O FIM DOS BEATLES É O COMEÇO DO LZ.

   Quando em 1975 meu irmão e eu escutamos pela primeira vez o Led Zeppelin II, pensamos que ele tivesse sido gravado em 1975. Era uma reedição, e no selo do vinil vinha gravado o ano:1975. Quando descobrimos que na verdade era um disco do pré-histórico ano de 1969 ficamos abismados. ( Eu e ele ainda éramos crianças em 75. 1969 parecia a idade-média ).
   Já tinhamso na época discos dos Beatles, Roberto Carlos, Pink Floyd e Monkees. 1969 era para nós sons como Come Together ou ABC com os Jackson Five. Guitarras de 69 deveriam ter o som de John Fogerty no Creedence ou de Jimi Hendrix em Hey Joe. Mas o som do Led em 1969 parecia antecipar o gigantismo de 1975. Ao lado dos hits de 69, coisas ótimas mas datadas como Sugar, Sugar ou Crimson and Clover; a banda de Plant, Page, Jones e Bonham parecia ter muito mais em comum com os tempos de Queen, Aerosmith e Kiss. Bem, na verdade eles pariram a década de 70. E o hard-rock dos 80, infelizmente, também. E ainda o dos 90, 2000, 2010 e um etc sem mais fim.
   Há uma bela teoria que diz que os Beatles terminaram não por brigas de Paul e John ou apuros na Apple. Na verdade eles perceberam, genialmente, que a onda era outra e que aos 27, 28 anos, eles começavam a ser chamados de vovôs. Sly Stone, King Crimson, James Brown, MC5, faziam com que os 4 de Liverpool parecessem antigos como Elvis. E as vendas caíam sem parar. Os Jackson Five, o Blood Sweat and Tears e principalmente os Creedence Clearwater vendiam mais. Assim como Pelé, eles souberam quando encerrar o sonho.
   Se antes a bateria de Ringo podia ser comparada a de Charlie Watts ou de Keith Moon ( a mesma sonoridade, o mesmo timbre ), se os solos de George ainda tinham tudo a ver com a escola Chuck Berry de Keith Richards ou Dave Davies, agora, com o Led, tudo isso parecia muito velho. A`^enfase das bandas dos 60 era criatividade e beleza, agora o parâmetro era potência e técnica.
   Assistir essa apresentação dos Led em 1969 é ver o futuro em ação. Apesar do choque que é ver Plant ainda belo e com excelente voz, ou Bonham ainda com a energia pré-alcoolismo, o choque verdadeiro é perceber que de Jack White a Red Hot Chili Peppers, passando por Jeff Buckley e Stone Temple Pilots, toda banda com alguma virilidade dos últimos 40 anos bebeu na fonte Zeppeliniana. ( Excessão, óbvia, ao punk, a antítese da tese ledzeppeliniana. Para o punk, o rock cessa em Yardbirds e Kinks ).

LED ZEPPELIN LIVE 1969 Part 1



leia e escreva já!

AS QUESTÕES QUE VALEM A PENA

   Intuições que me acompanham desde sempre:
   - O rosto que vejo no espelho não é o mesmo que voce vê em mim. Eu vejo aquilo que entendo ser eu.
   - Se eu relaxar completamente e deixar minha cabeça fluir livremente, tudo aquilo que está a meu redor irá se dissipar. As coisas e as pessoas se mostrarão como são na realidade: inefáveis.
   - Há no céu um monte de coisas tão absolutamente grandes que não conseguimos ver. Assim como existem galáxias na unha do meu dedo, o que é inimaginávelmente grande torna-se invisível.
   - Só conhecemos aquilo que estamos preparados para conhecer. Toda a arte nos prepara para conhecer a próxima casca da cebola.
   - Assim como "alto" e "baixo", "profundo" e "superficial", "direita" e "esquerda" fazem parte do mesmo plano, e esse plano nos é conhecido como real e opcional, o quarto plano, o temporal, formado por antes, durante e depois, também existe como realidade total. Ou o passado/presente/futuro existe concomitantemente, ou o tempo é uma irrealidade.
   - Tudo o que imaginamos existe. Existiu. Ou existirá.
   - Temos duas opções: ou a matéria criou a vida, ou a vida fez nascer o que é material.
   - Cada célula do meu ser é uma cópia exata do cosmos inteiro.
   - O que existe dentro de mim é real. O exterior é uma suposição.
   - A vida ativa é apenas passatempo.
   - Não faz sentido falar em grande e pequeno, real e irreal, passado e futuro.
   - O que existiu uma vez existe para sempre.
   - Transcendencia é o objetivo da vida.
   - Existem pessoas cegas que crêem na escuridão.
   - Nada surge do nada.
   - Escrevemos nossa vida. Mas somos analfabetos.
   - O homem do futuro é Platão. A caverna é filosofia. Tudo o que veio depois é comentário.
   - Eu não faço a menor ideia do que seja eu. A maior questão é: Como fluidos e carne criam pensamentos?
   Passei a vida achando que todas essas questões fossem loucura.
   Depois pensei que fossem filosofia.
   Poesia.
   E descubro que são física.
   Toda grande ciência é arte. Toda grande arte é filosofia.
   Desde sempre, 1974, 1980.... essas são as questões que me deixam fascinado.
   E descubro que essas são as grandes questões de hoje.
   Viver é perguntar o que não tem resposta.
    - Quando o homem acreditava em bruxas, elas existiam. Quando estávamos certos de haver anjos, víamos. Um dia deixaremos de ver o que hoje vemos.
    - O que me inquieta inquieta voce.
    - Para nosso cérebro, sólido ou imaginário tem o mesmo efeito.
    - A vida é o que pensamos. Pensar pouco é viver menos. Sentir pouco é viver sovinamente.
     Quer viver? Vá onde nunca foi. Leia o que jamais pensou em ler. Veja filmes completamente diferentes de seu costume. Divirta-se com aquilo que voce nunca imaginou. Aumente sua criatividade, expanda seu mundo, indague o que parece não fazer sentido.
     O que faz sentido?

OS 100 MELHORES FILMES FRANCESES E MINHA LISTA DE INGLESES

   Lista dos 100 melhores filmes franceses da revista Time Out-Paris. É muito parecida com a da Le Figaro. E considero-a muito fraca. Se voce quer conhecer cinema, não use-a como guia. Somente a lista de filmes ingleses consegue ser pior. Eis a lista:
1-A REGRA DO JOGO, RENOIR
2-A MÃE E A PUTA, JEAN EUSTACHE
3-LES ENFANTS DU PARADIS, MARCEL CARNÉ
4-PIERROT LE FOU, GODARD
5-OLHOS SEM ROSTO, FRANJU
6-PLAYTIME, JACQUES TATI
7-O DESPREZO,GODARD
8-L'ATALANTE,JEAN VIGO
9-OS INCOMPREENDIDOS,TRUFFAUT
10-A BELA E A FERA,JEAN COCTEAU
Que mais? O Salário do Medo de Clouzot é o 14; Meu Tio de Tati é o 16. Au Hazar Balthasar de Bresson em 18; Marienbad de Resnais é o 23. A bela da Tarde, Bunuel em 28; Acossado em 34; Mouchette de Bresson em 41; O Sol Por Testemunha de Clement em 46 e Joana D'Arc de Dreyer em 50.
O Clair melhor colocado é A Beleza do Diabo, em 66. Hulot de Tati em 94 e A Um Passo da Liberdade de Becker está em 97. Bem....
O que penso?
Sim, são bons filmes, mas tem um monte de coisas que não concordo, claro. Dos dez primeiros mantenho entre eles o filme de Marcel Carné, talvez o maior filme já feito em França. L"Atalante de Jean Vigo pode ser meu filme francês favorito de sempre. E A Bela e a Fera de Cocteau é uma obra-prima. Mas eu colocaria entre os dez Desejos Proibidos de Ophuls, que não se encontra nem entre os 100. Incluiria Bob, Le Flambeur de Melville e A Um Passo da Liberdade, de Jacques Becker. Os outros quatro seriam O Salário do Medo, de Clouzot; O Sol Por Testemunha de René Clement; Hulot de Tati e Joana D'Arc de Dreyer. Não coloco-os por ordem. O primeiro seria de Vigo, os outros em ordem alfabética.
Acho que o melhor Godard não é Pierrot ( que é uma obra-prima). Prefiro Uma Mulher é Uma Mulher ou Viver a Vida. Meus dois Truffaut favoritos não foram citados entre os 100: Beijos Proibidos e No Tempo da Inocência. Esqueceram também Todas as Manhãs do Mundo de Alain Corneau.  Louis Malle e René Clair foram ridiculamente sub-avaliados. Malle merecia mais de 3 filmes entre os 100, teve apenas um; e Clair teria mais de 3 facilmente, colocaram só um e dos menos geniais.
De qualquer modo, a lista do cinema inglês é ainda pior ( leia-a num post abaixo ).
Tomo coragem e digo que em minha lista de 10 deveriam constar:
O Mensageiro de Losey; O Leão No Inverno de Harvey; Beckett de Glenville; Hamlet de Olivier; Os Inocentes de Clayton; Laranja Mecânica de Kubrick; e concordo com as inclusões de The Red Shoes de Powell e Narciso Negro, também de Powell. Os outros dois seriam Os 39 Degraus de Hitchcock e Neste Mundo e No Outro, também de Powell.
Tenho absoluta certeza de que aquele que desejar se alfabetizar em cinema inglês ficará muito mais feliz com esta lista do que com a decepcionante lista da Time Out-Londres.
Enjoy.

