SOMETHING ELSE- THE KINKS ( OS INVENTORES DO BRITISH ROCK )

Existem algumas bandas inglesas que venderam muito nas Ilhas, que são lá tão pop quanto Beatles ou Stones, mas que por diversos motivos não estouraram nos EUA e consequentemente não tiveram jamais uma popularidade mundial. Penso em T.Rex, penso em Faces e Gary Glitter. Mas a principal banda, que teve uma carreira mundial abortada nos EUA e que apesar disso é um mito em London Town, são os Kinks, a banda do mito Ray Davies.
Mas no inico não foi assim. Em 1964 You Really Got Me estourou na América. E também mais duas outras canções, no mesmo ano. A partir de 1966 eles desaparecem das paradas Billboard, mas continuam sendo reis na GB e criam a partir daí aquilo que conhecemos até hoje como O ROCK TIPICAMENTE INGLÊS, o rock tea party, o rock labour party, o rock umbrella.
Something Else sai em 1966 ( o melhor ano do pop? ). Lidera paradas em Londres, mas em NY chega apenas ao 111 lugar. Porque?
Primeiro por uma mudança de gravadora. Eles vão para uma companhia de fraca representação mundial, mas o principal fato é que em 66 nasce o rock psicodélico, o folk hippie e a banda "solo de guitarra". Os Kinks não são nada disso. Jamais são muito loucos, nunca foram hippies e tocam de forma muito simples. São banda de roupas elegantes, comentários irônicos e nenhuma ingenuidade, e principalmente, de imensa nostalgia. Os Kinks fazem rock, mas ficariam bem na época do rei Eduardo.
Várias pessoas ou bandas desde então, revelam sua paixão por Ray Davies. The Jam, XTC, Squeeze, Elvis Costello, Chrissie Hynde, David Bowie e mais tarde, Blur, The Verve, Supergrass, Oasis e Pulp. E hoje, todo rock britânico que não tenta se parecer com um garoto irado da California.
Eles inventaram esse rock com sotaque british, que tem algo de sonolento, de gramados em fim de tarde. Que falam dos bons tempos ( que sempre se parecem com tempos ruins ), que ironizam a política e que jamais perdem o estilo. São safados, mas é uma safadeza pouco sexy, é uma coisa mais intelectual. São dandys. E ficam todo o tempo satirizando os dandys.
Coloco o disco.
David Watts foi regravada por todo o mundo. É como um double decker bus sem freios. Tudo o que é o tal de rock inglês está aqui. Pa pa pa pa pa pa pa pa!!!! Os Small Faces nessa mesma época os seguiram. Mas foram Ray Davies e seu irmão Dave quem criaram isto.
Death of a Clown cantada por Dave, é um triste balada british. Nada tem de Dylanesca. Há quem a considere obra-prima. É de um sabor ácido e nostálgico. Chega ao patetismo.
Two Sisters. É um som de rádio ecoando na cozinha daquelas tristes casas de tijolos londrinas, todas iguais. Nessa cozinha, Prunella passa roupa enquanto o bebê dorme no berço. Chove frio. A canção, melancólica e linda como só ingleses ERAM, tem cravo dedilhado e bateria marcial. O que MacCartney começaria a fazer em 67, Ray Davies faz aqui.
No Return. Sol em gramado verde. Ray toma seu chá. Nada é mais chá com leite que Davies e os Kinks. Paz absoluta.
Harry Rag. Aí está, o rock fish and chips. Mais Monty Python impossível.
Situation Vacant. Festa, festa, festa!!!!!!!
Love Me Till The Sunshine. Dave canta. Som de mods. Som de jovens com paletós e lenços no pescoço ( foulard ). De piteiras. De Mini-Cooper. Os caras tinham estilo!
Lazy Old Sun. Sim, pode ser psicodélica. Mas à moda Kink. Anuncia os Stones de Satanic. O psicodelismo londrino é urbano. Nada tem de volta à natureza. É um chá do chapeleiro louco.
Afternoon Tea. Ouçam isto junto com David Watts. Voces entenderão exatamente o que eles inventaram. ( Quem falar em Paul e George estará errado. Ray veio antes com este estilo de som e este tipo de comentário irônico ).
Funny Face. O piano dá todo o clima do disco inteiro. Não é disco de guitarras. É de vocais e de arranjos. Mas não a riqueza de Brian Wilson ou dos Beatles pós-67. É um tipo de arranjo nú, mínimo, simples. O que importa é o tal estilo. O andar de guarda-chuva em rua úmida.
End of The Season. Uma obra-prima insuperável. ISTO É ROCKNROLL???? Não. Isto é rock-inglês. Percebe a diferença? Kinks sendo completamente Kinks. Os Hippies os chamavam de caretas gozadores. Depois, a partir de Bowie foram justiçados: célula original de todo o pop britânico.
Waterloo Sunset. A música que fecha os shows deles até hoje. Ao vivo, era cantada pelos Oasis, Blur e Charlatans. È uma ode ao fim do "império". Termina sendo um lindo comentário sobre todo e qualquer final.
Não ouça Kinks em dias de sol. No lusco-fusco de uma tarde sem luz, numa manhã com neblina, sim. Mas não pense serem eles trágicos! Nunca! Embora caiam muito numa "doce melancolia", eles jamais perdem o humor, o dom da sátira, essa coisa de verem sempre os dois lados de tudo.
Se eles lamentam o fim da era eduardiana, eles riem do ridículo dos eduardianos. E se eles são uma banda de rock, que criou um dos riffs mais básicos e geniais do rock, são também a mais anti-rock das bandas, com seus comentários "maduros" e seu modo sob-controle de compor.
Se voce começar a ouvi-los hoje ( triste voce ) pensará que já ouviu som como o deles milhares de vezes. Sim, já ouviu. Mas lembre-se de uma coisa: ELES FORAM OS PRIMEIROS. Tiveram o genial insight de misturar aquela coisa de caipiras americanos com o chá e a erudição afetada de Londres. Deu no que deu. Esse som, enquanto foi temperado com o humor decadentista e a ira do partido trabalhista foi brilhante. Depois, sem a cultura européia e sem a ira, fez-se essa modorrenta coisa sem espinha e sem verdade. Os Kinks repetidos ao infinito e sem razão de ser....
Mas isso não é culpa de Ray Davies, Dave Davies, Mick Avory e Peter Quaife. Ladies and Gentlemen....Something Else by The Kinks !

