MEU PRIMEIRO DISCO

   Fazia um calor africano. As cigarras cantavam alto e o capim seco estava imóvel. Fui pra casa almoçar, era uma da tarde e eu tinha 7 anos de idade. Em casa havia um certo rebuliço. Meu tio João tinha acabado de sair e deixara para nós uma coisa chamada LP. Na minha cabeça cheia de pipas e de lagoas, eu imaginei um violão. Estranho isso, mas foi o que pensei, e assim fiquei decepcionado quando vi que era um disco. Enquanto minha mãe terminava o almoço eu e meu irmão ficamos na sala ouvindo o tal disco. E isso se repetiria por semanas e semanas. Minha mãe descobrira que uma forma ótima de fazer com que eu e meu irmão sossegássemos era deixar o LP rolar.
  Gosto de pensar e falar que minha mente musical foi impregnada na infância com canções como Help, Lady Jane, These Boots Are Made for Walking, A Whiter Shade of Pale, I'm a Believer e To Sir With Love. Mas devo dizer que meu primeiro disco, totalmente decorado aos 7 anos, foi Em Ritmo de Aventura. Eu cantava as letras junto com o disco. Aprendi, mesmo às vezes não entendendo direito do que ele falava. A guitarra arranhada, a flauta doce, o órgão agudo, e principalmente o excelente contrabaixo rítmico se enfurnaram na minha cabeça. " O Cara que Tinha a Minha Cara" era minha favorita. 'Quando voce se separou de Mim" é a melhor. E ao escutar ele outra vez, hoje, mais de 40 anos depois, posso destacar sua ingênua beleza. E sua breguice encantadora.
  O disco foi feito para um país que ainda guardava nas botas a terra do mundo rural. A cidade era uma novidade, como era o carro, a TV, o rock e a língua inglesa. Era o fim do mundo do rádio, do francês e da lotação. As letras nesse contexto, são "singelas". Encanta hoje o modo galante, delicado como a mulher é tratada nas letras. Ela é uma princesa, ele é um príncipe. As rimas são pobres, os temas são todos sobre o amor, o cantor sofre muito, a menina é indiferente, ele espera, ela partiu. Mas isso tudo é dito com delicadeza, uma chuva de suavidade fofa, um zero de cinismo. Ele acredita no amor, realmente acredita. Mais que tudo: ele crê NELA.
  A mulher comanda o sentimento. O homem obedece.
  Musicalmente há muito daquilo que nos anos 70 viraria "o Brega". Amado Batista, Waldick Soriano, Altemar Dutra, todos usaram a guitarra rítmica e o órgão agudo que abunda aqui. Mas neste disco, de 1967, há algo que no brega não há, um contrabaixo dançante e arranjos de metais e de cordas que são econômicos, exatos, pensados. Sim, é um disco brega como brega é Tom Jones ou Neil Diamond; a realeza do brega, aquilo que o brega tenta ser e nunca pode ser por ser mera diluição. E digamos a verdade, não há uma frase neste disco que eu não tenha vivido com paixão. Nossas emoções quando purificadas são todas bregas. Amo e não sou amado. Quero e não posso ter.
  "Olha" é filha direta de As Tears Goes By dos Stones. Lá está o cravo, os violinos, a doçura de inverno e o nobre servindo sua dama. É ainda linda. Assim como linda é a pulsação de "Quando voce se Separou de Mim". O disco se ouve com prazer. Absurdo pensar nos top 10 discos do Brasil e não colocar um RC.
  E tem a voz. RC jogou fora seu dom quando quis ser Julio Iglesias. Ou ousou pensar ser o Sinatra do Brasil. Grande orquestra, grandes canções, era isso que ele queria. Não deu certo. Em 1967 sua voz convence, ela é clara, sincera, perfeita, exata. O controle é absoluto. Ele nunca exagera, nunca fica frio, nunca explode. É a voz do amor "made in Brasil", um pouco acanhado, muito adocicado, cheio de promessas, encantador. E cristalino.
  É um bonito disco.

