EUGÊNIO ONEGUIN- ALEXANDR PUSHKIN ( O MAIS AMADO AUTOR RUSSO )

   Muito mais que Tolstoi, Dostoievski ou Tchekov, russos amam Pushkin. Eugênio Oneguin está para a literatura de lá como o Quixote para a Espanha ou Brás Cubas para o Brasil. É um centro, retrato de alma nacional. Dario Moreira de Castro Alves, tradutor do livro, diz que na Russia, taxistas, professores ou policiais, todos sabem trechos de Eugênio Oneguin na ponta da lingua.
   Pushkin é pouco traduzido. Esta tradução, de 2010, é a primeira para o português de sua obra-prima. Foi saudada com os louvores devidos. Dario foi diplomata. Aposentado, dedica-se a seu grande amor: as letras. Tem trabalhos sobre Eça e Camilo. E esta tradução trabalhosa. Trata-se de um romance em versos. É um romance por descrever ações, por conter personagens que agem no tempo; e é um poema, por ser todo escrito em versos de oito linhas, rimados.
   Pushkin é dos mais românticos dentre os românticos. Seu bisavô foi um negro etíope. Dado de presente a um nobre russo, esse antepassado foi educado e feito militar. O pai de Pushkin é neto desse etíope.
   Há um dito russo que fala que o czar Pedro lançou à Russia o desafio de se fazer moderna. E a Russia respondeu com Pushkin, o primeiro russo moderno. Nascido em 1799, é o poeta um homem da Europa. Cheio de ideais do romantismo, cheio de ansia por viver, e tombado pelo tédio/spleen. Mas ao mesmo tempo é Pushkin um russo. Para vencer esse nada, esse vazio existencial, ele mergulha nas raízes russas, no povo, no folclore, na alma única de seu país. Mais que europeu, um russo sempre.
   Viveu apenas 38 anos, foi morto em duelo. Deixou vários romances puros, sem verso, e este Eugênio.
    Eugênio é um nobre que descobre que a vida lhe é estranha. Tomado pelo tédio, ele ama as mulheres sem se envolver e acaba por tomar a decisão de se recolher. Irá viver só, estudando e observando. Tatiana é uma adolescente simples, mas jamais simplória, que se apaixona por ele. Lhe escreve carta onde se declara e ele lhe responde pessoalmente com frieza. Eugênio lhe explica que com alguém como ele, tão amargo, ela só poderá ser infeliz. Que ele não nasceu para casar-se. O tempo irá passar e ele se verá apaixonado por ela. Mas Tatiana já se casou então, e irá o rejeitar. A vida de Eugênio se resolverá em duelo.
   Como personagem Eugênio Oneguin é apaixonante. Imerso em Byron e Scott, tudo o que ele percebe da vida é sua própria face. Ele pensa apenas em si-mesmo, dialoga com seu coração, preocupa-se com sua vida. Mas não é um egoísta. Na verdade ele abre mão de tudo. Nada retém de seu, nada deseja, e acaba por se derrotar. Pior que isso, o livro mostra que Eugênio é um homem indesejado na sociedade russa. Seus questionamentos perturbam.
   Maravilhosamente romântico, todo o texto exala sensibilidade, consciência temporal, e aquela raiva contida, tão particular aos românticos de todos os tempos. Eugênio ama tanto ao amor que é incapaz de amar uma mulher. É tão ligado à vida que se abstém de viver. Livre, se prende ao seu mundo criado. É belo. É Pushkin.