O HOMEM DO VIOLÃO AZUL- WALLACE STEVENS ( PARA QUE SERVE A POESIA )

Cito.
" E O HOMEM DISSE: AS COISAS SÃO COMO SÃO
SE MODIFICAM SOBRE O VIOLÃO..."

"ENTÃO A VIDA É ISSO: AS COISAS COMO SÃO?
ELA TATEIA SOBRE O VIOLÃO..."

Cito mais alguns versos, a esmo.....

"....A POESIA
MAIS DO QUE A MÚSICA HÁ DE OCUPAR
O VAZIO DE UM CÉU SEM HINOS..."

" A TERRA NÃO É TERRA, É UMA PEDRA
NÃO A MÃE QUE SUSTENTAVA O HOMEM NA QUEDA"

Wallace Stevens.
Cito essas frases na esperança de passar para voces algum tipo de tema desta obra-prima. Mas é impossível. Há uma tal quantidade de temas em suas 33 estrofes, que é impossível ficar satisfeito com umas poucas citações. O que posso dizer então? Pois eu preciso falar alguma coisa sobre esta pedra. Pedra que é pai e mãe.
A partir do momento em que o mundo perde sua fé ( seja em deuses ou em heróis ) a poesia tem a missão de ser remédio. Um elixir que poucos querem tomar e que menos ainda sabem apreciar. Não me satisfaço com poetas "belos" ou poetas "rebeldes".
Poetas precisam contar o segredo. Compor os altares, as orações e os paraísos ( e infernos ) de nossos restos de pensamentos. Os poetas são necessários, úteis, vitais; mas não todo e qualquer poeta. Sómente os que se lançam a nomear a vida. A ir além do que se escreve. A dar sentido a tudo. Ou morrer tentando.
Stevens consegue. Como Eliot conseguiu. Versos que são rezas possíveis. Usando sua rigorosa razão ele chega ao paradoxo. Descrendo de tudo, das palavras e de sí-mesmo, ele dá sentido. Para o poeta ( perfeito ) essa razão é o ato de criar.
Pois para Stevens a vida é coisa criada. Não existe o real, existe um real inventado. E mais:
Tudo o que passa por nós é nós. Torna-se interpretação de nossa mente. Criado.
E como ele escreve bonito... são sóis e luas, e o mar e a terra, e cores e espelhos, e vento e sono. Não se precisa entender tudo, o que é preciso é se deixar ser penetrado pelas palavras, pelas imagens, pelo som e pelos sentidos. É preciso dormir/acordar e sonhar/racionalizar os versos. Criar sentidos no ato de se ler um caminho entre caminhos. Milagrar.

"O QUE HÁ NA VIDA ALÉM DAS IDÉIAS QUE SE TEM?
AR BOM, MEU BOM AMIGO, O QUE HÁ?"

O que pode nos dar sentido além da poesia?
Ler Wallace Stevens é preciso.

Stevens foi bem sucedido homem de negócios. Escrevia escondido. Publicou pela primeira vez já aos 44 anos. Vendeu pouco. Mas não há poeta melhor.

ERA UMA VEZ NO OESTE- SERGIO LEONE, PODERIA SER O MELHOR FILME DA HISTÓRIA?

