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ANJOS, FANTASMAS E ESPÍRITOS

   Michael Almereyda é um famoso diretor de teatro inglês atual. Nos extras do filme que acabei de ver, ele narra um texto soberbo sobre a atriz Gail Russel e o ator Ray Milland. Tão informativos quanto poéticos, comecei a perceber que há algo de muito estranho alí. Pois bem, na última parte do extra, ele fala algo que cala fundo no meu coração: Virginia Woolf dizendo, em 1926, auge do filme sem som, que a invenção do cinema trouxe uma experiência inédita até então: a de se ver fantasmas. Pela primeira vez nós estávamos vendo gente que era pura luz, aparições irreais, espectros. Almereyda desenvolve isso, e além de mostrar que com o correr do tempo o que vemos são pessoas realmente mortas, o que deixa a observação de Virginia ainda mais verdadeira, nós, diante de um filme, somos os fantasmas, os anjos, os espíritos.
 O extra mostra então cenas de filmes sobre almas, e dentre eles, Asas do Desejo, o filme magia de Wim Wenders. A câmera rodopia entre as pessoas naquilo que imaginamos ser o modo angelical de ver a vida. Pois então, o que somos nós, ao ver um filme, senão anjos vendo algo sem ser percebido? Se as imagens do filme são de uma realidade de espectros, sem solidez, nós as vemos como anjos, olhamos mas não podemos tocar, falamos mas não somos ouvidos, torcemos mas não podemos influir.
  Incrível não? Eu jamais havia notado que vendo um filme estou no lugar de um anjo vendo a Terra. Vejo, mas não estou lá. Me coloco numa dimensão à parte. Torço. Rezo. Quero. Mas não posso agir. Os atores não podem me ver. Meu desejo não mudará o roteiro. A vida no filme acontece lá e eu vivo aqui. Olho. Rodopio. Os anjos de Berlin sou eu.
  Mas incrível ainda é uma cena do filme em que esses extras estão. Ray Milland e Gail Russel andam por uma rua inglesa de 1942. A câmera foca neles, acompanha seu passeio posicionada na frente do dois. Ao fundo vemos uma rua de paralelepípedos, casas de comércio, umas poucas pessoas vivendo seu dia a dia. A cena não tem nada de extraordinário. Uma simples cena de diálogo em um filme. Mas quando vejo essa cena, não sei o porque, penso: Espera! O que houve? Estou vendo magia aqui! Esse lugar...essa gente...são...fantasmas! Belos fantasmas, cotidianos fantasmas...que se passa? Estou hipnotizado...
  Pensei ser esse apenas um lapso meu. Mas não é que nos extras Almereyda mostra essa cena, tão banal, como momento em que a teoria dele se prova? São fantasmas. Estão mortos. São intocáveis. Mas eu os vejo como espectros de luz. Vivos. Vivendo uma vida deles, só deles. Em um local que é COMUM MAS AO MESMO TEMPO É FANTÁSTICO.
  O filme se chama O SOLAR DAS ALMAS PERDIDAS e é nele que pela primeira vez se ouviu Stella by Starlight, uma canção de Victor Young que se tornou ícone do jazz ( vc já a ouviu com Miles Davis, Charlie Parker, Sinatra, Ella, Chet... ). Nunca pensei que fosse uma canção de um filme sobre fantasmas. O roteiro fala de um casal que se muda para um casa que tem dois fantasmas. E, como diz Almereyda, é um filme muito ruim com cenas maravilhosas. Ele é todo errado, esquisito, com momentos ridículos, mas ao mesmo tempo tem duas atuações sobrenaturais ( Gail e Ray ) e os fantasmas ainda dão grande incômodo. Foi o primeiro filme da história a tratar o sobrenatural não como aventura ou comédia, mas como um fenômeno sério. Grande sucesso em seu tempo, 1944, merece ser visto por aquilo que nos provoca. E em dvd, pelo extra.
  Com ele assisti também O SOLAR DE DRAGONWYCK, primeiro filme de Joseph L. Mankiewicz, que não vale à pena, e THE GHOST AND MRS MUIR, também do mesmo diretor e que vale muito à pena. Muir é uma viúva que vai morar numa casa na praia e lá conhece o fantasma do capitão que lá vivia. É romance total e tem Gene Tierney hiper bonita e Rex Harrison estreando na América. Ver Rex é sempre prazer supremo. O filme é dos três, o melhor. Não tem nada de ruim ou menos que bom.
  Ah sim, o filme que contém a cena fantástica e os extras, O SOLAR DAS ALMAS PERDIDAS, não é de Mankiewicz. É de Lewis Allen, um diretor classe B. Ray Milland ganharia o Oscar no ano seguinte por FARRAPO HUMANO, de Wilder.