O JORNAL MORREU E INSISTE EM FALAR

   Mas esse é o fim da picada.
   Um artigo sobre Peter Greenaway de uma superficialidade digna de um tweet. Depois uma coluna sobre Tv que é subitamente cortada. Pondé escrevendo mais um artigo sobre a mesma coisa de sempre ( bruxas ) e também encerrado às pressas. O que se passa com a Ilustrada???
   Enquanto isso o Estadão continua desenvolvendo seus temas e dando espaço a escrita. Quem está no caminho certo? E o que é O Certo?
   É óbvio que a Folha está assustada. Ela não escreve mais nada que não seja Teen. A impressão é que tudo é escrito com o medo de ser chato. Se tornou ilegível. Nada há pra se ler. São opiniões simples, redundantes, um rascunho de fanzine.
   O Estadão está longe de ser ideal, mas pelo menos ele ainda não rasteja. O texto não é picotado e alguns temas são desenvolvidos com calma.
   Não trabalho no meio, sou apenas um leitor. Meu primeiro jornal foi A Folha da Tarde, num tempo em que ainda existiam os jornais da manhã e as edições da tarde. Depois passei pro Jornal da Tarde, que tinha a melhor critica de cinema e rock. E desde de 1984 migrei pra Folha de SP. Que desde então, em cada reforma gráfica, se torna cada vez mais irrelevante. Perde colunistas que "escrevem" e criam colunas que apenas "dão um toque".
   Se depender da Folha, jornal impresso se tornará jornal pra se dar uma olhada. Quase analfabeto. Bom pra se embrulhar a sujeira do cachorro. É o fim.

The Rolling Stones - Jumping Jack Flash



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O FALSO E O VERDADEIRO. O ÚLTIMO SUSPIRO DO ROMANTISMO REVOLUCIONÁRIO- OUVINDO O BANQUETE DOS MENDIGOS E TRAVESTINDO-SE NA VERDADE

   Foi um longo caminho de 1776 até 1968. E ninguém nunca vai saber se valeu a pena. Foi uma lenta, às vezes nem tão lenta, construção. A derrocada da igreja e o erguimento do Homem como dono de sua dor. A glamurização do jovem entediado como Ser Superior. E isso levou muito tempo.
   Doeu pra caramba. Porque o preço pago foi incalculável. Um monte de jovens se foderam. E todas as redes de segurança espiritual se rasgaram. Mas cabelos compridos, calças de veludo e copos de veneno se tornaram dominantes desde então. Uma estrada que parecia ser sem fim. As estações se chamavam simbolismo, anarquismo, socialismo, dadaismo, existencialismo, beatniks. E todos esses movimentos explodiram em meio a uma juventude com tempo livre, grana no bolso e tédio na cabeça. Em meio a maio, ´mês de verão.
   Ninguém entendeu melhor o que acontecia. Nem Kundera. Jagger e Richards entenderam na hora qual era o desejo que desde sempre enfeitiçava os romanticos revolucionários do planeta. Mas antes de dizer qual era eu vou falar qual não era.