INTO THE DARK, THE HIDDEN WORLD OF FILM NOIR, 1941-1950. - MARK A. VIEIRA

   Um livro sobre cinema, principalmente sobre o filme noir, precisa ter boas fotos. Este tem algumas das melhores fotos. E numa impressão perfeita. O preto e branco brilha e exala todo seu mistério sombrio.
  Para o autor, o filme noir começa em 1941 com Cidadão Kane e acaba em 1950, com Sunset Boulevard ( O Crepúsculo dos Deuses ). Claro que não concordo. Para mim em 1938 já existiam filmes noir e depois de 1950, até 1955, foram feitos mais filmes desse tipo. Mas tudo isso pode se discutir.
  O certo é que nunca houve um movimento proposital, um estilo cinema noir. O livro traz críticas dos filmes feitas na época, além de entrevistas e comentários de donos de cinema colhidos entre 1941-1950. Nesse tempo, o que conhecemos como filme noir era chamado de "drama policial" ou até "melodrama violento". Os críticos consideravam os filmes apelativos, violentos demais, imorais, e nada, nada críveis. Eram considerados exagerados. Falsos.
  O termo foi inventado pelos críticos franceses que se maravilharam com aqueles filmes urbanos, tão americanos, cheios de carros, armas, homens amargos e mulheres muito ruins. John Huston, Robert Wise, Anthony Mann, Robert Siodmak, Otto Preminger, Fritz Lang, Billy Wilder, esses são alguns dos caras que lapidaram esse estilo. Out Of The Past de Jacques Tourneur talvez seja hoje visto como o ápice do estilo, mas The Killers, D.O.A, e Gun Crazy também podem almejar essa honra.
  Um amante sério, verdadeiro, de cinema, sempre terá o filme noir como seu estilo mais central. Dá pra entender um amante de filmes que tenha um certo pé atrás com musicais, faroeste ou cinema mudo; mas o noir é imperdoável. Não se apaixonar por aqueles diálogos, as imagens, as surpresas, é como amar jazz e ignorar Miles, ou amar rock e deixar The Who de lado.
  Grande livro. Grande presente.

LINHA M - PATTI SMITH

   O livro tem fotos espalhadas pelos capítulos curtos. Fotos em preto e branco, bem comuns. Isso logo me lembrou os livros do Sebald. E Patti em certa altura fala do Sebald. Ela lê o alemão genial. Assim como lê ou leu Bronte, Paul Bowles, Nabokov, Genet, Camus, Plath, Harukami... e toma café. Baldes de café em cafeterias mundo afora.
  O livro fala de café. De bancos ao canto em cafeterias. De café bem tirado. Quente. Patti pensa. Ela está com 66 anos e bem só. Fred Sonic morreu faz 20 anos. Os filhos cresceram. Ela vive com gatos e livros. Ela escreve sobre Fred, sobre os livros que ama. E café.
  Viaja ao México. Vai pra Europa. Faz palestras. No Japão visita túmulos. Vai ao de Kurosawa e de Ozu. Limpa túmulos. Patti sente os espíritos. Mas não consegue sentir Fred, seu morto.
  Ela é doida por séries policiais na TV. Killing. CSI. E Dr. Who. Não se fala de música neste livro. Se fala do dia a dia, banal e irreal, de uma senhora que envelhece.
  Tanta coisa em comum entre eu e ela... o café, Kurosawa, Ozu, Sebald, os livros ( ok....50% dos livros ), a mania de tirar fotos de coisas que ninguém liga. E esse amor aos que partiram, aos ausentes, aos distantes.
  Ela diz que vivemos cercados de intrusos e que amamos aqueles que são os não presentes...
  É um livro de tardes de chuva.

UM DIA F &**%$## NA VIDA DE TONY ROXY.

