VIDA SEXO E MORTE

   Estou lendo um livro de Amos Oz, e nele um dos personagens diz que o contrário-complementar de vida não é morte, mas sim sexo. Isso porque o oposto de uma coisa é aquilo que existe com ela, uma não pode existir sem a outra. Não há luz sem antes haver escuridão e a luz destrói a escuridão ao mesmo tempo. Onde há luz a escuridão não há, mas onde há escuridão, a luz também não existe. Simples isso. Mas vamos à vida e morte.
  A vida quando nasce, eis o pensamento comum, traz em si a morte, seu oposto. Onde haveria vida não haveria morte. Ou se está vivo, ou se está morto. O personagem diz que não é assim. Como?
 Por bilhões de anos a vida existiu sem que a morte existisse. Os primeiros organismo vivos, os unicelulares, não morriam. Eles se dividiam em reprodução assexuada. Cada um se tornava vários e esses vários eram os mesmos que os uns. E mesmo esse um original, misturado a seus descendentes, não morria. Pode haver um vírus original que ainda vive por aí. Não há como saber, pois ele é igual a seus descendentes. Isso prova que a morte não surge no universo junto com a vida. Ao contrário da luz, que só pode existir em oposição ao escuro, ou da alegria, que só pode ser percebida em meio a tristeza; a morte passa a existir muito depois da criação da vida.
   A morte começa a existir apenas nos organismos sexuados, sejam vegetais ou animais. É com a reprodução sexual que nasce o envelhecimento dos organismos e a inevitável morte. Portanto o oposto à vida é sexo e não morte.
  Por intuição, todo poeta sabe disso. Que ao entrar na vida sexual começamos a morrer. Mas o mais impressionante é a intuição da Bíblia, onde a morte nasce com a expulsão do Paraíso, que é consequência da consciência da diferença entre os sexos. Adão perde a imortalidade ao conhecer, e o conhecimento traz o tempo que traz a morte.
  Eis um tema digno de uma vida.

BECK HANSEN-STEELY DAN-RAEL-O QUE É NOVO?

   Para os que me acompanham fora do Brasil, Rael é um novíssimo cantor e compositor daqui. Supostamente ele faz música para jovens. Supostamente, música jovem. Ok.
   Ouço hoje Odelay!, do Beck Hansen. O disco tem já 22 anos! E sim, está encapsulado em seu tempo. É um disco de 1996. Voce ouve e lembra na hora de Beastie Boys, Sonic Youth e os Dust Brothers. Voce lembra de uma América estranhamente pessimista e ao mesmo tempo cheia de energia. O disco é genial, mas será ainda instigante? Vejo 3 alunos de 16 anos escutando o disco pela primeira vez. Não se apaixonam pelo cara. Mas acham "legal". A questão é: Para eles, anestesiados por um milhão de músicas nos ouvidos por dia, alguma coisa pode ser mais que "legal"?
   Não se discute aqui se Beck foi hiper valorizado em seu tempo, claro que não foi, ele pode ter sido até sub valorizado, pois não tinha glamour, o glamour que os Pumpkins tinham e depois os Radioheads tinham. O que discuto é se nesse Kosmos de sons sem fim, ainda se pode sair do anestesiamento e se apaixonar por um som por mais de um mês. É como um "Donjuanismo" sonoro: Voce ouve e ama tanta coisa que perde o dom de amar.
   Posto o som dos Them de onde saiu o riff sublime de devil haircut.
   O Steely Dan nem devia estar neste post. Mas é que ouvi todos os discos dos caras. É atemporal. E por isso, em 2076 ainda será amado. Ou pelo menos será "muito legal".