ARETHA FRANKLYN SOUL 69

   Em 1969, no auge do movimento hippie, quando até o povo da soul music misturava sua música com som freak, Aretha, a maior cantora negra, mas não a de maior sucesso, essa era Diana Ross, lança Soul 69. E fazendo isso vai contra tudo o que se fazia no Pop de então.
   Acompanhada por músicos que tocavam com Miles Davis, e outros que tocaram com John Coltrane e Charles Mingus, ela canta aqui canções de jazz-blues, com big band e arranjos jazzísticos. Ela é produzida pelos cobras da gravadora Atlantic, a mesma de Ray Charles, a gravadora que criou a black music moderna: Tom Dowd, Jerry Wexler ( o boss ) e Arif Mardin. Vamos ouvir o disco então ( que vendeu bem, chegando ao segundo lugar em abril de 69 ):
   O som é redondo, viril, com destaque para a bateria, sempre em estilo jazz, Grady Tate, um cara que fez discos com Oscar Peterson, Mingus, Sonny Rollins. Pulsa, como pulsa o baixo de Ron Carter, ele mesmo, o homem de Miles. Os metais são ao estilo Sinatra, irrompem para dar mais gás, mais ritmo, mais fogo à coisa. E temos a voz de Aretha.
  Sim, ela é  a melhor cantora de soul da história, uma voz que estala nos ouvidos e bota fogo em tudo que canta. Respect é o Kilimanjaro do Pop feminino. Mas...a gente percebe que jazz...bom, jazz é outro mundo né meu nego...
  Ella Fitzgerald. Ouço o disco, que é excelente, e noto o quanto Ella é grande. E Sinatra também. O jazz revela cada canto do canto, até a respiração aparece, e Aretha não erra, mas também não chega lá. A dicção, o fôlego, ir lá do alto até lá embaixo, mudar de tom, voltar ao ritmo depois de improvisar, Aretha nem tenta nada disso e quando quase tenta perde a confiança. Sabiamente depois deste disco ela nunca mais tentou o jazz. Deixou a coisa para Ella, a cantora que em 50 anos jamais errou, em disco ou em palco.
  Mas este é um grande disco. Te dá um prazer do cacete. Tem bossa. Tem fogo e tem negritude. É fogo na jaca. Ouça. Voce vai amar. E se voce não gosta de jazz, vai gostar. E se voce gosta de jazz, vai amar.

VINIL. A ARTE DE FAZER DISCOS. - MIKE EVANS.

   Saiu agora este bonito livro, pela Publifolha. Evans começa falando da invenção do som gravado, ainda em cilindro, depois a criação da bolacha de acetato. No começo, discos de 3 minutos apenas, a 75 rotações por minutos. E em 1948 a grande revolução com a criação do LP como o conhecemos. Toda essa parte é a mais interessante do livro. Fotos de discos históricos, dos primeiros a vender bem, das capas mais bonitas ou criativas.
  Interessante notar que até os anos de 1990, toda mudança tecnológica tinha por alvo favorecer a música erudita. Para se ouvir uma sinfonia em 1945, por exemplo, era preciso ouvir oito discos. Vinte minutos em oito discos. Uma ópera completa usava cerca de 25 discos. Quando o LP é inventado, pela CBS, é a música clássica que se beneficia a princípio. Todo o catálogo da CBS, e depois da Decca, da RCA, da Philips, são vertidos para LP e são esses os discos que mais vendem. Entre 1949-1959, de cada 100 novos discos lançados, 60 eram títulos eruditos. Eu observei em 1995 críticos reclamando que os novos títulos de eruditos começavam a cair, pois na popularização do CD, entre 1987-1993, eram lançados milhares de discos de música clássica por ano. O CD, como antes com o LP, era uma nova mídia perfeita para óperas e sinfonias.
  Com o download isso acabou. Esse meio, que faz com que as pessoas mal suportem 10 minutos de música ininterrupta, sepultou o disco clássico. Foi a primeira invenção a não favorecer a música de Bach, Brahms ou Berlioz.
  Evans lança bela tese sobre a vantagem do LP. Além da beleza da arte gráfica, dos encartes, há a deliciosa sensação de "ser dono da música". On Line, voce escuta um disco. No LP voce o compra, é seu e só seu. Fisicamente presente. Pra sempre.
  O resto do livro, que fala da história das grandes gravadoras ( Motown, Island, Factory, Chess, Verve, Blue Note...estranho ele pular a Virgin, Decca, Atlantic, Stax, Casablanca, Sub Pop ), as grandes capas, não é tão bom. Talvez porque são histórias que eu conheça muito bem...
  De qualquer modo é um belo livro e que se favorece muito da internet. Pois apesar de o LP ser bem melhor, na NET podemos ouvir todos os sons citados. Então, vamos à eles...

