PARA QUE SERVE A POESIA?

Quando ia a sua casa ele logo entendeu, que tudo o que eu mais temia era meu desejo que dizia. Mas então se era a loucura o medo mais real, louco eu queria ser, um homem original... Para que serve a poesia? Para dar vida as coisas mortas. Para que serve a poesia? Para tolerarmos aquilo que morre. Para que serve a poesia? Para saber morrer. E ele disse em sala cheia: Se a poesia não houvesse sido criada no passado, ela existiria hoje? O homem de agora criaria a poesia? Dar vida a coisas mortas, fazer nascer o que nascido está, iluminar o medo e desafogar o afogado. A poesia nasceria hoje? Quando estive naquela sala, onde o nada imperava, tudo o que eu falava, dor/medo e saudade, era em forma de verso e de encanto. De onde vinha essa magia? Ao nascer eu fui roubado e outro ficou em meu berço, este aqui que meu pai viu, este aqui que minha mãe criou, este não sou eu. Ao nascer eu fui levado por um beijo. E da janela posso ver aquele que está em meu posto. E ela me espera, eu que fui roubado. Esse que lá ficou conta. Eu que fui beijado nunca cesso. Para saber morrer é preciso viver. Epifania. Em 1991 Apolo me acenou na forma de luz e de letra impressa. O raio de sol entrou pelo meu olho e me cegou para fora. A canção de Yeats saiu do livro e saiu de mim ( eu já a sabia antes de a conhecer ). Epifania. Um deus falou em minha vida. Aquela tarde, 28 de abril de 1991, jamais foi deixada. A água tragou minha vida então. Ofélia acenando na névoa. Crianças roubadas todas as noites. A lua sabe. Meus pés estão na lama da ilha. Para sempre e mais algum tempo mais. Para que serve a poesia? Unir a criança e reavivar a lama. Perder a razão e o medo de se ir. A janela, a janela, a sempre presente janela. Este mundo criaria a poesia? Mas a questão é: a poesia criou este mundo? Uma criança lê the stolen child.

The Stolen Child - W.B. Yeats

leia e escreva já!

Erik Satie Gymnopédie nº 3

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O MELHOR ESCRITOR INGLÊS FOI POLONÊS