   Sei lá porque o cara sentou ao meu lado no banco e perguntou se eu havia assistido MATRIX. O primeiro é um filme absoluto e os outros um lixo. Então a gente falou de que no espaço não existe alto e baixo ou ir para a esquerda ou para cima. E que se a gente acha que esses conceitos são universais é porque existe uma matrix que conforma nosso cérebro ou mente ou o que for.
 Conto pra ele o papo da escrita em linha. Por causa da gente ler em linha reta a gente acha que todo pensamento é uma linha, linear. Mas não. O pensamento nosso é conformado numa linha para poder ser lido pela nossa mente racional e lógica. Mas pensar é circular. Explosivo.
 Vou pra casa e boto uma pulseira que muito raramente uso. Volto à escola e de noite um garoto chinês vem falar comigo. Pergunto se a menina que ele namora é japonesa. Ele diz que não. Mas que ela parece japa de tanto ler mangá. Então a gente fala do Japão e ele me pergunta se conheço Akira. E daí ele pergunta se já assisti MATRIX. É, ele pergunta.
 Então a gente conversa de física. Ele quer ser físico nuclear. Falamos do tempo como conceito abstrato, das distâncias ilusórias. Ele fala que Jesus Cristo pode ter sido uma ilusão colocada em nossa mente. Ou o contrário, que o milagre pode ter sido obstruído de nossa mente. Nunca saberemos ou talvez a gente já saiba.
  Um homem deixa a chave de sua moto cair na grade de um bueiro. Então ele pergunta se um de nós tem um gancho, uma corrente, um imã...Lembro que o fecho da minha pulseira é um imã. Pego a chave dele e noto que o comprimento da pulseira é exatamente o mesmo da profundidade onde a chave caiu.
  Volto pra casa e minha ex escreve que a vida é uma luta. Cabe a nós perceber a linguagem.
  Tá.

NOBEL

   Todo mundo sabe que eu gosto do Bob. Adoro a sensação de aventura que ele dá. Mas odiei o Nobel ser dado para ele. Porque ele é um músico, ele compõe música e sua poesia, em livro, não funciona se não for cantada. Bob concorre com Leonard Cohen, Lou Reed, Patti Smith, Neil Young, os grandes letristas do rock. É no mínimo esquisito colocar Bob ao lado de Philip Roth ou de Amos Oz. Não é questão dele ser melhor ou pior, é questão dele ser de outro universo.
  O Nobel se vulgariza. Fica POP. E se é assim, então que vença logo Caetano. E que a gente coloque Cole Porter ao lado dos grandes escritores que mereciam ter ganho e nunca venceram.

