A FÍSICA OU A ARTE?

   Estou lendo mais uma biografia de Einstein. A que li alguns poucos meses atrás é boa, mas curta demais. Esta, a de Walter Isaacson, é longa e bem mais completa. Mas não é desse livro que desejo falar agora. O que passo a dizer, é que existe uma correspondência entre aquilo que a ciência revela e o "espírito" que rege o momento histórico e criativo do mundo humano. É como se as descobertas revolucionárias da ciência acontecessem apenas no momento em que nossa mente, ou melhor, a mentalidade geral da história, já estivesse apta a aceitar tamanha revelação. Digo isso porque tenho a certeza de que uma teoria como a de Einstein só poderia ser entendida e aceita no momento em que foi revelada. O mundo ao redor dele, o mundo da Europa e da América de 1905 ao menos, já estava pronto para entender e aceitar a hipótese. Posso dizer então que não é a arte que anuncia o tempo que virá. Nem a filosofia especulativa. Uma nova etapa na vida do homem sobre a Terra é anunciada por uma nova descoberta científica. Quero além disso enfatizar que não é a ciência nova que dá nascimento à uma nova época. A ciência dá um salto "ao mesmo tempo" que a mente universal.
  Einstein, entre 1905 e 1916, afirma e prova matematicamente, que não existe em todo o Cosmos nada que esteja em repouso. Mais radical que isso, afirma que o tempo só existe como parte do espaço. E que a matéria cria e é criada por tempo e espaço. Ele nos joga em um universo onde deixa de haver um ponto de referência, onde o antes e o depois passam a ser meras convenções, e a matéria se torna energia pura e imensa. Eis aí o mundo dos últimos 100 anos. Sem um centro, sem uma certeza, sem autoridade, sem antes e depois, onde tudo se conecta mas nada é central. Mais que o pensamento bobo do "tudo é relativo"- crença central do século- o que marca o século é a interconectividade de tudo, a ligação onde tudo é parte do todo e o todo é parte de um todo-outro e ao mesmo tempo se reduz ao ínfimo. O acaso fica de tocaia e toma vez no fim do século XX: os novos tempos são da física sem causa e consequência, o caos e o acaso como lei. Agora, após Einstein, o tudo é relativo será trocado pelo "sei lá porque".
  O romance de Proust, Joyce, Borges, Nabokov, Calvino, só pode existir após Einstein. Vários pontos de vista, ações concatenadas, tempo que não é rei, centro que se apaga. Autores como Tolstoi ou Henry James ainda são do mundo de Newton, tempo e gravidade comandam o ambiente, cada ação tem uma reação, um ato tem consequência previsível. Pois Isaac Newton, por volta de 1680, funda dois séculos de mecânica, de ordem racionalizada, de crença na história. ( Assim como antes Galileu e Kepler fundam a mentalidade sem Deus ). No mundo Newtoniano, aquele que ainda nos seduz, tudo pode ser previsto, basta que se conheça um lugar e uma ação para se prever uma reação. O tempo manda em tudo, faz nascer e faz morrer e as distâncias se medem em metros. É o ambiente perfeito para o romance, a sinfonia e a pintura.
  Einstein destrói tudo isso. O mais suave dos homens demole um universo. Tempo não existe, matéria é energia e distancias são relativas. Estar parado é impossível. Tudo se move, tudo se distancia, tudo se esvai...Esse o tema de toda obra de arte destes 100 anos. Estamos juntos nesta névoa. Caindo ou subindo, tanto faz, não há como saber; bem ou mal, em relação a que? Indo para a frente, mas como dizer "a frente" se não existe atrás? Usando apenas a razão, a lógica e, claro, bastante imaginação ancorada em números, ele descobre o mais fantástico dos mundos. este.

BORN TO RUN - BRUCE SPRINGSTEEN. GOTAS NA JANELA.

