CONSIDERANDO TODAS AS COISAS- GK CHESTERTON

   Artigos de jornal escritos por Chesterton por volta de 1907. São textos enxutos que nos ensinam a raciocinar. O brilhante autor inglês comenta tudo, e sempre com seu humor afiado, leve. E profundo. Os temas vão desde livros de autoajuda, à política parlamentar. Chesterton tem posições claras: ele leva sempre em consideração aquilo que o povo ama e deseja. Ele dá belas estocadas nos aristocratas, demagogos, falsos artistas.
  São tantas frases e conclusões brilhantes que prefiro não destacar nenhuma. Leia o livro, ele saiu agora e é fácil de achar. Todos os artigos são interessantes e não perderam sua atualidade. Ele percebe o ponto tolo de coisas que parecem certas e superiores. Diz que para se saber para onde vai o mundo basta se observar aquilo que o povo lê, pensa, vê. Os intelectuais vivem em um mundo fechado, morto, auto referente. O povo, bem ou mal, constrói o futuro. Erram, acertam, mas são eles que nos informam a história. Chesterton é um democrata radical.
  Não resisto é digo que sobre os livros de auto ajuda ele diz que eles promovem o culto religioso ao dinheiro, reduzem todo o sucesso da vida ao ganho monetário. E são escritos por fracassados que nem mesmo sabem escrever. É nessa linha a filosofia de Chesterton, ele joga diante de nós o lógico que insistimos em não ver.
  Este livro evita o lado religioso de Chesterton. Ele deixa claro seu catolicismo, mas acima de tudo é um racionalista lógico, demonstra que tudo é uma questão de querer acreditar, seja ciência ou história. E defende a moral humana contra o sofismo. Existem regras que são certas porque funcionam. E nenhum exercício mental consegue as cancelar. Matar sempre é um mal. Mentir também.
  Mais escritores deveriam ser como este moralista. Chesterton nos faz espertos e alegres.

SÁBADO- IAN MCEWAN

   A ideia dominante na escrita atual: se você escrever detalhadamente TUDO o que você faz, sente e pensa; você automaticamente terá escrito um grande romance. Uma bobagem pensar assim. Primeiro: Essa afirmação dá a falsa certeza de que escrever é mais uma questão de paciência que de criação. Segundo: O caminho para entediar o leitor fica aberto. Terceiro: A verdade, a realidade é impossível de ser capturada. Principalmente por meios verbais.
  Ian McEwan conta um dia na vida de um neurocirurgião. Um sábado em que esse médico, rico, bem sucedido, quarentão, casado, pai de dois filhos, acorda de madrugada e vê um avião cair em Londres. Na sequência ele sofre um leve acidente de trânsito, joga squash, faz um jantar e recebe o sogro, poeta famoso, para jantar. Nessas 24 horas de agitam, dentro desse homem, lembranças, medos, desejos, pensamentos comuns, dúvidas, ansiedade. Well....eis a receita de mais um livro chato. De mais um dos milhares de sub-Ulysses. A saga do homem moderno. Mas, que sorte!, aqui há uma ressalva: Ian tem talento e sua escrita, fluida, sinuosa, simples sem ser fácil, salva o romance. Ele é lido com prazer. O médico, um homem racional, objetivo, científico, nunca parece caricato. Sem ser uma personagem "encantadora", muito menos um herói, nós o acompanhamos com interesse. E dentre seus charmes está o dom que ele tem de explicar tudo através da geografia do cérebro. Ele conhece o órgão, seus segredos, sua massa, desconhece muito, quase tudo, da vida. As coisas o surpreendem e sua saga é essa, descobrir que as consequências de seus atos são incompreensíveis.
  Nunca tão genial como em Reparação, este livro é uma linda escolha. Leia.