Bangcoc, Malacca, Bornéo, Saigon, Manilla, Hong Kong, Tahiti... esse é o mundo do polonês que se fez o melhor ( e mais influente e moderno ) escritor inglês. Ele nasceu com o nome de Josef Korniewicz e seus pais foram perseguidos pelas autoridades russas ( lutavam pela independencia da Polonia ), mortos os pais, foi criado por um tio que o colocou nas melhores escolas. Mas tudo mudou novamente, quando aos 17 anos ele se empregou na marinha mercante inglesa. Foram dez anos no mar, dez anos no oriente, entre ilhas perdidas e colonialismo ( 1900, tempo em que o mundo ainda tinha recantos misteriosos ). Apenas aos 40 anos, já na Inglaterra e em terra firme, rebatizado como Joseph Conrad, ele passaria a ser um escritor profissional. E estranhamente, apesar de polaco, se tornaria um mestre do idioma. Escrever nunca seria um prazer para ele, escrevia para fixar suas lembranças, e apesar de ser defendido por Henry James e HG Wells ( e depois amado por Heminguay ) os criticos de então o consideravam um mero autor de aventuras, um escritor superficial. Preferiam Thomas Hardy ou Virginia Wolff. O tempo sempre faz justiça na arte. Ao fim da vida, autor de montanhas de livros, Conrad se torna laureado e popular. E como sempre, honrado, jamais aceitou qualquer homenagem. Não esqueceu as ofensas. O mundo que ele retrata é maravilhoso ( e sempre trágico ). Europeus fracassados em sonhos de riquesa e poder, perdidos em ilhas abafadas e cheias de mosquitos, cheios de doenças e bebida, incapazes de fugir pois amam aquilo que os mata. Europeus inadaptados ao mundo mestiço dos trópicos, homens honrados que sempre afundam em medo e desencanto. Conrad é raro, é dos poucos autores que misturam aventura e arte em doses iguais. Um tipo de Akira Kurosawa das palavras. Tudo nele tem ação, as coisas acontecem no mundo real, mas ao mesmo tempo, as coisas acontecem dentro dos personagens, existencialmente. E que personagens! São trágicos grandiosos, se movem em ódios e paixões mesquinhas, são covardes e falsos, e às vezes muito nobres. Acima de tudo, são como eu e voce poderíamos ser se tivéssemos hoje o espaço para o ser. Pois naquele mar estagnado e naquelas ilhas mortas, eles podem se fazer inteiros, mesmo que essa inteireza seja podre e fétida. Li quatro livros de Conrad e agora estou embrenhado no quinto. Lord Jim foi o primeiro. A saga do homem covarde que tenta por toda a vida se redimir. Depois vieram Nostromo, O Coração das Trevas ( que originou o Apocalypse de Coppolla ), O Agente Secreto, que foi filmado por Hitchcock.... Todos são brilhantes, viciantes, ágeis e genialmente bem escritos. Ele mescla a ação com observações filosóficas profundas, surpreendentes, cínicas e poéticas. Mestre. Estranho país a Inglaterra. A partir de 1880, e apesar de vários bons escritores, seus gênios são todos estrangeiros. Irlandeses ( Yeats, Shaw, Joyce, Wilde, Synge ), americanos ( Henry James, Eliot ) e até um polonês, Joseph Conrad. Nasce dele toda a linha aventureira/existencial que tanto marcaria o século XX, de Heminguay a Malraux. Mas acima de qualquer critica, ler Conrad é uma diversão. Há coisa melhor que isso? Ler alta arte com um alto grau de prazer juvenil? É claro que toda arte genial dá prazer. Mas esse prazer pode ser árido, ou até mesmo custoso. Em Conrad não. Como, volto a dizer, no cinema de Kurosawa, temos aquele tipo de diversão de adolescência, direta e simples, mas misturada com a profundidade escura e terrível de Dostoievski ou do cinema de Dreyer. Esse é o ideal de todo escritor moderno. Quantos chegaram lá?

COMO VER "A LUZ" SENDO ATEU

Dentro dessa influência oriental, dessa revalorização do reprimido ( nosso imenso lastro pagão ), quero falar sobre o zero. Invenção hindú ( apesar do orientalizado Pitágoras ter tocado no problema ), o zero é um problema que afeta toda a ciência, incluindo a linguistica e a psicologia. Pois o zero existe, é 0, mas ao mesmo tempo não existe, é um vazio, um nada, uma ausência. Percebe o tamanho do problema? Como pode um símbolo ser um ente não existente? E como pode esse nada afetar o 1? Somente o pensamento abstrato superior poderia conceber esse aparente e ilógico absurdo. A ausência significando algo. Dito isso. Me é impossível crer em algo que meus sentidos não podem provar. Apesar do zero. Apesar de eu obter ontem a informação de que a ciência moderna desistiu de saber os porques e as origens, se focalizando agora apenas nos para que. A ciência entregou os pontos, nada pode ser explicado após a terceira questão ( a maçã cai por causa da gravidade, a gravidade existe por causa da massa, mas porque a massa atrai? O universo se expande por causa do big bang, fora do universo existe a não matéria, mas de onde surgiu o não vazio? ). Não posso crer porque nasci e estou imerso no pensamento de meia dúzia de gregos que criaram o único mundo que me é familiar. Portanto, por mais que eu ache sedutora a idéia de anjos ou de Buda, são idéias para mim inalcansáveis. Mas existem ateus e ateus. Explico. O ateu fechado em si, normalmente seco e sem criatividade, pensa o mundo como ação e reação, numa lógica que depende muito mais de fé do que ele imagina. Ele deseja crer na lógica, na razão, e jamais percebe que essa forma de pensar fecha portas e possibilidades sem nada dar em troca. A vida se torna quimica. Para o outro tipo de ateu, no qual me incluo, a vida também é quimica, mas não só quimica. A lógica existe em problemas matemáticos e a razão é uma parte do todo, nunca o todo. É um ateísmo que reconhece o limite do saber, que aceita o mistério e a transcendencia ( não como fé, mas sim como abertura de novas possibilidades de pensar e sentir ). Quando Jung fala de espirito é disso que ele fala: tudo o que há no ser fora da razão, do consciente, do ego. Nada tem a ver com Deus ou deuses. Muito tem a ver com o tal vazio oriental. ( Para Buda quando morremos, se tivermos sorte, morremos como ser individual, continuamos como centelha divina. Ora, se meu ego morre não mais sou ). Olhar para fora e reconhecer que quase nada sabemos, olhar para dentro e perceber que quase nada percebemos, saber que da vida não somos senhores e que nossa vontade é minúscula perante o que significa viver. Não creio em Deus ou milagres, mas sei o imenso valor ( central e definidor ) da experiência religiosa. O ateu que fecha os olhos para esse fato ( ele estranhamente e de forma medieval crê que se não pensar nela a religião deixará de ter valor!!!! ), se priva de uma fatia imensa da vida, joga fora a chance de enriquecimento da alma e amputa toda uma possibilidade de criação e de crescimento. Torna-se avestruz pensando ser um leão. Ainda acrescento que nossa herança ( genética? ) pagã está viva em todos nós. Foram milhares de anos de animismo, de comunhão com a natureza e apenas 3000 anos de ciência. Como asfixiar essa verdade? O homem que usava amuletos e falava com o sol ainda vive em mim. Poesia, lendas, música, dramas e sonhos tentam nos lembrar disso. Não consigo crer em Deus ou na vida pós-morte, mas não posso roubar de mim mesmo essa herança ( parte que justifica e dá sentido a vida ). O resto é brincadeira de cientistas.