   Há um momento em que voce olha pela janela e vê gotas grudadas no vidro. Então a luz da lua ilumina essas gotas e um pássaro voa. E voce acha que alguma coisa foi perdida nesse momento. Como se uma taça tivesse caído e se quebrado. Os cacos podem ser colados, mas nunca mais o momento da queda será esquecido. Isso é Bruce Springsteen.
  Em 1975 os EUA estavam no escuro. Um presidente havia renunciado, a guerra estava perdida e não havia emprego. A costa leste via cidades sendo abandonadas ( Atlantic City ) e outras falidas ( Detroit, Philadelphia e New York ). Mas o americano é no fundo um religioso. E instintivamente sabe que é preciso morrer para poder viver. Rocky seria o filme do ano. Mas também havia Um Dia de Cão, Nashville, Taxi Driver e Jaws. Desespero, melancolia, loucura e medo. Críticos de rock diziam que 1975 era o pior ano da história. Falavam isso porque as bandas mais populares eram o Aerosmith e os Bay City Rollers. Ora seus bobos! 1975 foi o ano de Horses da Patti Smith, do Captain Fantastic do Elton John, do Siren Roxy Music e Young Americans do Bowie. 1975 foi ano de Born to Run. E é inescapável um dia escrever sobre esse disco.
  Em 1968 The Band salvava almas pela amizade. Um clube de amigos tocando no porão para convidar amigos a sair da névoa púrpura. Em 1975 Bruce cantava na rua. Gritava para tirar gente da depressão. Em 2018 ouço o disco pela segunda vez em minha vida. ( ouço Bruce desde 1984, muito, mas não este ). Em vinil, o lado A é um tipo de preparação para o que ocorre no lado B. Todo esse primeiro lado é uma fotografia da América. Bruce apresenta suas histórias como um tipo de Walt Whitman modernista. Sem ironia, Bruce crê em tudo que vê e em tudo que fala. Não há jogo nele. Quando digo modernista é pela época em que vive, seu estilo é romântico, se joga de alma. Thunder Roads é a confissão de alguém que espera a hora certa. Este é o terceiro disco dele. E acontece a hora: o lado B, um dos mais milagrosos do rock.
  O som de Bruce é uma mistura do sax das bandas negras dos anos 50, a batida de Phil Spector e o piano, tocado por Roy Bittain, um piano que é jazz, é erudito e é Broadway, tudo junto. O disco é um disco de piano, não de guitarras. O disco é um momento de plena e absoluta transcendência. Dessas faixas, quatro, saiu toda a carreira do U2 por exemplo. Mas também do Pearl Jam, Billy Joel, John Mellencamp, e mais toneladas de bandas, cantores e cantoras do mundo. A faixa Born To Run sozinha é um fonte de inspiração. Ela tem 4 fases e 4 andamentos distintos. Vai da balada estradeira até o dedilhado do piano que traz lembranças de noites brilhantes. Mas esta faixa tem o mesmo caráter de todo o disco: Bruce está morrendo e ao mesmo tempo começa a viver. Nisso ele é único, pois mesmo um disco sagrado, como por exemplo Astral Weeks, não apresenta o processo de renascimento inteiro, Van Morrison olha de fora, apresenta uma observação genial, enquanto Bruce é o que observa e ao mesmo tempo aquele que faz a via crucis.
  Sim, Bruce está imbuído da tradição protestante da América. Como diz Scruton, se você tirar a igreja da nação, a América desaba. Os shows de Bruce, shows sem fim, de entrega, são cerimônias religiosas, de fé, crença e de renovação. Há um momento em She's the One em que a mágica acontece plenamente. Uma espécie de suspiro, de suspense suave, como um passo insuspeito, em que todo o disco conflui para uma espécie de orgasmo sonoro espiritual. É um milagre. E quando a conclusão chega, na última faixa, longa, estamos dentro de Bruce. Como um flash sem tempo, Jungleland reverbera na nossa mente e alma.
  Born to Run é uma catedral musical. Bruce cria um estilo, hiper imitado depois, equivalente ao que Bach fez no barroco. Frase sobre frase num tipo de "fuga" bachiana. Acordes de piano em harmonias originais. Vocais rasgados como violoncelos graves. Refrões e riffs em função de uma ideia. 1975 foi um ano crucial. Os críticos nada entenderam. Como sempre o fazem.