Nos fartos comentários deste dvd, feitos entre outros por John Carpenter e John Milius, é dito que esta "ópera" de Leone é o primeiro filme pós-moderno. Pois, pela primeira vez, um filme é feito tendo por base não a vida ( ou a literatura ) mas sim, o próprio cinema. Entenda, não se fala de refilmagem, que isso sempre houve, mas de um tipo de filme que nega a vida; tudo o que ele mostra não é a tal vida, mas sim o cinema. Desse modo, Leone jamais tenta criar situações reais, mas sim situações de cinema; o céu que vemos não é "o céu", é céu de filme. Ele não procura nos convencer de que aquilo é a vida, todo o tempo ele fala: é um filme! Portanto, Sérgio faz o primeiro filme de Lynch, de Almodovar, de Tarantino e de tantos outros.
E tinha de ser em forma de western, pois nenhum gênero é tão cinema quanto o faroeste. Não existia teatro western, literatura western, pintura de faroeste, óperas de cowboys. É o cinema que cria esse tipo de arte, de espetáculo. Quem ama o western ama o cinema, quem o ignora, tem amor por outra coisa ( filmes que são livros ou filmes que são teatro ). E Leone amou o cinema com uma paixão sublime. Este filme o atesta.
Foi um grande fiasco em 1968. No fantástico ano de 68, ano de 2001, de If, de Amor em Fuga, de The Wild Bunch, de Kes e de Partner. Os americanos odiaram sua lentidão e seu tamanho. Uma crítica o chamou de "O cacto e o Tédio". Mas, um cinema na França ( e é Alex Cox nos extras quem diz isso, chamando os franceses de "nação de cinéfilos" ), o exibiu durante quatro anos!!!! Logo ele se tornou cult, e hoje há quem o considere um dos maiores filmes já feitos.
É Carpenter quem chama a atenção para seu modo "japonês" de usar o tempo. Como nos grandes filmes do Japão, o tempo aqui não passa, ele escorre. Todas as cenas são longas, são exauridas, observadas ao máximo, distendidas. Voce termina sentindo outro tipo de tempo fílmico, silencioso, quase zen.
O filme começa. O início é puro "Bastardos Inglórios", só que bem melhorado. É o mesmo tipo de som, a mesma amplidão, o mesmo suspense. A primeira coisa que impressiona é o tamanho das imagens. Ver esse filme em tela grande deve ter sido um inenarrável prazer. Se um dia voce tiver a chance, corra para vê-lo. Tonino Delli Colli, dos filmes de Pasolini, fez a fotografia. Não consigo lembrar de algum filme com melhor visual. Closes imensos ( penso nos olhos azuis de Fonda em tela imensa, nas rugas de Robards ) e cenas vastas, horizontes sem fim, desertos vermelhos e amarelos, poeira voando. O filme é tão belo visualmente que chega a dar vertigem. E a cenografia, com seus barracões de teto aberto, seus objetos cuidadosamente dispostos, lembra o melhor de Visconti e de Ophuls.
E começa o filme.... Os primeiros trinta minutos são dos melhores momentos que já ví em cinema. Três pistoleiros esperam um trem. Silêncio quebrado por ruídos. Os atores são atores de John Ford, a situação é típica de clássicos do western, mas o modo de filmar é outro. São trinta minutos para se ver trinta vezes. E com eles, aprender tudo sobre cinema. Pois neles há humor, ironia, suspense, violencia, arte e até mímica de cinema mudo. Não conto o final dessa primeira cena. Veja-a.
A primeira aparição de Henry Fonda também é histórica. E entenda, Fonda era o mais nobre dos atores americanos. A imagem da integridade, do americano como ele gostaria de ser ou de ter sido. Pois aqui ele é um cruel assassino, e seus olhos azuis funcionam como texto sobre a violência. Outra surpresa, o filme dura quase três horas, e tem apenas quinze páginas de diálogos. É quase imagem e música. Mas suas poucas falas são todas marcantes. O roteiro é de Dario Argento e de Bernardo Bertolucci.
Ennio Morricone fez a trilha. Muita gente considera-a a melhor trilha da história do cinema. São quatro temas musicais. Acho que o próprio Ennio fez trilhas melhores, mas há uma grandiosidade aqui, um operismo tão irônico, e ao mesmo tempo nobre, que sim, é tocada a raia da genialidade. Mas considero a trilha de THE GOOD THE BAD AND THE UGLY melhor.
Claudia Cardinale faz o papel central. Falar de sua beleza é chover no molhado, mas há uma cena.....Claudia desce do trem e entra na estação, a câmera se ergue e pela primeira vez vemos a cidade em construção. Entra a música de Ennio. É uma cena tão perfeita, tão bela, de tanta riquesa estética, que imediatamente pensamos: Eis o maior filme da história do cinema! Eis a mais bela das cenas! Quando em seguida Claudia anda de carruagem e percebemos que estamos em Utah, no Monument Valley de John Ford...bem, não existe chance de ficar com os olhos secos. É uma homenagem a Ford tão bonita, tão sincera, tão reverente e respeitosa, que como amantes de Ford, nos sentimos homenageados também. É como se Sergio falasse : "Voces Fordmaníacos estão certos! Ele foi um gigante! Vejam suas pegadas aqui!"
Mas há mais. Jason Robards faz um bandido. Robards foi rei do teatro sério dos EUA. E fez bela carreira em cinema ( ganhou dois Oscars nos anos 70 ). Foi alcoólatra e casado com Lauren Bacall ( ex-senhora Bogart ). Sinta a responsabilidade do homem: foi ele quem tomou o lugar de Bogey! Bem....Robards tem também sua cena perfeita. É ao final, com Claudia, quando com olhos chorosos, ele diz à ela que uma mulher bela tem a obrigação de dar essa alegria aos homens. Para voces meninos, Jason Robards é o velho que está morrendo em Magnólia ( e cinéfilo como sei que PT Anderson é, sei que ele deve amar este filme e esta atuação ).
Charles Bronson faz o "Harmonica". É o único "quase herói". Movido por vingança. Esse papel poderia ter sido de Clint Eastwood, ou de James Coburn. Mas Bronson não faz feio. É sujo e bruto como exige o papel. Acabamos gostando dele. Mas eu adoraria ver Clint ou Coburn duelar com Fonda!!!!
Não nego que o filme às vezes cansa. E sentimos vontade de correr o dvd. Mas ao mesmo tempo, desde seu primeiro momento, sentimos estar vivendo um momento especial. Quando ele termina, melancólicamente, estamos gratos pelo talento de Sergio Leone. È preciso ser longo, é necessária sua lentidão. Seu tempo "oriental" é o segredo de sua riquesa.
E só no fim seu tema se desvenda. É sobre o final do herói. O fim dos últimos individualistas. Vemos o que se torna a América: uma miscelânea de trabalhadores indios, brancos, chineses e negros. Massa de gente anônima. Os "mavericks", os últimos puro-sangue, os cavalos selvagens se vão. O tempo do homem auto-suficiente, do ser que se define pelo que pode ser e pode fazer termina. Sendo parte da cidade ou se isolando no mato, o homem que surge é parte de um todo.
Sua mensagem torna-se ode de profunda melancolia. O herói que é herói por ter nascido assim, e não por seguir um papel, ou o bandido que é mal por ser o mal, eles deixam de existir. Tudo se torna algo que remete a algo que remete a algo. Como é este filme, que remete a tantos outros faroestes. Mas que é de infinita beleza, autêntica nobreza e exuberante amplidão.
ERA UMA VEZ NO OESTE não é o melhor ou maior filme já feito.
Mas se alguém pensar isso, quem vai poder negar?
Com este filme, Leone diz aos americanos: - "Valorizem seus westerns! Eles possuem uma grandesa infinita!" Desde então, gerações e gerações de movie stars tentam fazer "o seu western". De Ed Harris a Russel Crowe, de Christian Bale a Tommy Lee Jones, de Kevin Kline a Richard Gere. Mas não é mais tempo de seres perdidos e solitários, de estradas que vão do vazio ao nada. Sergio Leone conseguiu o que queria. Deu ao faroesta status de arte nobre.
PS: Quem for assisti-lo. Atenção aos closes nos rostos. Voce nunca mais verá rostos assim. Eles são continentes. Leone amava seus atores. Coisa de italianos......

