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GEMMA BOVERY- JOHN BOORMAN- WES- BOWIE-ROEG- NOIR

   GEMMA BOVERY de Anne Fontaine com Fabrice Luchini, Gemma Arterton
Um padeiro, ex editor, conhece novos vizinhos. Um casal inglês. Os dois fazem com que ele se recorde de Charles e Ema Bovary. E por aí vai... Este é um filme de uma banalidade exasperante. Tudo nele é óbvio. Cada cena "sexy", cada reviravolta, tudo tem o carimbo de "já visto antes". É o velho problema do cinema francês "pop", perde o apuro do cinema gaulês tradicional e não consegue a rapidez colorida do bom cinema popular saxão. O livro de Flaubert, uma obra-prima tão forte que chega a nos deixar doentes, nada tem a ver com este souflé murcho. ZERO.
   O HOMEM QUE CAIU NA TERRA de Nicolas Roeg com David Bowie e Candy Clark
Roeg foi um diretor de fotografia genial. Dentre vários trabalhos é ele o responsável pelo visual de sonho de "Longe Deste Insensato Mundo", a obra-prima de Schlesinger. A partir dos anos 70 Roeg virou diretor e todos os seus filmes são ousados, afiados e desagradáveis. Um ET cai na Terra, fica rico com tecnologia e tenta construir uma nave para voltar a seu mundo. Veio a este planeta procurar água. David Bowie é perturbador. O que mais impressiona é como o David de 1976 é já um rapaz moderno de 2015. O filme tem cenas de sexo, é confuso, muito louco, feio, tem efeitos ruins e música esquisita ( de Stomu Yamashita ). E é profundamente perturbador. É provável que você se entedie, e depois fique com ele na cabeça por vários dias. Invulgar. Sem nota.
   RAINHA E PAÍS de John Boorman com Callun Turner e Caleb Landry Jones
Um excelente jovem elenco num ótimo filme do veterano Boorman. Na Londres de 1952 acompanhamos um jovem no exército. O filme vai da comédia doida ao mais desencantado drama. Quase se estraga com as cenas de romance com uma doidinha fatalista. Mas é um grande filme. Assistimos sempre com interesse e ao final sentimos sua beleza. Há poesia verdadeira aqui. Boorman foi e volta a ser um diretor dos bons. Ele tem muito a dizer. E diz. Nota 9.
   A VIDA MARINHA DE STEVE ZISSOU de Wes Anderson com Bill Murray, Anjelica Huston, Cate Blanchett e Willem Dafoe.
A arte pós-moderna. Não procure nela paralelos com a vida dita "real". Mas também não cometa o erro de achar que é "arte pela arte", como diziam os românticos. Não se tenta criar uma obra de arte. O que se faz é um filme. Um filme sem filosofia, sem mensagem e sem lição alguma. Apenas imagens que existem porque deu vontade de as filmar. Assim, Wes faz o filme que eu faria aos 12 anos. Se eu tivesse talento. E isso que falo é um elogio. Wes, como Tarantino, não filma cenas de amor, não filma cenas de denúncia, ele filma cenas de Wes Anderson. É infantil. É o que de mais novo se pode fazer hoje. Ele é um antídoto para a denúncia cliché e para o adultismo poser. O filme faz o que deseja fazer: é colorido, excêntrico e inteligente. E muito, muito bobo. Nota 7.
   D.O.A. de Rudolph Maté com Edmond O'Brien
Um filme noir de pesadelo. Um homem é envenenado. O veneno não tem um antídoto. Antes de morrer ele tenta vingar sua morte. O que vemos é puro desespero. Algumas cenas meladas não conseguem destruir o clima. E ainda tem uma cena de jazz que é puro veneno. Nota 7.