A GUERRA IGNORADA

   O que me motiva a escrever isto é um texto de um senhor francês, professor na Sorbonne, texto de ontem na Folha. Falando de modo resumido, ele discorre sobre o islã. Fala dos imigrantes que vivem na Suécia, onde 75% dos estupros são praticados por eles. Pois eles não podem resistir às "Putas suecas", as tentadoras vagabundas que andam na rua sem cobrir o rosto. Vagabundas, bem entendido, que são todas as mulheres tipicas do ocidente. Mas há coisa pior. Existem tribunais por toda a Europa, ilegais, onde mulheres são julgadas de acordo com a religião. Ou seja, eles desconhecem a lei do país que os acolhe.
  O professor, como eu, diz que felizmente ele estará morto no dia em que a Europa se tornar um continente islâmico. Fato certo e previsivel.
  Existe hoje um tipo de policia do mundo. Uma força vigilante que não reconhece fronteiras ou modos diferentes de pensar. Uma policia que mata aquele que ousa criticar sua fé. Um povo para quem democracia ou iluminismo nada significam. E esse povo não para de crescer. E nós, ocidentais, passivos por sermos desprovidos de crença, assistimos a tudo com caras de ovelhas.
  Sentiremos saudades do ocidente. De poder ridicularizar católicos ou protestantes sem pagar com a vida por isso. De poder atacar Israel sem ser colocado em lista de procurados ( Rushdie ).
  Fico pensando nessas meninas pró-Iran, em como viveriam nesse mundo new-islan. Pena de morte se usar qualquer droga, proibição do álcool, apedrejamento por infidelidade ao seu senhor. O anti-americanismo irracional faz de todos suicidas ideológicos.
  Sim, a América banca Israel com uma bela mesada. Mas até hoje não vejo um só sheik do petróleo bancar a Palestina. Investir naquele país. Porque será? Não se enganem, para os Árabes a Palestina é apenas um pretexto. O dia em que Israel desparecer ( isso é previsível ), os palestinos se tornarão os párias da região ( o que sempre foram ).
  Cerca de quatro anos atrás tive um primo esfaqueado e morto em Paris. Infelizmente sou obrigado a dizer que a coisa foi muito óbvia. Ele namorava com sua garota na rua e um bando de árabes mexeu com ela. Ele respondeu e foi morto. A policia nada fez. Tiveram medo de causar tumultos raciais. Eles estão livres em sua lei "sagrada", que nega a lei que seja "ateísta". Detalhe: ele era filho de imigrantes. Portugueses.
   Perigoso escrever o que escrevo. Parece racismo. Mas de onde vem o fanatismo?
   Admiro Rumi, a religião dos sufis. O hinduismo. O budismo. Mas não venha me falar de guerra santa.
   Fico pensando em qual seria a reação dos pró-Iran se um católico francês explodisse uma mesquita no Paquistão porque um indiano falou mal de Jesus. Ou um budista condenar a morte um escritor que escreveu sobre Buda de forma desrespeitosa.
   Estamos em época de tentar adivinhar o futuro. Será um paráiso de vida longa ou um inferno de tédio tecnológico? Esquecemos do mais importante: será o reino do absolutismo. Historiadores do futuro dirão que esta época assistiu ao confronto do ocidente e do oriente. Confronto que se anunciou desde sempre. O vencedor já foi definido. Sentiremos saudades de nós mesmos.

PERSUASÃO- JANE AUSTEN

   Dear Jane
   Eu me envolvi tanto com seus outros livros! Puxa, como torci por suas heroínas e por seus atrapalhados cavalheiros! Me vi dentro daquelas casa de campo e senti o gosto do que eles viviam. Voce tem o dom de dar vida a seus personagens, eles realmente se parecem com gente normal. Melhor ainda, voce sabe ser atemporal. O jogo de interesses e de mal entendidos nos toca fundo. Aprendi a amar seus livros.
   Mas o que aconteceu com este? Sim, eu sei que voce o escreveu já doente e isso talvez tenha te atrapalhado. Anne Elliot jamais nos conquista. Cheguei a me sentir irritado com tanta passividade. O que aconteceu?
   Sim, reconheço aqui seu encantador mundo pequeno, o mundo que voce conheceu. Me conquista algo que poderia ser fraqueza em outro autor: sua falta de imaginação. Tudo o que acaba por acontecer é óbvio, normal. Seus livros são homenagens a vida comum. Nada de vôos de idealismo. O cotidiano sempre. Voce consegue mostrar o que existe de bonito nesse mundo tão banal.
   Só que aqui esse cotidiano é cotidiano demais! Voce esqueceu de dar vida a Anne e a todos os outros. E Bath não ficou parecendo um lugar à Jane Austen. Pena....
   Despeço-me agora e saiba que nossas relações continuam calorosas como sempre.
   De seu amigo
   Anthony Roxy

OS INGLESES, OS FRANCOS, DARNTON, TV E JANE AUSTEN

    O excelente Joe Wright lança em Londres, agora, Anna Karenina. Keira Knightley faz Anna. Pelas criticas que leio, o filme é lindo. Mas nada tem a ver com Tolstoi. O melhor diretor jovem da Inglaterra filmou a obra-prima de Tolstoi após filmar Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito. Voce já vai entender o porque de eu ter escrito isso.
   A Tv às vezes surpreende. Robert Darnton foi entrevistado ontem no Roda Viva. Ele é o melhor historiador do mundo. E agora está digitalizando a biblioteca de Harvard. Fala uma coisa preocupante. Arquivos digitais podem desaparecer. Nada prova que eles vivam mais que um livro impresso. Temos livros de mais de 500 anos. Um livro digital pode sumir no ciberespaço. Um website dura em média 40 dias...
   Darnton é bem humorado, sabe falar e diz, brincando, que vive no ´seculo XVIII. Seus livros sobre o iluminismo são obrigatórios. Não pense que ele condena a internet. Ele é fascinado pelo assunto. Mas avisa: a época do autor como gênio, do homem que cria e sabe tudo está encerrada. Cada vez mais o homem será um ser grupal. Toda obra intelectual será um trabalho em equipe. Seja filosofia, romance ou cinema.
   Logo depois a Cultura passou um doc sobre Merce Cunningham. Trechos de uma obra com música eletrônica e cenário de Andy Warhol. Fascinante.
   Conheço um novo colega. Fez filosofia em Londres. Locke, Hume, Berkeley, Adam Smith.
   Ingleses são diferentes de franceses. Como cerveja e vinho.
   Franceses amam a comida. Ingleses vêm na comida um mal necessário. Preferem o jogo.
   Todo sonho de um francês remete a Paris. Ingleses sonham com casas no campo. Lareiras, xícaras de porcelana e sofás macios e imensos.
   Em maio de 68 franceses foram às ruas gritar por marxismo e liberdade sexual.
   Em maio de 68 ingleses estavam em casa estudando exoterismo, poesia medieval e tomando chás de ervas suspeitas. O protesto era em casa, na cama ou num comicio organizado. Em Paris faziam barricadas.
   Os franceses criam teses, planejam a vida, tecem utopias. E os homens devem se adaptar a elas.
   Ingleses observam a vida e depois tecem teses baseadas no que viram. Suas utopias se adaptam aquilo que foi visto.
   Para um francês a mente é um misto de desejo, preconceito e linguagem. Para um inglês é uma lousa em branco que vai sendo escrita aos poucos.
   Franceses metidos viram intelectuais.
   Ingleses metidos viram professores.
   Na França há o dever de se sonhar com um estado onde todos sejam iguais.
   Na Inglaterra o ideal é que todos possam ser diferentes.
   A França ama Napoleão e o ser que tem um grande destino.
   A Inglaterra ama o industrial que constrói e domina o mundo pelo trabalho.
   Todo francês termina por ser um entediado diante de uma taça de vinho.
   Todo inglês acaba por ser um conservador numa sala cheia de panos e pratinhos.
   Os franceses estão cheios de Descartes, Balzac e Rousseau.
   E os ingleses se entupiram de Wordsworth, Shelley e Keats.
   Um canta o homem politico e as construções da mente abstrata.
   O outro sonha com o campo e constrói o real.
   Ambos amam o dinheiro. Um tem vergonha disso. O outro o esconde.

   Pondé falou isso de forma mais Podeniana ontem.
   Volto a Joe Wright.
   Ingleses sempre retornam a Dickens. Ou Jane Austen, Keats, Shakespeare. Os pés firmes na cultura escolar. Um frenesi com a idade média. Não é outra coisa que fez Harry Potter, O Senhor dos Anéis. E um músico pop inglês sempre vai ter seu momento de "menestrel romântico".
   Detrás de um guarda-chuva sempre há um almirante, um pirata ou um bardo.
  

SONG TO THE SIREN- TIM BUCKLEY, A BELEZA LIBERTA

   O momento exato em que voce descobre a beleza. É uma epifania.
   Não conhecia Tim Buckley. Ou melhor, só de ouvir falar. Sabia que havia morrido e era o pai de Jeff Buckley. Mas após escrever sobre a versão de Ferry de Song To The Siren ( e de num lapso dizer ser ela de Nick Drake!!!! ), ouço a versão de Robert Plant, que é melhor que a de Ferry, a dos Cocteau Twins, de Sinead O"Connor, de David Gray....então vamos ouvir a original logo.
   Digito Tim Buckley e vem o video de 1968. Ele canta na TV, num episódio dos Monkees. Logo dos Monkees, meus amados de infância. Ouço a voz de Mickey Dolenz anunciando Tim.
   E o homem canta....e me embebeda em beleza. A voz dele é firme e é pura. Há nela uma qualidade de certeza e de destino. E a música é uma sereia. E penso....
   A melodia é meu barco onde eu navego na mistura de beleza e de horror. Sublime, a doce e amarga lembrança. E eis eu aqui, sim, eis eu aqui nesta canção. Momento em que descobrimos um novo homem. Nele que canta e em quem o escuta. Here I Am....Onde são os limites?
   Milagre. O envolvimento de meu corpo no canto das sereias. Todas elas foram sereias. Todas elas eu esperava. Here I Am....Até onde?
   É uma das mais belas canções. E beleza é animal caçado hoje. Têm ódio do que é belo. Por serem feios. Vomitam sujeira nos rios e depois trancam esses cadáveres em concreto. Ódio mortal do que é belo.
   Porque a beleza lembra aquilo que poderíamos ter sido. Aquilo que fomos um dia. Ou pior, o que nunca nos deixaram ser. Here I Am....Pra sempre?
   A beleza faz nosso sonho falar. Liberta. O animal que nos dá a liberdade.
   Tudo isso eu sinto nos 3 minutos de uma canção de Tim Buckley. O inefável.