MARLON BRANDO/ KUROSAWA/ LANG/ WISE/ CLINT EASTWOOD/ LEE MARVIN

O TIRANO DA FRONTEIRA de Anthony Mann com Victor Mature
É o primeiro filme de Mann que não me satisfaz. Por um motivo muito óbvio: não gosto de westerns sobre a cavalaria. Adoro faroestes que falam sobre cidades em crise, sobre solitários cowboys, sobre corrida do ouro. Mas todos aqueles que mostram a cavalaria me entediam. Para piorar, este se apoia no talento inexistente de Mature. Nota 3.
BRILHO DE UMA PAIXÃO de Jane Campion com Abbie Cornish e Ben Whishaw
John Keats para moçoilas. Campion transforma Keats em EMO. Belas imagens e algumas belas páginas recitadas. Melhor ler o gênio romântico inglês. Nota 1.
DUELO SILENCIOSO de Akira Kurosawa com Toshiro Mifune e Takashi Shimura
Eis um Kurosawa que eu nunca vira. É de seus primeiros filmes e é a primeira reunião com Mifune. Fala, em cenário cheio de sombras e que exemplifica o Japão detonado pós-guerra, de um médico, que ao ser contaminado pela sífilis, abre mão de seu noivado e até de seu desejo sexual. É o trágico levado a seu limite. Mifune, com máscara impassível de médico que atende de graça os necessitados, mostra já o dom que lhe daria a imortalidade, ele faz muito com pouco. Sua explosão de dor, em cena quase ao final, nos corta o coração. É mundo sórdido, mas nunca nos deprime. A medicina é um dos temas recorrentes de Kurosawa. Sempre vista como mundo de abnegados. É um filme invulgar, Kurosawa foi o maior. Nota 8.
UM RETRATO DE MULHER de Fritz Lang com Edward G. Robinson, Joan Bennet e Dan Dureya
Quem nunca viu um noir de Lang está perdendo um dos maiores prazeres do cinema. Fico imaginando como seria, numa São Paulo de garoa e paletós, assistir este clássico em algum cine perdido da Lapa. O vapor subindo do pipoqueiro de rua, os táxis na saída, os cigarros no saguão... Este filme é perfeito. Um professor casado se envolve em assassinato e com mulher fatal. Todo o filme é pleno de suspense, de destino inexorável e...milagre! Lang usa um dos finais mais banais com maestria. O final tinha de ser aquele, só poderia ser esse. Bennet, máscara bela de sensualidade, e Robinson, um ator que consegue ser simplório sem ser cômico, são tão certeiros quanto o filme, mas é Dureya, um vilãozinho pé de chinelo, que rouba o filme. Exemplo perfeito do que era um filme pop da década auge de Hollywood. Nota DEZ!!!
O MITO de Stanley Tong com Jackie Chan e Tony Leung
Acho Chan um dos atores mais mal-utilizados dos anos 90. Ele merecia melhores filmes e ter estourado no Ocidente mais cedo. Este muito ambicioso projeto se perde em idas e vindas no tempo e nos continentes. Não era mais fácil ter feito uma boa chanchada com lutas? Mas não! O roteiro nos enche a paciência com seu espiritismo de araque, sua love story infantil e efeitos especiais pueris. Uma chatice!!!!!! Nota 1.
O DIA EM QUE A TERRA PAROU de Robert Wise
O clássico, infinitamente melhor que sua refilmagem ( como infinitamente melhores são os originais de A Guerra dos Mundos, A Máquina do Tempo e O Planeta dos Macacos. ) Um filme muito barato, mas com efeitos eficientes, e uma mensagem pacifista sem pieguice. Wise não perde tempo com nada supérfluo, toda tomada é em função da história, nada é enfeite ou exibicionismo. Robert Wise foi um dos grandes, seja em western, sci-fi, horror, musical ou drama. Faltou a comédia nessa carreira vitoriosa ( com dois Oscars por West Side Story e por A Noviça Rebelde ). Nota DEZ.
O CAVALEIRO SOLITÁRIO de Clint Eastwood
Eastwood tem filmes tipo Hawks e tipo Kurosawa. Quando faz um Hawks ele é relaxado, usa roteiros semi-improvisados e parece sorrir enquanto dirige. Quando é Kurosawa ele fala de heroísmo, de honra e filma de modo mais crispado. Cavaleiro Solitário é em seu tema e roteiro totalmente Kurosawa. A cidade de mineradores se parece com as vilas japonesas e sentimos todo o tempo que aqueles cowboys se tornarão samurais. A camera olha a rua através de janelas, como faz o mestre japonês e há aquele solene toque de vingança e de coragem. O tema é de vila oprimida que vê surgir um vingador que os redimirá. O duelo final é excelente. Clint tem um de seus mais tipicos personagens e é uma diversão soberba. Lançado em 1985, este filme seguiu a sina de todo filme de Eastwood até Os Imperdoáveis : a critica chamou-o de lixo, o público universitário o esnobou e o povão lhe fez justiça. Era um tempo em que filme bom tinha de ser europeu ou um americano com "grande tema", tipo Amadeus, Gandhi ou O Último Imperador. Clint Eastwood viveu o bastante para ser justiçado. Ele é o máximo e é o último dos ícones. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
OS PROFISSIONAIS de Richard Brooks com Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, Claudia Cardinale e Woody Strode.
Brooks foi um dos diretores machos de Hollywood. Aqui ele faz um quase-western sobre bando de bandidos que é contratado ( o bando ) para salvar a esposa de rico ferroviário de seus raptores mexicanos. É um Dirty Dozen mexicano. É mais um filho de Os 7 Samurais. Mas, com um elenco como esse ( ver Burt pular e sorrir, ver Ryan ser durão e sofrido, e ver Lee Marvin ser Lee Marvin... quanto prazer! ) e a direção segura e firme de Brooks, tudo flui em emoção, ação e reviravoltas bem urdidas. Claudia foi milagre da natureza: em cinco anos ela trabalhou com Fellini, Visconti, Monicelli, Brooks, Leone, Blake Edwards e Richard Quine. E que bela ela foi!!!!!!! Nota 7.
A FACE OCULTA de Marlon Brando com Marlon, Karl Malden e Ben Johnson
Única direção de Brando, foi caríssimo e imenso fiasco. Graças a essa péssima experiencia, ele nunca mais pensou em dirigir. O filme, que começou com Kubrick, é longo, muito longo, cheio de cenas belíssimas, mas que poderiam ter sido evitadas. Foram meses e meses de filmagens, meses de edição e uma recepção gélida de público e hostil de crítica. Com o tempo foi se tornando um semi-cult ( é um dos top 20 de Tarantino ). Não deixa de ser um western doido: há toda uma sub-trama gay e sado-masoquista na história de ex-comparsas de crime que se traem. Marlon faz um "herói" bastante esquisito, rebolativo, glamuroso. Mas é sem dúvida um filme invulgar e que deve ser conhecido. É vasto, corajoso, ousado e muito belo. Como Brando foi. Nota 7.