BORN TO BE BLUE, A VIDA DE CHET BAKER, FILME COM ETHAN HAWKE.

   Se voce é fã de Chet Baker vai gostar do filme. E irá se emocionar com uma cena que resume todo o encanto de sua arte. É quando já ao fim do filme ele canta My Funny Valentine.
  Se voce é fã de jazz vai sentir um incômodo. Jazz é acima de tudo vida e todos esses filmes sobre jazz são incapazes de mostrar a festa, a extrema alegria do jazz. Eles se concentram na dor. Sempre na dor. Como se jazz fosse um tipo de angústia. Ou doença.
  Se voce é fã de cinema vai achar o filme ok. E vai pensar, de novo, que o cinema morreu. Os grandes temas são hoje filmes modestos e os grandes filmes falam de bobagens. Voce vai se indagar: Quem vai assistir este filme...Ninguém, ou quase ninguém.
  E dirá que Ethan Hawke não é um grande ator, mas é esforçado e aqui talvez esteja seu melhor desempenho.
  Juro que não falarei de novo do artigo de Matinas Suzuki escrito no dia em que Chet morreu. E nem do documentário de Bruce Weber. O que sei é que a arte de Chet nada tem a ver com o mundo de 2016. E nisso o filme está fora de sincronia.
  Pois se hoje todos são suaves e sussurrantes como Chet, eles são acima de tudo mimados e sem espinha, como Chet nunca foi.
  Vale ver.

Ao Vivo No Village Vanguard- Max Gordon

Max Gordon veio ainda criança da URSS. Família pobre, trabalhou quando teen em pequenos empregos. Nos anos trinta abriu o Vanguard. A principio casa de poesia. Poetas, tipos esquisitos iam lá para declamar e principalmente para provocar…. Causa uma certa tristeza. Saber que esse tipo de casa não mais existe. Um lugar barato, onde gente idealista se sinta em liberdade. Max começou a causar frisson com Leadbelly o grande cantor de blues folk. Acompanhado por Josh White, o Vanguard vira referência. Quando em 1939, a muito jovem Judy Holliday se apresenta com seu grupo de sketches, o su sucesso se torna nacional.  No grupo,além de Judy, que em 1950 ganharia um Oscar, estavam Betty Comden e Adolph Green, no futuro roteiristas de Cantando na Chuva… Humoristas como Lenny Bruce e Woody Allen começaram por lá. O pessoal do folk, Pete Seeger, Burl Ives, Woody Guthrie. E, claro, o jazz. E é fantástico ler o texto de alguém que viu, conviveu com os caras. Miles Davis, orgulhoso, chic, frio, com sua voz gélida. O violento Charles Mingus, que socava músicos ruins, andava armado e não se sentia valorizado. Sonny Rollins, o cara que tocava sozinho em cavernas da Índia. E uma conversa incrível com Nica, a nobre inglesa que ajudava Thelonious Monk. De mais divertido há a hilária historia de Timothy Leary e a noite psicodélica. Um livro da Cosac, obrigatório para amantes de jazz e de u a boemia que morreu, segundo Max, com a TV, que passou a capturar o talento antes de seu aperfeiçoamento nas boates… melhor,Max escreve muito!