CONFISSÕES DE UM HERÉTICO - ROGER SCRUTON. O MELHOR PENSADOR.

   Ayiné é o nome da editora. Mineira. Ela tem lançado pequenos livros, bem feitos e interessantes. Estilosos. Scruton tem sido publicado neste fim de mundo por 3 editoras diferentes. Bom sinal. Se voce nunca o leu, este livro é um bom começo. Ele traz textos publicados em revistas e jornais, e dois deles são inéditos. Felizmente o autor escreve muito. Ler seu pensamento é um prazer.
  Descobri Scruton por acaso e a identificação foi imediata. Ele não só raciocina como eu gostaria de poder, como vê o mundo de um modo que é irmão ao meu. Aqui darei uma geral muito breve deste livro. Tudo escrito abaixo é de sua fonte. Meus adendos vêm entre parênteses.
  O primeiro texto, Fingindo, toca num dos pontos que mais interessam aqueles que conhecem Scruton: a falsidade na arte. O modo como a arte moderna tem um caráter de embuste, onde críticos fingem ver complexidade onde só há vaidade. O artista finge se levar a sério, o crítico finge entender algo de imenso na obra e o público finge gostar. Todos ficam contentes e ninguém diz a verdade.
  O segundo texto é o mais bonito do livro. Fala dos animais. A princípio, parece que ele vai atacar a mania de defender bichos. Mas não. Ele ataca apenas os gatos. ( Leia e entenda o por que ). Scruton defende os animais selvagens, e dá motivo racional, não sentimental, para isso. E faz um lindo retrato, real, do que é um cão. Ele pensa como eu. Um bicho está longe de ser um bebê ou um ser. Mas ele tem sentimentos, tem emoções e deve ser tratado com dignidade. Mesmo que sua vida seja apenas caçar e ser caçado.
  Não falarei de todos os textos. Isto não é um resumo, é apenas um elogio. Mas tenho de citar o texto sobre a dança. Ele dá a melhor descrição sobre o que significa a música eletrônica e onde mora o valor da música POP. A dança, a dança a dois, em salão, grupal, com passos decorados, movimentos delicados, atenção ao parceiro, era uma linguagem que ensinava o jovem o jogo da cortesia, dos bons modos e da leveza no trato à vida. ( Lembro que mesmo meu pai, um anti social, sabia dançar valsa ). A música eletrônica nos faz dançar a sós, ou pior, em exibicionismo narcísico, onde o outro existe apenas para ser conquistado ou para ser nosso espelho. Não há ritual, regras, modos ou cuidado com o parceiro. Não há na verdade parceiro nenhum. Scruton, que sabe muito de música, fala sobre a harmonia, a melodia, a função educativa que elas possuem, e de como, mesmo na mais banal das melodias POP, elas ainda tentam sobreviver.
  O mais profundo dos textos é aquele que fala da hora certa de morrer. Esse toca numa ferida. Haveria momento certo para se morrer? Vale a pena viver uma vida de doença? Não há como eu resenhar este texto. O desenvolvimento do pensamento de Scruton é astuto e poético. Precisa ser lido. O que digo é que ele fala que a vida é uma questão de profundidade e nunca de duração.
  Há ainda textos sobre o luto, a tela e a internet ( o menos bom deles...ele não erra, mas é quase óbvio ), formas de governo, o que é o conservadorismo ( inexistente neste canto de mundo ), arquitetura, ícones visuais. É um banquete para o cérebro e um guia para o coração. Voce tem de ler este livro. Sua mente o merece.

DOIS CASOS DO LIVRO DE MICHAEL KORDA.