FRITZ LANG, O MAIS RANZINZA DOS DIRETORES

Monóculo, longa piteira, sotaque carregado, fama de ser cruel com seus atores. O estereótipo do "diretor alemão" é em Lang a verdade. Ele é conhecido por ter sido antipático, egocêntrico e tirânico. Mas também é famoso pelos filmes que fez. Vários históricos, muitos eternamente atuais e alguns perfeitos.
Mas ele raramente é o diretor favorito de alguém. Porque Fritz Lang não tem cenas redentoras, ele nada possui de adocicado, a poesia fácil e identificável é desconhecida em seus filmes. O que vemos em todos eles ( mesmo nos ruins ) é a marcha do destino, o caminhar de homens e mulheres ao desastre. O final, mesmo quando os bons vencem, é sempre amargo. Em Lang as vitórias são temporárias, o fracasso impera e o que se paga pela breve alegria ilusória é coisa muito inflacionada.
Lang se torna famoso na Alemanha Nazista. Seus filmes mudos têm apenas Murnau como rival. E estamos falando de tempo em que Lubistch, Leni, Ulmer, Pabst, Wiener por lá trabalhavam. METRÓPOLIS cria o que até hoje se conhece como sci-fi e é seu filme alemão mais conhecido ( mas não o melhor ). DER MUEDE TOD, gótico e assombroso, pautado pelo lúgubre, poderia ser esse melhor, mas há ainda DR. MABUSE. Então ele filma OS NIBELUNGOS e lança, já no sonoro, M-O VAMPIRO DE DUSSELDORF, uma absoluta obra-prima. Nessa história sobre um assassino de crianças que não consegue controlar sua tara, vemos Peter Lorre num dos mais dilacerantes papéis já vistos. M permanece como filme à prova de tempo.
Goebbels chama Lang para dirigir todo o cinema nazi. Lang faz as malas e foge. Na França faz o belo LILLION, um filme à Clair.
Nos EUA ele se faz rico, famoso ( muuuuuito famoso ) e detestado por colegas e atores. Sua imagem é péssima, seus filmes, excelentes. FÚRIA é o primeiro. Um filme que combate o linchamento. Com sombras expressionistas, ele é uma prova de força, de caráter, de um diretor que já estreava em seu novo país se sentindo em casa.
Vem a primeira obra-prima americana : VIVE-SE SÓ UMA VEZ. Henry Fonda como um desempregado que cai no crime. Nunca o cinema mostrou o crime como destino de forma tão cruel. Fonda, em comovente atuação, não consegue escapar de sua sina. Uma porrada no estômago é este filme. Vêm então dois westerns. Se não são dos melhores do gênero, provam, para orgulho de Fritz, que um europeu pode entender de cowboys. Quando começa a guerra ( a segunda ), Lang lança filmes anti-germânicos. OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM é perfeito. Filme de extrema tensão, lembra Hitchcock ( muitos comparam os dois. Seus filmes jamais se parecem, o inglês tem humor, mas sua filosofia é a mesma ).
UM RETRATO DE MULHER e ALMAS PERVERSAS são dois exemplos de direção e de elenco. Os dois mostram a ruína de homens que se envolvem com mulheres erradas. Ambos arrebentam os nervos de quem os vê. Mas há um detalhe: Lang jamais deixa de entreter. Seus filmes são pura arte européia, têm vigor existencial, criatividade, arrojo, mas nunca perdem de vista a diversão. São pop, sempre para todos os tipos de público. O cinema compartilhado ainda não havia sido criado.
O SEGREDO DA PORTA CERRADA e MALDIÇÃO são dois filmes baratos. E mesmo assim, são dois exemplos de clima. Sombras e trevas.
Vêm os anos cinquenta e nele encontraremos uma obra-prima do filme noir: OS CORRUPTOS, um policial pessimista, onde podemos ver a completa ruína de um homem bem intensionado. Tudo é crueldade, tudo é decepção e desconfiança nesse assombroso clássico.
MOONFLEET mostrava um novo e último Lang. Filme de aventura, um tipo de cinema juvenil com tintas obscuras. Seus últimos filmes são alemães, sci-fi e filmes à James Bond. O círculo se completava.
Todo o pessoal da Nouvelle-Vague soube lhe fazer justiça. Godard chegou a o escalar como ator. Viveu mais treze anos em aposentadoria, morrendo rico e velho, cheio de fama e de louvor. Mas jamais foi indicado a Oscar, jamais venceu Cannes e isso mostra muito do que significa o cinema.
Quando um cinéfilo pensa em Fritz Lang ele não pensa num herói ( como Ford ou Hawks ) não pensa num poeta ( como De Sica ou Clair ) e nem num grande contador de sagas ( Kurosawa ou Kubrick ), não tem a criatividade de Godard ou de Hitchcock, e nem é belo como Murnau ou Ophuls. Ele é ácido, frio, sombrio, sem humor, e ao mesmo tempo é sedutor, hipnotizante e jamais chato ou pedante. Fritz Lang é o cinema em seu lado menos hipócrita, menos condescendente.
Lang era feito de aço.

OS LIVROS DE TRUFFAUT

Relendo os livros que Truffaut escreveu. Tem uma frase que o norteia: "Me interessam os filmes que demonstram o prazer ou a agonia de se filmar. O que fica no meio não interessa."
François Truffaut ( assim como Godard, Rhomer, Chabrol e Rivette ) foi crítico dos Cahiers. Se cansou de ver filmes engessados, sem vida, e resolveu fazer seus próprios filmes. Portanto, François começou como jornalista. Polemista. Agitador.
Não concordo com o desprezo que ele tem por Clément, por Clair e por Becker. E abomino o ódio que ele tem de John Huston. Mas seu mais belo texto é um mea-culpa. Convalescendo, Truffaut descobre a genialidade de John Ford, diretor que ele não achava tudo isso. Eis na maturidade e já famoso, Truffaut enxergando a maravilhosa simplicidade do mestre americano. François diz: " Ford faz poesia mas não é poeta. Ford é um gênio modesto."
Acho que François exagera os elogios à Lola Montés. Max Ophuls é ótimo, mas não esse filme. Assim como vejo exagero nos elogios a Renoir.
Mas sua homenagem a Vigo é comovente. Assim como é certeiro o modo como ele analisa Lang, Capra, Lubistch e Hitchcock. Ele era um escritor que exalava prazer. Há verdadeira alegria no modo como ele propaga a descoberta de Aldrich, Lumet ou Fuller. Seria maravilhoso ter alguém como ele escrevendo sobre Tarantino ou sobre os irmãos Coen.
Críticos hoje ( com poucas excessões ) gostam de parecer blasé. Temem o amadorismo que pensam poder se revelar no ato de se amar um filme ou um ator. Críticos hoje não têm o prazer ou a agonia de escrever.
No final, a definição do que seja um "autor" é perfeita:
É aquele que sem saber como e sem o querer, está sempre, no modo como coloca a câmera e seus temas, dando pistas sobre sua alma. Mas atenção! O grande autor sempre se dá desafios. Ele varia seus objetivos e se propõe soluções. O grande autor não nos dá apenas grandes filmes. Ele é uma grande obra.
Dreyer tem então destacado o modo como ele filma o "branco". Os brancos de Dreyer como prova de sua fé e de sua genialidade. E Bergman mostra faces como ninguém. Ele penetra nos rostos e nos olhos e revela almas inteiras.
São visões assim, definitivas, que fazem a leitura valer a pena.
PS: François reclama da mania do close ( em 1969 ). Penso no que ele sofreria agora, em ver filmes-tv, closes e mais closes e nenhuma grande cena aberta.
O cinema encolheu. Não existem mais apaixonados como Truffaut.