JUDE LAW JUDI DENCH HELEN MIRREN JOHN WAYNE ROGER MOORE EWAN MCGREGOR COLIN FIRTH NICOLE KIDMAN

   O MESTRE DOS GÊNIOS de Michael Grandage com Colin Firth, Jude Law, Nicole Kidman, Laura Linney e Guy Pearce.
Baseado no livro que conta a história de Max Perkins, o editor da Scribner and Sons que lançou Fitzgerald, Heminguay, Caldwell entre muitos outros. Seu favorito era Thomas Wolfe e é ele que o filme retrata. Primeiro devemos dizer que um editor nos EUA nada tem a ver com um editor daqui. Ele pega um texto e o adapta, muda título, corta, modifica. Claro que com a ajuda do autor, que pode ou não aceitar as sugestões. Perkins cortava. Colin Firth é um muito grande ator. Que está sendo requisitado demais para fazer tipos reprimidos. Esse papel ele tira de letra. Jude Law está brilhante. Ele faz Thomas Wolfe sem jamais cair no artificial. O que seria fácil, já que Wolfe parecia uma caricatura viva. Ele falava sem parar e seus livros chegavam a ter 5000 páginas!!! Perkins cortava e cortava e então os editava com um tamanho decente. O filme é a história dessa relação de amizade e de dependência. Se o filme cai às vezes na chatice é graças a personalidade de Wolfe, um chato completo. Guy Pearce faz um Fitzgerald delicado e muito real, e é um alivio a hora em que surge Heminguay. Em 3 minutos somos cativados por uma personalidade que parece vitalista, forte e adulta. Engraçado....vemos um filme sobre Wolfe e saímos dele querendo reler Heminguay... Eu li Thomas Wolfe uns 20 anos atrás. E lembro que pensei: Eis um gênio! E também: Eis um tolo! O filme fala de gente criativa num estilo quadrado, esse um problema comum do cinema atual. Mas é um filme que deve ser visto. E é obrigatório para quem ama livros. Nicole Kidman faz o papel da esposa de Wolfe. Fácil pra ela: a esposa de Wolfe se parece com Nicole Kidman.
   007 CONTRA O FOGUETE DA MORTE de Lewis Gilbert com Roger Moore e Lois Chiles.
Um dos mais debochados 007. É aquele que tem cenas no Rio, no carnaval de 1978. Um bandidão rouba ônibus espacial para destruir a Terra e começar uma nova raça. Roger Moore era impagável. Ele leva tudo na brincadeira, um cara inteligente que sabe todo o tempo que aquilo tudo é uma gostosa bobagem. E nos faz participar do brinquedo. Não é um dos bons 007, é um dos mais sem sal, mas Roger quase salva o filme. Quase.
   SEXO, DROGAS E JINGLE BELLS de Jonathan Levin com Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen e Anthony Mackie.
Reencontro de amigos na véspera do Natal. Um fica doidão demais, outro é o bonzinho que reencontra amor perdido e o outro é um ricaço que se humaniza. Comédia que não faz rir apesar de apelar a tudo o que seria "engraçado". O humor acontece quando a coisa nos pega de surpresa, riso está ligado a inesperado. Aqui tudo é esperado.
   ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO de Rodrigo Garcia com Ewan McGregor, Ciaran Hinds
Sim, Ewan faz Jesus Cristo em seus dias de solidão no deserto, momento em que Ele se lança ao sacrifício. É um dos piores filmes do ano e tem uma das piores atuações da história do cinema. O pobre Ewan parece o tempo todo um britânico bem louco vagando pelo deserto à procura de uma rave. O texto é pobre, as imagens são banais e a mensagem é nula. Tenta ser Terrance Malick e é apenas mais um filme lento sobre nada com coisa nenhuma.
   O GRANDE AMOR DE NOSSAS VIDAS de David Swift com Hayley Mills, Maureen O ´Hara e Brian Keith.
Um filme Disney de 1961. E é uma delicia de filme fofo. Hayley faz dois papéis, duas irmãs que nunca se viram. As duas se encontram num camping de verão, se odeiam, se tornam amigas e descobrem serem irmãs. Uma foi criada pelo pai, a outra pela mãe, e agora farão de tudo para unir os pais novamente. Esse argumento, que tem tudo para ser um desastre, dá maravilhosamente certo. Dá certo porque os atores são adoráveis, e principalmente porque em 61 ainda se podia crer num filme deste tipo. É filme família, daqueles que nos deixam de bem com a vida.
   DESBRAVANDO O OESTE de Andrew V. McLaglen com Kirk Douglas, Robert Mitchum, Sally Field, Richard Widmark.
Algumas pessoas gostam de dizer que McLaglen só fez tantos filmes por ser filho de um ator muito querido. Vendo este lixo se dá razão a esses caras. Uma mixórdia sem sentido onde todos os personagens agem sem um motivo e a ação sempre aparece fake e frouxa. Se voce quiser saber o que é uma direção ruim veja este filme. O elenco, que não poderia ser melhor, apenas está lá, a cabeça longe daquela bagunça toda.
   A LONGA VIAGEM DE VOLTA de John Ford com John Wayne, Thomas Mitchell, Ian Hunter
Escrevi abaixo sobre Ford e este filme. Talvez seja seu melhor. Ele pega 3 contos de Eugene O'Neill, todos sobre o mar, e os une em uma história de amizade, dor e luta pela vida. Difícil falar de algo tão sublime. Gregg Toland fez a fotografia e é uma das mais inspiradas de todo o cinema. Conto um fato: Orson Welles foi convidado pela RKO para fazer um filme. Orson já era famoso aos 24 anos, no rádio e no teatro, chamado de gênio da mídia. Ele foi para Hollywood então, sem nenhuma experiência em filmes. Se trancou numa sala e assistiu 'A Longa Viagem de Volta", e só ele, várias vezes. Saiu da sala e disse: " Pronto, já sei tudo o que se deve saber sobre cinema". Esperto, Orson chamou Gregg Toland para fotografar Kane e o resto é lenda. Este filme tem as sombras, as angulações e o clima de Kane, mas ao mesmo tempo é completamente diferente, é melhor. Uma obra-prima irretocável, sem nem um segundo de tédio ou de bobagem.
   GAROTAS DO CALENDÁRIO de Nigel Cole com Helen Mirren e Julie Walters
Um filme bem inglês, ou seja, pequeno, simples, engraçadinho e meio bobinho. E nada ruim. E com grandes atores. Adoro Helen, e aqui ela se diverte fazendo uma senhora meio maluquinha que tem a ideia de fazer um calendário para dar dinheiro ao hospital da cidade. Um calendário de senhoras nuas. Nada glamorosas. ( Apesar dela ser muito glamorosa ). O filme não é grande coisa porque a história é curta e o filme se alonga. Mas é ok.
   SRA. HENDERSON APRESENTA de Stephen Frears com Judi Dench, Bob Hoskins e Kelly Reilly, Christopher Guest.
Um bom filme sobre uma história real, do tipo que Frears adora. Nos anos 30 uma entediada milionária, sem ter o que fazer, compra um teatro. Contrata um gerente e resolve fazer um show de nús. Na época não se podia mostrar mulheres nuas nos palcos ingleses, só se fossem como estátuas, e é o que ela faz. Convence um ministro e vai adiante. O filme mostra isso e mais a segunda-guerra, pois o local é bombardeado, a relação difícil entre ela e o gerente e as meninas nuas e seus problemas. Judi está ótima, vulnerável e fútil e Hoskins tem mais um papel nervosinho e agitado. Christopher Guest quase rouba o filme como o ministro que é sempre enrolado por Miss Henderson. Veja.