   Para Dylan era a vontade de justiça e de liberdade. Para Lennon era o sonho de paz e amor. Bláaaaa.
   Então voce tem 14 anos e escuta este disco pela primeira vez e percebe que o desespero contido nele é quase suicida. Todas as faixas falam de se estar perdido, de vazio e solidão, de satã e de raiva, muita raiva. Perigosamente voce, embutido do romantico apelo de poetas sinceros, crê em tudo aquilo, crê nas frases ditas. Voce, jovem idealista, sente uma vontade grande de quebrar e se quebrar. Mas depois, bem mais tarde, voce percebe o que Jagger e Richards perceberam antes. O desejo sempre foi um só: sexo, sexo e sexo. Todo o tempo, livremente e sempre que se desejar. E quando o vazio pós-coito vier, uma garrafa de bebida e a paz de um corpo cansado.
   Em 1968 Godard fez um filme com os Stones. Jean-Luc acreditou no que era dito no Banquete. Levou ao pé da letra. Jagger enrolou Godard. Riu dele e o filme é um lixo. Mick nunca teve nada a dizer. Seu discurso estava simbolizado nos requebros de seus quadris. Nada precisava ser dito. Ele falava que maio de 68 era o último suspiro ingênuo de adolescentes entediados que queriam mais sexo e menos familia. Se em 1776 essa energia fez um país e criou uma forma de vida, em 1968 ela só poderia criar moda. E criou.
   O disco é sublime. É extremamente cortante e extremamente suave. As guitarras parecem navalhas, não há disco em que elas soem tão metálicas. Parecem de lata enferrujada. E ao mesmo tempo há arranjos como o piano em No Expectations que é belo como o sorriso e a flor.  É um Banquete que recapitula tudo: de Beethoven até Stravinski. De Byron à Rilke. Jagger nunca cantou tão bem. E ele enterra a década de 60 dois anos antes de seu fim. A revolução estava encerrada. O ganho: Todos poderíamos ser Mick Jagger. Eternos adolescentes entediados.
   Brian Jones não pode tocar. Ficava dormindo num canto do estúdio. Dizem que Clapton e Steve Marriott tocaram guitarras. Sei lá. É um disco travado. Pra se ouvir de dentes cerrados. Ele marca o arranco da banda. Serão 4 anos insuperáveis.
   Em meio ao Kaos de tijolos e policiais, muitos caras caíram na real. A última revolução era um acerto de contas entre voce e voce-mesmo. O mundo já era dos jovens e o sexo já não era tabú. O que restava era saber lidar com o spleen, o vazio da vida, o nada a dizer. O Eu.
   Mick Jagger, de forma maravilhosamente intuitiva, soube disso muito antes. O que restava era montar uma banda e tentar chamar a atenção.
   Este disco é um porrete.
  