Tim Buckley - Song to the Siren



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"ENTRE RIOS" - a urbanização de São Paulo



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TIME OUT-ENGLAND, OS MELHORES FILMES INGLESES DA HISTÓRIA

1- DON'T LOOK NOW ( O INVERNO DE SANGUE EM VENEZA ) de Nicholas Roeg
2- O TERCEIRO HOMEM de Carol Reed
3-DISTANT VOICES de Terence Davies
4-KES de Ken Loach
5-THE RED SHOES de Michael Powell
6-A MATTER OF LIFE de Michael Powell
7- PERFORMANCE de Nicholas Roeg e Donald Cammell
8-KIND HEARTS AND CORONETES de Robert hamer
9-IF...de Lindsey Anderson
10-TRANSPOTTING de Danny Boyle
   Boyle? Oh God! Transpotting é legal, mas décimo? Don't Look Now é uma obra-prima, mas não sei se esse filme de horror e espiritismo feito em 1973 se manterá em primeiro lugar. Nos comentários à lista se ressalta a definitiva ressurreição de Powell. Ele tem seis filmes entre os 100, sendo cinco entre os 20 primeiros. O autor comenta que o DVD fez com que seus antes menos conhecidos filmes fossem reavaliados. Todos são grandes surpresas. Não posso fazer minha lista, mas desses dez primeiros meu favorito é The Red Shoes. Na lista completa dos 100 filmes surge Stephen Frears como um grande derrotado. Tem apenas um filme entre eles. Assim como Ken Russell, Alan Parker, Chris Menges, Peter Greenaway, todos diretores que tiveram seu momento e o perderam. Felizmente não há Guy Ritchie.

LISTAS DE ESCRITORES

   Na internet entro a procurar listas. Compartilho com voce.
   A BBC. Uma lista feita pelos espectadores. Os maiores poetas de todos os tempos:
   1- Eliot, 2- John Donne, 3- Zephaniah ( who? ), 4-Wilfred Owen, 5-Philip Larkin, 6-William Blake, 7-Yeats, 8-Betjeman, 9-John Keats e o décimo é Dylan Thomas. Não conheço Zephaniah e não sei de onde ele é. Imagino que escreva em inglês. Todos são britãnicos!
   Há uma lista de um site alemão. Eis:
   1-Goethe, 2-O Rei David, 3-O Rei Salomão, 4-Shakespeare, 5-Schiller, 6-Heinrich Heine, 6-Holderlin, 7-Rumi, 8-Omar Khayyan, 9-Hafiz, 10-Rilke....E assim a gente percebe o porque da união européia ser um engodo. Apesar da lista alemã se permitir um forte orientalismo ( imigrantes? ) e a inclusão de textos do Velho Testamento, e terem concedido aos ingleses a presença de Shakespeare, lendo toda a lista vemos Kleist e Moricke na frente de Dante, Herder e Storm diante de Homero e o fato de que o primeiro dos franceses é Rimbaud, em 67*. É uma lista totalmente germânica e nunca europeísta.
   Pessoa é o 64, Lorca o 78 e Wallace Stevens o 89.
   Uma lista feita por americanos é pouco mais democrática.
   O primeiro é Maya Angelou ( who? ), o segundo Shel Silverstein ( who? ), e o 3- Neruda, 4-e.e.cummings, 5-Robert Frost, 6-Poe, 7-Emily Dickinson, 8-Ted Hughes, 9-Ezra Pound e o décimo é Oscar Wilde ( sim, ele foi também um poeta ). A relação tem a cara dos EUA de hoje. É politicamente correta, moderninha mas não demais, variada e contempla as minorias. Maya é negra e nasceu em St.Louis. Tem 70 anos. Shel viveu 49 anos, morreu em 1999. A lista completa tem ainda Bob Dylan em 38 e John Lennon em 90. Poesia Pop.
   Para finalizar uma lista de escritores feita nos Eua com a participação de mais de 40.000 pessoas:
1-Mark Twain, 2-William Faulkner, 3-Poe, 4-Heminguay, 5-John Steinbeck, 6-Tennessee Willians, 7-Cormac MacCarthy, 8-Flannery O'Connor, 9-Harlan Ellison, 10-David Foster Wallace ( é o autor de As Pontes de Maddison.... ).  Não se assuste, é uma lista dos maiores escritores americanos da história. Fitzgerald é o 11. Melville o 12 e na sequência vêem Emerson, Dickinson, Eliot, Kurt Vonnegut, Jack London, Salinger, Joseph Heller e Walt Whitman. Li toda a lista. Tem até Sidney Sheldon. E não tem Philip Roth. Saul Bellow é o número 44 e Updike o 81. Lembraram de Gore Vidal: 75. Henry James é o 90 e esqueceram Edith Wharton. E Eugene O'Neill.
   Posso fazer minha lista de americanos?
   Henry James, Fitzgerald, Eliot, Whitman, Saul Bellow, Wallace Stevens, Poe, Faulkner e Edith Wharton.
   Twain é OK, Tom Sawyer foi o segundo livro que li na vida e o primeiro a me apaixonar, mas não é um gênio. Steinbeck é um pé no saco e a fama de MacCarthy sumirá quando ele morrer. Na relação tem ainda muita gente ruim. E felizmente lembraram do excelente John Cheever.
   Pra que servem listas? Pra orientar leituras? Quebrar mitos?
   Em meu caso é pura curiosidade. Revelam um certo momento cultural.
   Tá dito.

INTOCÁVEIS/ TIM BURTON/ MIB III/ JOHN WAYNE/ LANG

   SOMBRAS DA NOITE de Tim Burton com Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Eva Green, Helena Bonham-Carter
Dificil falar deste filme. Foi injustamente desprezado. Não é ruim e não é nada bom. Ele é tolo, inacreditávelmente infantilóide e sem graça. Mas ao mesmo tempo há algo nele que convida a diversão. Talvez seja o belo visual gótico-cafona, talvez uma atuação tão ruim de Depp que se torne interessante. O roteiro, péssimo, fala de um homem enfeitiçado e que séculos depois volta como vampiro. Boa lembrança de Burton em abrir o filme com o Moody Blues e sua nights in white satin. Um dos filmes mais mal feitos de Burton....E com tudo isso, eu ainda assim gostei. Nota 6.
   UM parênteses: Zero-ridiculo, 1-péssimo, 2-fraco, 3-medíocre, 4- uma pena, 5- razoável, 6-médio, 7- bom, 8-um ótimo filme, 9 grande!, 10- sensacional, Obra-Prima- único.
   UM GOSTO DE MEL de Tony Richardson com Rita Tushingham
Adorei. Num p/b muito cinzento, vemos a história ( ou apenas um flash ), na vida de uma mocinha pobre, feia e sem graça. O que a redime é sua raiva e sua juventude. É a Londres que já tinha os Beatles, mas ainda não sabia disso. 1961. Ando vendo sites de cinema, e num deles há uma critica em que um idiota chama este filme de "chatice desinteressante". Nunca vi respostas tão iradas dos leitores. O tal critico não tolerou a exibição de um passado inglês que não casa com aquilo que ele quer imaginar ser sua história. É uma Londres feia, suja e de gente que discute todo o tempo. Escrevi mais sobre este filme logo abaixo. Destaque para a trilha esquisita de John Addison. Nota 7.
   MAN HUNT de Fritz Lang com Walter Pigeon e Joan Bennet
O filme foi feito em plena segunda-guerra, antes da entrada dos EUA na guerra. Temos um inglês que é pego na Alemanha no momento em que ia atirar em Hitler. Ele foge e na Inglaterra, agentes alemães tentam trazê-lo de volta. O filme começa muito bem, mas tem um problema, o roteiro. Dificil aceitar a facilidade com que os agentes nazistas trabalham em Londres. Lang era um excelente diretor, às vezes genial, mas não era Hitchcock. Inexiste suspense. Nota 5.
   OS COMANCHEROS de Michael Curtiz com John Wayne e Stuart Whitman
No começo dos anos 60, John Wayne era o astro mais famoso do mundo. Mas não era um dos de maior prestigio. A crítica preferia Lancaster, Peck, Newman, Quinn ou Brando. E pior que isso, Wayne estava falido. Chegou a fazer cinco filmes em um ano para tentar se reerguer. E já com o câncer que o levaria quase vinte anos depois. Este é o último filme de Curtiz, diretor mítico de Casablanca e dos hits de Erroll Flynn. É um western cômico, sobre caçador de recompensas e vendedores de armas mexicanos. Nada de especial, mas nada que envergonhe a carreira de Wayne. Nota 5.
   HOMENS DE PRETO III de Barry Levinson com Will Smith, Tommy Lee Jones e Josh Brolin
O primeiro foi maravilhoso. O segundo muito chato. Este é irregular. Toda a primeira parte é sem ritmo, sem humor, parece forçada. Melhora depois graças ao bom tipo de Josh Brolin. Smith volta a 1969 para salvar seu amigo Lee Jones. Estranho, foi-se o bom humor. O filme chega a ser triste. O contraste de 69 com 2012 não é explorado. Temos a impressão de que nada havia de diferente então ( a não ser o tamanho maior dos gadgets ). Nota 4
   WATCHMEN de Zack Snyder
Comprei esse dvd a séculos mas não me animara a ver. Ei-lo. Começa prometendo muito. Um visual deslumbrante e um clima de filme noir anos 40. Além do bom uso da música de Dylan. Mas logo se revela seu problema número um: a falta de um bom herói. Não há ninguém que nos interesse. E depois nasce mais um problema, vemos que toda aquela complicação é só para disfarçar a mensagem simplória: a América é um lixo. Mais uma dessas peças que tratam dos males do país ao mesmo tempo em que vendem o modo de vida americano. Ele fala mal da América sendo hiper-americano. Uma contradição, um golpe de publicidade como tanto se faz. Se voce quer ser anti-americano, tenha a coragem de criar ou seguir um estilo não-hollywoodiano. Machismo, violência, crime, tudo glamurizado. Nota 1.
   INTOCÁVEIS de Toledano e Nakache com Omar Sy e François Cluzet
Cássio Starling escreveu na Folha que este filme trata o negro como macaco. Mentira! Omar Sy dá um show como um africano da periferia de Paris. Um homem que começa como um malandro desajustado e que aos poucos percebe que dá pra tentar se dar bem sendo um cara do bem. O filme é antiquado, conservador e banal. Essa história de homem rico e triste que descobre a alegria com alguém pobre é velha como um filme de Julia Roberts. Mas há um mérito não desprezível aqui: o filme evita a chantagem melô. Nada de ceninhas pra chorar. É triste, mas não é chorão. Aliás, podiam ter tirado a péssima trilha de pianinho tipícamente noveleiro. Fenômeno na França, parece que vai bem aqui. Filme comum que com certeza será refilmado e destruído em Hollywood. Nota 5.
   PARAÍSOS ARTIFICIAIS de Marcos Prado
Poucos filmes tem personagens tão babacas. Tudo aqui é um porre de classe média em seu pior aspecto. Ele é falso, vazio, sem porque e mal intencionado. Todas as cenas chegam a constranger. O diretor parece ter o dom de sempre escolher o pior enquadramento. O tipo de filme que deseja ser moderno e acaba sendo apenas um péssimo produto. Zerão!