EU SEI PORQUE VOCE NÃO GOSTA DE ELTON....ELTON JOHN, A BIOGRAFIA, DE DAVID BUCKLEY

   Elton John é feio. Não a feiura que pode até criar um certo interesse, como a de Alice Cooper ou de Lemmy. É a feiura medíocre. O feio que voce mal nota que existe. Isso marcou toda a vida de Elton. Ele jamais aceitou sua aparência, sempre odiou sua imagem. Em seus melhores momentos ele relaxou e quase ficou bonitinho. Em seus piores ele se auto-zombava e no processo desacreditava sua música. Se vestia de pato, de Mozart, de rei ou de Liberace. Dizia para o mundo, eu sei, eu sou ridiculo. Os fãs se sentiam incomodados, o resto olhava e pensava: -eu sempre soube, Elton é um palhaço.
  Mas não foi sempre assim, tão evidente. Esse martírio, que sempre houve, mas que se intensificou nos anos 80, foi aditivado por muito pó e muito álcool. Como aconteceu com Rod Stewart, David Bowie e Paul MacCartney, dentre muitos, a década viu a credibilidade dos reis dos anos 70 derreter. A maioria por excesso de drogas, dinheiro e puxa sacos, alguns por tédio e outros por medo de envelhecer ( o que fez com que tentassem se fingir de adolescentes ). Bowie foi dos poucos que conseguiu se reerguer. Elton, para todos nascidos depois de seu auge, permanece como um tipo de bobo rei do pop brega. Nada mais distante da verdade. Assim como Rod, que entre 69/76 foi um grande artista do folk, do rock e criou algumas das melhores letras de todo a cena, Elton foi entre 1970/1977 um grande artista. E era levado a sério. Todos os seus discos, 14 até então, dois por ano, eram ótimos e algumas de suas faixas, 3 ou 4 por disco, eram geniais. Dentre seus fãs, John Lennon, Leonard Cohen, Joni Mitchell e depois Elvis Costello. 
  Improvável sempre foi a marca de Reginald Dwight, o nome de batismo de Elton. Filho único da baixa classe média, nunca se deu com o pai, piloto de avião. Se dava com as mulheres da casa, mãe e tias. Na escola adorava todos os esportes e era bom em tênis e crickett. Baixo, gordinho, ele se isolava com livros e o piano. Teve aulas de piano clássico, mas se interessava por rock, Little Richard, Jerry Lee Lewis, e aos 15 anos começou a tocar numa banda, a Bluesology. Profissionalmente. Era 1962. Ao mesmo tempo Elton se torna um dos maiores colecionadores de discos da cidade. Gosto que ele manterá por toda a vida, ele é capaz de dizer quem toca no disco de uma obscura banda punk de 1980. E mais, qual a gravadora, onde foi gravado e a ordem das faixas. É um fato que pouca gente sabe, mas Elton até hoje continua escutando tudo de novo que surge todo ano. É seu maior hobby. 
  Em 1963 ele vai trabalhar numa editora de música. Tem 16 anos. Continua na banda, de noite. Nessa editora ele pode escutar tudo o que ela publica antes de ser lançado. Isso fará com que Elton seja sempre o primeiro cara a escutar tudo o que os Beatles recém produziram, em primeira mão. Todo o aprendizado se dá nesses anos. Piano a noite em pubs, faixas novas e fenomenais de dia. 
  Em 1968 ele sai da banda. Na editora se une a um jovem poeta chamado Bernie Taupin. Essa será a maior dupla do pop depois de voce sabe quem. Bernie escreve poemas e os passa para Elton. Elton faz uma melodia sobre os versos. Estilo de composição mais dificil, rara, que para os dois funcionou. Ainda morando com os pais, e sem nenhum envolvimento físico, Bernie, que é dos cafundós do campo inglês, vai morar na casa da mãe de Elton. Ele se torna o irmão que ele nunca teve. Hetero convicto, nunca haverá nada entre Bernie e Elton. Que na época estava noivo. Uma conversa com o cantor Long John Baldry mostrou a Elton que sua verdade era ser gay. Ele rompe o noivado e ao mesmo tempo se lança ao mundo do rock.
  1970 tem o primeiro disco. Elton John tem a capa escura para disfarçar sua falta de sex appeal. O sucesso é absoluto. Fica 44 semanas nas paradas. Your Song se torna um clássico e o LP, cheio de arranjos orquestrais do grande Paul Buckmaster, é elogiado por colegas e por críticos. Nos próximos sete anos Elton será responsável por 3% das vendas de discos em todo o mundo. Percentual só igualado em 1984 por Michael Jackson e por mais ninguém. Serão sete LPs seguidos alcançando o primeiro lugar nos EUA ( só os Beatles conseguiram isso ) e mais de 14 singles entre os cinco primeiros postos. Ele fará duas excursões por ano, quebrará, junto ao Led Zeppelin, recordes de público, e se tornará mundialmente conhecido por crianças, velhos e roqueiros. Estará em todo canto. TV, cinema, jornais, tudo. Elvis, Beatles, Michael Jackson e Elton, são os únicos quatro reais fenômenos do rock, pois mesmo os Stones, Led, U2 ou Dylan jamais conseguiram penetrar em todas as classes e todas as idades.  Sete anos em que seus rivais foram todos batidos. Gente como Eagles, Pink Floyd, Bowie, Stevie Wonder, Neil Young, Stones. 
  Bowie era seu grande rival. Porque de certo modo os dois corriam, no começo, na mesma raia. Rock glam agitado e baladas ao piano. Com uma grande diferença, crucial. Bowie queria ser um artista completo. Elton queria se divertir. Desse modo o público de Bowie era menor e fiel, o de Elton imenso, e infiel. Bowie podia se dizer bissexual. Seu público aceitava e até queria isso. Quando em 1976 Elton disse ser bissexual foi o começo de seu quase fim. A maior parte de seu público, conservador, o abandonou. 
  Elton diz no livro que Bowie nunca foi gay. Ele era um hetero que se fazia de gay para causar frisson. Já Elton era um gay que tentava esconder isso para não causar frisson. 
  Generoso, mão aberta, até os 28 anos Elton jamais havia se drogado. A partir daí ele se torna um caco. Cocaína e whisky. São os anos 80. Engraçado observar que ele nunca deixou de vender bem, o problema é que a inspiração se foi. A partir de 1979, e até 2002, Elton só lançaria albuns fracos e muito raramente algum single bom. Quanto aos shows, eles se tornaram forçados, frios, esquisitos. Sempre lotados, mas ao mesmo tempo quase constrangedores. Em 2002 ele grava The Captain and The Kid, enfim um grande disco. Os shows voltam a parecer mais reais. Ele para com as drogas, para com as fantasias, o piano volta a ganhar destaque. É um renascimento. Ele se casa, adota um filho, leiloa suas roupas mais ridiculas, e continua trabalhando ativamente em montes de instituições de caridade. É o mais dedicado dos astros de rock. Ele nunca discursa. ele vai e faz.
  Mas antes...
  Em 1971 exsitiam dois tipos de astro do rock: o glamuroso muito louco e o sofrido herói. Pelas músicas em seus discos ele poderia ser os dois. Mas no palco ele mudava. Se fantasiava para tentar esconder sua barriga, a careca e o rosto balofo. E ria, fazia piadas, pulava, conversava, festejava. Elton não tinha vergonha de ser feliz, de demonstrar prazer por estar num show. E, que ironia, isso destruia sua credibilidade!!!!!!
  Apesar de feio ele conseguia ser o maior dos astros. Mas os criticos começaram a não lhe levar a sério. Era como se um cara tão feliz não pudesse ser de verdade. Explico melhor...
  Lembro que no Rock in Rio de 1985, Rod Stewart cantou numa noite. E eu era fã de Rod ( ainda sou ). Só que aconteceu uma coisa horrível. Rod cantou Sailing rindo!!!! E eu escrevi em meu diário que Rod havia naquela noite destruído Sailing. Sailing era pra ser cantada com lágrimas nos olhos...
  Hoje sei que eu estava errado. Mas então foi minha reação. Rod Stewart perdeu a credibilidade comigo e só a readquiriu exatamente dez anos depois, quando o vi no acústico MTV. Com Elton se dava o mesmo. Ele brincava enquanto tocava Rocket Man, Ticking, Sixty Years e tantas outras. Baladas maravilhosas, de cortar o coração, lindas, tristes, e ele alí, vestido de pirata, rindo...O efeito no pessoal que o levava mais a sério era devastador. Era como se Morrissey cantasse How Soon is Now com o Village People, ou Dylan cantasse Like a Rollin Stone dançando no palco e feliz. ( Hoje eu acharia lindo, mas em 1975 isso seria inaceitável ). Rock era coisa séria, e Elton parecia não ser. 
  E não era. Era talentoso, genial até, mas sempre soube que subir num palco e poder cantar era um presente, uma sorte, uma alegria. Como parecer sofrer quando se fazia aquilo que mais se gostava? Elton era o mais anti-hipócrita possível.
  Poxa! Escrevi muito? É que eu amo Elton e este livro é muito bom. Mesmo para quem não gosta tanto, porque o autor, que já escreveu bios de Bowie, Bryan Ferry e até dos Stranglers, dá sempre uma geral no período. E nunca deixa de criticar os baixos, muitos, de uma carreira tão rica. A loucura do glam, a decadência do estúdio 53, os patéticos anos 80, o sucesso nos anos 90, a paz nos anos 2000. E o que fica é o fato de que Elton é sim um grande cara. Nada RocknRoll, um ET no meio, mas um grande cara. Fala-se de sua amizade com Lennon, com Rod ( que é seu melhor amigo ), e de suas coleções de arte. E a aventura de 1978, quando ele comprou seu time do coração, o Watfort, na quarta divisão, e o levou até a primeira e um segundo lugar...Eu tinha esquecido disso!
  Beleza de leitura.
  PS: Captain Fantastic de 1975. Esse talvez seja sua obra=prima. 
  Para quem quer quebrar o preconceito, aconselho The Tumbleweed Connection, de 1971.
  Divirta-se. E se emocione.

INGLESES PERDEM A VIRGINDADE EM NEW YORK....