UM MUNDO MORTO E ENTERRADO BEM FUNDO: LENDO "AS PALAVRAS NÃO SÃO DESTE MUNDO" DE HUGO VON HOFMANNSTHAL

     Existem livros escritos em certas épocas que não parecem tão mortos quanto os livros escritos na Vienna de 1900. Lendo Chaucer por exemplo, autor medieval, sinto uma coisa viva, vibrante, quase completamente contemporânea. A literatura do século XVIII em grande parte está dando pulos de saúde. Mas os autores da cultura Austríaca de antes da guerra parecem existir em um mundo perdido, tão distante de nós quanto o barroco. É um mundo de beleza, é um mundo que deve ser conhecido, mas ele é frio, sem movimento, e fala de coisas que nos são muito estrangeiras. É como ler algo escrito por um plutoniano.
    Hugo Von Hofmannsthal foi um gênio. Poeta, dramaturgo, contista, ele é o centro aristocrático dessa cultura. Viveu entre os anos finais do século dezenove e os anos 20 do século XX. Neste livrinho lançado agora pela Ayiné, bela capa, podemos ler a correspondência entre o poeta aos 20 anos e um amigo de mesma idade. O amigo é marujo aprendiz e viaja pelo mundo todo. O poeta se prepara para ser soldado. Apesar de serem ambos da elite, é isso que se espera deles, a vida militar. O amigo é pessoa triste, perdido, inconformado. O poeta já revela a pose olímpica de um literato de então. Há nele muito do espírito de Rilke e de Wiittgeinstein. É a cultura do distanciar-se da vida e da não confiança em relação às palavras.
   O poeta diz que as palavras são coisas fora da vida. Que a vida são impressões recebidas pela alma, e as palavras são apenas uma coisa paralela, irreal, criação artificial do homem. O poeta tenta unir alma e palavra, ação impossível, mas se tenta mesmo sabendo ser um fracasso contínuo.
   É bonito perceber como os dois mudam em 3 anos de cartas. E em como a troca de carinho entre eles é até chocante para nós. Somos muito mais frios. Nossa cultura caminha para a indiferença desde sempre.
   Ser um gentleman é o grande objetivo dos dois, há um amor pelas língua inglesa. Gentleman é para eles: ter cultura e bons modos, não se exaltar sobre nada, sofrer a dor sem se deixar abater. Os dois amigos seriam hoje tratados como bipolar.
   Leia este livro curto e simples. É um belo passeio por duas almas adolescentes.

UMA COMPARAÇÃO ENTRE DOIS MUNDOS.

   Leio em seguida a Ilíada este livro de 1440. É um choque absoluto. E serve, muito, para expor o que mudou entre esses dois mundos tão opostos.
   A Imitação de Cristo foi, no começo do livro impresso, um best seller. Todo cristão deveria o conhecer de cor, e toda Europa era então cristã. Poderíamos dizer inclusive que o século XV foi o último século do cristianismo como união europeia. Em seguida viria Lutero.
   Thomas de Kempis nasceu perto de Colônia, na Alemanha. Foi padre agostiniano e morreu aos 91 anos. Seu mosteiro ficava na Holanda e lá ele era responsável por receber os noviços. Seu livro, sucesso desde sempre, ensina a seguir os passos de Cristo. Pode ser resumido em 3 preceitos:
1- Devemos viver dentro de nós mesmos, pois é lá que Deus fala conosco.
2- Devemos estar prontos para a dor, pois viver é sofrer.
3- Devemos negar a vaidade. A humildade é o que nos leva ao caminho.
   Na Ilíada existe dor. Ao contrário do que pensam os anticristãos, a vida na Grécia era tomada pelo medo. Os deuses vigiavam o mundo e esses deuses eram imprevisíveis. É estranho ver que nenhum deles tem uma ética. São deuses imprevisíveis e temperamentais. Tudo o que o homem pode fazer para os agradar é homenageá-los com sacrifícios e templos. Cada dia e cada manifestação da natureza pode ser um presságio. O homem da Ilíada vive assustado e em guerra.
  No cristianismo há uma negação de tudo isso. O cristão conhece a Lei de Deus. São regras claras e se não forem seguidas, voce é livre para as negar, as consequências não virão aqui e agora, elas cairão sobre o homem no futuro. Agradar a Deus é negar o mundo da natureza, é viver dentro de si, isolado do mundo. Não se assuste com esse "negar o mundo". Pode haver caridade, mas o centro dessa fé é a busca por Deus dentro de si mesmo. E Ele se encontra na negação da vida e na negação do eu. Eis a grande mudança: na Grécia e no mundo antigo, o herói é aquele que tem um ego imenso. São vaidosos, arrogantes, violentos, se impõe pela força. Aqui, a partir de Jesus, o herói nega seu próprio valor. Ele é apenas mais um, o último dos últimos. Não tem força física, não tem vaidade, na verdade a odeia, não se vê como nada mais que um pecador, um trapo, um ser feito para padecer. É um tipo de herói não heroico, um herói inconsciente, um herói que se manifesta em bondade e altruísmo por graça de Deus e jamais por mérito próprio.
   Esse cristianismo se perdeu. Mas foi hegemônico por 1000 anos ( de 500dc à 1.500 mais ou menos ). Com a ciência o homem sai de dentro de si e passa a valorizar o olhar sobre as coisas. Conhecer deixa de ser entrar para seu centro e passa a ser ir ao mundo e o explorar. Esse o credo dos últimos 500 anos.
   Um belo livro este.
  

The Iliad - what is it really about?