O RIDÍCULO DA ARISTOCRACIA HOJE ( E A FALTA QUE ELA PODERÁ FAZER )

   Converso com uma nova amiga, professora de filosofia. Esperava dela a mediocridade de um monte de dogmas, mas não. A definição de seu discurso é não possuir nada de definitivo.
   É levemente cômico, pra não dizer ridiculo, ser aristocrata hoje em dia. Guiar-se por valor e não por popularidade é sempre mal aceito. E por aí vai a conversa.
   Na Rede Globo, às 21 horas de sexta-feira, era exibido um programa que trazia óperas de Wagner e sinfonias de Beethoven. Veja bem, na Globo. Porque? Porque apenas meia dúzia de privilegiados viam TV? Não, a TV já atingia 80% da população. Porque a Globo era lider sem concorrência? Não, havia a Tupi e a Record. O motivo era que o público consumidor, que pagava o anunciante, era composto de uma "elite" que queria assistir Wagner na TV. Ser um aristocrata é pagar o mico de sentir saudades desse elitismo.
   O mesmo no cinema. Se um sucesso de bilheteria ainda podia ser cantado e dançado, se Bergman era pop, isso se devia ao fato de que era uma aristocracia intelectual que dominava as páginas culturais. O cinema tinha Trapalhões e filmes policiais de Charles Bronson, mas Kurosawa e Fellini causavam uma ressonância nem sonhada por Cronenberg ou Lynch. Porque apenas uma elite mandava em revistas e jornais culturais.
   Hoje a TV Globo ( e NatGeo, Sony, Fox ) precisa agradar uma imensa massa consumidora de seus anunciantes. Os jornais precisam tratar Batman ou Prometheus como arte, porque para o novo consumidor, eles são aquilo que ele pensa ser arte. É o povinho que vai no Masp ver Caravaggio e acaba por babar no Renoir.
   Se antes as letras das músicas eram mais sofisticadas e se Hesse ou Huxley eram best-seller, isso se devia ao fato de que só aristocratas liam e compravam LPs. Na atual democracia a massa lê. A literatura e a música servem seus paladares.
   Democracia é uma coisa complicada. Voce pega todo mundo e os une pelo mínimo denominador comum. Daí o fato de que nunca mais teremos nada de aristocrático. A língua do mundo tornou-se a língua da massa iletrada. E como essa massa tem mais filhos, a coisa tende a piorar.
   Mas eu vivi na ausência de democracia, e odiei ser comandado de forma explícita. Eu quero ler o que quiser, falar o que desejar e escolher o que me apetecer. Churchill dizia que a democracia era cheia de falhas, mas era o sistema menos ruim. Não nos esqueçamos de que no mundo de Stalin ballet era pop e em Praga tudo era preservado. Mas quem quer a volta de Stalin e da bota comunista sobre os tchecos?
  Daí a encruzilhada do espirito aristocrático. Odiar a extrema vulgaridade do mundo atual e jamais desejar a volta daquilo que já morreu tarde.
  Saudosismo. Causa espanto ao nobre que a palavra saudosismo seja hoje um palavrão. Aristocratas amam tudo o que é velho, amarelado pelo tempo. Seu inimigo é o novidadeiro, aquele que só vê e ouve aquilo que acabou de sair. O aristocrata está sempre atrás das raízes, do pedigree, dos ancestrais. Se Jack White tem Son House como mestre, ouçamos Son House. Se Almodovar ama Douglas Sirk, vejamos Sirk. É o estilo Debret de todo aristocrata. Só confiar no que é novo após seu envelhecimento em barris de carvalho. ( Debret é o imenso alfarrábio britãnico que traz toda a genealogia das familias de sangue azul ).
   Mas toda essa conversa é absolutamente inutil. E cômica em sua altivez ridicula. Pois lentamente até os pretensos aristocratas dão o braço a torcer e se pegam cantando Beyoncé e vendo filmes de Jason Statham. A ditadura, sedutora-suave-insistente, do anti-aristocrático, do novo, da arte sem aura, acaba por vencer, por baixar as resistências, por domar.
   Ainda virá um tempo em que Michael Bay será chamado de grande cineasta e Paulo Coelho de grande autor.

A VIRGEM

   Se existe algo na iconografia católica pelo que tenho o maior respeito, é sua simbologia ligada a história da civilização. Voce não precisa ser crente para perceber o valor de um símbolo. Basta ser um iniciado. Existem centenas de ateus que reconhecem  a riqueza do que falo. Vamos aos fatos.
   O catolicismo nasce como corrente patriarcal. Em sua origem, Pai, Filho e Espirito Santo regem toda a fé. Não há´nada de feminino na igreja. Com o correr dos séculos, correntes pagãs começaram a se fazer mais fortes. Sábios esclarecidos logo perceberam que havia algo ali. Por mais que os homens fossem "domesticados" pelo catolicismo, persistia neles um desejo natural, uma ligação com mitos arcaicos, com paganismos que louvavam a mãe-Terra. E foi um movimento popular, e em principio herege, que trouxe o mito da Virgem Maria para o centro do catolicismo. A igreja oficial, em profunda crise, foi obrigada a aceitar esse novo fato ( e até hoje tem dificuladade em aceitar o possível casamento de Jesus ).
   O que isso simboliza? Porque Virgem?
   Ela é a Deusa, a mulher sem homem, capaz da vida, sem mistura. Não há moralismo aqui. Ela simboliza a Terra antes do homem, o mistério da Natureza, que virgem, sem nossa mão de homem, produz vida, produz luz, produz tudo o que há. O culto a virgem é, de forma arcaica, o culto a natureza, a chuva, ao que é sem precisar de nossa ação. O que é Puro. O que está fora do tempo e da corrente do Homem.
   Dái meu profundo respeito. Minha compreensão. E meu entendimento sobre o que Ela significa e de onde ela vem.
   Tem coisas em nosso mundinho fofo que não servem para brincadeiras. Essa é uma delas.

PELA PRIMEIRA VEZ ME DOU O TRABALHO DE ESCREVER SOBRE UM DISCO RUIM: OLYMPIA-BRYAN FERRY, ODE AO TÉDIO

   Quem me conhece sabe que sou um Roxy Music fã. Mas esse disco de Bryan, seu mais recente, chega a causar vertigem de tão ruim. Pior que ele ( dentre os outrora nobres do pop ), só os últimos de Paul MacCartney.
   Ferry se repete. Até aí nada de mais. Todo artista tem um estilo e o domina. Faz variações sobre o mesmo, cria novas interpretações. Mas aqui ele se repete ao ponto do plágio. Faz cover de si-mesmo. Olympia é mais uma releitura, pobre, de Avalon, último disco do Roxy, de 1982. Os mesmos backing vocals, o mesmo acúmulo sinfônico de instrumentos, a cadência black, o bom-gosto límpido. E um bando de convidados estelares: Flea, Eno, David Gilmour, Dave Stewart, Groove Armada, Jonny Greenwood, Chris Spedding. E a voz lânguida repetindo gemidos e temas de sempre. Chega Bryan! Cansou.
   Há tempos que todos sabemos, um artista médio tem cinco anos de inspiração. Um acima da média, dez anos. Um genial, quinze. Não mais que isso. Depois é a habilidade de repetir o já feito sem cansar o fã. Aqui Bryan cansa. É impossível ouvir o disco inteiro.
   È sabido que uma das grandes habilidades de Ferry sempre foi a de fazer covers. Em sua carreira temos dezenas deles, inclusive discos só de covers. Aqui ele canta Traffic  de uma forma banal. Mas acerta com Nick Drake. Song To The Siren é de chorar de tão bonita. Uma pérola, pena que jogada em meio ao lixo. Emoção, gosto, sabedoria, luxo e sinceridade. Tudo está aqui. Ferry deveria tê-la guardado para seu próximo disco só de releituras de outros autores.
   Eu compreendo que um grande artista tem o direito de continuar exercendo sua arte. Deve ser um prazer cantar, compor, juntar arranjos. Mas é preciso saber a hora de calar. Concentrar-se no palco, dar shows, encarar e dar prazer aos fãs. E não lançar novas bobagens.
   Pena.