Mary Poppins - Supercalifragilisticexpialidocious The English Way



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MARY POPPINS ( É POSSÍVEL SE FAZER UM FILME ASSIM HOJE? )

   Julie Andrews trabalhou no vaudeville inglês desde criança. Adulta, criou o personagem de Eliza Doolittle no MY FAIR LADY original. Brilhou depois na Broadway, nesse que foi o maior fenômeno de sua história. Mas quando Jack Warner resolveu filmar MY FAIR LADY resolveu dar o papel de Eliza para Audrey Hepburn. Julie Andrews reagiu como uma lady.
   Ao mesmo tempo, após passar vinte anos tentando convencer a autora P.L.Travers a ceder os direitos, Walt Disney, em pessoa, preparava Mary Poppins. Uma noite na Tv, viram Julie Andrews numa cena de CAMELOT, ao lado de Richard Burton. MARY POPPINS seria o primeiro filme de Julie Andrews. E em sua estréia lhe daria o Globo de Ouro e o Oscar. Vencendo...Audrey Hepburn em MY FAIR LADY...
   O filme conta a história de uma babá que na Londres de 1910 vai cuidar de um casal de crianças. Elas são filhas de um pai que só pensa no trabalho e de uma mãe "politizada". O que Mary Poppins fará com as crianças? Liberará TODA a sua fantasia. E nesse processo o filme pode ser visto de dois modos.
   Como obra-prima do cinema para crianças ( mas não infantil ), ele valoriza a inocência. Mas não é a inocência passiva, é sim a ativa fé na criatividade, no jogo e na fantasia. Ter sido  criança e ter visto este filme no cinema se revela uma experiência para o resto da vida. Mary mostra aquilo que toda criança tem em si-mesma. Ela joga com imagens, com palavras e com as emoções. Mas há no filme uma visão adulta também, e essa se revela muito rebelde.
   Feito em 1964, no inicio da contra-cultura, o filme antecipa em dois anos o que seria dominante na swinging London de 1966. Mary Poppins voa quando quer, tira objetos imensos de sua bolsa, viaja pelas tardes de sol. E se não houver sol, ela faz com que ele surja. Mais que isso, ela ensina a se imaginar a vida, a se criar a própria realidade. Mas é no personagem de Dick Van Dyke que mora a contra-cultura.
   Bert, esse personagem, é pintor, limpador de chaminés, músico e poeta. É um hippie de 1910. Tudo para ele pode ser divertido. E trabalho tem de ser visto como coisa criativa, ou não vale a pena. O filme, pasmem, feito para crianças, prega abertamente a inutilidade do trabalho, a morte que existe na rotina cotidiana. O pai, pobre coitado, só pensa na moral vitoriana, naquilo que é util e racional. Mary Poppins instaura o reino da irracionalidade e do maravilhoso inutil.
   Cena das mais hippies é aquela do velho Uncle Albert, um homem que ri sem conseguir parar e que ao rir sai voando pelo quarto. Quem pensou em maconha acertou.
   A trilha sonora é dos irmãos Sherman. Richard morreu semana passada. É uma trilha genial. As músicas têm todas o sabor do music hall inglês, são como cançõe de pub, para se cantar em grupo e dando piruetas. Tanto Julie como Dick fazem com que nos apaixonemos por elas. Voce vai dormir pensando no que viu e acorda cantarolando.
   Porque não se faz mais um mísero filme como este? Tão feliz, alegre, pra cima, que faz com que seu público se sinta inspirado, confiante, leve?
   Ele foi um fenômeno de bilheteria e penso que hoje seria um sucesso na Broadway mas jamais nas telas. Ele pede gosto de seu público. Bom gosto e ausência de cinismo. Além do que não temos uma Julie Andrews dando sopa por aí. E nem compositores como os Sherman. Muito menos Walt Disney. Musicais são os mais trabalhosos dos filmes. Eles precisam de dezenas de grandes talentos. Ou o fiasco se faz. Um musical precisa de atores que cantem e dancem e que possuam simpatia avassaladora. Precisam de frases curtas e leves. De um diretor que entenda de ritmo e de harmonia. De excelentes cenógrafos. De músicas que grudem e conquistem em um minuto. E de muita fantasia. Mas os musicais precisam acima de tudo de um público que se permita flutuar. Que se solte. Educado para a poesia dos musicais.
   MARY POPPINS tem cinco canções que são obras-primas. Cinco. Uma delas levou o Oscar de canção. Ela é cantada até hoje. Quem lembra da canção que venceu no ano passado?
   Candidatos a melhor filme em 1964:
   DOUTOR FANTÁSTICO de Kubrick; MY FAIR LADY de Cuckor; BECKETT de Peter Glenville; MARY POPPINS de Robert Stevenson e ZORBA O GREGO de Cacoyannis. Eu só não conhecia Mary Poppins. Já conheço. Os cinco mereciam vencer.  E só pra humilhar, os atores daquele ano foram Richard Burton, Peter O'Toole, Peter Sellers, Anthony Quinn e Rex Harrison. Tá bom?
   Uma cena como aquela do telhado em que dezenas de limpadores de chaminés dançam de tarde, ou um final como aquele das pipas vale por cada centavo gasto em sua produção. Que delicia de filme!!!!