JAMMIN WITH THE BLUES- LESTER YOUNG, DEZ MINUTOS DE COOL

   O fotógrafo é Robert Burks. O ano é 1944. O som é blues. Jazz. Lester Young e mais...
   A modernidade do clip impressiona muito. Mais que moderno, atemporalidade. Todo chique aspira, desde 1944, a ser assim. As sombras, as roupas cool, a fumaça, o p/b brilhante, os cortes. Aqui temos o máximo do cool, mas por ser cool negro, nunca é fake, gelado, sem emoção. Aqui é aquilo que Bogey chamou de pressão sob controle. Esses caras são netos de escravos! O salto que eles dão é inimaginável. Da pré-história de uma cultura iletrada eles saltam e atingem o top do seu tempo e do nosso tempo. Isso é um milagre!
  Burks foi descoberto depois adivinhe por quem? Hitchcock! Foi Robert Burks o fotógrafo de Vertigo, de Intriga Internacional, de Janela Indiscreta....o favorito de Hitch é o cara que aqui faz essa mágica com luz. Clima. Ele entendeu a coisa.
  A cantora tem a voz quente e o trompete eleva a alma. A bateria de jazz é isso, ritmo, ritmo sem esforço aparente. Em jazz não tem essa do rock. No rock a maioria faz cara de quem está dando tudo, morrendo, suando, é a procura pelo êxtase todo o tempo. No jazz não. Tudo tem de parecer relax, sem esforço, natural, simples, sempre cool. O truque é brincar, to play, sem teatrinho.
  Esses dez minutos são o máximo do máximo. E tem Lester. O sopro mais natural do sax, o suave, o soft, o sexy, o let it loose....assista....

Waters Of March - Cassandra Wilson



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BELLY OF THE SUN- CASSANDRA WILSON, O DISCO ELEGANTE

   Jazz? Pode ser. Sim, talvez seja, jazz. Ela tem voz para isso. O fraseado de Cassandra é limpo, claro como dia de verão. E a instrumentação a acompanha. A percussão parece "brasileira", é cheia de nuances, timbres, rica. A guitarra é sublime, cascateia. Há em todo o disco uma delicadeza que nunca se torna flacidez, se mantém viva, delicadeza de água.
  O repertório se apresenta com The Weight. Sim, ela transforma The Band em um tipo de pop-jazz à Joni Mitchell. Calmo. Tem também Tom Jobim. E esse tipo de som chique, classudo tem tudo a ver com o carioca mais afinado do mundo. Águas de Março, vira Waters of March e é linda. Na real é impossível transformar essa melodia em algo que não seja no mínimo cativante. É uma versão sublime. A música de Tom sempre tem esse dom, ela acalma, embala, abre vistas. 
  O clima muda com o hino blues You Gotta Move. Cassandra canta com sangue. É, talvez, o momento mais forte de todo o disco. Você canta junto sem notar que abriu a voz. Isso faz de uma canção um hino. Shelter From The Storm é Bob Dylan em seu melhor. No original é um rock-folk pensativo e raivoso, imagens se sucedem como raios. Aqui é pensativo. A instrumentação flutua. Noturno. Cooter Brown é uma canção fantástica. E mais nada se pode dizer dela.
  Hot Tamales fecha o disco em alto astral. E a vontade é ouvir tudo de novo.
  Bem...eu tenho uma amiga que é uma das pessoas mais elegantes do mundo. E foi ela quem me deu esse cd de presente. O que posso falar? Que este caipirão que vos escreve sente que Cassandra é a trilha de vida de meninas como essa minha amiga de mãos voadoras e mente orvalhada.
  Um lindo som.

Thelonious Monk Cuarteto en Dinamarca-1966



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THELONIOUS MONK, O MAIOR MESTRE MUSICAL DOS ÚLTIMOS 60 ANOS.