O FIM DE UM DEUS ( O ELEFANTE )

Temos livre-arbítrio. Segundo Aldous Huxley, a cada avanço científico temos a escolha, saber se aquilo vale a pena ou não. Isso porque tudo na vida tem um preço ( e este é um fato que tudo no mundo moderno tenta nos fazer esquecer ). Cada ato tem sua contrapartida. Sempre. Portanto a descoberta da energia nuclear cobra o preço da bomba, a opção pela gasolina tem um preço, e por aí vai. Caberia ao homem decidir se o preço é alto demais.
Mas existe também o juro, que é cobrado de forma imprevisível. A droga parecia ter como único preço a possibilidade do vicio. Mas ela acaba cobrando o juro da criminalidade. Criminalidade como jamais poderia ter sido imaginada. Huxley diz que a opção pelo progresso foi assumida no século XVIII. Progresso que tomou o lugar da permanência. Desde então, queiramos ou não, somos obrigados a arcar com o custo dessa opção. Pior que isso, como na pior época da igreja dogmática, somos obrigados a acreditar que o progresso é não só desejável como biológico. A teoria da evolução nada mais é que a "legitimização" biológica, inescapável, de que o progresso está inscrito em nossos gens. Se antes Deus nos obrigava a Lhe obedecer, hoje o progresso nos obriga a "progredir".
Há um preço. A arte ao se mecanizar perde o poder de se comunicar com o sublime. E a religião, ao se tornar materialista e humana, perde qualquer possibilidade de sagrado.
Desde sempre tivemos duas opções: ser o jardineiro do planeta, ou ser seu fungo. Não há meio termo. Ou trabalhamos para o planeta, com a humildade de entendermos sermos parte de algo incompreensível; ou exploramos o ambiente, esgotamos tudo, e sonhamos com novas possibilidades em outros mundos. A escolha foi feita por volta de 1740. Não preciso dizer qual.
Um batalhão de assassinos, armados de um arsenal hiper-sofisticado, está dizimando todos os elefantes da África. Em 2011 foram 4000 elefantes assassinados. Os guardas florestais não têem como enfrentar tanto armamento. Os chineses, que ficaram ricos, amam o marfim, e nunca na história do mundo o marfim foi tão caro. Um quilo vale 500 dólares. Um tipo de projétil com granada explode a cabeça do elefante. Os corpos apodrecem no chão. O dinheiro mata o elefante. O dinheiro é deus. Optaram por isso. Não temos mais outra escolha. Os próprios conservacionistas sabem que os elefantes não têem mais como se salvar. O dinheiro decidiu por seu fim.
Não quero e não posso viver num mundo sem elefantes. O mundo que está sendo construído não é o meu.

A TASTE OF HONEY- TONY RICHARDSON, FREE CINEMA

   A Inglaterra sempre teve ótimo cinema. David Lean, Carol Reed, Michael Powell, Anthony Asquith...Mas seu cinema foi sempre acusado de passadista, de cinema de sala de chá. Bonito, artístico, cheio de excelentes atores e de boas frases, mas sem verdade e sem "atualidade". Isso tudo mudou em 1958 com a eclosão do movimento do "free cinema". John Schlesinger, Karel Reisz e Tony Richardson foram os primeiros nomes. Mas logo a eles se uniram Richard Lester, Ken Russell, John Boorman, Michael Winner e Ken Loach. Como eram esses filmes?
 Mostravam a Inglaterra real, a jovem Inglaterra. E o que seria o tal "real"? E "jovem", era o que? Para explicar, vejamos este excelente filme.
 Mãe e filha. A mãe tem vários namorados, a filha está sempre de mal humor. Vivem discutindo. Se agridem e são pobres. E feias. Quantos mitos caíam aqui? Nada de salas de chá. São casas sujas, apertadas, escuras e cheias de mal cheiro. Nada da famosa elegância. São mal vestidos, sujos e sem boas maneiras. E falam alto. Têm muita raiva. A base desses filmes é a raiva.
 Antes do free cinema houve a revitalização do teatro. Os "angry young men". Tony Richardson começou com eles, dirigindo Osborne no West End. Raiva, eles queriam tudo e nada tinham. Raiva. Jovem era a raiva.
 Voltando ao filme.
 A mãe vai morar com um namorado. A filha tem caso com marinheiro negro. Ele parte e ela vai morar sózinha. Mas acaba por dividir o espaço com um novo amigo, gay assumido. E por aí vamos. Feito em 1962, eis uma Inglaterra que não existe mais. Primeira surpresa: bandos de crianças nas ruas. Elas são donas de tudo. Entre 1945 e 1960 houve um surto de nascimentos na Europa. E nos EUA. O "baby boom". Dizem que crianças nascem quando o mundo está otimista. Elas aqui dominam a vida. Correm, pulam, são sujas e têm espaço. A cidade é cheia de vielas, prédios aos pedaços, ruas sem gente, terrenos baldios. Ainda há marcas da guerra, restos e muita poluição. Todos são muito pobres, mas já pressentem o surto de crescimento dos anos que viriam ( 63/72 ). Aquelas crianças nas ruas serão os hippies de 69 e os glitters de 72.
 A câmera se enerva. Nada é bonitinho, mas não se apela ao drama. Não temos pena da menina. E de ninguém. Assistimos e gostamos deles, de todos eles, sabemos que eles irão sobreviver. Todos eles. São vivos, ansiosos, nunca deprimidos. Falam, andam. O filme tem muito de documentário, acompanhamos suas idas a parques, a praias, a diversões vulgares. Vemos a verdade, se é que ela existe. Se existir, estará aqui.
 Antecipações do futuro. O namorado negro, o amigo gay, a vontade de ser um designer, o querer ser só, a raiva jovem. Ela é uma menina de 2012. Sem a pasmaceira de 2012. Com a ansiedade de 1962.
 Tony Richardson acertou nos seus cinco primeiros filmes. E Tom Jones, em 1963,o quinto filme em quatro anos, lhe deu Oscars de filme e direção. Voces têm de ver Tom Jones! Mas a partir desse sucesso ele só errou. Seu casamento com Vanessa Redgrave acabou e todos os seus filmes fracassaram. Mas este não.
 Voce vê o filme com muito prazer e sente algo de muito volátil em cada cena. A transformação se anunciava. Londres iria se erguer, voltar a ser moda, criar, inovar, ousar. E essas crianças sentem isso em meio a toda miséria.
  Que filme lindo!
  PS: Arte brota na sujeira. Sempre.
  PS2: O pessoal da nouvelle vague adorava odiar todo o cinema inglês. Tolice! Velha rivalidade entre bulldogs e galos.
  PS3: As ruas hoje são de quem? Carros? Õnibus? Ou estão desertas? São de pessoas adultas ocupadas.

LORAX/ BETTE DAVIS/ NICHOLAS RAY/ SIRK/ STATHAM/ WENDERS

   O INTOCÁVEL de Boaz Yakin com Jason Statham
Adoro os filmes de Jason. Não são hiper produzidos, eles têm ação real e Jason luta como um chinês. Sabe se mover e tem leveza. Aqui ele é um lutador a beira do suicidio que é salvo ao se involver com uma menina chinesa que está sendo usada por mafiosos russos. Nada de especial no roteiro, mas a ação é de primeira. Uma diversão sem culpa. Nota 6.
   O LORAX de Chris Renaud
É bom. Como todo desenho, tem uma mensagem certeira. No futuro tudo é de plástico e tudo é bonito e limpo. Mas por detrás disso, há um mundo destruído e morto. O ar é vendido por uma corporação que deseja manter tudo como está. Bem... como escrevi em outro lugar, crianças hoje carregam a missão de nos resgatar. Vejam o que fizemos kids! Reajam, pois nós desistimos. Eis a mensagem. É uma bela mensagem, claro. Melhor isso que o niilismo acomodado dos filmes adultos. Mas caramba! Um dia voltarão a fazer desenhos  bobos e infantis? Nota 6
   PETER PAN  de Wilfred Jackson e Disney
Mítico. São dezenas de mensagens cifradas, montes de possibilidades poéticas. O menino que não quer crescer e a menina que não pode deixar de crescer. Alguém se vê neles? Bem vindos ao mundo de 2012. Não é uma obra-prima, mas é um ícone. Nota 8.
   UM AMOR DE TESOURO de Andy Tennant com Mathew McConaughey, Kate Hudson e Donald Sutherland
Um casal brigado acha tesouro. Mas tem de disputar a descoberta com rivais "do mal". O cenário é estupendo. O filme é um café. Voce vai em um restaurante com sua namorada, vê umas vitrines e por fim assiste este filme. Um café: gostoso e tirado às dúzias toda hora. Mathew é simpático. Em tempos de melhores filmes pop ele seria rei. Kate envelhece mal. Sua mãe era melhor em tudo aquilo que ela tenta fazer. Donald apenas está lá. O filme não é ruim, é bobo. Nota 4.
   ALMAS MACULADAS de Douglas Sirk com Rock Hudson, Dorothy Malone e Robert Stack
Um repórter alcoólatra se envolve com casal de aviadores de circo. São aqueles pilotos que se exibem em circos, fazem corridas e se arriscam. O filme mostra a condição patética do repórter. Ele ama sem ser amado, é desprezado pela mulher que ele ajuda. Se destrói. Mas ao final, é ele quem dá a volta por cima. Não é dos melhores Sirk, mas tem um Rock Hudson bem dirigido ( quem falou que ele era mal ator? ) e aquele clima fatalista que esse excelente diretor sabia tão bem criar. Nota 7.
   PINA de Wim Wenders
Assisto mais uma vez e gosto mais ainda. Acachapante. A primeira cena com Stravinsky já te deixa zonzo. O filme não é apemas bom. Ele é uma aula emocionante sobre arte. O limite, a expressão e o risco. Pina Bausch ousava, errava, repetia, acertava. Os dançarinos-atores são magos. Cenas com água, humor com cachorro que late, mulheres que caem, retratos de sofrimento e de alegria. O filme te derruba, te impressiona. Os corpos vão ao limite. A alma se entrevê. Lindo. Nota 9.
   AMARGA ESPERANÇA de Nicholas Ray com Farley Granger e Cathy O'Donnell
Famoso filme de Ray que antecipa a Nouvelle Vague. Godard amava este filme e há muito de Acossado nele. Sobre um ladrão que não consegue sair do mundinho podre onde ele vive. Mas o filme não é centrado em roubos ou em tiros, o que vemos é uma hiper triste história de amor. Amor tragédia, fadado ao absoluto fracasso. Nos incomoda ainda. É invulgar, original e melancólico. Nota 7.
   MULHER MARCADA de Lloyd Bacon com Bette Davis e Humphrey Bogart
Atenção. Não é um tipico filme de Bogey. Ele aparece pouco e faz um promotor do bem. O filme é de Bette, ainda bonita e sexy, que faz uma prostituta que é usada por gangster. O que vemos é sua conscientização. O filme é esquemático e sem muito apelo. Mas é um prazer ver Bette em ação. Uma diva imensa, a única que poderia trombar com Kate Hepburn e vencer. Um filme curto, grosso e direto. Típico Warner anos 30. Nota 6.