 

UM IMPÉRIO DE GELO - EDWARD J. LARSON

   O livro começa com o Polo Norte, a busca por uma passagem que unisse oriente e ocidente. Peary parece ter atingido o ponto norte, mas o norueguês Amundsen é considerado o primeiro herói dessa jornada. Usando cães, ele era acima de tudo um prático. Mas o foco do livro são os ingleses, Scott e Shackleton. As histórias contadas beiram o inacreditável. São homens enfiados em buracos no gelo, vivendo meses no escuro, comendo carne foca crua, doentes, com roupas imundas, sem água, isolados. Larson busca a motivação de toda essa saga. E a encontra, seu nome é nacionalismo.
  A Inglaterra precisava se manter na ponta do globo e em 1900 seu poder já se via ameaçado pela Alemanha. Homens da politica, cientistas eugenistas, imprensa, todos clamavam pela preservação do ideal da " RAÇA INGLESA", ou seja, preservar a " CORAGEM E A VIRILIDADE" dos velhos tempos. Unindo isso ao amor inglês à ciência, fez da conquista do Polo Sul uma questão de honra.
  E assim, enquanto Amundsen chegaria ao ponto sul com seus cães e trenós, rápido  e sem grande dificuldade, vencendo os ingleses mais um vez, e se tornando o herói dos dois polos, Scott caminhava pelo Sul do modo " honrado e digno de um inglês ", ou seja, a pé e puxando trenós de 50 quilos no braço, na raça. Isso provaria a superioridade da raça saxã sobre todas as outras. No caminho seriam coletados animais, pedras, amostras para o engrandecimento da ciência, campos como meteorologia, geologia, botânica, zoologia, biologia. Scott seguiu à risca essa fé e fez de sua viagem um martírio.
  Mas me adianto pois essa é a viagem final e fatal de Scott. Antes ele fez outras, e em todas ele fracassava em atingir o centro do polo, mas trazia grandes desenvolvimentos científicos. Shackleton enquanto isso, um tipo de patinho feio da época, conseguiu jamais perder um homem e trazer mais amostras que Scott. Larson percebe que esse clima dos anos 1900-1910 já trazia dentro de si aquilo que desembocaria na Primeira Guerra. Se colocar à prova, virilidade, raça, manter a honra da nação.
  Após a guerra um tipo como Scott passaria a ser deplorado. Um tipo de trapalhão, um homem cego pelo dever, um comandante que pouco ligava para a vida. E Shackleton, muito mais cuidadoso, o líder gentil que jamais perdeu uma vida, se torna o grande herói inglês do Polo. Ambos perderam para Amundsen a prioridade da chegada ao centro sul, mas o norueguês apenas desejava chegar lá, os ingleses faziam ciência pelo caminho.
  É um livro épico, cientifico e que evita cuidadosamente a lenda.
  Boa leitura.
 

