo perturbador. Se um homem é razão, então uma criança deficiente ou vegetativa é o que? Se um homem é comunicação, então um animal que se comunique será humano? Sponville diz que para ele, homem é aquele que nasceu de um homem. Portanto, tudo o que é gerado por dois humanos é humano. Perigo apontado por ele: o dia em que homens puderem nascer de uma criação artificial, de uma fábrica, será isso ainda um homem? Se ele for sem falhas, sem dúvidas, sem medo, será homem?
   12- A Sabedoria....
   Esses os 12 capítulos. Que são os doze temas mais questionados desde sempre. E todos eles irrespondíveis. Jamais chegaremos a uma conclusão sobre a sabedoria, o homem, o tempo etc e etc. E nem devemos, pois o que tem conclusão está morto, está aprisionado. A ciência lida com conclusões, não a filosofia que não é ciência e nem é arte. ( Mas a ciência pode ser filosófica, assim como a arte ).
   Sponville não conclui portanto. Joga questões, as explica, aposta algumas teses ( filosofar é um jogo sem vencedor ), cita alguns filósofos.
   Se voce quer começar, eis seu livro.