BLOG DO INÁCIO ARAÚJO

Quem quiser ler tudo o que penso sobre cinema ( nem tudo, 80% ) leia o blog do Inácio. A crítica demolidora que ele escreve sobre A ORIGEM, do muuuuito enganador Nolan, é impagável !
Arte é pegar o complexo e torná-lo claro e transparente. Nolan pega o banal e o complica até torná-lo falso. E ainda paga o mico de ficar explicando e reexplicando o seu próprio filme!
Inácio sabe tudo!

ABEL GANCE/ MELVILLE/ LOSEY/ WARREN BEATTY/ KUROSAWA

NAPOLEÃO de Abel Gance
O mítico filme de Gance, quatro horas de duração, restaurado por Coppolla e com linda trilha musical de Carmine Coppolla, pai de Francis. Não conheço filme silencioso melhor que este. Se o roteiro chega a ser piegas ( Napoleão é visto como um deus ) a forma como Abel conta a história é coisa de gênio consumado. Montagem caleidoscópica, câmera que voa sobre multidões, fusões violentas, tempestades no mar, a famosa batalha na neve, cavalos em carga, cenários imensos. Gance usa tudo o que era possível usar e inventa o que não existia. O filme é de um louco apaixonado por cinema e por Napoleão. Obra-prima. Nota DEZ.
JONES FAIXA PRETA de Robert Clouse com Jim Kelly
Blaxpoitation. Um filme ruim, mas que é uma delicia. Sobre escola de karatê que se defende de máfia. Roupas maravilhosas dos anos 70, trilha sonora black, cabelões afro, carrões. Um tipo de filme "pulgueiro", que alimentava as salas de bairro. Os velhos cines da Santo Amaro, São João, Ipiranga e de Pinheiros, Brás, Moóca e Lapa. É pra rir. Ah sim!!!! Dá pra se imaginar Tarantino vendo e revendo este filme vezes sem fim. Nota 5.
CORRIDA MORTAL de Paul W.S. Anderson com Jason Statham e Ian McShane
Aquela coisa. Se antes o filme pop era solar e cômico, hoje eles são sombrios e pessimistas. Um cara vai para a prisão e passa a correr em provas mortais. Um vale tudo das pistas. O filme é só edição. Quase nada se vê. Rostos, cenários e reações ficam em segundo plano, a velocidade é tudo. È mais um video-game que um filme ( assim como o cinema dos anos 30 era mais teatro, o dos 50 literatura ). É divertido, mas dificilmente voce vai conseguir lembrar de alguma cena no dia seguinte. Barulho e ação que nada significam. Nota 5.
O SAMURAI de Jean-Pierre Melville com Alain Delon
Melville tem estilo. Ele é ultra-cool. E Delon faz um assassino cool perseguido por delegado que o detesta. O filme é quieto, zen, lento. Mas é cheio de toques excêntricos. Não se compara a super obra-prima do cool, BOB LE FLAMBEUR, mas tem sua originalidade clean. Nota 7.
O MENSAGEIRO de Joseph Losey com Julie Christie, Alan Bates, Michael Redgrave, Margaret Leighton e Edward Fox
Com trilha sonora de Michel Legrand ( talvez sua melhor ), fotografia de Gerry Fisher e roteiro de Harold Pinter. Uma crítica ao sistema de classes inglês. Mas também ao modo como os adultos tratam adolescentes, como o amor é usado, uma exposição do egoísmo. O filme é moderno, nada tem desses filmes bonitos sobre a época vitoriana. Losey, sempre um rebelde, filma o passado de um modo arrojado. Sem pompa e sem cerimônia. O filme então nada tem de saudoso, ao contrário, ele abomina o que mostra. Marcante. Nota DEZ.
YOJIMBO de Akira Kurosawa com Toshiro Mifune
Uma das melhores aventuras já filmadas. É um samurai-western. Mifune tem momento de gênio, cria um mito. O filme, relaxado, foi o grande sucesso de Kurosawa. Sendo influenciado pelo cinema americano, acabou por mudar o próprio cinema de Hollywood. As cenas de ação são maravilhosas. Nota DEZ.
SANJURO de Akira Kurosawa com Toshiro Mifune
Um tipo de continuação de Yojimbo. Mas aqui a ação é menos elaborada e o filme é na verdade uma bela comédia. Algumas cenas são muito engraçadas. Mifune faz o personagem com carinho e exagerando seu lado "tosco". O capricho visual não é tão grande e este filme acaba tendo um jeitão de brincadeira feita às pressas. Nota 7. ( A cena final é pura genialidade ).
SUBLIME OBSESSÃO de John M.Stahl com Irenne Dunne e Robert Taylor
Inacreditávelmente antiquado. Uma patasquada melô. Não falarei do enredo, é risivel. Nunca é chato, nunca irrita, mas é de uma tolice atroz!!!! Douglas Sirk o refilmou, ainda não assisti o que o alemão talentoso fez com isto. Se conseguiu fazer um bom filme, é gênio. Mas este original é argh!!!!! Nota ZERO
REDS de Warren Beatty com Warren Beatty, Diane Keaton e Jack Nicholson
Houve um tempo, 1981, em que a Paramount ousava fazer um filme de quatro horas, caríssimo, sobre um herói do comunismo. Sim!!! John Reed foi um americano dos anos 10/30 que foi enterrado no Kremlim ( o único ). O filme defende os sindicatos, os vermelhos, a revolução russa, a liberdade de imprensa. Warren, e quem leu o livro de Peter Biskin sabe o quanto Warren é grande, ganhou um Oscar de direção com este filme. Simbolicamente, o prêmio homenageou a Hollywood liberal dando a láurea a seu maior batalhador. 1981 simboliza a renascença do cinema família, REDS é o epitáfio da rebeldia. Sabendo de tudo isso, queremos adorar o filme, mas, que chato, isso não acontece. O filme é aborrecido, longo demais, e Diane Keaton está perdida. Sua Louise Bryant é apenas uma histérica. Em compensação Beatty está comovente como o idealista e meio ingênuo Reed. Jack Nicholson faz um Eugene O'Neill bastante convincente. O melhor é a fotografia de Vittorio Storaro e os depoimentos dos personagens reais, gente que conheceu John Reed. Então vemos durante o filme as intervenções bem-vindas de Henry Miller, Will Durant, Rebecca West e vários outros. É o tipo de filme bem pensado, bem intensionado, corajoso, mas que não funciona. É o tipo de filme que abriu as portas para Spielberg. Nota 6.