Need You Tonight - Beck



leia e escreva já!

Winter Lady - Beck



leia e escreva já!

O CORPO TRISTE

   Um aluno de 16 anos me procura. No rosto dele uma tristeza indizível. Ele fala querer ficar todo o tempo debaixo de um cobertor. Diz que nada mais lhe dá prazer. Se sente o pior dos seres.
   Eu tive 16 anos um dia. E estive dentro de uma crise como essa. Mas eu era outro e fui salvo por meu corpo. O sol me salvou. O hedonismo do corpo. Ficava o dia todo ao ar livre, corria, andava de skate, ia à praia, via as meninas... Contra a deprê eu me fiz um bicho. Mas eu sei que se isso funcionou para mim, pode nada dizer a ele.
  Mas o que mais posso dizer...O garoto quer uma luz e nada de realmente útil tenho para falar. Não posso cair no chavão... E ele me fala da morte.
  Aos 16 eu pensava todo o tempo na morte. Tudo me parecia fútil, pois tudo morre. Lhe falo que na verdade o problema é viver e não morrer. Que aos 16 eu já estava morto de certo modo, e que a vida, eu a negava por medo. Viver é grande, é vasto, e isso dá medo. ( Falo tudo isso sabendo que nada adianta. Falo ao vazio. Palavras só valem quando vividas e ele nunca as viveu ).
  Queria que ele pudesse ver um filme de John Ford e o entender. Mas sei que Ford seria um tedio para ele. Cercado de discos hippies e de professores frios, ele só entende aquilo que em 2016 é palavra de ordem. Discursos da moda anti-moda. Vazios.
  Queria que ele descobrisse Zorba, mas acho que ele vai achar que Zorba é apenas um velho reaça. Não vai compreender a liberdade do corpo.
  Garoto, voce tem um corpo de 16 anos e lá fora faz sol. Ele quer pular, ficar livre. Ele quer se cansar, suar, gritar e acima de tudo desejar. Garoto, seja inconsequente, faça besteira e viva em grupo. O bando de bobos que voce detesta são exatamente o bando de alegres jovens que seu corpo deseja ser. Olhe-se no espelho e mude sua cara. Seja bonito. Tente ser bonito e pare de cultuar o feio. Deseje e seja desejável. Não pense que é fácil falar, fazer é mais fácil do que voce pensa. Tenha a coragem dos 16 anos. Voce nada tem a perder. Toda ação é um ganho.
  Aja menino. Aja. É primavera. E ter 16 anos em outubro é a mais maravilhosa das alegrias.