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LENDO A ILÍADA ( FINALMENTE )

   Compro em um sebo uma versão do livro de Homero. Capa dura, com ilustrações, tradução de Carlos Alberto Nunes, edição de 1962. Felizmente a tradução é em versos e devo dizer, é belíssima!
  Poetas já falaram que foi Homero o maior dentre eles. Por ter sido o primeiro, ele está ao lado da fonte de onde brota o impulso de cantar. Agora, conseguindo o ler, quase concordo com isso. A leitura flui como rio e sinto um prazer imenso enquanto leio as descrições de batalhas, presságios, cenários, dúvidas. Tudo surge com ares de sonho, de algo que sempre esteve ali. Para nós, cultos do ocidente, ler Homero é como escavar uma raiz.
  Os guerreiros guerreiam, os deuses tramam, matam-se bois, invocam-se deuses, mais guerra, muitas mortes, descrições de vísceras. Mundo onde se come carne, se raptam mulheres, se guerreia e se sacrifica bois aos deuses. Mundo onde o humano e o divino estão completamente unidos. Os deuses estão conosco todo o tempo, e tudo o que fazemos e sentimos é por eles ditado. Deuses que são como nós, as mesmas falhas, as mesmas paixões. Única diferença: deuses não morrem.
  Dizem que a Ilíada era tudo que um grego precisava saber para viver. Eles decoravam o poema e o usavam para se guiar na vida. Penso eu que 2.600 anos mais tarde, a Ilíada nos ensina a morrer. Há algo naquela profusão de mortes que faz dela um ato mais que natural; uma parte certa e nobre da vida.
  E você se pega dentro do canto, pois ela era cantada, você se pega súbito contemporâneo de Heitor, de Ajax, de Glauco. Um tipo de hipnose se faz. Palavras longas passam a ser faladas com facilidade, nomes gregos são conhecidos como vizinho, sua mente encontra um tipo de ritmo, a Ilíada se torna terapia. Eis nossa raiz, guerra-deuses-morte-sacrifício. Eles vivem em ação, atos que estão concatenados a outros atos. A vida dessa Grécia, antes de Platão, antes da filosofia, é uma vida que flui sem parar, flui em ação não segmentada, flui em fluxo contínuo.
  Há algo de tolo de minha parte em falar de Homero. Infelizmente Homero é hoje tema apenas de filólogos, linguistas, antropólogos...Sou tolo por falar da obra apenas como leitor, apenas como alguém que tira prazer da leitura. Pois me surpreendo ao conseguir ler sem esforço, naturalmente, musicalmente.
  Não sei o que mudou em mim. Antes nada entendia e logo desistia. Mas agora...será mérito da boa tradução?
 

Phase IV Trailer (1974) Saul Bass Director Feature Film - HD Classic Tra...