CONTRAPONTO- ALDOUS HUXLEY

Reli este livro estes dias... Huxley tem as raízes de seu espirito no movimento romântico alemão de 1790. A insatisfação com o mundo em que se vive e a tentativa de mudar as coisas. Esse espirito rebelde está presente no simbolismo francês e no começo do século XX é preponderante em gente como Hesse, Mann, Jung, Joyce e Pound. O que os une é um desejo de suplantar a tradição de pensamento greco/cristão, uma busca por alternativas de arte/vida que em seu extremo leva a pregação de uma espécie de negação dos conceitos de tempo/filosofia do ocidente. Os celtas, os vikings, os trolls, e também os hindus e aztecas são visitados por todos esses artistas/escritores/pensadores. Conceitos de verdade, de objetivo e a própria forma de viver no mundo são repensadas. É tentada a liberação de conteúdos negados por mais de 3000 anos. Toda a contracultura, todo o cinema de autor, beberá nas fontes dessas primeiras décadas do século de 1900. O livro de Huxley nos entontece. Não há centro em sua narrativa. Não há linearidade. Todas as histórias, de todos os personagens, acontecem paralelamente. É o conceito sincrônico, conceito que nega causa e origem, conceito anti-grego, aplicado ao romance. Nada parece lógico, nada é consequencia de nada, a vida de cada ser é definida apenas pelo momento presente. Huxley consegue jogar com tudo isso sem jamais parecer estar jogando. As peças desse xadrez emocional se movem em regras atemporais, mas com uma lógica que é construída em cada frase. Tudo é vivo. Ao terminar essa releitura, sinto que o mundo de hoje está muito mais próximo de um novo paganismo que daquilo que meia dúzia de gregos nos legou. A imensa força intelectual que esses poucos áticos nos deram ( um feitiço? ) está desde os tempos de Contraponto em processo de putrefação. Coisas como história, politica, filosofia, causa e efeito, catarse e lógica linear têm desaparecido. Não era esse o objetivo de Huxley. Sua utopia feliz seria a de um mundo que unisse o bom dos dois mundos, mas o que temos vivido é o retorno de um tipo de relativismo pagão e de uma atitude anti-racional nada grega. Temos o isolamento oriental sem sua sabedoria, e a hiperatividade do ocidente sem seu sentido de história. Um tipo de hiperatividade "cada um no seu mundo particular", o nome disso é alienação, outro nome é psicose branda. Eu me movo sem motivo particular, voce se move sem motivo particular e ambos vivemos em mundinhos que remetem a mundinho próprio e sem fim. Huxley percebeu tudo isso oitenta anos atrás. Sua esperança era a de que cada um mergulhasse em suas trevas pagãs e descobrisse o gênio dentro de si-mesmo. Nada feito, a covardia venceu. Contraponto nos mostra, nos condena e nos remete ao começo. É livro terrível, soberbo e alucinógeno. Leia.