ONDE OS VELHOS NÃO TÊM VEZ- CORMAC McCARTHY

   Rei, Deus e Familia. No lugar do Rei, teu ego. No lugar de Deus, o dinheiro. Sai a familia e entra a midia. Teu lider é voce mesmo. E voce vai ter de se virar com sua própria lei. Tua ética, tua moral e tua transcendência é o dinheiro quem te dá. E sua familia são os seres da midia. Uma familia na qual voce nunca se sente aceito. Falemos a verdade: derrubamos "mitos", colocamos algo de melhor no lugar?
   Um assassino. Que pouco se lixa em morrer. Um xerife. Velho. Que ainda pensa em familia e Deus. Mas que começa a saber: o Diabo venceu. Um caçador. Que acha dinheiro. O deserto e a violência.
   Sim, voce já viu a obra-prima dos Coen. O livro é quase igual. Mas o livro tem os pensamentos do xerife. Do velho. Que não tem mais vez.
   Harold Bloom considera McCarthy o melhor escritor da América hoje. O cinema o adora. Nos últimos anos é moda o adaptar à tela ( e DeLillo também ). Ele escreve naquele estilo aparentemente fácil. Muitos "e", e muitos "então". E então voce lê e lendo então percebe que o estilo se torna dificil e violento e então te incomoda e perturba.
   Quem não vive em meio a escritórios de vidro e restaurantes da moda sabe: o mundo perdeu qualquer noção de moral e de preço. Ninguém teme o castigo, ninguém pensa na consequência de coisa alguma. Todo rei foi deposto. Pai, mãe, policial, guru, poeta. Deus é money. Nas pseudo-religiões o que se procura é dinheiro e só se respeita quem o tem. E o cara da bandinha, o ator, a socialite são a familia que nos resta.
   Nesse mundo a violência manda. Não a violência da guerra. Pior. A violência cotidiana, banal, infame, sem regras, sem código, sem linguagem. Cormac MacCarthy saba disso. A violência não tem língua. Ela nos é anterior a linguagem. É viscera. E se Deus foi criado para sublimar a violência, sem Ele ela está solta. Daí a besta manda.
   Vida real:
   Meninos chutam meninas, cospem em meninos. Uns caras vendem droga na porta da escola. Livremente. Crianças dançam com as bundas inexistentes voltadas para o ar. E aos 11 anos se exercitam em cópulas imaginárias. Garotos de 16 assistem e riem. Elas colocam a língua entre os lábios. Um pombo tem suas asas quebradas e é afogado numa torneira. Três meninos cercam um outro e levam o celular. No banheiro, quatro meninas surram uma outra que ousou se vestir diferente. Tudo vale porque inexiste o medo do preço. O único medo é o de não ter dinheiro. E para se ter dinheiro é preciso ser forte, temido, respeitado.
   A única questão importante que nos restou: a violência. O resto é perfumaria.
   Neste livro cada linha é um tiro.
  

UMA TARDE DE HORROR ( ATOM HEART MOTHER, PINK FLOYD ), O DISCO DA VACA

   Foi uma péssima viagem. As sombras de um fim de tarde frio e os móveis pesados, madeira e mármore, na sala que fedia ao mofo de cortinas e tapetes. Um grande tapete cinza e as cortinas com forros e rendas. Do aparelho de som que estava em outro cômodo, vinha a música. Que música? Eu abominava aquilo. E mergulhava numa deprê sem nome, pura melancolia. Eu me afundava naquela música do lado 1, uma coisa dividida em segmentos, mais de vinte minutos de tortura.
   Metais que não se encontram e ruídos de vozes, teclados que soam como sirenes e aviões que caem. Uma melodia que lembra cemitérios e barulho incessante. Coro de vozes que me fazem ter medo e guitarras soterradas em explosões. Suplico para que esse pesadelo termine logo. Esses gritos...
   Então tem If.
   E agora me vem um sono que me desabo. E esse solo de guitarra bocejante que dura pra sempre.
   Então vem Summer of 68.
   Que é o tema do Jornal Nacional de então.
   E mais duas faixas que me esqueço de ouvir.
   Não estranhe. Minha madrinha me deu esse LP de presente. Eu tinha 11 anos. Conhecia Beatles, Elton, Monkees....Fiquei abismado ao escutar essa "doidice sem sentido" naquela tarde maldita.
    Mas um dia, mais de vinte anos depois, eu lhe dei outra chance.
    Uma rica viagem. Surpreendentes climas que se mudam em emoções conflitantes. Timbres inusitados e a doce melancolia de uma poesia triste. Trágica quase.
    A beleza de If. Que tem um piano que é a coisa mais linda do mundo.
    A nostalgia de Summer. Que se ergue em cadências.
    E as duas viagens de LSD finais.
    O êxtase num café da manhã. Em torradas, em ovo frito, na boca que mastiga.
    O medo de ontem é o prazer de hoje.

SEQUESTRADO- ROBERT LOUIS STEVENSON

   O começo do século XX foi péssimo para Stevenson. Se tornou um escritor infantil. Era a época dos romances mais ambiciosos da história. E gente como Stevenson, escritores que "apenas" contavam uma história, foram jogados na vala do comum, do banal, do infantil. Mas, a partir de 1950, a coisa começou a mudar. Uma overdose de experimentalismo deixou o leitor com saudades de uma boa narração, de uma aventura. Stevenson voltou a ser considerado. Assim como Conrad e London.
   Este é considerado por muitos seu livro mais bem escrito. Conta a aventura de um jovem, David Balfour, que na Escócia de 1755 tem sua herança roubada e cai nas mãos de uma tripulação de navio bêbada e hostil, para
 depois dever percorrer meio país, desviando de facções rivais e de armadilhas da natureza.
   A Escócia de 1755 é um país em ebulição. Clãs lutam entre si e contra os representantes da Inglaterra. A gaita de foles e o padrão xadrez estão proibidos. Não se pode vestir o kilt e nem falar o gaélico.  É esse o ambiente social do livro. Stevenson sabiamente não sataniza os ingleses. Sua simpatia vai aos escoseses mais calmos, menos radicais.
   Todo o inico, e toda a viagem de navio, contornando a Escócia pelo norte, são soberbas. Stevenson se supera nas descrições de tempestades, no clima de suspense entre a tripulação. Depois ele deixa bastante cair o interesse. Nota-se que a narrativa se estica, se alonga. Mas nada que prejudique o prazer de se ler esse autor que hoje volta a ser central na história do romance do século XIX.

SAUDADES DE QUANDO GAINSBOURG ERA POSSÍVEL

   Um cara me policia. Descobriu que às vezes creio em anjos. E agora esse cara tem certeza de que sou burro. Ou que tenho um tumor na cabeça. Um outro me fala que eu deveria ir a umbanda. Porque é legal. E outro acha que sou materialista demais. Diz que sou muito agressivo.
   Um velho amigo pensa que sou muito etéreo demais. E outro fala que eu deveria ser menos anos 2012, ser mais Che Guevara e Neruda. Uma amiga me manda uma mensagem. Diz que não deveria mais ficar arrumando briga por aí. Fala que às vezes lhe dou medo. E uma outra conta que pra ela sou um gurú indiano.
   Me vigiam também os desconhecidos. E ser vigiado por amigos é um elogio.
   Estranhos falam que sou saudosista demais. Que tenho preconceito contra Von Trier e Nolan. Estranhos, outros, dizem que sou moderninho futil. Que deveria descobrir Tarkovski e Bunuel. Uns dizem que não posto nada de inteligente. Outros falam que sou pedante. Pensam que sou gay, e já fui chamado de machista. Anti-americano, direitista, francófilo, vitoriano.
   Chegaram a comentar que amo a guerra.
   Nada disso importa. O que interessa é que todo mundo mete a colher no angú de todo mundo. Todos querem formar uma imagem de quem mal conhecem. Te fazer um personagem.
   Bem Vindo ao futuro.

Gainsbourg et le Tabac, Zippo, Gitanes



leia e escreva já!