HOUELLEBECQ, O ÚNICO

Michel Houellebecq é o cara. É o único escritor que realmente escreve sobre aquilo que o mundo é agora. Seu mundo é meu.
Para ele, nós apenas comemos, dormimos, transamos, trabalhamos e morremos. Mais nada. É um mundo sem heróis, sem deuses, sem qualquer transcendencia, reduzido ao nada.
Saiu um texto sobre ele na Folha de 3/10. Eu conheci Michel através de Iggy Pop. Sim, Iggy gravou um disco inteiro sobre Houellebecq. Iggy pensa ser ele o cara. Em mundo cada vez mais árido e vazio, só podia ser um francês o cronista deste tempo de mierda.
Partículas Elementares e A Possibilidade de Uma Ilha. São seus livros ( por enquanto ). Não se engane, voce vai ouvir falar muito dele ainda.
Mas não pense que eu o considere Grande.
Não lava os pés de Saul Bellow ou de Sebald. Mas o problema é que Sebald e Bellow estão mortos. Assim como Updike. Dos vivos, Le Clezio tem um estilo melhor, Roth é mais elaborado e criativo, e Coetzee é muito mais "escritor". Perto desses caras, Michel é tosco.
Porém é sua a escrita do século que nasce e já está gasto. A ruindade de Houellebecq é a ruindade da França/Europa/Terra de agora-já. Um desencantado fedendo a fumaça e a calor sudorífico. A água evapora, e com ela a poesia. Abrimos mão de tudo o que é subjetivo. A alma se vai com isso.
É tempo de Michel Houellebecq.

GUERRA!!!!!!!! ( TALVEZ ESTE SEJA MEU MELHOR TEXTO )

Frase de Thomas Mann: A Alemanha tem o direito de lutar por seus direitos de dominação e administração do planeta.
Frase de Freud: Eu dou toda a minha libido à Austria-Hungria!
Frase de Robert Musil: A guerra é bela e fraternal....

Alegremente, com sorriso no rosto e flores nas mãos ( dadas por belas moças ) soldados em 1914 foram fazer uma guerrinha logo alí. Pensavam que ainda era época napoleônica. Que se capturaria o general inimigo e se assinaria um pacto de não agressão. Quando abriram os olhos, após 4 anos de miséria, viram que dez milhões de jovens haviam morrido, e pior, que vinte milhões estavam destruídos para a vida, e pior ainda, que o mundo estava literalmente fodido.
Abriu-se uma chaga no psiquismo humano. O mundo ordenado de duques e condes, de burguesia que aspirava a ser "nobre" ruiu. O que veio foi a tomada de poder pelos revanchistas,´pelos radicais, pelos esquisitos. A Europa deixa de ser centro. Está esfacelada e dependente dos EUA. Fim.
Se o homem pode ser tão destrutivo e se a ciência pode ser tão danosa, se o bem que a era vitoriana anunciava era ilusório, e pior, se o europeu pode ser tão bárbaro quanto os povos dominados da África/Ásia; então tudo que nos resta é correr. Vamos beber, dançar, gozar agora, viver já, pois TUDO PODE SER DESTRUÍDO.
Pela primeira vez o homem vê o que significa DESTRUIÇÃO.

Arte e vida se tornam anúncio de destruição. Fé no homem, jamais outra vez.

Agora olho uma foto de outra guerra.
Nela, um grupo de judeus recèm libertos me olham. Livres de um lugar onde se matava industrialmente e com modos e motivos baseados na racionalidade. Eles me olham e mudos me acusam. A culpa não é dos nazis, nem dos alemães. Nazis e alemães são humanos como eu. A culpa é do mundo que construiu nazis e alemães. A culpa é do ocidente, da ciência, da filosofia, da arte, da América, de latinos e de nórdicos. A culpa é nossa.
Aniquilação final do psiquismo: o homem como monstro racional. A racionalidade como insensibilidade.
A segunda-guerra bateu forte demais. O mundo acabou alí. Hiroxima foi seu epitáfio.

Após o pesadelo o mundo acorda e nega esse sonho maldito.
Passado não mais. Eu e voce desistimos de pensar. Toda a velocidade à frente!!!!!
Se nós podemos construir uma máquina de matar e um matadouro humano, então só nos resta correr. NÃO SE APEGUE A NADA. NÃO ACREDITE EM NADA. TUDO É DO MAL.

Um amigo acabou de voltar da Europa.
Bacana, legal, aquele povo que festeja, consome e viaja por aí fazendo o bem em ongs.
Aquele insignificante povo, povo que sabe morar em lugar traumatizado, onde tudo é negação, onde se vive como bezerrinhos em boa manjedoura. Continente que morreu, sem futuro, onde tudo é um shopping de passado e um presente leve e irreal.
Que importância eles têm hoje?

O futuro se decide na América, na China, no Oriente.
Após a carnificina a Europa se tornou insignificante e irreal. Divaga em teorias, flerta com o nada, festeja a derrota. Moços e moças, tão bonitos, tão bonzinhos, tão sem destino, nada têm a acrescentar.
A terra de beethovens e de rembrandts é uma sala de azulejos e de aço: limpa, fria, onde se curam vícios, onde se dá um remédio.
A segunda-guerra nos aniquilou.
Europa é terra de impotências.

MAS.....
Há a taça de champagne bebida de manhã no campo francês. O sol nascendo e o cheiro das uvas no ar. Há para quem souber saber, o sabor do pão e da manteiga gordurosa.
Existe ainda um velho espanhol tomando sol na praça de Madrid. Ele ainda tosse e crê nos anarquistas. Mas esse velho fala entre ruínas. Quem passa é de pedra e de sal. Mas esse velho ainda fala e compra jámon na feira de rua. ( E como é linda a feira de rua ).
O Zé e o Luis ainda se jogam no rio Douro ( se fala Doiro ) na cidade que é um Porto. Ainda se pode fechar os olhos e ouvir as vozes que ecoam meus avós. "Ó Jórggge!", "Fala aí, ó Mánuel !!!"
Se voce souber ver existem migalhas de um mundo que já foi e ainda tenta o ser. ( Não consegue ).

Quando a primeira metralhadora disparou na Bélgica, não foram apenas vinte jovens franceses que morreram. Não foi apenas Jacques que deixou de beijar Marie, ou Ludovic que não mais escreveria à Isabelle. Aquela rajada fez com que eu não mais pudesse crer na bondade do homem, pudesse ter a certeza de que o mundo caminha para o bem e para a paz, e matou minha fé no cavalheirismo e na honra natural de todo bom cidadão.
Quando aquelas balas penetraram em Jacques e em Ludovic, penetraram em mim.