DIVAGANDO, ANDANDO, COMPRANDO, LENDO

   Cheguei então aos 2.500 dvds. Todos devidamente divididos em gêneros. Está dificil comprar novos títulos. Vários que já tenho são relançados e as caixas que eu tanto gostava não são mais produzidas. Olho e olho as novidades e não há nada....
   Estou na livraria. Ouço um cara falar que finalmente terminou "EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO". E uma mulher, bonita, pergunta por "A NOITE DE SÃO LOURENÇO" dos irmãos Taviani. Um menino olha um livro sobre Billy Wilder e um barbudo leva tudo de Buster Keaton.
    Alguém escreveu que o cinema ( adulto ), é hoje um tipo de "teatro". Meia dúzia de adoradores que estão sempre discutindo e revendo os Beckett/ Pinter e Brecht de sempre. Uma espécie de igreja pagã. Acho que todos os fiéis estavam hoje na livraria. Uma menina comprou um filme silencioso de Griffith.
   Madonna dirigiu um filme e o roteirista diz que ela é louca por Jean-Luc Godard. Madonna não é baladeira, fica em casa vendo filmes. Já viu "tudo" e adora a nouvelle-vague. Tenho saudades de quando comprei meus dvds de nouvelle-vague. Redescobrir a NV é uma experiência deliciosa. Dá a sensação de que dá pra se fazer tudo em cinema. Voce se sente livre. Tem um monte de diretores de quarenta anos que endeusam BANDE A PART ou WEEK-END. É a sedução da liberdade.
   Vejo numa revista que Hilda Hist morava isolada com 90 cães. Ela leu um livro de Niko Kazantzakis que dizia que a solidão é primordial ao criador. Então ela largou amores e badalações e se isolou pra criar. E conseguiu. Eu conheço esse livro do Kazantzakis. É TESTAMENTO PARA EL GRECO, um livro que todo mundo devia ler. Nele, Niko está em crise. Deixa de ser cristão e vira budista. Mas descobre que Cristo, Buda, Maomé são todos o mesmo. Ele se isola, e tenta conciliar com esse isolamento seu interesse pelo mundo. Ele segue Lenine, ele se interessa pela história, conhece a guerra. O livro exibe esse conflito. Uma alma que deseja a solidão para encontrar a criação e o Criador. E um homem que deseja a vida ativa, o mundo, os seres. Preciso reler. Li esse livro em 1989. Nunca o reli.
   Walter Carvalho fala que toda a criatividade de um cara se faz entre o fim da infância e o inicio da adolescência. Entre os 11 e os 13 anos. É verdade. É a genuína verdade.
   Compro A NOVIÇA REBELDE. Nunca vi esse filme. É aquele que bateu o recorde de bilheteria de E O VENTO LEVOU, em 1965. Nunca tive vontade de ver. Mas ele está sendo reavaliado e estou curioso. Julie Andrews é adorável. E compro também o DIVÓRCIO À ITALIANA, que saiu finalmente em dvd e que aconselho a todo mundo. É uma obra-prima da comédia humanista italiana. E tem um dos três maiores desempenhos de Mastroianni. Ele faz um conquistador de cidade pequena, super vaidoso, machista, tolo. É uma coisa de impressionar. Marcello foi um rei dos reis. O bigode que ele usa já vale o filme.
   Lançaram as bios de Pedro Nava. São milhares de páginas com as lembranças de Pedro. Ele escreve à Proust. Lerei um dia.
   Tudo sempre passa por Marcel Proust. Nosso mundo é um círculo em que as coisas retornam e se desfazem. Para depois serem retomadas. E reinterpretadas. É como se tudo fosse sempre agora.
   Tem um Henry Fielding em capa dura e ilustrado que muito me interessa. Fielding de luxo no Brasil....É um país estranho pacas.
   Terminei de ler MINHA VIDA DE MENINA, de Helena Morley.
   Helena era filha de ingleses. Escreveu entre os 12 e os 13 anos um diário. O livro, extraordinário, é esse diário. É hoje um clássico, traduzido entre outros por Elizabeth Bishop para o inglês. Morley mostra o que era o interior de Minas em 1895. Muita igreja, muita fruta roubada no pé, pescarias e uma familia imensa.
   Os filhos eram criados por mãe, pai, tia, avó, primos, vizinhos, padres e professores. Hoje quem os cria? Na época do livro ficar só no quarto era uma coisa de gente louca. Comer sózinho era impensável. São conversas longas à noite, idas às festas, casamentos e enterros. E os negros.
   As pessoas pegavam negrinhos pra criar em casa. A escravidão não existia mais, mas os negros estavam sem posição, meio perdidos. Então a gente lê sobre montes de negros, alguns morando nas casas grandes, fazendo bicos, e tendo filhos que os brancos recolhem.
   É um mundo longe de nós. Tudo o que as meninas querem é comida. Doces e brincadeiras são toda a felicidade da vida. E a figura paterna, sempre distante. Livro bonito.
  

OS VISITANTES DA NOITE, FILME DE MARCEL CARNÉ. O AMOR É O QUE?