AS CENTENAS DE FILMES DA SIGHT AND SOUND

   TerrEnce Malick deve ser o maior diretor da história do cinema. É o único que obteve 100% de seus filmes indicados. Acabo de ver os cerca de 1500 filmes que foram citados pelos votantes na enquete dos 250 melhores da revista inglesa Sight and Sound. Nessa lista, publicada em ordem alfabética, temos várias justiças, algumas surpresas boas e esquecimentos surpreendentes. Malick é o único diretor a ter tudo o que produziu
 citado, e seu ARVORE DA VIDA é o filme melhor classificado ( dentre os americanos ), dos que foram feitos de 2000 pra cá. O que a gente logo percebe é que neste século a produção se pulverizou. Hong Kong, Coréia, China, Irã, Turquia, Formosa....são esses os países com a nata das citações.
   Wes Anderson tem apenas um filme entre os 1500 citados e Tim Burton apenas Edward Mãos de Tesoura. Já Tarantino tem seis filmes lembrados, e os irmãos Coen quase todos. Mas não vou ficar aqui falando detalhes, quem quiser que veja a lista. Está disponível a dois toques de teclado. Prefiro comentar as surpresas.
   Maravilhosamente Chuck Jones tem cinco desenhos dos Looney Tunes entre os maiores. Desenho é arte e Jones, assim como Tex Avery, Bob Clampett e alguns outros sempre soube disso. Mas ao mesmo tempo vemos uma injustiça com a Disney. Citaram apenas Mogli !!! Logo Mogli, um dos menos bons da fase clássica. Deixar Pinóquio ou Dumbo de fora é esquecimento de gente que deveria ter pensado melhor. De qualquer modo, WALL E éstá ente os 80 melhores filmes já feitos. Justo.
   Michael Powell continua valorizado. Tem seus principais filmes citados ( mais de dez ), esqueceram CONTOS DE HOFFMANN, mas tudo bem, Powell está no posto que merece, é um dos 3 melhores da história do cinema britânico. Esqueceram Stephen Frears, nenhum de seus filmes foi lembrado, e Carol Reed está em baixa, citaram apenas 3 de seus filmes. Com David Lean se esqueceram de OLIVER TWIST, provávelmente por ter fama de racista. OS EMBALOS DE SÁBADO A NOITE está entre os 1500, mas senti uma certa má vontade com o cinema dos anos 70. De qualquer modo, os básicos da década mais louca estão lá. O que não aceito é entre oito filmes de Robert Altman citados, ninguém ter lembrado de MASH....imperdoável.
   O Brasil tem lembrado quase tudo de Glauber e muita coisa de Nelson Pereira dos Santos. Adorei ver meus dois filmes favoritos made in Brasil lembrados: MACUNAÍMA e O BANDIDO DA LUZ VERMELHA estão presentes.
   Bacana lembrarem do pouco visto AS 3 MORTES DE MELQUÍADES de Tommy Lee Jones. Esse filme, de 2007, é uma bela homenagem a Sam Peckimpah.
   Vincente Minelli, Raoul Walsh, Howard Hawks, Billy Wilder, o cinema clássico americano está muito lembrado. Buster Keaton tem um monte de filmes citados e John Ford aparece com mais de 12 filmes. Mas é estranho não terem citado Scarface de Hawks, Asas de Wellman e Inimigo Público de Le Roy.
   Jean-Luc Godard é talvez o maior vencedor da lista. São dezenas de filmes lembrados. Godard fazia aquilo que todo cinéfilo sonhava, se divertia filmando. Interrompia a narração quando se entediava, enfiava cenas improvisadas ao ter uma inspiração, liberava seu desejo. Godard fazia tudo o que um diretor não pode fazer hoje, inventar . Daí  sua valorização atual. É de longe o francês mais citado. Bresson vem logo depois.
   Todos os grandes gênios estão fartamente lembrados. Não há um só Bergman ou Kurosawa que merecesse ser citado que tenha sido esquecido. São 19 Bergmans e 15 Kurosawas. E há também uma tonelada de Dreyer, Bunuel, Lang, Kieslowski, Tarkovski, Fellini...
   A Itália é o grande perdedor. Sim, eles citam os De Sica, Antonioni e Visconti obrigatórios. Tem Pasolini às dezenas, tem Bertolucci, Rosselini...mas o cinema da Itália foi tão grande que dá uma frustração ver apenas um Scola, um Risi, dois Zurlini e dois Monicelli.... Lembraram dos ETERNOS DESCONHECIDOS, mas esqueceram BRANCALEONE!!!!!
   Todos os Clint Eastwood que valem a pena foram lembrados ( esqueceram Bird, e eu acho justo isso ), assim como Scorsese, De Palma e Woody Allen.
   Vertigo de Hitchcock é o maior de todos. Não sei se é o maior, mas também não sei se ele não é o maior. Hitchcock tem mais de vinte filmes na lista. E mesmo assim tem alguns que mereciam ser incluídos e que ficaram de fora. Ele conseguia unir o cinema pop a arte mais sofisticada. Ação e introspecção. Humor e horror. Senso de imagem e dom para diálogo. Erotismo e romantismo. E tudo isso mantendo sempre o senso de beleza, de diversão e de comunicação. Não sei se foi o maior de todos, mas se for, lhe fica muito bem.

PETER PAN E O LORAX, DOIS MODOS DE PENSAR SOBRE A INFÂNCIA

   Em meio a um céu de Technicolor, o pai de Wendy, Miguel e João, vê finalmente o navio de Gancho, navio em que agora Peter Pan navega. Então o pai, modelo de praticidade e de "adultêz", conta que aquilo no céu faz com que ele quase lembre de alguma coisa de seu passado...
   Peter Pan tem tanto material poético que daria para se criar toda uma filosofia sobre a infância. Ou se preferirmos, sobre a idealização da infância pelos adultos do século XX. Não importa, a obra de James Barrie é uma das jóias do século e sobrevive muito bem ao icônico desenho da Disney. Vamos ao começo.
   Wendy é avisada de que deverá mudar de quarto, não poderá mais dormir com seus irmãos. Amanhã ela começará a ser adulta. Óbvio que Wendy menstruou. Mas ela insiste em esperar Peter Pan, em deixar a janela aberta e conta ao pai não querer jamais crescer. Peter virá e Wendy irá costurar a sombra que ele perdera. Sombra que pode ser tanta coisa... o medo de Peter, seu interior, seu gêmeo...
   Os dois, mais os irmãos, partem à Terra do Nunca e voam sobre uma deslumbrante Londres vitoriana. Não nos esqueçamos, Peter nunca teve mãe e Wendy deverá cumprir esse papel. Para Peter, mãe é quem conta histórias, geralmente sobre ele mesmo. Na terra de Peter existem sereias que o adoram, indios que lhe têem respeito e os piratas... tudo gira ao redor desse Peter, orfão que não cresce e que se ama em tudo que o cerca.
   Gancho é o contrário absoluto de Peter. Ele jamais brinca, nunca fantasia e vive com ódio e medo. Ele está preso no tempo, um jacaré-relógio, com seu tic tac neurotizante deseja o engolir. E Gancho vive assim, no medo do tic tac e no ódio a Peter Pan. Peter é tudo aquilo que ele não pode ser: criança. Em Gancho dói a fuga do tempo.
   Wendy tem pai e mãe, precisa voltar, precisa crescer. E volta. E é nesse final melancólico que o pai quase lembra do que foi um dia.
   O Lorax, já um exemplo seguro do que é o século XXI, joga a criança no mundo em que devemos ter um papel a cumprir. Uma responsabilidade. O desenho é ótimo e eu concordo com tudo o que ele advoga, mas que diferença imensa do mundo de Peter Pan! Se antes o que se tentava era descobrir o mundo secreto e mágico da infância, se antes tudo era voltado ao simbólico, ao interior; agora o que vemos é pura exterioridade, a chamada a ação, a intervir no real. Nesse sentido, nada mais Gancho que Lorax.
   A Terra virou plástico, e num estilo Matrix, todos vivem num tipo de "mundo fake". O ar é vendido em garrafões e tudo precisa ser mantido assim, porque é assim que a grande empresa quer. Mas um menino descobre o que aconteceu no passado e tenta plantar uma árvore...
   O desenho é todo do bem e isso não me irrita. Ele fala das coisas mais importantes e sérias do mundo de hoje. E essas coisas devem ser defendidas com força e sem concessões. Pagamos por água, e me creiam, água já foi de graça um dia. Pagamos por TV, que também já foi grátis. E pagamos por escola, hospital, poder cruzar uma estrada...estacionar. E não notamos o absurdo de tudo isso. Um dia haverá a taxa do ar. E assim, as árvores se tornarão dispensáveis.
   É fato já antigo de 15 anos que enquanto os filmes de adultos se ocupam com o mundo irreal, os desenhos cada vez mais se ocupam do mundo real. Serial killers, heróis de HQ, casos médicos e viagens mentais, com raras excessões, o cinema adulto só fala desses temas. Já os desenhos se ocupam de ecologia, vida familiar, honra, passagem do tempo e modos de viver. São temas muito mais vastos, menos particulares, mais sociais. Adoro-os e considero que na média os desenhos dão de dez a zero nos filmes que são lançados.
   Mas o que falo aqui é:  Não seria uma tentativa muito esquisita essa de se jogar na criança toda essa educação? Parece que desistimos dos adultos ( um bando de tarados que só quer a pornografia de corpos dilacerados e de mentes confusas ), e tentamos desesperadamente salvar a próxima geração, dando a elas a percepção do mal que fizemos e do quanto elas devem fazer. Salvem a natureza crianças! Salvem a familia! E deixem o papai com seus filmes cheios de sangue, maldade e niilismo cego.
   Peter Pan fazia com que adultos desejassem ser crianças. Lorax reza para que as crianças sejam adultas logo.
   Há algo de muito podre neste nosso mundo.