O MUNDO HOJE OU VALE QUEM VENDE MELHOR

Esta eu não sabia e foi discutida em aula: Na Grécia existiam os sofistas. Até aí tudo normal. Eles não acreditavam na existência real das coisas, portanto, tudo era relativo. Verdade, justiça, bem, beleza, ética, todos eram valores relativos, não reais. A única verdade seria a verdade imposta pelo convencimento. Verdade é aquilo que alguém me convence, com discurso bem elaborado, a aceitar. Platão se irritava muito com isso e toda a sua filosofia é refutação dessa idéia. Para Platão, verdade, bem e belo não são relativos, eles existem como idéias superiores, independentes de nossa vontade. Por mais que eu queira que George Lucas seja o melhor diretor de cinema da história, existe uma verdade: ele não é. Em nosso mundo ocidental a idéia sofista é tão vitoriosa que no debate que se instaurou em classe todos os alunos ( inclusive eu ) caíram em contradição. Todos execraram o relativismo que nos obriga a considerar tudo válido, tudo discutível e tudo um caso de crença pessoal. É mundo onde a filosofia verdadeira se torna impossível, porque tudo se reduz a um absoluto "cada um na sua". Se eu disser que Britney Spears é genial e criar argumentos que me apóiem voce será obrigado a aceitar minha tese, mesmo discordando, pois não existe no relativismo uma medida de genialidade ou sequer de valor. O discurso é sempre o mesmo: Eu penso assim e essa é a Minha Verdade. Segundo Platão, todo estado que vive nesse individualismo de idéias próprias tende a decair. Simplesmente por não haver coesão, união em um ideal. Toda a sala de aula sentiu aversão pelo relativismo, pela vitória do belo discurso ( mesmo que vazio ), pela prevalencia do cada um na sua. Mas ao ser exposto o que seria seu oposto fez-se mais uma aversão. O platonismo real seria a vitória da verdade, mas quem saberia qual a verdade? O líder ou o senso comum? O exemplo mais próximo de platonismo existe, e bem vivo, em todo o mundo do islã. Uma única verdade, um único bem, um conceito de belo e de ético. Fez-se o nó: aversão ao relativismo, total impossibilidade de aceitar que alguém pense e julgue por nós. Conciliação impossível. Eu sou, todos somos, sem o saber, sofistas. Tudo é relativo, tudo é um imenso talvez. Quando alguém diz que sem o facebook não vale a pena viver, acabamos por crer nisso. Se falam que café faz bem, acreditamos. Se disserem que Neymar é melhor que Pelé iremos apoiar. Desde que esse discurso seja sedutor, bem elaborado, convincente. Tempo em que não interessa a verdade, interessa o slogan. Dentro desse mundo me é impossível sequer imaginar uma alternativa. Para mim, o mundo parece ter sido sempre assim. E pensar que me imaginava platônico....