O HOMEM QUE PODIA CURAR

   Nunca mais haverá um homem como John Ford. Essa frase foi bastante repetida em 1973, ano de sua morte. E hoje, em 2016, não existe mais o mundo de Ford. Isso porque ninguém retratou melhor o mundo em grupo, a comunidade, o apelo à felicidade que para Ford, existia e só existia na vida em grupo, entre companheiros.
  Veja um filme maravilhoso, como este LONGA VIAGEM DE VOLTA. Temos um bando de homens e suas histórias dentro de um navio cargueiro. O elenco é aquele grupo de atores irlandeses que Ford tanto amava. Alguns deles vindos do Abbey Theatre, de Yeats. Eles não interpretam, eles são as personas. E ao ver o filme, por mais que as histórias pareçam trágicas, o que testemunhamos é a felicidade da vida em grupo. Eles estão vivos de uma maneira que nenhum filme de nosso tempo consegue estar. Perto desse grupo de personagens todos os tipos do cinema atual parecem zumbis, ou pior, robots.
  John Ford amava tudo aquilo que era feito em grupo. Desse modo, ele sempre dá um jeito de colocar em seus filmes cenas de enterros, casamentos, aniversários, natal, nascimentos, e também de brigas e bebedeiras. A alegria da vida reside no grupo e esse grupo é masculino. Ford ama as mulheres, mas em seu mundo são elas que tiram o homem do grupo e o levam à um tipo de reclusão. A reclusão do lar. Neste filme não há mulher, Por isso é um de seus filmes mais eufóricos. Sim, os homens em seus filmes são completos bobalhões, mas são felizes. O corpo lhes é amigo.
  Mesmo em filmes onde há um herói solitário, e penso em RASTROS DE ÓDIO, esse herói é triste, amargurado, por ter se isolado da comunidade ou ter sido banido dela. Ford não dá escolha, a felicidade só pode existir na família, na cidade e na alegre camaradagem entre homens.
  Esse mundo Fordiano está morto e esquecido. E nós deveríamos o resgatar. Hoje o que vemos são homens cuidando de seu nariz, vivendo no lar SEM A MULHER, fugindo de cerimônias em grupo, bebendo com um amigo se tanto, tendo dias de árida solidão. Existências tolhidas, sem cor, silenciosas, discretas, zeradas.
  Se em 1895 cabia aos bons pensadores resgatar a individualidade humana em face da repressão de fábricas e de costumes, cabe a nós, em 2016 resgatar o grupo e colocar nele nossa individualidade. Exageramos na dose e fomos além da individuação. A saudável individuação se dá no grupo, dentro dele e NUNCA fugindo dele. Também nisso os hippies estavam errados. Cair na estrada e formar uma comunidade zumbi levou ao vazio.
  Nunca mais haverá um John Ford. Tanto que quando penso em meus filmes favoritos NUNCA coloca um John Ford entre eles. Assim como Hitchcock, ele tem tantos filmes amados que os deixo de lado para não ser injusto com os outros diretores. John Ford retratou um mundo. E esse mundo é aquele que tem a correção, a alegria, a certeza do que é natural. Esse mundo é grupal.

O CORVO- POE E PESSOA....E AS LOJAS GEEK.

   Num quarto no inverno, postado à janela, um homem lamenta a morte da mulher que ele ama. Então ele ouve um ruído e pensa ser um espectro. É um corvo que invade o quarto e se posta sobre um busto de mármore. Esse pássaro, que o faz rir, repete NUNCA MAIS...a repetição desse bordão, antes uma piada, começa a soar como maldição.
 Leio O CORVO na tradução de Fernando Pessoa. O amaldiçoado POE traduzido pelo melancólico português. As imagens são lindas, sombras e vento, a expectativa do sublime. POE entendeu o sublime como poucos, a beleza encontrada, entre medo e dor, onde ela nunca seria antes esperada.
 Os melhores adolescentes de 2016 cultuam este poema, mesmo que não saibam de sua existência. Entre mangás habitados por monstros, filmes de Tim Burton e de HQs, jogos tenebrosos e rituais de bruxaria, eles cultuam a sombra, aquilo que saiu do sol, o esquecido.
 E há uma sinceridade amarga nisso; mesmo que seja produto, vendável em lojas GEEK.
 Tivesse eu 16 anos seria um deles. Aliás, aos 16 eu era um deles.