O Diabo se ressente. Ele odeia vozes de gente e o som dos sinos. Adora o silêncio, o estar só e o fogo.
Um casal chega a um castelo. Estamos em 1400. Esse casal se apresenta como dupla de cantores. E fazem parar o tempo. São dois enviados do Diabo.
Seduzem o dono do castelo. Seduzem a noiva de um barão. Seduzem o barão. Brincam com essa sedução. Tudo vai em seus conformes, mas o amor é um enigma. E é então que o filme cresce.
O diabo usa o amor para o mal. Mas o amor pode vencer o mal. Como entender isso? O amor é um bem ou um mal?
Foi pouco antes do tempo em que o filme se passa que o amor revolucionou a mente dos homens. O amor como o conhecemos, o amor das canções e da renúncia, é criado pelos menestréis e pelos franciscanos. Mas que amor é esse que fez de nós seres obcecados por ele? Ele nos é natural ou foi por nós criado?
Um dos enviados do Diabo se apaixona de verdade. Rompe seu pacto. E o próprio Demo em pessoa vem ao castelo intervir. O Diabo torturará seu enviado, atormentará a jovem donzela. Ele se irrita com esse amor, zomba dele, joga com ele.
Conseguirá vencer. Ou não? Em amor nunca se sabe o que é vitória ou o que seja uma derrota.
Marcel Carné fez aquele que é considerado o maior filme francês do século ( O Boulevard do Crime). Este foi feito três anos antes e tem como em Boulevard, roteiro de Jacques Prévert. O que? Voce não conhece Prévert? Bom...Prévert foi poeta, pintor, músico. Da turma de Picasso, é considerado um dos grandes da França. Ele sabe do que fala. As canções de amor são lindas. E medievais.
Voce pode definir uma posição perante a vida de acordo com suas escolhas em cinema. Scorsese ou Altman. Bergman ou Fellini. Kurosawa ou Ozu. Ford ou Hawks. De Sica ou Rosselini. Truffaut ou Godard. E Carné ou Jean Renoir. Prefiro Marcel Carné. Ele é sempre simbólico. Renoir era realista.
Bergman adorava Carné e bebeu muito neste filme. O Olho do Diabo é sua versão desta obra.
O filme é hiperbólico, teatral, artificial, e tem uma assinatura de esteta. É belo. Adulto.
O que seria esse tal de filme adulto de que tanto falo?
Simples. Ele só será entendido por quem amou de verdade. Por quem já foi um "diabo". Por quem tem algum passado. O filme infantil dispensa qualquer prévia experiência. E qualquer cultura também. O filme adulto pede que voce se erga e vá à ele. O infantil se dá barato.
Pleno de milhares de conexões ( não seria nosso mundo, de solitários silenciosos, um mundo do diabo? ), Os Visitantes da Noite é um grande filme.
E é um alivio voltar a meus velhos clássicos.

NOVIDADES BABY

É por isso que tenho a sensação de já ter visto as novidades baby. Eu as vi em 1979.
Bowie com Klaus Nomi em 1979... sei lá, depois disso eu até que me interesso por rock de raiz, tipo White Stripes ou por misturas de rock com rap ou com funk. Até que me interesso por regressivos como Chris Isaak ou Amy Winehouse.
Mas não vem me falar de nomes "artísticos" ou "relevantes". David Bowie fez antes e fez melhor.
Novidades baby? Que novidades? O sonho de todo "artista" é ser Bowie ( como o de todo "elegante" é ser Ferry ).
Um presentinho pra voces, jovens babys, aí embaixo. Quem ainda tem salvação...que faça bom uso.
PS: David Bowie me dá sempre a sensação de ser o único cara na história do rock a saber quem é Jean Cocteau.

David Bowie on Saturday Night Live-Boys Keep Swinging



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David Bowie - The Man Who Sold The World (1979 Saturday Night Live)