   ...E quando voce a perde é for ever.
   Penso nos inocentes ainda cabaçudos. Mesmo que parecessem loucos ainda eram caipirinhas ingleses, ainda de pantufas e com seu cup of tea. Achando que vomitar no pub era o máximo! Ou dizer fuck na BBC. 
   Penso no Stone Roses excursionando pela América e se destruindo. No Happy Mondays pirando em becos de Detroit. New York engoliu a virgindade de vários ingleses que lá caíram e se perderam pra sempre. E mesmo os Beatles, que começaram a virar homens com Dylan e guiados por Dylan, melhoraram após a América, mas começaram a se desarmonizar. 
   Penso no Clash experimentando os USA e não segurando a barra. E nos Pistols morrendo a cada milha das highways. USA não é para ingleses, é para irlandeses. O U2 se descobriu na América. Os Stones só se tornaram os Stones após a viagem ao Alabama e New York. E o Led Zeppelin foi inflado pela América.
  Mas a maioria das desvirginizações foi traumática. O Who ficou para sempre a deriva depois de Woodstock. E um monte de gente desistiu por nunca conseguir comer a maçã americana: Roxy, T.Rex, Small Faces, Traffic etc etc etc. Os Smiths perderam o porque nos USA e após a adoração americana o Radiohead ficou preso na dúvida. O Oasis nunca foi big em New York e assim deixou seu destino a deriva. Porque New York é só para aqueles que sabem seduzir a sedutora. É preciso saber mexer a libido. 
  David Bowie caiu de nariz em New York e a conquistou. Fame foi number one. E quem o recebeu de braços abertos foi Lennon, o New Yorker. E em troca a terra de Andy quase o matou. Bowie, como 99% dos stars, pirou em Manhattan. De certa forma morreu. O Bowie londrino morreu aqui for ever. E mesmo o Bowie novaiorquino morreu aqui. Mas voltou em 1983, vampiro.
  TODOS os fãs de Bowie odiaram este disco. No preconceituoso mundo de 75 voce era ou black ou white. E white não fazia música assim. Sem solos, sem berros, sem suor, sem heroísmo. Bowie não se vende como herói. Ele seduz como bitch.
  O disco é um de seus melhores. E em nada lembra seus outros trabalhos. OU....digamos que tudo o que ele fez entre 1983-1990 foi Young Americans piorado. 
  Uma faixa como Win chega ao céu. O final é de uma beleza fria arrepiante. Mas todo o disco é soberbo. É pra dançar. E para escutar com atenção. Depois deste disco Paul Weller, Daft Punk, Blondie, Duran Duran, Madonna, George Michael, Inxs, Bryan Ferry encontraram seu caminho. Sem Young Americans quem abriria o caminho? Quem inventaria o soul branco?
   O disco é luxuoso, conceito inexistente no POP Rock até então. Bowie cria o conceito de luxo, de chic, de finésse.
   Nunca mais seríamos os mesmos.

UMA ESTÉTICA GAY....ALLADIN SANE E HONKY CHATEAU, BOWIE AND ELTON.

   Tenho 50 anos e não tenho filho. Nunca fui casado e gosto de filmes musicais. Gay? Well...até hoje nunca tive uma experiência homossexual e acho que morrerei sem ter. Na verdade nunca senti atração por homem nenhum, embora não me impeça de saber quando um homem é bonito. Mulheres me deixam confuso e excitado. Homens não. Isso me faz pensar que é provável que não seja gay. Porque falo tamanha bobeira? Por causa de dois discos que reouvi após bom tempo. Dois discos obviamente gays, com tudo que essa palavra possa ter de exata ou de puro preconceito. Existe disco gay? Existe arte gay? Existe alma gay? Um disco que fale do amor de um homem por outro é gay, mas é arte gay? A arte pode ser gay falando de guerra ou de um carro. O rock pode ser gay em forma de heavy metal e ser muito hetero em forma de disco music. Como definir?
  Meu gosto estético está muito moldado numa certa moda que havia em 1972/1974. Eu tive 9/14 anos no auge do glitter. Se aqui a gente tinha a onipresença dos Secos e Molhados, fora daqui era a coisa de Bowie e Elton. Os anos 70 foram incrivelmente bicha louca.Começam com Lou Reed e terminam com Blondie e Abba. No meio teve Queen e Roxy Music. 
  Quando penso do que realmente adoro em livros, música, cinema, há uma boa quantidade de arte feita por gays. Mas penso, qual a pessoa razoávelmente culta que não terá amores por Proust, Bowie ou Andy Warhol? 
  Em 1973 dois discos foram lançados quase juntos. E trombaram de frente com Dark Side of The Moon e Houses of The Holy. ( Mas também com Innervisions, For Your Pleasure e Billion Dolllar Babies ). ALLADIN SANE ( a lad insane ), é o disco sem direção, caótico, que Bowie lançou no auge da loucura Ziggy. Já foi chamado de ""ö disco que os Stones não lançaram""". Besteira. O disco, estridente, tem no piano de Mike Garson seu trunfo. Nunca se escutou piano tão sofisticado em disco de rock. Garson era do jazz e seu toque parece de cristal. Ele embeleza tudo o que toca, dá profundidade. E faz de uma faixa como ALLADIN SANE uma obra-prima. Assim como LADY GRINNING SOUL, que fecha o disco, outra obra-prima que gruda na sua vida e dá sentido a seu gosto. O clip que vi na época, JEAN GENNIE, mudou toda a minha vida. Levei um banho, na infância, de glitter e nunca mais me limpei dessa purpurina. Meus olhos se abriram para a beleza rocker e espacial, delicada e desafiante de Bowie, Ronson e de Angie. A capa do disco é icônica até hoje. Há ainda PANIC IN DETROIT com sua guitarra suja e LETS SPEND THE NIGHT TOGETHER, versão superior aos Stones. Anarquia pura.
  HONKY CHATEAU provou de vez que a herança dos Beatles era de Elton e não de Paul ou de John. Pop com rock e o dom de agradar a todos. Todos mesmo! Elton é oposto a Rod Stewart, seu rival naquele tempo. Rod parece feliz mesmo quando se estraçalha em jóias como Every Picture. Já Elton parece triste mesmo quando canta rocks felizes. Há algo nos olhos de Elton que sempre anunciam desencanto. Sua máxima obra-prima da beleza etérea e encantadora se encontra aqui, ROCKET MAN é uma das cinco maiores canções dos últimos 50 anos. Ela tem tudo, tristeza, esperança, desencanto, um refrão grudento, mistério, silêncio e efeitos esquisitos. E a voz de Elton, que vai crescendo com a melodia. A perfeição de forma e conteúdo. O album abre com Honky Cat, rock saltitante. O piano de Elton sempre foi percussivo, ele batuca nas teclas. I THINK I AM GOING TO KILL MYSELF é outra maravilha. Tem um dos mais bonitos refrões da carreira de Elton. E há MONA LISAS AND MAD HATTERS, uma outra obra-prima, mistura mágica de dor e de inocência.
  Elton caiu como uma luva numa era de inocência pervertida e de sonhos conspurcados. Era um tempo em que a canção romântica vendia como pão quente. Meninos de 10 anos escutavam baladas doces dos Carpenters e baladas azedas de Nilsson. E baladas perfeitas de Elton John, que era o alvo de todos os outros cantores. HERCULES, nome do gato de Elton, é como um sonho. Onde achar uma canção melhor?
  O segredo de Elton, e de Bowie em outro mundo e intenção, sempre foi o dom da beleza. Seus imitadores enfeiam aquilo que com os dois sempre parece perfeito, grego, apolineo. Os imitadores de Bowie, por melhor que fossem/sejam, sempre parecem desalinhados, quase feios. Os de Elton são banais. São pret-a-porter, nunca Saville Row.
  Talvez seja essa a coisa gay dos dois? Um interesse na estética, seja a do exagero cafona de Elton, seja a futurista de David. Ou não?
  Que importa? Música não tem sexo e nisso os dois são meus pais.
  Eu amo Elton John. E amo David Bowie.
 