   Deixe-me contar dois momentos muito interessantes que mostram a beleza do livro que resenho abaixo ( Michael Korda, Asas de Águia ).
 Primeiro: Um piloto alemão é atingido e salta de paraquedas. Cai em um campo de golfe. Recolhido por associados, ferido, é levado ao bar do clube, "para ser reanimado". Um dos sócios, ao ver o piloto no bar, exclama: "Meu Deus! Olhe esse sócio! Como deixaram ele entrar vestido assim?"
 Segundo: Em gloriosas manhãs de inverno, pessoas fazem piquenique. A postura inglesa, sempre fleugmática, foi a de encarar tudo como se nada estivesse acontecendo. Pois bem, todos olham para o céu e observam a batalha no céu. Sem som, pois a distância é muita, aviões se perseguem e deixam rastros brancos no azul. Explosões laranja, quedas e chamas...os sanduíches de pepino são servidos, o chá, e a vida continua...
  PS: Os alemães sentiram na pele essa fleuma pela primeira vez ao captar as previsões do tempo: "Aqui é a BBC falando...Tempo bom hoje com previsão de garoa e neblina por toda a tarde. 9 graus".
  Só na Inglaterra isso é chamado de tempo bom! Cancelem a missão!

13 Hours That Saved Britain (Battle of Britain Documentary) | Timeline



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COM ASAS DE ÁGUIA - MICHAEL KORDA

   Sir Hugh Dowding é o personagem principal deste livro. Foi ele quem, ainda nos anos de 36-37, teve a desacreditada ideia, de dar à Grã-Bretanha, um sistema de radar e de comunicação que fez com que em 1940, a Alemanha de Hitler e de Goring pudesse ser detida. Foi Dowding que inventou o sistema que vemos em qualquer filme de guerra atual: a sala com uma mesa onde vemos o avanço de tropas, navios ou aviões; um quadro na parede com batalhas em tempo real; linhas telefônicas ligadas a radares; liderança central e coordenação de todo um território minuto a minuto. Os nazistas vinham em ondas de aviões, mas os ingleses já sabiam de onde eles vinham e quantos eles eram. Para preservar pilotos e aviões, Dowding liberava apenas o necessário para cada missão. Os alemães nunca souberam assim, quantos eram os aviões ingleses no total. ( Eram muito mais do que eles pensavam ).
  Beppo Schmidt talvez seja o cara que fez a Alemanha perder. Era o informante alemão. E nesse papel ele foi um desastre. Informava que pistas abandonadas ainda eram usadas, confundia fábricas com centros de armas, campos desertos com áreas militares. Preguiçoso, bastaria ter lido um guia turístico para saber onde jogar suas bombas. Sim!!!! Korda diz que o guia Shell de turismo informava onde estavam as bases militares. Todas elas. Beppo jamais leu esses guias. Usava apenas seu binóculo em viagens de espionagem regadas à vinho e mulheres...
  Os alemães erraram e muito. Acreditavam que os ingleses, covardes, se renderiam ao primeiro tiro. Hitler não queria invadir a ilha, ele esperava uma rendição rápida e sem dor. Acabou tendo de lutar, e Goring, líder da aeronáutica, era uma figura patética. Hiper vaidoso, cercado por luxo, inflexível, mal visitava suas bases, trancada em seu palácio nos arredores de Paris. Os pilotos alemães foram jogados ao acaso em missões sempre mal planejadas e mal nutridas. Mas houve mais...
  Tivesse atacado com tudo logo após Dunquerque, Hitler poderia ter vencido; mas ele deu tempo à Dowding. Comemorando a posse da França, o tempo se esvaiu, e quando se voltou para a ilha ela já estava pronta. Spitfires e Hurricanes a postos, eles eram mais rápidos que os Stukas e os Bf 110 da Alemanha. Korda descreve as batalhas acontecidas entre agosto e outubro de 1940, dia a dia, perda a perda. Dá nome aos pilotos heróis, dos dois lados, fala dos voluntários do Canadá, da Nova Zelândia, da Polonia, os tchecos, os americanos. Nos sentimos no dia a dia desses jovens, sem poder dormir, partindo em até 4 missões por dia, com uma expectativa de vida de cinco missões. A adrenalina nos é passada pelo texto, nos sentimos no ar, em perigo, olho a olho. Os esquadrões de milionários, com suas echarpes de seda e seu glamour; os esquadrões de artistas; as mulheres nas bases sob bombas. É o tipo de livro que não se consegue parar de ler.
  Michael Korda, o autor, lutou na Hungria na revolução de 1956. Piloto, é filho de Vincent Korda e sobrinho de Alexander Korda, dois emigrantes húngaros que são nomes centrais no cinema inglês dos anos 30 e 40. Até Oscar eles ganharam. Michael escreve com elegância e nunca parece ufanista. Inclusive reconhece que Londres só foi bombardeada depois que Churchill mandou jogar bombas sobre o território alemão. Todo o acaso da guerra, e da vida, afloram no texto.
  Que delícia de se ler...