O DINHEIRO E O MAL ENTENDIDO. "RAZÃO E SENSIBILIDADE"- JANE AUSTEN

Jane Austen, segundo Harold Bloom, cria nos primeiros anos do século XIX o moderno romance inglês. Mais que isso, ela cria um certo tipo de padrão da alma inglesa. O fato de que em 2011 seus livros continuem a vender muito, filmes sejam adaptados de suas obras e fãs se devotem a seu culto, torna-a uma figura chave da história do romance. Ela é hoje mais cultuada que Balzac ou Flaubert, não é pouca coisa.
O dinheiro é o centro de seus textos e nisso ela é muito atual. Cada ação corresponde a um desejo de ascenção social e esse desejo é sempre insaciável. O amor "parece" ser o que motiva os personagens, eles sofrem por ele, lutam por ele e se enganam sempre em mal entendidos, fofocas, falsas expectativas. Mas por trás disso, sempre há a busca do conforto, do aumento de fortuna, do poder. As mulheres parecem, e acreditam ser, desinteressadas, idealistas, romanticas, mas todo o tempo elas se debatem em mundo que apenas repete a ladainha da fortuna, da segurança, do futuro. E esse dinheiro sempre acaba por prevalecer.
Austen faz uma critica suave, suave porém eficiente, a esse modo de vida. Exibe a afetação ridicula, a falta de contato com a realidade dessa classe ociosa que fez aquilo que conhecemos como "mundo moderno". Eles têm poder mas não sujam as mãos com trabalho. Vivem de renda, de aplicações, de negócios misteriosos. O dinheiro é amado, mas o ato de o produzir é escondido. Jane Austen percebe a tolice dessa classe snob, ociosa, entretida em festinhas, flertes, caçadas e conversas cheias de inverdades e mistérios ocos.
O estilo é limpo, simples, quase cinematográfico. Jane Austen não é narrador que se impõe, ela conta e nos deixa livres para pensar. E o que pensamos é que seu mundo não é tão diferente do nosso, seu modo de ver estava bastante adiante do tempo e sua popularidade é aquela de quem encontra a atemporalidade ao ser simples. Longe de ser tão genial como Flaubert ou tão rica como Balzac, Austen leva a vantagem de ser próxima, calorosa, confidencial.

A SEGUNDA MELHOR ATRIZ, ELIZABETH TAYLOR JAMAIS MORREU

Desde a segunda guerra que Elizabeth Taylor é uma estrela. Na época estrela infantil, mas sempre com brilho majestoso. É muito tempo! Ela conseguiu fazer a transição de estrela infantil para estrela adulta sem jamais perder o status. Foi, e é, uma sobrevivente.
Meu pai a achava a mais bela mulher do mundo. Em alguns filmes ela faz justiça a esse título, em outros não. Nesses, onde ela se mostra gorda, deselegante, humana, ela é a segunda maior atriz de lingua inglesa da história do cinema. Melhor que Bette Davis. Perdendo só para Kate Hepburn ( perder para Kate é uma honra ). A segunda melhor na média, porque é de Taylor a melhor atuação que já vi: QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOLLF, de Mike Nichols, com Burton. O que ela faz nesse filme é inesquecível. Um milagre de voz, rosto e gestos. Coisa de deusa.
Desde criança eu ouço falar nela. Como Garbo, Dietrich, Marilyn, Sophia e Bardot, Elizabeth Taylor é um dos raros nomes que qualquer peão conhece. O cara pode jamais ter visto um filme na vida, mas já escutou esses nomes em algum lugar. De todas elas Liz era a única que realmente sabia interpretar.
Richard Burton foi sua grande paixão. Casaram-se e divorciaram-se um monte de vezes. Eram um exemplo tão ruim de comportamento que o papa Paulo VI chegou a os excomungar. Ele foi o veneno dela. Burton, gênio de ator, era auto-destrutivo. Destruiu sua carreira, sua saúde, sua beleza e quase que a destruiu. Álcool e deprê. Mas o grande amor de Liz foi Mike Todd, produtor gastador que vivia como um rei e morreu muito jovem. Burton veio depois. E o mundo falava deles como depois se falaria de Lady Di, Madonna e de.... Michael Jackson.
Jackson foi o negativo de Liz. Ele não foi feliz na mudança de criança estrela para adulto estrela. MJ continuou preso em Neverland. Até morrer. Como Diana Ross, Liz foi sua babá. Magnífica babá.
Uma pena Elizabeth Taylor ter parado de filmar tão cedo. Ou talvez não. Seria grotesco vê-la em telas tão chinfrim. Assim como Audrey e Ingrid Bergman, o cinema caipira não a comporta em seu mundo ( Taylor em filmes de Clint, Scorsese ou Tarantino seria ridiculo ).
Elizabeth Taylor não morreu neste mês e nem em mês nenhum. Estrelas desse tamanho parecem ter surgido do nada, parecem nunca ter nascido. E aqueles que não nascem não podem morrer. Se ela jamais foi uma criança de escola, se ela nunca soube o que é ser "comum", então ela nunca foi vulgar, banal, humana como todos nós. E esse é o mistério que define a estrela, ela não existe em nossa dimensão. Não vive a vida que vivemos. E não pode morrer a morte que morreremos. Liz é eterna então.