A VIDA SEXUAL DO SELVAGEM- JULIO BARROSO

   Era 1991 e meu amigo de baladas, Percy, aquele que delirava no Satã e fazia amizades eternamente futeis com todos os trapos chiques do mundo, bem, Percy me deu este livro da editora Siciliano ( existe ainda? ). Isso foi em 1991 e em 91 eu estava já bem caseiro, posando de lord dono de terras. Imaginação é uma das realidades possíveis baby.
  Então volto agora mais um pouco, 1984. 
  Esse foi, talvez quem sabe, o ano mais admirável de minha life. Por uma montanha de motivos que talvez eu esteja com preguiça de detalhar. But...nesse ano eu me apaixonei quatro vezes, e só isso faz de qualquer ano uma coisa admirável. Mas houve mais. Descobri escritores, músicos, pintores, uma constelação. E nunca estive tão sedento de inspiração quanto então. Era uma ração de piração inspirada. Tudo de novo que rolava era meu. Eu flutuava de juventude doida. Ousava. 
  Pois foi nesse ano que Julio Barroso morreu. E nas explosões de epifanias que eu vivia, sua morte foi uma construção vulcânica. Julio caiu da janela de seu apto no Jardim América. Pó ? Vai saber...Li isso num jornal de um cara na sala de aula da Fiam. Fazia frio e era junho. Mas, o fato é, quem era Julio?
  Agora é 1981 e é sábado. Saiba que 1981 é o tempo de Gilliard e de Gretchen. E também da genial alegria de Jorge Ben, Cor do Som e do Pepeu. O Brasil, começando a se soltar, vivia o fim do sonho hippie peace and love. Viria em seguida o chic and sex. Mas... Na TV Bandeirantes Nelson Motta apresentava um programa jovem chamado Mocidade Independente. Gravado em sua boate na Faria Lima, nesse programa teve Bowie com Ashes to Ashes. Teve Arrigo Barnabé. Teve Kid Creole and The Cocoanuts. Teve Gabeira. E teve o Júlio. Com as Absurdettes, ele aparecia num cenário neon onde pintava seu rosto magro com baton. Era esquisito pacas, porque a cara dele era de raiva e o gesto de extrema suavidade. O som ao fundo era um tipo de trip dark. Me deu ansiedade. Gelada.
  Na hora não notei, mas eu já conhecia Julio. Desde um ano antes, quando ele esteve na geração de redatores finais da agonizante Revista POP. Na Abril, ela era A revista. Julio escrevia sobre reggae, funk, soul, new wave e novidades africanas em geral. Julio era desbundado. Alucinado. Exagerado. Como eram os ótimos críticos musicais da época. Como eram Zeca, Okky, Ana, Zé Emilio, Valdir. Nomes que a gente lembra até hoje. 
  Dou um salto para agora, novembro de 2014. Aqui está o livro de Julio. Livro que não via desde muito tempo. Estava no fundo de um baú. Protegido. E meio esquecido. Vou desfolhar com voces. Let`s go...
  O livro é em P/B e tem desenhos, meio africanos, um tipo de graffitti, em todas as páginas. O formato é big, retangular. Amigos de Julio escrevem textos sobre ele. O que mais falam é de sua energia, alegria e do monte de ideias que brotavam de sua cabeça. Julio era carioca, e morara em NY, no Caribe e rodara Europa. Fotos que mostram o luxo irrecuperável de 1980. Tem algumas, de Vania Toledo, com Julio, May East, Gigante, Alice, andando em alguma rua madruguenta dos Jardins, que são o fino do extra-cool. Saudades de Teddy Paez....
  Textos escritos por Julio. Me surpreendo. Eu escrevo como Julio. O cara me influenciou pra caramba! Julio-Zeca-Francis, tento, sei que longe deles, tento...Os textos de Julio falam de novidades de então. Música africana, reggae, soul de vanguarda, new wave, jazz experimental, novas bandas made in Brazil. Tem alguns poemas de Julio, letras de músicas, ideias. Ele queria montar um escritório que vendesse ideias. Para quem não as tivesse. Ele adoraria viver a época da intenet. Hoje teria 60 anos.
  Em 1980 Julio formou a Gang 90. Na boate do Nelson Motta, na Faria Lima. Entre aquele monte de peles de tigre fake que lá havia. Julio era DJ lá.
  Aliás o livro tem uma foto do convite da Noite Brasileira de Julio em NY. Em 1979 ele foi DJ por lá. No convite tem Cassiano, Lady Zu, Gerson Combo, coisa fina, todos lá.
  Voltando. A Gang se apresentou num festival de MPB da Globo. E foi vaiada. Isso em 80. Em 83 eles fariam parte da trilha sonora de uma novela da mesma Globo e estourariam. Em 84 Julio partiria. O disco da Gang, o único, que eu comprei na época e ainda tenho, é uma mistura de tudo aquilo que ele ouvia. De Blondie a tribal africano. Reggae a pré-rap. É bom mas tem um grande problema: tem a sonoridade dos discos de MPB da época. A bateria fraca, a guitarra suavizada e todo o foque em cima da voz e dos teclados. Parece fake. Fraco fake. Soft demais...but i like it ! 
  Temos daquela geração os piores. Lulu, Herbert, Roger, Lobão....os melhores se calaram ou se perderam: Ritchie, Marina....Cazuza, Cássia, Renato....e Julio. Nada foi mais trágico que o destino dessa geração. Os medíocres restaram.
  Julio, assim como meu amigo Percy, sempre vai me recordar os Jardins. É o som de um mundo que não mais existe. Então ainda era cheio de silêncio, de escuridão, de sombras e de deslumbramento chique. Percy vive em Curitiba agora, e lá é DJ. Julio foi pra onde vão os poetas eternamente jovens. E eu tou aqui. Apertando teclas e tentando manter vivo o sonho e a luz...
  Postarei alguns clips do sons que Julio amava. Enjoy it. 
  A lição de Julio e de sua geração foi e é: Seja curioso, furioso, chique, sempre!
  
  

THE NEXT DAY, DAVID BOWIE, A FALTA QUE O SILÊNCIO FAZ

   Os melhores discos de Bowie são cheios de silêncio. Ziggy Stardust é todo silencioso e seu disco mais fascinante, LOW, é obra-prima de espaços vazios. Há espaço oco em Diamond Dogs, vive o vácuo em Lodger, e mesmo Pin Ups está cheio de buracos. O som parece incompleto, falta alguma coisa e esse espaço dá toda a respiração, a vida a seus grandes momentos. A maior parte dos discos que adoro são assim. Eles possuem um som que reverbera no vazio. Mesmo os mais barulhentos, Led II ou Raw Power tem essa mistura de fúria barulhenta e silêncio suspenso.
  Na primeira audição deste disco senti aversão. Bowie e Tony Visconti mixaram tudo alto demais. Tem som em excesso e pouco vazio. Nessa sonoridade inflada ele lembra os piores discos de David. A bateria sincopada e gravada sem sutileza, o baixo inaudível, guitarras em excesso, vocais confusos, tudo faz o que Jimmy Page diz que NÃO se deve fazer, exagerar, embolar, misturar os sons.
  Na terceira audição a coisa começa a mudar. Bem, esquecemos o gênio de 1971-1983 e vamos ouvir o disco como se fosse de alguém desconhecido. O que surge é um bom disco de 2014. Digno número 1 da parada inglesa. Riffs muito bons, uma variedade de tempos e um e outro refrão grudento. Não deve nada as boas bandas deste século enfadonho. E as letras são, essas sim, obras que remetem ao camaleão de Londres. Bowie poucas vezes foi tão confessional.
  Eu não ia escrever sobre este disco. Só escrevo daqueles que fazem parte da minha alma. Mas me pediram para tentar. Enfim, devo dizer que So She é o tipo da música que remete aos grandes momentos de Bryan Ferry. Tem uma tristeza fria, uma elegância na dor que é muito dificil de se conseguir. Destaco também a faixa Heat, uma belíssima confissão sobre a dor. Sim, é um Bowie sem enfeites, sem maquiagem.
  Mas, devo dizer, sinto falta do silêncio.
  Sobre a capa do cd.
  Heroes é copiado sem parar, trocam apenas o nome na capa. É isso o que entendi.

David Bowie - Ashes To Ashes ( ÚLTIMO POST )



leia e escreva já!

O MAIS IMPORTANTE INGLÊS VIVO, COMENTANDO O LIVRO LARANJA SOBRE DAVID BOWIE, O POP STAR QUE NOS FAZ SABER DE BARTHES, OSCAR WILDE, BRECHT E KAFKA, A ÚLTIMA POSTAGEM DE TROMBONE COM VARA.

eu não quero ser como todo mundo.

voce pode ser melhor que todos.

seja aquilo que voce sempre quis ser.

o eu é o mundo.