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HUGO/ SPIELBERG/ KIRK DOUGLAS/ JOHN WAYNE/ MUPPETS

   A INVENÇÃO DE HUGO CABRET de Martin Scorsese com Ben Kingsley
São os mais belos cenários digitais da história. E Martin demonstra um amor inocente ao cinema. O filme é um imenso cartão postal para Georges Méliés. E tem cenas comoventes com Buster Keaton. Mas eu duvido que alguém vá gostar do cinema que Martin homenageia só por ter gostado deste filme. O público que predomina nas salas de hoje está pouco se lixando para o que seja a tal "arte cinematográfica". Se lixa menos ainda para o que seja sua história, sua origem. Eles querem emoções simples, rasteiras e óbvias. De agora. Mas devo dizer que com toda essa beleza e nobres intenções, é um filme com miolo enjoativo, cheio de momentos chatos. De qualquer modo seu terço final é bastante bom. Para cinéfilos é fascinante ver a recriação dos estúdios de Méliés e dos bastidores de seus filmes. Nota 7.
   O CAVALO BRANCO de Albert Lamorisse
Curta de diretor que depois se tornaria famoso com O Balão Vermelho. Aqui ele fala de garoto que tenta domar cavalo selvagem. De melhor há a paisagem da Camargue, região do estuário do rio Rône. Um pântano sem fim, plano e muito agreste. Nota 5.
   TINTIM de Steven Spielberg
Se voce gosta de Hergé, fuja. Nada há aqui do visual limpo, elegante, solar do desenhista belga. Pior que isso, o capitão Haddock se tornou um patético alcoólatra. O filme nem sequer usa suas blasfêmias. Em tempos moralistas, fizeram de um bêbado simpático, um doente chato. O filme é barulhento, histérico, excessivo. A ação nunca consegue empolgar, o filme não tem humor e não tem suspense. Pior que tudo, o roteiro acaba por se revelar mal cosido. Nota 2 por algumas belas paisagens.
   GIGANTES EM LUTA de Burt Kennedy com Kirk Douglas e John Wayne
Já foi feito no ocaso do western. É sobre um plano de assalto a diligência. Wayne e Kirk são ex-inimigos que resolvem agir juntos. O filme é ok. Tem ação e tem leveza. Mas tem principalmente a verve safada de Kirk Douglas. Ele adora fazer esse tipo de mulherengo sujo, mentiroso e sorridente. Gostamos de vê-lo na tela. Wayne está cansado. Deixa que o filme fuja de suas mãos. Apenas está lá, sendo o mito da velha América. Para quem ama westerns é uma bela diversão. Nota 6.
   OS MUPPETS de James Bobin
É o recente filme dos geniais bonecos de Jim Henson. E este filme prova o dom único de Jim. Caco é comandado por outra pessoa, Henson já morreu. E juro que dá pra notar que não é ele. Caco perde em humanidade, os movimentos estão mais duros, a mão se move com menos precisão. O filme em si é muito fraco. O problema não é o fato das novas gerações não conhecerem os bonecos, o problema é o roteiro muito ruim. Nota 1.
   O CAÇADOR de Daniel Nettheim com Willem Dafoe
Como cinema é banal. Filmado sem emoção e sem criatividade. Mas ele tem duas coisas que o notabilizam: o cenário e o tema. É filmado na Tasmânia, um lugar que não se parece com nehum outro do planeta. E fala de um caçador que é contratado por uma corporação cientifica para matar o último Tigre da Tasmânia e recolher suas vísceras e sangue para pesquisas. O que vemos é toda a caçada desse homem calado, e sua súbita tomada de consciência. O final é bem triste. O tema mexeu bastante comigo. É o tipo de filme comum ( mas nada ruim ), que dá margem a horas de conversa. Nota 5.
   QUASE FAMOSOS de Cameron Crowe
Não gosto de pensar neste filme e revê-lo foi uma experiência ruim. Ele me dói. Fico louco de saudades daquilo que fui, daquilo que presenciei e daquilo que a gente perdeu. A inocência só se perde uma vez. O mundo nunca mais será ingênuo. Restam as músicas, a trilha do filme é covardia, tá tudo aqui, de Neil Young à Thin Lizzy. Absolutamente deslumbrante. Mas me dá uma tristeza cruel.... Nota 9.
   JOVEM NO CORAÇÃO de Richard Wallace com Janet Gaynor, Douglas Fairbanks Jr e Paulette Goddard
Uma familia que vive de golpes malandros, envolve uma velhinha solitária em suas tramóias. Os atores são excelentes e fazem tudo aquilo que dele se espera. Temos Douglas sendo jovial, Janet como uma doce mulher e ainda Roland Young fazendo seu ótimo tipo excêntrico. É gostoso de ver, mas às vezes cai num melô forçado. A senhora solitária é boazinha demais. Nota 5.