OS VINGADORES/ MAHLER/ KEVIN KLINE/ DIANE KEATON/ PECK/

    OS VINGADORES de Joss Whelan
Nick Fury fuma um enorme charuto. É sexy ao nível Clooney de ser e é  musculoso. Está na meia-idade e tem um humor ácido, desencantado. Isso nas HQ, porque aqui ele é Samuel L. Jackson....eu adoro Nick Fury, o filme me fez odiar Jackson. Tem mais. Me fez pensar nos grandes sucessos de bilheteria da história. Todos são escapistas, e isso nada tem de ruim. Mas depende do tipo de escapismo. Se ...E O vento Levou era a afirmação da saga individualista americana, se A Noviça Rebelde era a propaganda de bons sentimentos em época de más noticias, e Star Wars era nostalgia travestida de saga futurista,  Os Vingadores é puro militarismo triunfante. Oitenta por cento do filme é propaganda de armamanto. Computadores militares, tiros e explosões, aviões, soldados. A história nada mais é que o enquadramento do incontrolável Hulk, a dessacralização de Thor e conscientização do Iron Man como soldado obediente. Não é por acaso que todos têm rancor contra Thor, afinal ele é um semi-deus. E o pobre Hulk é apenas uma besta que deve ser disciplinado. Destruição como fetiche ( após Star Wars todos os big hits têm a destruição como gozo, desde um navio que afunda até a perseguição de uma raça ). Nos extras o diretor desta coisa fala que se trata de um filme "so sexy"....
   MAHLER de Ken Russell
Tchaikovski era tão exagerado, pomposo e falso como este. O problema aqui é que Russell esqueceu daquilo que salvava o seu filme anterior: a beleza. Tchaikovski é um filme lindo, Mahler é ridiculo. Quando surgem as cenas nazistas começamos a achar que Ken tomou a droga errada. Foi este o filme que começou a destruir sua carreira. Se ele surpreendera o mundo com belas adaptações de Lawrence e filme cheios de imagens originais, aqui ele se perde em puro sensacionalismo. Nota 2.
   A CONQUISTA DO ESPAÇO de Byron Haskin
O que é isto? Deveria ser um pop e divertido filme B dos anos 50. Mas o que vemos? Um grupo viaja à Marte e seu lider enlouquece. O filho desse lider acabará por matá-lo. Em Marte há um clima de culpa, de medo e de consciência da inutilidade daquilo tudo. Simples? É um dos filmes mais doentios que já vi. Tudo nele é classe B, os atores ruins, os efeitos mediocres, os cenários pobres. Mas o roteiro é incrivelmente profundo trazendo antecipações de 2001 e até Solaris.
   MATANDO SEM COMPAIXÃO de Ted Kotcheff com Gregory Peck
Western dos anos 70, ou seja, ppouca ação e muito clima de fim de mundo. Peck é um ladrão barato, que foge em deserto de xerife "do mal". Um mestiço é o amigo de Peck e o filme, claro, fala de racismo. Não é um bom filme. Ele jamais emociona e fica sem saber onde ir com seus personagens. Peck, um ator imponente, não tem muito o que fazer. Nota 4.
   MEU QUERIDO COMPANHEIRO de Lawrence Kasdan com Kevin Kline, Diane Keaton, Dianne Wiest e Richard Jenkins
Kasdan foi um dia um dos grandes. Roteirista da turma de Spielberg, despontou a trinta anos com o marcante e icônico O Reencontro. Este é seu novo filme, recém lançado, e se está longe de ser ruim, nada tem de novo. Uma mulher, a sempre ótima Keaton, esposa de um médico, o sempre excelente Kline, acha um vira-lata na rua. O abriga. Depois de dois anos, em viagem ao Colorado, o cão some e isso expõe as dores da familia. Na busca pelo cão o que vemos é uma sessão de terapia dos personagens. O filme mantém o interesse, as pessoas são reais e os cenários deslumbram. Fácil de ver, falta ao filme um momento grande, um centro de catarse. Ele acaba sendo discreto demais, simples demais, comum demais. Mas pelo menos Kasdan não tenta fazer "arte". Ninguém é bem louco ou perigoso, a câmera nunca treme ou alça vôo. Nota 6.
   FANTASIA de Walt Disney
Grande orgulho de Disney, fracasso em seu tempo, reabilitado vinte anos mais tarde com os hippies. Vamos por partes. Porque orgulho de Disney? Porque ele trata de "grande arte". Afinal, é um looooongo desenho que cria clipes para músicas de Beethoven, Tchaikovsky e até Stravinsky. Típica jequice, achar que usar Dukas ou que falar da criação do mundo faz de um desenho "arte". Pinóquio era Arte sem nada de pedante. Os hippies descobriram que assistir Fantasia com LSD dava uma viagem ótima. Visto agora, tem seus bons momentos, mas seu espirito de "grande arte" faz dele o mais antipático dos desenhos. Nota 4.

A FILOSOFIA PERENE- ALDOUS HUXLEY

Um desses ateus militantes ( ateu militante é uma vergonha para um ex-ateu verdadeiro. A beleza do ateísmo está na indiferença individualista às coisas da religião. Militar dentro do tema é fazer parte dele, falar sobre aquilo que não se quer fazer parte ), mas como ia dizendo, esse ateu superstar diz que o que motiva todo religioso é o medo de morrer. Aí está o que acabei de falar. O cara se mete a falar sobre aquilo que não sabe e solta um chute no vazio. O auge de meu medo de morrer foi entre meus 15/20 anos. E foi ao mesmo tempo minha época mais descrente. Eu sentia pavor de morrer e odiava toda forma de religião. Via em todas uma forma de consolo para fracos. E só. Para mim, islamismo, gnosticismo ou hinduísmo eram iguais. Assim como eu não conseguia perceber que igreja e religião são tão diferentes como são rimas e poesia. A igreja se move na matéria, no comunitário e no comum, a religião é inefável, individual e original.
Ando tentando terminar A FILOSOFIA PERENE, de Aldous Huxley. É dificil. Há uma profusão de informação, de nomes, de citações. Huxley passeia pelos sufis, pelos católicos do inicio da idade média, pelos profetas menos conhecidos. E de começo ele já fala o que intuitivamente eu sempre soube: Nada é mais anti-religioso que a igreja. Qualquer igreja. Porque a verdadeira experiência religiosa é individual, não pode obedecer a ritual ou a leis exteriores a própria experiência. Mais que isso, para se viver essa experiência é preciso ter sentido de forma profunda a inadequação, o não-conformismo e a ânsia pelo "algo a mais". Huxley fala então do Eu, e isso encontra mais uma de minhas certezas, a de que toda infelicidade nasce da hiper-valorização do eu. O objetivo final de toda vida religiosa é a destruição do eu. Pois detrás dessa cortina enganosa vive aquilo que nos é mais precioso, verdadeiro e forte, o não-eu, o sem-nome, o inenarrável. A vida que é eterna por não ser eu.
Como dizer então que a motivação da religião é o medo da morte se seu objetivo e seu único pensamento é exatamente a morte do eu? Enquanto materialistas se distraem com bebidas, sexo e ciência, enquanto se envaidecem com sua razão, suas respostas óbvias e sua "coragem", o verdadeiro religioso se obriga a encarar o vazio, o nada, a destruição do ego. Onde o conto da carochinha?
Por favor, não pensem que sou um religioso. Se fosse não estaria aqui exibindo minha tese. Há vaidade no que falo e isso coloca por terra minha espiritualidade. Adoro dinheiro, sexo e gosto de beber. Mas ao menos tenho a humildade de admitir que pouco sei sobre a experiência de São João da Cruz ou de Rumi.
Hippies adoravam Aldous Huxley. Assim como amavam Hesse. Os dois, quando mal entendidos, pareciam dar um aval para um tipo de espiritualidade fácil. Uma espiritualidade "numa boa", individualista sem solidão e criativa sem riscos. Dava pra ler Sidarta e cair no mundo do sexo e drogas como se o barato fosse parte de uma auto descoberta. Para alguns poucos foi. Mas isso descambou num tipo de nova igreja. A igreja da religião util.
Hesse se perdeu mais que Huxley e o inglês escrevia melhor. Na visão de Hesse sempre há o âmago do romantismo alemão. Em Huxley o gosto de século XX é mais forte.
Por um breve milionésimo de segundo eu um dia pude quase ver. Senti o não-eu e pude me livrar de todo peso. Êxtase ou transcendência, palavra não há pra falar daquilo que não foi criado por palavras e por discursos. Não há como esperar uma mensagem ou um sermão tirados dessa visão. É a intimidade solitária de cada um perante o todo do universo.
Nesse centro do ser tudo é silêncio.

LADRÃO DE CASACA- MAURICE LEBLANC

   Foi Marcelo Coelho ao escrever sobre o personagem mítico de Maurice Leblanc que me acendeu a vontade de finalmente conhecer seus livros. Criado nos começos do século XX, Arsene Lupin seria a resposta francesa ao hiper-sucesso de Sherlock Holmes, mas claro, como bom francês, ele teria de ser o contrário do detetive inglês. Arsene Lupin é um ladrão.
   Um ladrão fino, elegante e ético. Um ladrão de bom gosto, que rouba obras de arte, móveis e jóias, um bandido que nunca usa de violência. Suas façanhas são descritas pela imprensa e a população ama seus feitos. Inteligência, é tudo o que ele tem como arma. Os contos têm o estilo Conan Doyle, são baseados no detalhe, no clima noturno e de mistério, tramas intricadas, complexas, e de uma clareza de conclusão absoluta. Deliciosos.
   Maurice Leblanc criou Lupin por acaso. Jornalista, havia fracassado em suas tentativas de ser "um autor". Um dia o editor lhe pede alguma coisa para ocupar um espaço, um "conto policial". Nascia Lupin e com ele uma febre nacional ( logo mundial ).
   Até os anos 80 se encontrava livros de Arsene Lupin em qualquer banca de jornais. Junto aos livros de Agatha Christie e Sherlock, Lupin era lido por estudantes, donas de casa e intelectuais. Um tipo de literatura de entretenimento que nunca envergonhava ou irritava. Não sei se ainda é lido. Há um livro de LPM nas bancas. Procure e leia. Voce vai se viciar. No caso, vicio sem culpa.

AS INFÂNCIAS DE MANOEL DE BARROS

Cresci brincando no chão, entre formigas. Eu tinha mais comunhão com as coisas que comparação.
Eu via toda tarde a mesma lesma se despregar da sua concha. Esses pequenos seres tinham o privilégio de ouvir as fontes da Terra.
Meu avô ganhou o desnome de lavador de pedras. Os andarilhos, os passarinhos e as crianças têm o dom de ser poesia.
Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que informam.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Tenho abundância de ser feliz por isso.
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande.
Sempre compreendo o que faço depois que já fiz.
São frases, pegas a toa, do livro desse menino Manoel. Todas falam como se fossem minhas. Ele cresceu no mato, lá pros lados de Corumbá. Era passarinho e insetos e rãs e lesmas. E o rio que passava detrás da casa.
Como escreve bonito o Manoel ! Ele mistura e tempera palavras e faz com que elas cantem. Elas sorriem e vivem soltas, inuteis, preciosas.
Tudo nele é feliz. Porque ele ama as coisas que são dele. Não ansia o distante ou o inexistente. Ele, como criança, olha a formiga e ama a formiga. A curiosidade de quem aprende. O amor de quem olha e vê.
Dá vontade de ler o livro todo de novo.
E vi que o homem não tem soberania nem para ser um Bem Te Vi....
Eu também amo aquilo que é pequeno, que passa despercebido, que ninguém dá bola.
Pombos, latas velhas, árvores mirradas, casas ensombreadas. Sapos, minhocas e pés de Mamona.
E também amo coisas grandes. Como Manoel de Barros. Seu livro é inacabável.