   Em 1977 fui ao cinema assistir um filme de Nicolas Roeg. Tinha Bowie como ator e todos os críticos abominaram o filme. Eu me senti muito incomodado. O filme foi um pesadelo. Nunca mais o revi. Mas Mark Kermode diz que hoje ele é considerado uma obra-prima. Antecipação exata do que é ser jovem em 2014.
   De 1969 até 2000, em todas as entrevistas, Bowie disse que tudo é válido se voce causar algum hype. Essa a filosofia de 99% dos atores e cantores de agora. Mas. detalhe. Bowie desaparece em 2003. E o que acontece?
   Tilda Swinton diz que sem Bowie ela não existiria. E estilistas da St.Laurent, Miu Miu, Dior e Prada, lançam entre 2008/ 2011 coleções baseadas em Ziggy Stardust e na fase Berlin de Bowie. Não há desfile que não toque Fashion, de Bowie. 
   Ensaios fotográficos em revistas chiques, onde modelos posam de Bowie pipocam entre 2007/2012. E ele está calado.
   As bandas inglesas imitam o rock dos anos 80. Todas. Quase todas. As que são interessantes imitam Bowie. Que Bowie? O de 72? O de Berlin? O de Los Angeles? Escolhem um. Nenhuma consegue ser todos.
   A mensagem dele desde o começo foi essa: a revolução não é marxista. É do eu. O sexo, a percepção da vida muda neste mundo agora. Cada um será sua revolução. Bowie falou. E essa revolução aconteceu. E venceu. O eu manda sob a lei de um grande eu. Tudo é a vontade de ser único. Bowie disse isso em 1972. Num tempo em que se falava de socialismo e de irmandade. Bowie soube que isso era utópico. 
  Como artista pop ele não cabe. Suas referências são todas eruditas. Suas palavras são incrivelmente articuladas. Os outros astros pop são caipiras. Ou garotos irritados. Ele sempre foi um adulto culto. De onde? De fora daqui. De fora de todos os daquis.
  Oscar Wilde de nosso tempo, guia o senso estético, irrita os bobos e os imbecis, petulante ao extremo, indefinido, fluido, sem erro. Diferença: de acordo com 1890, Wilde usava a palavra: jornal, livro, teatro e conferências. De acordo com o tempo, Bowie usou o rock, a capa de disco, a moda e sempre o visual. Com Ashes to Ashes ele inaugura o clip como forma de arte. Lançado em 1980, antes da MTV, até hoje ele não foi igualado.
  Como vou falar de um livro que é um dos mais belos que já tive o privilégio de ter me mãos?
  Dividido em partes, cada sessão tem texto de um autor. Camille Paglia fala da importância de Bowie, central, na revolução sexual, na confusão entre gêneros e na liberação do corpo. É o melhor texto. Em outros capítulos se fala sobre a música, as capas de disco, os shows, o cinema, a vida e no fim há uma conversa entre 5 intelectuais. Eles debatem suas experiências na Bowiemania.
  Cheio de fotos, a moda é o centro da coisa. A influência de Bowie na moda e no design. E sua antecipação da internet ( foi o primeiro a dizer que  A MÚSICA SERIA COMO ELETRICIDADE E ÁGUA, FLUIRIA pelas casas ).
  O mundo de David Bowie é agora o da internet.
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  Desde 1983, com os Stones, não tenho uma fase de tanta adoração por um ídolo pop. A expo combinada com este opiáceo livro me deixou de quatro. 
  Como no filme de Roeg, caído no mundo, alien, ele criou uma raça de ETs. E esses Ets são hoje os cabeças de editoras, de TVs, de Hollywood. São líderes de bandas, politicos, fotógrafos e artistas. São os filhos de Ziggy, de Alladin Sane, seguidores de Jean Gennie, do Thin White Duke, do exilado em Berlin, do dandy dos anos 80, do cantor maduro e irriquieto dos anos 90. E eles mandam.
  Frase lapidar do livro: Existencialmente a vida de Bowie é um caminho solitário rumo a se tornar um homem adulto. David é hoje o único adulto do mundo ( ele e Bryan Ferry ). 
  Não falo mais.
  Sigo o exemplo de Bowie. No mundo repressivo fazia sentido gritar. No mundo em liberação fazia sentido falar. Neste mundo em que todos falam e ninguém escuta, faz sentido calar. 
  TROMBONE COM VARA ACABA AQUI.
  NADA MAIS SERÁ DITO. 
  Goodbye.

The Man Who Fell To Earth - David Bowie



leia e escreva já!

David Bowie - Queen Bitch on the Old Grey Whistle Test



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DAVID BOWIE REVISITED ( A SEGUNDA VISITA A EXPO BOWIE, UMA REFLEXÃO SOBRE NOSSO MUNDO )

   Uso propositalmente o título de livro de Evelyn Waugh. Waugh é um dos autores que Bowie ama e Brideshead Revisited, embora esteja longe de ser o melhor livro de Waugh é o mais famoso graças a série da BBC de 1982. Bowie copiou o visual Brideshead em Let`s Dance. Na verdade o estilo espiritual do livro, uma nostálgica incursão por uma Inglaterra em extinção, foi um dos guias da carreira de David desde sempre. Um dos, veja bem. Ele tem vários e talvez o melhor momento tenha sido o encontro com a Berlin de Isherwood em 1977. Uma Berlin que era pura ficção e por isso atemporal.
  Volto a exposição, e agora sem expectativas exageradas, me divirto. Relaxo e flutuo entre a memorabilia de Ziggy. É 2014, faz 40 anos que meu irmão, na época com 9 anos, comprou Diamond Dogs ( que não é o melhor disco de Bowie mas é aquele que mais adoro ). Na verdade foi em dezembro de 1974. Ele comprou Dogs enquanto eu comprava Caribou, do Elton John. São dicas de nossas diferenças. Ele em música sempre mais radical e eu sempre mais pop. Em música, fique bem dito.
  A sala que fala de Berlin exerce fascínio em mim. Objetos que são expostos como reliquias para aqueles que foram catequisados na Bowie-fé. A capa de LOW é o Santo Graal. Ninguém nascido após 1970 pode imaginar o impacto daquele disco. Tento explicar para minha amiga. Em um mundo que esperava de um rock star roupas tipo Robert Plant/ Keith Richards, os ternos de Bowie e o cabelo curto causavam muita estranheza ( apesar do dinner jacket de Bryan Ferry ter surgido em 1974 ). Mais esquisitice e risco era Bowie gravar Young Americans, um disco que louvava tudo aquilo que um rocker mais odiava: a música semi-disco da Philadelphia. Não era o som negro de Sly ou de James Brown. Não era Stevie Wonder ou Marvin Gaye. Esses os Stones desde sempre idolatravam. Era o som de Harold Melvin, Stylistics, Billy Paul. E isso foi um risco gigantesco. Ele poderia ter perdido seu público tipo Ziggy e fracassado em alcançar o povo fashion. Acertou. Chegou aos píncaros da Billboard em 1975. Pois bem, LOW foi esse risco levado ao extremo. Lá ele corre outro tipo de risco, o risco de ser futurista. Abraça o rock alemão, que vendia quase nada, e aponta o que seria a arte dos anos 80: gélido, super sintético, jogo de máscaras. Sempre teria sido mais fácil repetir Ziggy ao infinito. repetir Young Americans por 30 anos. Passar toda a década de LOW refazendo LOW. Mas não. Changes forever.
   Nos anos 90 ele se daria muito bem se voltasse a ser Alladin Sane. E neste século ele seria rei-again se refizesse Scary Monsters ao infinito. ( com as participações de Johnny Greenwood e Bobby Gillespie ). Mas não.
   Vejo agora uma sala que não visitei da outra vez. Sem fones, é a sala de pura música. Suas influências. Uma coisa mágica: a sala de visitas de uma casa inglesa de 1960 que vai se modificando conforme o assunto que Bowie fala. Imagine, em 1967 ele fundou uma associação em defesa dos cabeludos e foi entrevistado pela BBC. Tá lá, numa tela. E em meio a seu sax, os singles, um violão lindo...o acetato original do primeiro disco do Velvet Underground. Ora...Aqui, em março de 2014, em SP, as 14 horas, encontro o Santo Graal. De sua negra plasticidade emana todo um novo mundo de dor, de liberdade e de falsa emoção: nosso mundinho... Ah....se eu pudesse me ajoelhar sem parecer fake! 
   Saio para o calor do mundo irreal e sorrio.
   David e seus amigos benzem meu destino.
   Amém.