Que os olhares dos judeus me perdoem um dia.

YOJIMBO- AKIRA KUROSAWA e TOSHIRO MIFUNE

Um samurai anda por caminho deserto. Joga um graveto ao ar, ele cai e o samurai segue a direção que o acaso indicou. Ele se coça, é sujo. Entra em vila e vê um cão vindo com mão humana na boca. A história promete.
Yojimbo, quando lançado, foi o maior sucesso da vida de Kurosawa. Àquela altura ele já era famoso e já havia assumido sua dívida para John Ford. Mas este filme vai além de Ford- mistura mangá com western, comédia com drama shakespeariano.
O samurai faz jogo duplo com duas famílias rivais. Toshiro Mifune faz esse herói. Ele passa o filme falando só o básico, o necessário. Ele come sempre com muita fome, bebe com sede e dorme com avidez. Quer dinheiro, se coça e boceja muito. É preguiçoso. Mas jamais deixa de ser um herói.
Existem certas atuações ( raras ) que marcam um novo rumo. Foi assim com Brando em UM BONDE... e com Bogart em CASABLANCA. Mifune inventa aqui Clint Eastwood, Steve McQueen e até Wolverine. Clint diz sempre ser este seu filme favorito. O assistiu em 1961 e sentiu estar ali tudo o que desejava fazer. JOSEY WALES, THE BAD e até OS IMPERDOÀVEIS têm rastros de Yojimbo. E claro, POR UM PUNHADO DE DÓLARES é a refilmagem de Yojimbo.
Kurosawa dirige com precisão de mestre. A câmera nunca está onde esperamos e cada enquadramento tem a marca de um estilo único. É o primeiro filme feito com design de HQ e ainda é o mais sofisticado.
O final, duelo à western em rua poeirenta, é de antologia. Um dos grandes finais da história do cinema. E com a trilha percussiva que voce nunca esquecerá.
Mifune/Akira/Yojimbo, o que mais se pode querer ?

O MENSAGEIRO- JOSEPH LOSEY E HAROLD PINTER, filme obrigatório para os que pensam

Água de chuva escorre em janela. É a primeira cena deste que é o mais perfeito retrato da era vitoriana. Porque não se atém apenas ao charme ou ao ridículo da época. Ele exibe a crueldade.
Um adolescente vai passar o verão em casa de muito rico e esnobe amigo. Sutilmente percebemos que por ele não ser tão "alta classe" como todos os outros, olham-no com curiosidade, condescendencia, e logo fazem dele "um ser util". Afinal, lhe outorgaram o privilégio de os frequentar.
O menino se apaixona pela irmã mais velha do amigo. Como estamos em 1900, nada sabe sobre amor, namoro ou sexo. É usado pela irmã, que percebe esse amor juvenil. Pois ela tem um caso com o vizinho, um muito grosso, muito sujo e muito sexy plebeu. Fazem então do menino o mensageiro de seu caso secreto. Caso recheado de sexo, caso à D.H.Lawrence. Nesse processo, o menino quase enlouquece.
Todo o sistema de classes inglês é exposto. Os dandys vivem em seu mundinho de charutos, jantares, e total incompetência para a vida. Mas se vêem como muito especiais e detém o dinheiro e os direitos. O vizinho aluga as terras dos "nobres". Esse é o sistema. É ele quem produz a terra, quem gera riqueza, quem tem idéias e quem tem ambição. Os dandys recebem seu aluguel. Ao menino, que não é dandy ou arrendatário, que nada sabe e não sabe querer, resta o anódino papel de mensageiro.
A moça acha no vizinho aquilo que não terá com seu noivo: animalidade. Mas a sociedade vencerá. Ao mensageiro resta confusão e amargor. Bem-vindo à vida!
Poucos filmes tiveram elenco tão perfeito. Julie Christie faz a moça. Bela e fria como aço. Ela é toda egoísmo. Atriz mais que perfeita, atriz que esnobou o star-system, ela, aqui no auge da fama, logo diminuiria suas aparições. Optaria por viver.
Alan Bates faz o vizinho. E ele tem toda a animalidade que o papel requer. Para esse tipo, que é o personagem que na verdade fez a riqueza do império, Bates é imbatível.
Temos ainda Margaret Leighton como a mãe ultra esnobe. Terrível em suas suspeitas, essa atriz de longa carreira está assustadoramente ultra-classe. Edward Fox faz o noivo, um bem intencionado e meio aéreo dandy, ferido de guerra.
E numa pequena aparição temos esse fenômeno da natureza chamado Michael Redgrave. O pai de Vanessa nos comove como o menino nos dias de hoje. Seu olhar, olhar parvo, tolo, de ainda apaixonado, de quem arruinou sua vida, é inesquecível. Com um olhar apenas, Sir Michael diz toda a tragédia de sua não-vida. Um gênio.
Poucos filmes têm um Nobel em sua equipe. Harold Pinter, nobel de 2005, fez o roteiro ( baseado em L P Hartley ) à seu modo: cruel, ferino e de poucos diálogos. Nada de panfletagem: tudo é subentendido. O roteiro brilha em chamas.
A trilha sonora de Michel Legrand é feita de fugas à Bach. Talvez a mais bela das trilhas. A música tema é obra de mestre erudito consumado. Perfeição.
A fotografia é do mestre Gerry Fisher, mestre que fotografou 2001 de Kubrick. Os campos, as casas, as roupas, os céus são quadros de retratistas ingleses, mas atenção!!!! Jamais têm aquele jeito arrumadinho demais, nunca parecem "moda".
Joseph Losey é um diretor americano de esquerda que fugiu do país no MacCarthismo. Se adaptou muito bem à Inglaterra, se tornando um dos melhores diretores ingleses da época ( 1960/1977 ). Ele tinha um soberbo senso visual e uma ferina ambição. Seus filmes são sempre ácidos e estranhamente etéreos.
O Mensageiro venceu Cannes em 1971.
Losey, Legrand, Pinter, Fisher, Julie, Redgrave, Leighton, Bates e Fox. Onde achar hoje uma equipe assim????
Ps. Foi este filme, visto na Globo em 1977 que me acendeu o amor por Julie Christie. Me vi como aquele menino mensageiro. Mais importante, me apaixonei não só por ela, mas pela música superior de Legrand e pelo cinema. Se hoje escrevo sobre filmes, muito se deve a este filme.
Sua primeira frase ( dita por Sir Michael ): " O passado é um país distante. Visitá-lo é sempre conhecer um lugar desconhecido. "