   Existem músicos que procuram a perfeição através da tapeçaria. Eles acumulam notas e escrevem um tipo de painel sonoro onde montes de informações se acumulam. Outros fazem o oposto. Pegam apenas uma linha, e com ela procuram o máximo de perfeição. Esticam essa linha, arrebentam o fio, ameaçam um nó, tingem, escondem, fazem mágica com uma simples linha. Monk era o gênio da linha. 
   Vi ontem um doc sobre ele na TV. Estranha figura quase muda. Um baterista diz que foi o visitar. Ficaram oito horas na sala, juntos, sós. E Monk nada disse por sete horas e 59 minutos. Na hora de sair disse, OK, Nos vemos amanhã. 
   O mestre Zen ensina sem o uso de palavras.
   Um outro excursionou com ela por 4 meses. Monk nunca lhe falou uma só palavra. No último show ele disse: Nos vemos na próxima.
   O som de Monk é assim. Apenas o núcleo. Sem enfeite. A linha, pura e simples. O silêncio sempre presente. 
   Durante o documentário lembrei de Keith Richards. Monk faz uns movimentos ao piano que são idênticos aos movimentos absurdos e aparentemente gratuitos que Keith faz à guitarra. Trejeitos de ombros, batidas de pé, mãos que flutuam, dedos duros e lentos que tocam, quase quedas ao chão. Voce acha que eu forcei a comparação? Voce conhece um guitarrista mais simples e cheio de silêncios entre os riffs que Keith?
   Monk nunca mudou. Ao contrário de Miles, Dizzy, Sonny ou Lester, ele nunca tocou bossa-nova. Ou se eletrificou. Ou ficou mais funk. Adicionou violinos. Nada disso. Monk era sempre Monk. E em 1967 parou. Sem anunciar, ele simplesmente saiu de cena. Calou o piano.
   Viveu ainda até 1982. Poderia ter gravado mais uns vinte discos. Ter feito centenas de shows. Sido homenageado. Não.
   Dizem que todo sábio tem a clarividência de saber falar o Não. E eu sei que parece hoje banal dizer isso, mas Thelonious Monk foi um sábio. Um gênio. E um ET. 
   Sábio porque nada do que ele fez foi demais. E isso é muito raro em música. Todo mestre musical tendeu a fazer à mais. A não silenciar na hora exata. 
   Gênio porque ele trouxe algo de onde não se anunciava nada. O estilo de Monk pode ser percebido levemente em Basie e em Duke ao piano. Mas ele foi completamente inédito. E desde então inimitável. 
   E um ET porque ele criou seu mundo e sua lingua. E nesse mundo apenas uma pessoa podia viver. Ele. Todo gênio é um individualista radical. E portanto um solitário abissal. Na vida de Monk só Monk vivia.
   Entre as notas há o silêncio. E esse é seu segredo. O vazio entre as notas. A suspensão do ritmo. Os furos. A linha que deixa de ser vista e retorna outra e a mesma.
   Thelonious é inesgotável.

BUDDY RICH IMPOSSIBLE DRUM SOLO *HQ*



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O JOGO DA IMITAÇÃO/ A TEORIA DE TUDO/ JAZZ/ MARCEL CARNÉ/ A STAR IS BORN/ BOYHOOD/ FANNY