ROBINSON CRUSOE- DANIEL DEFOE

Inglaterra do começo da revolução industrial, nasce o livro como o conhecemos. Não mais texto para monges, para estudiosos, para nobres colecionadores. Não mais religião, epopéias míticas, poemas heróicos; agora são romances e poemas sobre o coração. Livros, agora vendidos aos montes, em lojas, em livrarias. O primeiro best-seller pode ser Crusoe ( ou Tom Jones, ou Clarissa, ou Gulliver ). E, ao contrário dos best-sellers de hoje, Robinson é para sempre.
Voce pensa ser ele infantil, voce pensa que o conhece, mas assim como Gulliver, Crusoe é adulto, e é muito mais que a simples história de náufrago e selvagem. Robinson Crusoe é uma critica a sociedade, é o medo da industrialização, mas é acima de tudo, um elogio ao engenho do homem, ode a criatividade.
É delicioso lê-lo. Há genuíno maravilhamento. Voce sente o retorno do encanto dos primeiros livros lidos. Quando, então, abrir um livro era viajar para longe. ( Meus primeiros foram A ILHA DO TESOURO, TOM SAWYER, O CONDE DE MONTE CRISTO e CARLOS MAGNO, Stevenson, Twain e Dumas... nada mal ). Voltando: tudo o que Crusoe faz e vê na ilha, nós vemos, e além disso sentimos a vida que ele vive lá. Após o desespero da solidão e da fome, a constatação: eis a aventura de viver! Quando Crusoe volta a Inglaterra, sua readaptação é impossível. A dor maior é ter perdido sua ilha.
Daniel Defoe viveu de letras. E essa é a maior das revoluções. Na Inglaterra de seu tempo ( século xviii ) já existia uma realidade que nós aqui ainda tentamos criar. Ele foi jornalista e romancista, contista e editor, ele foi imenso talento. Robinson Crusoe merece sua fama? Claro que sim! Pois ele é absoluto prazer, jóia de invenção e libelo por boas causas. É uma obra-prima.