David Bowie's lost 1973 Top of the Pops performance of The Jean Genie



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SOBRE A EXPO DE BOWIE NO MIS...BOA PARA VOCE, QUE NUNCA FOI SEGUIDOR DE BOWIE

   Ver uma exposição com trilha sonora é sempre bom, melhor ainda se for David Bowie nos ouvidos. Então eu entro e a coisa começa meio fria com um ar condicionado ao máximo e a fase pré-Ziggy em telas. Logo percebo, a exposição não é sobre Bowie o músico, é sobre Bowie o cara da moda. Como aceitar uma expo sobre um cara central no rock ( de sua altura só Dylan, Jagger, Lennon e olhe lá ), que tem apenas uma guitarra? Onde estão as guitarras de Mick Ronson, Robert Fripp, Carlos Alomar, Steve Ray Vaughan? Como levar a sério uma expo que dá mais destaque aos estilistas de seus ternos e fantasias que a Andy Warhol e Lou Reed? Não há uma só referência a Fripp, Lou, Marc Bolan ou Mick Ronson. Brian Eno só aparece como ser secundário, nada sobre Tony Visconti e Iggy está lá, mas pra que? 
   Então percebo que aqui não é lugar para quem, como eu e meus amigos, amamos David Bowie. Aqui é para quem já ouviu falar do artista e quer saber quem ele é. Esses gostarão da exposição. Irão sair achando que Bowie é maior que Damon Albarn, talvez até maior que o Bono!!! Aff...
   Mas nós, eu, que acompanho David desde 1974, desde ouvir Sorrow a primeira vez numa rádio AM mono e ficar enfeitiçado pela voz clara e confidente e o arranjo elegante e estranhamente sensual ( óh Mick Ronson, como eras genial ), para nós e para mim aquele Bowie da exposição não mostra nada do cantor, nada do rock star e apenas arranha sua importância social.
   Falo agora do que se pode pescar naquelas paredes frias do MIS.
   Na sala das telas circulares, que nos envolvem nas imagens e criam um efeito inebriante de presença, não de Bowie presente, mas da nossa presença em Bowie, Jean Gennie explode em blues-gay e sexy. Pois bem, são dois clips que se misturam, a versão de Mick Rock, que vi em 74 num Sábado Som na rede Globo que mudou toda a minha vida, e uma versão de Jean Gennie ao vivo, em palco da BBC. Nessa versão, com platéia, vejo dois garotos desajeitados dançando. Dançando não, tentando dançar. Os cabelos sujos, devem ter 13 anos de idade. Os rostos felizes, com sorrisos de êxtase. Os quadris duros tentam se soltar e os braços serpenteiam contra sua rigidez inglesa. Esses dois garotos aparecem por cinco ou seis segundos. E exemplificam aquilo que a exposição nunca exibe: o alcance libertário social de Bowie. Aliás Jean Gennie atinge um fogo que chega a ofuscar toda a exposição. Eis o tal do rocknroll !!!
   Há um bilhete que Christopher Isherwood escreveu para David. Para quem não sabe, Isherwood foi um escritor americano que imigrou para Berlin antes da segunda-guerra. Lá ele conheceu a loucura dessa Berlin e a descreveu em contos e romances. Um deles deu origem a Cabaret, o filme famoso de Bob Fosse. Cabaret foi hiper sucesso em 1972 e influenciou Roxy Music e David Bowie. Quando David vai para Berlin ele vai atrás da lenda de Isherwood. E a encontra. Me emociono ao entrar no ambiente Bowie em Berlin. Quadros pintados por David, o disco de Iggy, e a suprema coisa das coisas, o synth que foi usado em LOW. Um texto diz que o synth era de ENO e que ele deu-o para Bowie recentemente. ENO diz que ainda hoje nada consegue repetir aquele som. Olho as teclas azuis, ele todo vem dentro de uma mala tipo 007. Chaves, plugs, entradas, osciladores...Fico fascinado. Os timbres espaciais, fantasm'aticos, funebres, excitantes de LOW nasceram naquela mala. 
   Nada mais pode ser dito depois disso. 
   As chaves do apto em Berlin, um Gitanes rabiscado, Sense of Doubt... Coleto fagulhas da expo do MIS. Coleto as letras e a grafia elegante de Bowie, coleto o tamanho Peter Pan das roupas, coleto sons que passam. Mas Bowie fica ausente do MIS. Faltou sujeira, faltou rock, faltou poesia, faltou perigo. 
   Valeu.
cam 

O QUARTO E O MUNDO

   Olhando o teto do quarto ele via no branco um mundo sem palavras possíveis. Para que sair de lá se a aventura acontecia sem cessar? Os amigos da escola gritavam seu nome, mas ele se deixava ficar. No tapete bonecos interpretavam papéis sem enredo. Improvisos. Seus desenhos pintados com lápis colorido era testemunhas do mundo que ele criava. Da janela descia o lusco-fusco do outono, pálido, ele ficava tão pálido quanto o sol daqueles dias. O chá era tomado enrolado nas cobertas úmidas. Da luz amarelada da noite mal iluminada ele via as sombras de seu futuro. Lá tudo tinha sentido exatamente por não precisar de um sentido.
  Hoje ele diz que toda sua vida foi a extensão daquele quarto. Ele o levou para o mundo de fora. Isso ele diz. E agora, velho, ele volta ao quarto fisicamente. E vive.
  Toda aquela geração foi da rua. O espaço ainda era livre e mato havia onde. Pete, Paul, John, Eric, Rod, Roger, Raymond, todos saíam de casa cedo e voltavam sujos e machucados de noite. Exploravam as ruas, os bairros, se perdiam em bosques e trilhos de trem. Compensavam a monotonia das casas germinadas, o tédio de um mundo sem TV com aventuras vividas nas ruas sujas e cheias de garotos como eles eram.
  David não. David Bowie, fico sabendo agora, vivia em seu quarto, e nisso ele antecipa ( oh David!!!! Mais uma antecipação!!! ), toda a geração anos 80, a geração, a minha, trancada no quarto, a geração Morrissey e Robert Smith. Com uma diferença: Bowie criava, Morrissey amava seus mitos e sofria.
  Não sei se fui um garoto do quarto. Eu variava tanto de humor que acho que tive anos de quarto e anos de rua. Nisso sou mais Pete Townshend que foi também os dois. Aos 15 passei meses ouvindo Mozart, Beethoven e lendo romances russos e ingleses sem quase sair de casa. Inclusive larguei a escola. Mas aos 16 estava na rua jogando bola, muito mal, e andando a esmo pelas ruas e aparecendo na casa de amigos a meia-noite. O mesmo na infância.
  Na verdade se eu fosse um artista eu diria que o que levei comigo para o mundo foi meu bairro, as ruas onde nasci e cresci. Meu quarto tinha nove quarteirões e um campo sem fim.
  Quanto mais conheço Bowie mais o admiro.