O JOGO DA IMITAÇÃO de Morten Tyldun com Benedict Cumberbatch e Keira Knightley
Mesmo conhecendo a bio de Alan Turing fiquei chocado com o fim do filme. Imagino como se sente quem não a conhece. O filme é sensacional. Ele toca todos aqueles que se sentem esquisitos, todos os que foram perseguidos na escola, todos os diferentes. Ou seja, toca quase todos nós. Turing foi um gênio e o filme é digno dele. Suspense bem feito, drama e uma bela história. Adoraria ver este filme ser, como foi O Discurso do Rei alguns anos atrás. a grande surpresa inglesa do Oscar. Os dois se parecem muito. São filmes clássicos, muito ingleses, com um momento chave do século XX pescado do esquecimento. O melhor ator do ano é Benedict. E quem achar que caio em contradição, pois costumo criticar essa mania de confundir boas imitações com grandes desempenhos, que Benedict não imita Turing, ele cria uma personagem. Pois ao contrário de Capote ou de Ray, Turing tem um nada de videos para se imitar. Foi em vida uma pessoa obscura. 2015 é a melhor safra do Oscar desde o século XX, este é o filme que mais me emocionou, O Hotel Budapeste é o melhor filme. Qualquer dos dois que vencer será uma alegria para mim. Nota 9.
A TEORIA DE TUDO de James Marsh com Eddie Redmayne e Felicity Jones
Se Eddie vencer o Oscar será mais uma vitória do papel de doente. Impressiona como o Oscar ama gente interpretando doentes! O filme é legal, mas está muito atrás de O Jogo da Imitação, com o qual poderia se parecer. Tudo aqui é correto, como Hawking, que é um cara do bem. Mas o filme não causa impressão. Dois dias depois voce mal recorda uma cena. Felicity é na verdade a heroína. Excelente interpretação, ela foi uma santa em aguentar o casamento. O filme é dela. Nota 6.
WHIPLASH, EM BUSCA DA PERFEIÇÃO de Damien Chazelle com Miles Teller e JK Simmons
Um pensamento ruim me ocorreu durante o filme. O jazz desde os anos 50 virou isso...um fóssil estudado por chatos, nerds e infelizes. O que era uma expressão folclórica de vida, virou objeto de adoração semi-religiosa e de estudos devotados. But....o filme, simples, barato, é bom. E mostra algo de muito particular que só o jazz tem: nele não existe nada de bom ou de correto. Ou o cara é """do cacete"""ou é muito ruim. Para fazer parte da coisa voce tem de ser uma fera. Músicos bons, como no rock são quase todos, não sobrevivem no jazz. Porque aqui, mesmo aquele esquecido baixista da banda de Fletcher Henderson ou do trio de Benny Golson, era mais que excelente. No jazz, como na música erudita, não dá pra enganar. Porque aqui o simples barulho ou as notas simples inexistem. Para quem toca este filme é obrigatório. E mesmo para o resto, é um bom filme. Espero que ele mostre aos roqueiros o quanto bateristas discretos, jazzistas, como Charlie Watts ou Mitch Mitchell são bons. Ritmo, isso é tudo. Conseguir manter a batida, sem variação de velocidade ou de volume, matematicamente preciso, é isso. Posto acima um Buddy Rich, o mito. JK dá um show. Mas o garoto também é bom. Nota 7.
BOYHOOD de Richard Linklater com Ethan Hawke e Patricia Arquette
Somos uma geração, a minha, entre 40/50 anos, desastrada. Criamos filhos como amigos e eles queriam pais. O filme acompanha o crescimento de um menino. E Linklater, que entre seus filmes favoritos tem Truffaut e Bresson, evita todo momento de drama, exibe o banal e nesse banal o que há de mais bonito. O filme é leve, puro, otimista. O menino, que sorte, vira um cara legal. Mas eu queria que mostrassem mais a irmã! Ela parece mais interessante. Ethan faz Ethan Hawke, o cara gente boa. Patricia manda muito bem. Gorda, a sensual Alabama virou uma americana comum. Ponto pra ela! O melhor de Linklater ainda é Dazed and Confused, mas se ele vencer o prêmio de direção será bem legal. Ele é Wes, com seu amor por filmes franceses, são dos poucos caras a dar ar de liberdade ao amarrado e cabisbaixo cinema atual. Nota 8.
FANNY de Marcel Pagnol com Raimu, Pierre Fresnay e Orane Demazis
Por falar em cinema francês...Eis Pagnol, escritor, autor de teatro e diretor de cinema. O homem da Provence antes do lugar virar moda. A história aqui é de uma menina, grávida e solteira. O pai da criança a abandonou para virar marinheiro. Ela aceita a proposta de um homem mais velho, que assumirá o nenê. Mas o marinheiro volta...O filme é tosco, sem produção, primitivo. E encantador. É um tipo de filme tão arcaico que hoje fica parecendo muito fresco, novo, original. Assistir Fanny é como ver um documentário sobre um planeta que deixou de existir. O mundo de Cézanne e de Cassat. Um prazer. Nota 9.
CONTRABANDISTA A MUQUE de Christian-Jacque com Totó e Fernandel
Existe uma cidade na fronteira entre França e Itália em que ruas e casas marcam a divisão. O filme mostra desse modo o contraste entre os dois países. Totó é um contrabandista. Fernandel um policial. Um é bem italiano: malandro, preguiçoso, mentiroso. O outro é rigido, cumpridor das leis, burocrático e meio bobo. Divertido, o filme, de 1958, nos faz pensar que essas diferenças hoje seriam ilusórias. A Europa virou um grande caldeirão comum. Uma certa nostalgia surge, onde os italianos estão? Totó, um gênio como ator, nunca mais. Nota 7.
FAMÍLIA EXÓTICA de Marcel Carné com Françoise Rosay, Michel Simon, Jean-Louis Barrault, Louis Jouvet e Jean-Pierre Aumont.
No cinema clássico francês dois caminhos logo surgiram. O cinema simples de Renoir e o cinema elaborado de Carné. Prefiro Carné. Aqui temos uma rocambolesca comédia com os melhores atores de então. Como explicar a história? Tem um escritor que finge ser um pacato burguês, tem um doido assassino, tem um conquistador barato...e muito mais. Os diálogos, de Prévert, são brilhantes. É um filme Pop, feito para divertir, para entreter. Nota 7.
NASCE UMA ESTRELA de William Wellman com Janet Gaynor, Frederic March e Lionel Stander
Um grande clássico. A primeira versão da história da moça que quer ser estrela de Hollywood e se envolve com um ator decadente. Ela sobe, ele afunda. Tudo aqui funciona. O filme emociona, dá raiva, toca, fica. O mecanismo da imprensa surge crú. March está magnífico! Faz um alcoólatra com tintas de Barrymore sublime. Temos pena dele. E admiração. Gaynor jamais se torna doce demais. Ela ama March. Ama o cinema. E tem ainda Stander, um jornalista que é o mal em pessoa. Ele odeia March e goza em ver sua queda. Wellman faz o roteiro de Dorothy Parker voar. É um grande filme. Nota DEZ.