DASSIN/ SCORSESE/ ARONOFSKI/ DEL TORO/ PETER BROOK/

LÁGRIMAS DO SOL de Antoine Fuqua com Bruce Willis e Monica Bellucci
Um grupo de soldados vai resgatar americanos em país africano. É um filme dos anos 80 com tintas de bom mocismo típicas dos anos 2000. A ação é banal e dá pra notar que Willis está desinteressado. Não é um filme ruim, é menos que isso. Nota 1.
O LABIRINTO DO FAUNO de Guillermo del Toro
Um filme infantil com cenas adultas. Tem um belo visual, mas a visão que ele tem da vida, seja politica seja sentimental, é de uma criança. Mas o filme não é sobre as fantasias de uma criança? Sim e não. Se fosse a visão de uma criança não teríamos certas cenas que traem um desencanto adulto. De qualquer modo, mesmo não sendo tão bom quanto alguns querem crer ( lhe falta densidade, há uma constante sensação de frustração nele ), é um filme interessante. Em alguns poucos momentos sente-se realmente o que é ser criança e viver nesse mundo dúbio, entre ver e intuir, pensar e sentir, criar e se conformar. Nota 6.
OLD BOY de Chanwook Park
Há um público gigantesco hoje que confunde apuro visual e ousadia superficial com arte. Vejam este exemplo: pega-se uma história simples, simplória até, e através de toda a perfumaria e maquiagem de modismos sem razão de ser, confunde-se tudo. Os tolos acreditarão nessa confusão com as "sacadas espertas" e o visual nervoso será chamado de "estilo". Necas! O filme é comum como qualquer porradaria de Charles Bronson ( prefiro Bronson ). Vazio, sem qualquer emoção, vive daquilo que George Lucas dizia:" É fácil criar sensação no cinema: pegue um gatinho e o esmague, eis a sensação-nojo e pena, revolta e asco; nada a ver com emoção". Old Boy é um lixo. Nota ZERO.
A ILHA DO MEDO de Martin Scorsese com Leonardo di Caprio, Ben Kingsley, Michelle Willians e Max Von Sydow
Frustrante. Quando descobrimos a verdade não nos sentimos surpresos, nos sentimos logrados. O roteiro é seu ponto ruim, e mesmo a direção de Scorsese, cheia de clima e de amor a seu tema trash, não consegue salva-lo. Os atores estão bem ( há algum ator hoje mais importante que Leo? E ainda há o bergmaniano Sydow, o cara que fez O Setimo Selo e O Rosto ). Nota 4.
ENCONTRO COM HOMENS NOTÁVEIS de Peter Brook
Filme sobre a juventude de Gurdjieff. Gurdijieff foi um russo que se tornou um tipo de divulgador de crenças orientais alternativas. Brook como diretor de teatro é figura central do século XX, como pensador é um grande homem, mas como cineasta é um ambicioso, um ambicioso que nunca chega lá. O filme está muito abaixo de sua ambição. Nota 4.
CORAÇÕES DESEPERADOS de Jules Dassin com Melina Mercouri, Romy Schneider e Peter Finch
O MacCarthismo fez bem a Dassin ( e a Losey ). Esse americano começou como um excelente diretor de amargos policiais nos anos 40. Ao ser expulso da América renasceu europeu, passando a fazer filmes muito modernos e muito ousados na França, Inglaterra e Grécia. Foi na Grécia que ele conheceu Melina, sua esposa. Este filme, maravilhoso, é uma homenagem a sua musa. Vemos na Espanha um casal em crise viajando com sua filha adolescente, e também com a amante do marido, que vai junto. A esposa ( Melina ) sabe de tudo e se martiriza com a situação. O filme acompanha 24 horas dessa viagem, de Toledo a Madrid. Noite de chuva forte e manhã de sol. Para quem quer saber o que é um filme adulto, eis aqui sua chance. Os três atores se batem com sutileza e se vêem presos numa vida boba, sem desejo e sem coragem. A fotografia é um primor: os telhados da velha Toledo na chuva, a aparição do Espanhol foragido, as ruas com sombras e a cena belíssima do amanhecer no campo nú. Eu havia visto este filme na tv Bandeirantes aos 12 anos de idade e só o revi agora, mais de trinta anos depois. Os telhados à chuva e o rosto de Melina ficaram em mim como minhas primeiras imagens do que seja o tal "filme de arte". O final, ruas vazias ao sol do meio-dia é para não se deixar de ver. Jules Dassin era duca!!!! Nota 9.
FONTE DA VIDA de Darren Aronofski com Hugh Jackman, Rachel Weisz e Ellen Burstyn
As 3 encarnações de casal que se ama. Ou também a sabedoria de uma mulher agonizante que descobre que viver é aceitar a morte. Morte que é transformação. Aronofski sempre tem boas intenções, é um cineasta que se interessa pelo que importa. Mas ao mesmo tempo, como todos nós, ele é filho de seu meio. E americanos têm uma enorme dificuldade em lidar com símbolos. A pragmática e não-simbólica igreja americana os isolou desse universo inconsciente. Quando se metem a tentar penetrar nesse universo não-racional acabam explicando demais, expondo demais, iluminando em excesso. Budismo, Jung e neurociencia são tocadas, mas de uma forma que se aproxima perigosamente da new-age. Mas não deixa de ser um filme louvável. Fico apenas chateado ao pensar no que um Kubrick ou um Tarkovski fariam com esse tema. Nos extras, na entrevista com um dos roteiristas, vejo que há um poster de Kurosawa em sua sala... Aronofski tem essa coisa niponica da morte sempre presente, mas lhe falta um pouco mais de discrição, rigor, menos disneylandia. Nota 6.