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FILMES

   GAUGUIN, VIAGEM AO TAHITI de Edouard Deluc com Vincent Cassel
Adivinha só...acertou! Uma bio de Paul Gauguin que o transforma num tipo de Cristo sofredor. Argh! O romantismo nunca vai morrer, continuamos a ver artistas como mártires sofredores. Neste filme medíocre, Gauguin sofre mais que Van Gogh. Tudo pela arte! Na verdade Gauguin era um pedófilo perdulário aproveitador e bem mentiroso. No filme até as taitianas estão vestidas e têm mais de 25 anos de idade. ( Elas andavam nuas e tinham 13 ). Vivemos um tempo hipócrita.
   TERMINAL de Vaughn Stein com Margot Robbie, Mike Myers e Simon Pegg.
Talvez seja o pior filme da história do cinema. É um mix do pior de Tarantino com o pior de Guy Ritchie e doses de sobras de Rodriguez. É nojento. É burro. É imbecil.
   MATADOURO CINCO de George Roy Hill com Michael Sacks e Ron Leibman
Escrevi por aí sobre este filme. Filmagem de uma história de Kurt Vonnegut Jr, ele é absolutamente moderno e completamente instigante. Fala das idas e vindas no tempo de um derrotado, um loser total. O filme é lindo e tem um retrato da segunda guerra duro e sem firulas. O filme nos pega e não o esquecemos. Por ele, volto a dar notas. 9.
   NO MUNDO DE 2020 de Richard Fleischer com Charlton Heston.
No mundo do futuro vemos um policial mudar de lado e começar a questionar o mundo onde vive. Não é um grande filme, mas é interessante. O final é triste pacas. Nota 5.
   REPO MAN de Alex Cox com Emilio Estevez e Harry Dean Stanton.
Caramba! Difícil falar deste filme. Ele tem o pior dos filmes cult e o melhor dos filmes jovens. De ruim: falas horrendas, críticas à sociedade banais e óbvias, atores mal dirigidos. De bom: algumas cenas acidentais que funcionam de modo original e livre. São dois caras que recuperam carros que não são pagos pelos donos. O filme começa mal e melhora quando enlouquece de vez. Nota 6.
   COLOSSUS de Joseph Sargent com Gordon Pinsent e Susan Clark.
No futuro, 1980, o filme é de 1970; um super computador passa a tomar conta da politica militar de EUA e URSS. Eu achei o filme frio e os cenários bobos. Mas hoje ele tem fama de cult. Sargent é o diretor de Sequestro do Metrô, ele está sendo reavaliado nos dias de hoje. Nota 4.
   PHASE IV de Saul Bass com Nigel Davenport e Michael Murphy.
Saul Bass dirigiu só este filme. Ele, em 1974, ano desta produção, já era famoso como o desenhista de produção e de títulos mais genial de Hollywood. Fizera esse trabalho em Psicose, Vertigo, Dr Fantástico, e mais uma montanha de clássicos feitos entre 1955-1972 . E então lança este pequeno clássico. Há uma explosão estelar e as formigas na Terra passam a se comportar de modo estranho. O filme, frio, lento, seco, simples, ainda provoca medo. E faz algo de muito perturbador: nos deixa olhar o planeta como se nós não fossemos a espécie mais importante. É um filme muito, muito original. Nota 7.
   IMPÉRIO DO CRIME de Joseph Lewis com Cornel Wilde e Richard Conte.
Policial contra mafioso. Entre os dois, uma mulher. Não envelheceu um dia este filme escuro e muito, muito sexy. Na verdade tudo gira ao redor do desejo pela mulher. A fotografia é uma das mais inventivas da história do cinema. É um desses filmes obrigatórios. Nota 9.
   MOEDA FALSA de Anthony Mann com Dennis O'Keefe.
Por falar em fotografia, John Alton fez deste filme uma aula de como criar grandes cenas com poucos recursos. Um belo filme noir! Nota 7.
   NAS GARRAS DE FATALIDADE de Alberto Cavalcanti com Sally Gray e Trevor Howard.
Cavalcanti, brasileiro do Rio, de família tradicional, é ainda o diretor de cinema com melhor carreira fora do Brasil. Nos anos 40 fez filmes na Inglaterra, antes estivera na França e depois filmaria na Alemanha. Que bom filme este!!!! Mostra uma rede de bandidos em Londres. A cidade parece de pesadelo e o filme tem suspense de sobra. ( Só as cenas de briga são muito ruins ). Nota 7.
 
  

ROCK VELHO, ROCK NOVO

Primeira coisa: Neste texto quando falo "velho" ou "infantil" isso não é um valor, um adjetivo. É apenas um rótulo independente de julgamento. OK?
Rock Velho não é show dos Stones ou do Who. Um show dos Stones aos 75 anos pode ser saudosismo, experiência pra botar no currículo ou Peter Panzice way. Um show do Who pode ser testemunhar uma coisa quase religiosa. Mas não é esse "velho" que vou explicar. É outro muito mais discreto e simbólico.
Tenho 55 anos. Sou velho. Ou adulto maduro. Não importa o nome, passei da metade de minha vida faz tempo. Continuo ouvindo rock, embora ele não tenha mais a importância vital de quando eu tinha 20 anos. 90% das bandas, de ontem ou de hoje, não me dizem mais nada. Falam de coisas infantis, irrelevantes para quem tem mais de 40. ( A não ser que o cara continue vivendo como um cara de 18, o que seria beeeem estranho ). A gente, depois dos cabelos brancos, simplesmente não consegue mais se conectar 100% com um cara falando de futuro, amor ingênuo, fugir da casa do pais, saltar fora da escola ou ter ataques de deprê adolescente. A poesia pobre com rimas fracas também incomoda. Assim como a rebeldia de bandidinho da rua. Isso tem a ver com o som também. Riffs falam desses temas também. E a gente, velho, se sente fora disso. Vendo pela janela, não lá dentro da sala.
Os Stones em novos discos continuam fazendo esse tipo de som. Não só eles, mas velhotes vários insistem em fazer rock infantil. Eis porque digo que tudo isso independe de idade.
Mas existe um rock velho. Que pode ser gravado hoje e pode ser feito por um cara de 20 anos. Mas é velho no sentido de que ele passa a sensação de alguém que já viu demais, viveu demais, sabe muito mais do que ousa dizer. É um rock discreto, nada espetacular, cansado até, que cheira a charuto, tem gosto de whisky e rima com solidão aceita e até amada. Chris Isaak aos 25 anos já fazia isso. Era natural. Assim como é natural desde sempre a The Band ou JJ Cale. A turma da soul music nasce madura. O country gosta de ser velho. Mas o rock, esse luta como Neverland para ser sempre um teenager.
Acho que é só isso que vou falar. Rock velho não é verborrágico. Nunca. E   nem histérico.