Miles Davis Quintet 1954 ~ Oleo



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A LIÇÃO DE MILES DAVIS

   ...MAS EXISTE MILES. E ele nos diz, jamais olhe para trás. 
Engraçado o fato, JAZZ nunca me recorda nada. É o anti-saudosismo. Jazz corre adiante? Ou seria a celebração do momento? Acho que não. JAZZ é só música. Pura, sem querer dizer nada mais que som. Música abstrata. Mesmo JAZZ carregado de emoção, o que NÃO é o caso de Miles, é abstrato. Nada de história, ritmo. A pulsação da vida. Agora.
  Miles saiu da heroína sózinho. Se trancou num quarto numa cidade onde não conhecia ninguém. E ficou lá. Morrendo. Suando. Gemendo. E voltou. Voltou com históricas gravações de 1954. Voltou com outro som. Nú. 
  29 de junho de 1954. Miles entra no estúdio e sai com oito gravações. ( Para comparar, hoje Beyoncé entra com quatro produtores e cinco arranjadores e sai com uma canção após um mês ). Com Miles estão: 
  Sonny Rollins. Horace Silver. Percy Heath e Kenny Clark.
  Sonny mandou brasa com seu saxofone redondo. Horace detonou com o dedilhado cool e discreto. Percy era o cara! O ritmo das cordas de seu baixo de vento. E Kenny, o batera dos anos 40 que inventou o jeito novo de swingar: a batida extra, fora do tom, na caixa, marca registrada, desde Kenny, de TODO baterista de JAZZ.
  Os caras entraram no estúdio e tiraram seus paletós. Cigarros empestearam todo o lugar. Camels fedidos. Miles não fala nada e quando fala ele fala baixo. Os caras sabem, o cara é um duende. Ele está aqui mas nunca está aqui. Ele só fala na hora de contar: 1,2,3...e a voz é assustadora. Cavernosa.
  Oleo é um estouro. Airegin é uma revelação. Doxy é uma mina. Tudo cheira a calcinhas. E a Camels fedorentos. Cada faixa é gravada em três takes. 
  Os caras colocam os paletós e saem. Miles entra em seu carro, um Packard preto. Sonny vai a pé. Silver anda com ele. Kenny fica no estúdio e Percy foi tomar um café na esquina.
  Amanhece. 
  Os caras nunca morrem. Como falei, JAZZ é only music. E música baby, música não morre.












LET`S GET LOST, UM DOC DE BRUCE WEBER SOBRE CHET BAKER

Flea anda pela praia e ri. É a música que o faz rir e Flea sabe tudo de tudo que vale a pena escutar. Questão de cintura. Bruce Weber, que sabe tudo de imagem ( melhor fotógrafo de moda ), mostra mais uma vez o que a gente sabia que ele sabia. Mas Bruce ama música também e então eu entendo que suas fotos são músicas em revelação. Bruce Weber fez os mais belos clips da mais bela fase da MTV ( Pet Shop Boys e Chris Isaak ). O coração de Bruce Weber é de Chet. E Chet Baker é o trompetista branco que queria ser preto. O cantor de jazz que desejava morrer de tanto amar. Este documentário, que posto inteiro para voces, é de 1991. E voce sabe, 1991 foi um dos mais lindos dos anos. A beleza vence a morte. Sempre.
Ah meu amor! 1988 foi o mais amoroso dos anos. Eu te dava rosas menina. E escutava Bizet e Chet toda manhã. Manhãs que eram vividas em êxtase frio, o inverno foi cruel, e chuva que grudava em mim. Suas mãos eram brancas e os seios pareciam de seda. Meu amor, eu me emocionava apenas pensando no céu. Descobri Zorba, descobri Waugh e encontrei Lorca. E mais que tudo eu mergulhei no mel de voce. E Chet Baker cantou para nós dois.
Vejam o documentário.
A vida sempre pode ser melhor. Apesar de toda dor que se faz.