OH YOU PRETTY THINGS...

   Magistral, maravilhosamente bem escrito, viciante, obrigatório para todos que gostam de rock, e muito, muito melancólico... 
  Falo mais do livro abaixo, mas agora ( acabo de terminar sua leitura ), fica um gosto azedo na boca. Porque o livro é um belo romance acima de tudo, uma história real e romantica, uma história que traz a nossa cabeça, a nós romanticos-roxy-incuráveis, uma sensação de que Bowie, Lou, Iggy, Cale, Patti Smith, Marc Bolan, Nico, não realizaram nem metade daquilo que podiam ter feito. E não porque eles se drogaram demais. O livro deixa claro que se Lou não tivesse caído de boca na vida sua arte seria outra. Idem para Iggy. O excesso e a droga era parte de seu ser. Não é isso. O amargo vem da certeza que o livro passa de que a vida é limitada, de que não se pode, ninguém, realizar todo seu potencial. E lemos então o monte de planos que Bowie não conseguiu realizar. Seus fracassos gigantescos, sua falência financeira ( tudo em 1974 ), a colaboração com Marc Bolan que nunca rolou, a briga terrível com Lou Reed, a partida de Mick Ronson...
   Mas também existem os sucessos. A mágica ida a Berlim, Iggy, David e Eno descobrindo a cidade, o submundo, as boates de dragqueens, o clima do filme Cabaret. O disco com o Kraftwerk que quase rolou, as gravações de Idiot e de Low, os discos que mudaram o mundo da música para sempre. Ambos gravados por Iggy e David juntos.
   Os excessos de Iggy. Os Stooges prontos para estourar e Iggy destruindo tudo com cenas de sangue, mutilação, ofensas dirigidas a platéia, apanhando do público, se fazendo de a banda mais odiada do mundo. E Bowie o salvando, Iggy que chegou a roubar comida para poder viver ( em 1975... ) As orgias com meninas de 15 anos...
   E Lou...o cara que mostrou ser possível ter uma carreira sendo aquilo que voce é. Mergulhado em perversões, drogas, brigas, falando sempre o que não devia ser dito... e sempre indo em frente...
   O livro acaba em 1980. Que é quando a carreira dos 3 se congela. Lou Reed está por baixo, e Bowie o chama para conversar. Ele quer fazer, mais uma vez, um disco de renascimento, como foi Transformer, para aquele que é afinal seu mentor. Alguns jornalistas vão ao encontro, num restaurante, os dois estavam brigados a anos. Conversam amigavelmente, parece que o disco vai sair...Mas de repente Lou espanca Bowie e grita com ele...E o encontro vira uma briga onde várias pessoas os separam. Porque? Porque Bowie tocou no único assunto que Lou não admitia: pediu para ele parar de detonar antes de começarem as gravações. Lou se foi...Bowie partiu para Lets Dance...
  Dave Thompson escreve então a última frase do livro, e aí vemos como ele escreve bem:
  "David Bowie foi atrás de Lou Reed, e de Iggy também, exatamente porque os dois tinham a ira, a coragem e a audácia que o jovem Bowie tanto admirava. E as drogas faziam parte de todo esse pacote. Pedir para deixar isso de lado era como uma traição aquilo que Lou era. Hipocrisia.
  Voce tem de ler este livro. Ele vai grudar em voce. Apaixonante...

UM RAPAZ TIMIDO QUE PARECIA SER GAY

   Tony deFries era um advogado júnior que resolveu virar empresário de rock. Tomou nas mãos um tal de David Bowie.
   Em Londres foi levado um espetáculo de Andy Warhol. Uma peça com um bando de travestis e algumas mulheres. Tinha sexo real, sujeira, ofensas e frases sem sentido. Todos se falam e ninguém escuta. Num tempo em que ainda se criava polêmica real, as pessoas ainda tinham tabús para serem desafiados, a peça foi atacada por jornais e TV. O público ia em massa. Bowie foi com Tony. A ideia foi pega: levar aquilo para o rock.
   Bowie sempre disse: "Sou uma máquina Xerox! Nada crio, absorvo e misturo aquilo que vejo. Se sou triste é porque o mundo o é. Se sou glamouroso é porque o mundo é. Me amar é amar ao mundo e se voce me detesta é porque o mundo agora é detestável." David Bowie falava coisas como essas nas revistas. Frases assim, perto daquilo que Dylan ou Lennon diziam, são mais que inteligentes, são distanciadas, espertas, terrivelmente espertas.
   E em meio a isso tudo Bowie diz ser bissexual. E para o autor, Dave Thompson, essa foi sua jogada de mestre! Porque Bowie nunca foi gay ou bissexual. Se fosse teríamos montes de relatos de ex-amantes. Mas não. Nada. Bowie tem uma vida sexual fria, timida, distante. Mas ele "parece"gay e sempre fez questão disso. Com essa frase ele pegou a diferença, ele foi o primeiro cara a escancarar a sexualidade reprimida inglesa. Isso não era pouca coisa. Perto dele Jagger e Rod Stewart passaram a parecer conservadores. E Led, Beatles ou Who, terrivelmente machos. Bowie pegou o bando de teens reprimidos e os colocou nas mãos. 
  Tony deFries tem muito a ver com isso. Ele inventou um conceito que seria regra para sempre. Ser uma estrela antes de ser uma estrela. Viver como um superstar mesmo sem nada ter feito. Bowie andava com guarda-costas quando ninguém ainda o conhecia. Bowie andava de limousine ainda sem grana. E guiava a juventude mesmo sendo ignorado pela midia. Tudo isso na verdade coisa de Andy Warhol, mas Tony foi o primeiro a usar isso no rock. E Bowie foi o mais dócil dos artistas.
   E compunha! 3 discos em um ano!!!!
   Fato: Iggy Pop não gostava dos discos de Bowie. Mas Bowie não ligava, Pra ele, Iggy era o melhor cantor do mundo. E ele o tirou do buraco. Levou-o pra Londres. 
   Fato: Bowie ajudava todo mundo. Antes da fama, ele tirou o Mott the Hoople do desemprego. E lhes deu um hit de presente.
   Fato: Lou Reed usou Bowie para ganhar uma grana. E Bowie o tratava como um rei.
   Rapaz timido. Que tremia na frente de Lou, Iggy, e ficava mudo com Andy Warhol.
   PS: Se Bowie reflete o mundo, o que seria seu silêncio?

MONKEY

   Mas será que nada toca neste século que me impressione?
   Com certeza eu não perco tempo ouvindo pseudo-novidades. Veja esse programa do Jools Holland. Sobre Al Green escrevi abaixo. Os aplausos e pulos de Damon Albarn são como os meus. E que mais?
   Teve Pendulum, que me impressionou por dois segundos. Depois percebi o gosto mofado de rock progressivo com toques de hard rock. Fleet Foxes faz música broxa. Os Beach Boys encontram o America. São tão fofos que flutuam. Tomara que se desvaneçam.
   Killers é bom. Pra quem tem 11 anos. Ou para trintões que nunca ouviram nada gravado entre 74/ 83. Ou quem escutou tudo isso e continua querendo ouvir aquilo que lembra, muito, o brit-pop oitentista.
   Mas então tem Damon e os Monkey, e isso é muito bom. Mais que isso, se hoje, em 2013, eu tivesse uma banda seria exatamente como essa. Damon não tem a voz de Bowie e nem sua genialidade. Mas como David, ele possui uma maravilhosa inquietação. Experimenta. É informado. Poderia passar a vida refazendo riffs tipo Kinks-T.Rex-Blur. Mas não. Ele mistura.
   E essa mistura é o que vale em nosso tempo.
   Sim, pois eu amo The Band ou Paul MacCartney, mas sei que não faz sentido nenhum fazer música como eles faziam. Porque o tempo é outro, o feeling é outro e sobretudo, eles já a fizeram. Ouço-os como poesia. Diálogo entre almas atemporais. Mas refazer The Big Pink? Pra que?
   O Roxy já propunha essa mistura. Como Kevin Ayers e como Eno.
   Damon sabe de tudo isso.
   Os Monkey são ótimos!