RETRATOS DA INFÂNCIA, NA IMIGRAÇÃO JAPONESA DO BRASIL.

   Sai agora esse livro, bonito, sobre a vida das crianças japonesas em seu cotidiano brasileiro. Fotos, muitas, lindas! Há uma em que a mãe, no porto, vê o navio perdido na névoa, que é de uma sublime beleza. Fico um tempão olhando e viajando com essa imagem. Mas tem mais, muito mais: Crianças e seus brinquedos, escolas, e trabalho, muito trabalho, pois elas trabalhavam como adultos a partir dos 10 anos de idade. Destaco duas histórias:
  Morando em fazendas, nos cafundós do nada, muitas crianças morriam sem tempo de chegar ao médico. Fico sabendo de um doutor que percorria, de carro, apenas ele e seu motorista, 112 escolas em 112 cidades, para atender os alunos. Que belo filme não daria a bio desse japonês!!!! Mas...sabemos que esse tipo de filme não interessa aos "gênios" do cinema brazuca. Então deixa pra lá.
  Mamagoto, um jogo japonês que era jogado nas escolas da colônia. Percebo que na minha escola se jogava muito isso! É mais um costume nipônico que pensei ser coisa de meu país.
  Impressiona uma foto da orla de São Vicente, os hotéis parecendo coisa de Cannes...Hoje vemos no lugar os espigões tortos e sem estilo. A cidade teria sido salva se as construções "europeias" tivessem sido preservadas...Mas não.
  O livro tem muito mais fotos que texto, é todo pautado pelo acervo do museu da Liberdade, na rua São Joaquim.
  Indico a quem se interessa por história, por fotografia e claro, pelo Japão.

A LIÇÃO DO MESTRE - HENRY JAMES. A ESCOLHA IMPOSSÍVEL.

   A Lição do Mestre sai na série exclusiva da Cultura. Uma novela de 100 páginas, em que o mestre James, narra a história de Paul Overt, um jovem escritor recém publicado. Numa festa ele conhece seu ídolo, o veterano escritor St George, além de sua esposa, e uma amiga do casal, a bela e entusiasmada Marian. Paul se apaixona por Marian, mas seguindo conselho de St George, ele se isola por dois anos para escrever seu grande livro...O resto não digo.
   Escrito em 1888, James joga a questão mais relevante na arte da época: É possível viver e ao mesmo tempo fazer arte de verdade? Questão que hoje nos é inimaginável, esse tipo de sacerdócio da arte, foi a filosofia central da vida de Pater e dele atingiu Mallarmé, Proust, Pessoa, Wharton, Pound, Eliot e tantos outros. O grande artista jamais deveria se casar, e caso se casasse, nunca deveria ter filhos. Sua vida era a arte e a arte era uma vida mais real que a vida cotidiana. Henry James esposou essa ideia e nunca se casou. Todos esses artistas, em nosso tempo hiper sexualizado, têm a suspeita de homossexualidade ou de taras variadas, pois nosso mundo não quer aceitar a ideia de uma vida sem sexo nenhum. Esquecemos que um compromisso gay ou uma série de paixões são também uma traição ao sacerdócio da arte.
   Henry James foi o maior escritor da época auge do romance. Tempo em que sem cinema, rádio ou telefone, era o livro a única e grande diversão dentro de casa. ( Havia teatro e ópera fora de casa e jogos precisavam de um grupo de amigos ). Por isso entre 1750-1880 tanto se publicava e tanto se adulava a figura do escritor ( No mundo civilizado, claro ).  Hoje, tempo em que livro é apenas um item entre tantos outros, Henry James ainda impressiona e muito. Ele consegue mostrar o ponto de vista divergente de cada personagem, consegue provar a relatividade da verdade, e faz com que apenas tenhamos uma leve intuição sobre qual o sentido do que acaba de ocorrer. O mundo de James é um universo onde nunca iremos saber tudo o que é falado, por que as coisas são como são e onde entra a vontade de cada um. Eu não conheço nenhum escritor tão complexo e tão delicioso. Complexidade prazerosa, pois ele escreve como um pianista pensativo.
  Eu realmente amo esse mestre.