PLATAFORMA- MICHEL HOUELLEBECQ

Ninguém é mais quente na França hoje que Houellebecq. Aos 54 anos, ele é o cara. Tem até um disco do Iggy Pop que homenageia seus livros. Plataforma fala de um funcionário público francês, chamado Michel, que pensa em sexo e sexo e às vezes em seu vazio. Ele conhece uma executiva bem sucedida e juntos eles fazem sexo e sexo e sexo. Ela trabalha com turismo. Eles vão à Tailândia. E fazem sexo e sexo e sexo. Mas porque Houellebecq é tão famoso?
As cenas de sexo são escritas como por um adolescente. Felação, sodomia, sadomasoquismo, bissexualismo, ménage à trois.... tudo aquilo que se tornou banal. Dá pra se notar que Michel leu Henry Miller e Bukowski. Mas ao contrário dos dois americanos, o ambiente é de grana, muita grana.
Houellebecq é famoso por ter a "coragem" de dizer o que pensa. Mas até que ponto isso não é calculado? Ele mira nos franceses, lugar onde todos se tornaram administradores burocráticos. Os italianos, o povo mais previsivel do mundo. Espanhóis, perigosos e ambiciosos. Americanos, puritanos e militaristas. Japoneses, um povo de gente ruim. São Paulo é descrita como uma cidade onde os carros são blindados, os bandidos te matam na rua com fuzis militares, ricos vivem ilhados sem jamais pisar na rua e a cidade é na verdade de bandidos, prostitutas e miseráveis. ( Ele descreve Paris como cidade de gangues e estupros ). A conclusão de Houellebecq: o mundo terminou. O capitalismo é o máximo a que o homem pode chegar, ou seja, este mundo de barulho e trânsito ruim, de solidão e sujeira é o céu do capitalismo. Os europeus, povo que nada sabe fazer de útil, vive apenas para viajar e morrer de tédio. Um europeu, segundo Houellebecq, se deixado sózinho em mundo destruído, nada saberia fazer de bom. Seria incapaz de plantar, de caçar, de construir uma casa ou de fabricar ferramentas. É um povo que vive cercado de seu glorioso passado, mas que no hoje e agora é absolutamente patético.
Mas as coisas não são melhores fora da Europa ( apenas mais reais ). No oriente ( Tailândia, Vietnã e Cambodja ) pelo menos ainda se faz sexo direito. Pois os europeus e americanos, mortos em seu desejo sempre satisfeito e sempre incompleto, perderam o interesse por sexo. Não sabem dar, porque vivem em egoísmo narcísico, e não sabem receber, orgulhosos que são. O sexo entre eles se tornou apenas um exercício higiênico. Daí a paixão pelas viagens. Na verdade o que o europeu quer ao viajar é encontrar sexo de verdade, sexo no terceiro mundo, mundo onde as mulheres ainda se submetem ao seu macho e onde as européias encontram homens que ainda pensam em se arriscar. Ilusão. Para esses seres do terceiro mundo um europeu é uma nota de euro. Já estão corrompidos, vendem o corpo por não ter mais nada a vender. ( E aqui ele faz um adendo interessante: Nike, Adidas, Vuitton, Chanel... são marcas que devem seu valor ao terceiro mundo. É no Brasil e na Costa Rica que se vê essas marcas como coisa de primeiro mundo. )
No mundo de Houellebecq, de todos esses virus, nada é pior que o islamismo. Ele chega a dizer que "não existe muçulmano que não seja um boçal", e os poucos que se salvam são ex-muçulmanos. Uma religião que começa por dizer "Deus é único e único é meu Deus", não dá espaço algum para a dúvida, a reflexão ou a criação humana. Houellebecq vê no catolicismo uma religião bastante mais humana, com sua trindade, santos, anjos e mártires, catolicismo que dá margem para a dúvida, a heresia e a complexidade. Ele fala do fato de o islã ter aniquilado a cultura do Egito e do Irã e não por acaso, o livro termina com ataque terrorista islâmico.
A melhor tirada de Houellebecq, e que justifica o livro, é aquela em que ele diz que o mal sempre existiu. Mas que os habitantes da Europa de 1700, por exemplo, sofriam e morriam, matavam e eram cruéis, mas ao mesmo tempo eles amavam aquela vida, aquela perspectiva, ilusória ou não, de se estar construindo algo de melhor para o futuro. Tinham amor a vida que era possível viver. Hoje detestamos o ambiente em que vivemos, o mundo em que existimos, a vida que nos obrigam a levar. Duvidamos do valor do futuro, nada há que mereça nosso sacrificio, nosso amor ou nossa fé. O que nos resta é nos fecharmos em casa, cheios de drogas ou vinhos finos, filmes e jogos, e sexo sexo sexo e sexo. O que nos rodeia só nos toca em situação extrema ( tragédias ), pois no dia a dia nada nos interessa.
Há como discordar?