DA MATTA, STROKES E VISCONTI: ARISTOCRATAS VERSUS MODERNINHOS.

   Boa coluna ontem no Estadão. Roberto da Matta fala, como eu, que Argo é "bom", apenas isso. Mas ele fala algo que sempre tenho pudor em falar. Que para quem conhece Wyler, Clair, Ford, Hitch, Wilder e Truffaut, filmes como Argo sempre parecerão "bons", apenas isso. Eu evito falar desse modo porque tenho medo de parecer muito snob. Aristocrático. É óbvio que senti vontade de dizer, ao seu tempo, que Cisne Negro só podia impressionar aquelas crianças que conheciam o cinema de 1990 pra cá. Ou que Anti-Cristo era um tipo de rebuliço de butique. Imagens bobas que nada trazem de novo. Por isso que ás vezes prefiro um bom Jason Statham ou Bruce Willis. São assumidamente pop. Não fingem ares de importância. Filmes como os citados são tipicas obras de pseudo-arte para burgueses desconfortados. Modernismo completamente inofensivo. Não cheira e não fede. 
   Como é o "novo" disco dos Strokes. Antes eles imitavam Velvet e Modern Lovers. Agora sentiram vontade de chocar seus fãs e tascaram uma novidade. Novidade??? Críticos mal informados falam em Bowie e Pet Shop Boys. Necas! É euro-disco. Giorgio Moroder. Estranho tempo o nosso! As novidades são citações de citações. Nada há de sincero no disco. Eles querem causar. E vender, claro. 
   De qualquer modo eles tentam respirar. Eu abomino bandas que passam toda a vida fazendo o mesmo. Escritores e cineastas too. Não suporto Philip Roth por isso. Sempre a mesma coisa. Ramones é um nó. E Springsteen se plagia desde 1980. Gosto dos mutantes que se mudam. Acho que é minha alma bowieana. Segundo Paz, isso é o poético. Changes. ( Ouvi o novo Bowie. Primeiro lugar nas paradas. É bom? É Bowie. Nome que é adjetivo. )
   Acabo de sair de uma aula sobre a arte atual. Um nada em meio ao vácuo. A arte que se faz agora é produto fácil até quando tenta ser ofensiva. Chuta santos e dogmas, mas nada consegue trazer de original. A saída seria não ansiar pela novidade. Tentar a excelência, a perfeição, o sublime. Romper com o compromisso da surpresa e buscar o eternamente correto. Alguns fazem isso. Mas não atingem o centro dos holofotes. A vitrine. O mercado pede o sensacional, seja grotesco, eufórico ou deprimente. O mercado nega o sublime e o refinado. Há público domesticado para quadrinhos Marvel ( eufórico ) ou para Haneke ( o deprimente ) mas não para o sublime. Nosso tempo será um buraco na história da arte.
   O que não impede que haja alguém fazendo coisa maravilhosa. Mas essa arte não está em evidência. E pior que isso, quando voce topa com ela não lhe dá o estatuto de real valor. Foi sempre assim? Não seja tolo! Se Van Gogh foi renegado, ao mesmo tempo se amava Monet, Manet e Degas. Se Caravaggio foi perseguido, Rafael e Rubens não. Se Max Ophuls se deu mal em 1955, o mundo amava Hitch, Ford e Visconti. 
   O que ficará de 2013? Com certeza não será Roth, Strokes ou Fincher. Quem viver mais 50 anos verá.

SCHOPENHAUER COM JAZZ. BOWIE E O PAPA. UMA DESISTÊNCIA.

   Tem um programa numa tv que nem sei chamado Guitar Sessions. Umas bandas tocam e conversam com um apresentador bacana. Ontem foi o Blondie. Quem viu teve aula sobre o rock novaiorquino. Uma pergunta: Se voce fosse um teen hoje, montaria uma banda de rock? Chris Stein vai no osso: Nunca. Eu amava aquela coisa marginal e rock hoje não é marginal. Não há perigo ou mistério em se montar uma banda. Então o super batera e hiper cool Clem Burke vai no nervo: Rock hoje é como o jazz em 1970. Música saudosista de fãs fiéis. Irrelevante quanto ao futuro. Eles citam bandas legais: Muse, Arcade Fire, mas sabem que elas são um nada diante da coisa da música. O rock virou apenas um negócio inofensivo, como o jazz. Quem desejar flertar com o perigo, com o futuro, com o risco, que procure outra forma de expressão.
   Schopenhauer disse que num mundo sem Deus uma pedra ou um bebê têm a mesma importância. Ambos existem e são reais. Porque o bebê seria mais importante? Por ter consciência? E porquê a consciência é mais importante que a não-consciência? Em mundo sem o sagrado, um cão é tão amado quanto um pai. Matar deixa de ser tabú. A vida vale uma pedra.
   A moral humana? Não me faça rir! A moral humana sem Deus é utilitarismo puro. Uma pedra pode ser util.
   Um texto soberbo de André Forastieri sobre Bowie. Entre 1970 e 1983 tudo o que ele fez é relevante. E pode ser escutado agora e sempre não como saudosismo, mas sim como informação nova. São 12 discos! Diz André que ninguém chegou perto disso. E agora Bowie, sempre digno, dá seu recado: Numa época em que todos falam e ninguém diz nada, ele se cala.
    Penso. Os Stones tiveram apenas 7 anos grandes. Os Beatles 6. O Roxy Music só quatro. Dylan seis anos. O Velvet dois míseros anos. Beach Boys quatro. O Clash? Três anos. Por quanto tempo foi grande o Oasis, Pulp, Jam, Radiohead, Morrissey, Marvin Gaye, James Brown? Strokes ou White Stripes? Elton John foi um deus por cinco anos. Por quanto tempo o Blur não se repetiu? Por quanto tempo eles conseguiram produzir coisas novas? Não viver do passado recente? Por treze anos, todo ano, Bowie foi novo. Não se repetia. Surpreendia. Podia ter ficado toda a vida refazendo Ziggy. Ou Lodger. Young Americans. Mas não. Mudava sempre e sempre e sempre. Em 1999 ele disse que o rock era música de saudosistas. Que ele ainda fazia música apenas como homenagem a seus fãs ( jazz, não é? ), e que os teens felizmente estavam ligados em techno e não em rock. Por quanto tempo o U2 foi grande?
   Elton John, gênio da melodia. Seu show é Mel Tormé, é Tony Bennet, é jazz-pop. Meu ídolo aos 12, 13 anos de idade. O cara fazia hit sobre hit. De 1970 até 1976 ele tem mais de 15 músicas que todo mundo conhece. Usina. Rocket Man é uma obra-prima. Entre outras.
   O Papa se foi. Cansou da sujeira da Igreja. Assim como Deus foi um dia. Ou voce duvida? Deus renunciou por volta de 1300. Depois é nós por nós mesmos. O que temos são pegadas, lembranças de uma divindade ausente.
   O que vai ser da geração que terá 50 anos em 2050?