ARETHA

   Ninguém precisa chover no molhado e dizer que ela foi a melhor. Numa geração que tinha Diana Ross, Tina Turner, Gladys Knight, Roberta Flack e Janis, ela foi rainha. Sua voz tinha fogo. E ela cantava fácil, sem forçar. E nunca se exibia. A primeira vez que a escutei pensei logo na força de uma revolução. Ela trouxe o gospel das igrejas negras para as rádios brancas do sul dos EUA. O mundo conheceu o êxtase.
  Mas não há muito o que dizer sobre ela. Todos vocês a conhecem e sabem o que ela fez. Volte à igreja Aretha e cante agora para o maior dos pastores.

Jackson Browne "Sing My Songs to Me / For Everyman"



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A HORA DE CRESCER SEMPRE CHEGA...FOR EVERYMAN, UM DISCO DE JACKSON BROWNE.

   A hora de crescer sempre chega, sonhos terminam quando temos de acordar e a união pode se mostrar uma prisão. Jackson Browne começa sua carreira em 1967 como compositor de NY, urbano. Dá uma canção para Nico que a grava. Depois o reencontramos em 1971, californiano, dentro da vaga de compositores e cantores do estado do sol e das estradas sem fim. O tema de todos esses caras é o ficar adulto. Jackson talvez seja o melhor deles. ( Joni Mitchell, Randy Newman, James Taylor, Carly Simon, Paul Simon, Eagles, Carole King, Poco...todos beberam em The Band e Van Morrison ).
   Este é seu segundo disco, de 1973, e tem, como todo disco da turma, grandes músicos e grande produção. Aqui o destaque é a guitarra de David Lindley, um dos gigantes do instrumento, dono de um toque cigano, rock e blue. A voz de Jackson é cool, sua emoção está sempre sob controle, mas nunca reprimida. O timbre é jovem, voz de homem saudável, voz de californiano. Mas seus temas são todos dolorosos. Ele fala de solidão. De perder coisas. De acordar. E de ver a morte. Pense no som que um casal de ex doidos viciados escutariam para tentar se curar. Pense que eles estão acampados em Yellowstone. Pense que os dois escutam um disco de manhã, enquanto tomam café. É este o disco.
  Jackson é uma figura central na história do Pop dos anos 70 e 80. Ativista, relaxou sua produção, gravou pouco e se apresenta menos ainda. Continua sendo um homem bonito. Continua sendo o "americano alfa". Este disco é lindo.

RIMAS DA VIDA E DA MORTE - AMÓS OZ

   Amós Oz faz aqui um curto relato em tamanho, mas longo em duração. Um escritor vai ser homenageado, e para quebrar a banalidade da coisa, ele imagina a vida de cada pessoa que encontra. Desse modo, a leitora de um trecho do seu livro passa a ser uma tímida fã; o crítico que tece elogios é um chato; um jovem poeta se faz um adolescente suicida, a garçonete de um café se revela uma perturbada...e vai por aí. O livro é de um realismo duro, e o prazer passa longe de sua leitura. Mas ao mesmo tempo ele revela insights profundos, mostra de forma muito simples e muito convincente a riqueza que há na vida isolada, miserável, banal e única de cada pessoa. Todos são marcados pela dor, pelo medo e pela solidão. Cada personagem está á beira do choro todo o tempo.
  Entre eles, a geografia e a cultura de Israel faz presença unificadora. Todos e tudo estão fincados no passado e no agora do país. Eles são a nação, eles são o lugar.