JIM BROADBENT- MAGGIE SMITH- VINCENT PRICE- ELSA LANCHESTER- WELLMAN- FARROW- MANKIEWICZ

   LE WEEK END ( FIM DE SEMANA EM PARIS ) de Roger Michell com Jim Broadbent, Lindsay Duncan e Jeff Goldblum.
Nick Drake canta Pink nos créditos finais. E a última cena tem o trio central imitando Samy Frey, Anna Karina e Brialy na mítica dança desajeitada em Bande a Parte de Godard. Dito isso você poderia pensar que este é um filme moderninho. Não é. Ele é adulto, sério, bonito e maravilhosamente bem interpretado. Um casal inglês de meia idade vai à Paris para reavivar sua relação. Mas tudo dá errado. No processo encontram um amigo do marido, vão à festa, mudam de hotel e falam falam e falam. O roteiro, de Hanif Kureishi é inteligente. Os diálogos são espertos e sempre parecem naturais. E tudo é levado por um Broadbent patético, frágil, carente, e mesmo assim simpático; e uma Duncan insatisfeita, ácida, ansiosa e ainda bonita. Eles pedem uma chance para viver. Os atores, apaixonantes, lhes dão vida. Jeff está cômico, a gente adora ele. O filme é bem melhor do que eu esperava. É grande. Nota 8.
   VICE de Brian A. Miller com Bruce Willis, Thomas Jane e Ambyr Childers.
Uma ridícula mistura de Blade Runner com Ano 2020. O filme é assustadoramente ruim. Chega a ofender de tão fake. Burro. Bruce se aposentou. Ele tem feito filmes, mas está aposentado. Passa o tempo todo como um boneco. Ele é o dono de uma empresa que usa androides para realizar os sonhos dos clientes. Uma androide foge. O visual tem o pior dos anos 80 e o roteiro o pior deste século.
   MINHA QUERIDA DAMA de Israel Horovitz com Kevin Kline, Kristin Scott Thomas e Maggie Smith.
Desagradável, é um drama sobre uma vida fracassada. Kevin herda do pai uma casa em Paris. Mas a casa tem mãe e filha como moradoras. Ele só poderá tomar posse da herança após a morte da velha. Parece comédia...não é. Negro e árido, antipático, o personagem de Kevin é tão derrotado que chega a causar repulsa. É um filme sem prazer. Mas não de todo ruim, pois tem ótimo elenco e uma tentativa de ser profundo. Faz parte da onda de filmes que falam da maturidade. Onda que deverá aumentar cada vez mais com o envelhecimento da população mundial. China e Índia, países ainda jovens seguram os filmes teen, a Europa e parte dos EUA faz muito que passaram da idade média dos tens. Dou um 4 para este filme.
   O EXÓTICO HOTEL MARIGOLD 2 de John Madden com Maggie Smith, Richard Gere, Bill Nighy e Judi Dench.
Tudo errado. O primeiro filme foi uma bela surpresa, mas este parece histérico, forçado, exagerado. A história nunca engrena, o humor é duro e as cores carnavalescas. Esqueça.
   O SOLAR DAS ALMAS PERDIDAS de Lewis Allen com Ray Milland e Ruth Hussey
Casal de irmãos compram uma casa numa praia deserta. Mas a casa tem um segredo...Que filme estranho! Não é um grande filme, mas causa uma grande impressão! Ele tem algo de muito doentio nele, parece o interior da mente de um neurótico. É feio, rígido, desagradável. E um pequeno clássico dos filmes de horror. Nota 7.
   O RELÓGIO VERDE de John Farrow com Charles Laughton, Ray Milland, Maureen O'Sullivan e Elsa Lanchester.
Um grande filme com um roteiro maravilhoso. Ray é um executivo entediado que pede demissão. Mas sem perceber ele é envolvido num assassinato. O filme mostra sua desesperada tentativa em se manter limpo. Há um clima de paranoia em todo o filme. Farrow, um diretor sempre esquisito, cria cenas inverídicas, mas sedutoras. Laughton está asqueroso, e Elsa Lanchester rouba o filme como uma artista sem talento e muita confiança. Uma diversão diferente, um filme original. Nota 8.
   CARAVANA DE MULHERES de William Wellman com Robert Taylor, Denise Darcel e John McIntire.
Wellman foi um diretor heroico. Sempre ousado, ele foi um dos inventores daquilo que conhecemos como cinema de ação. Aqui, já veterano, ele faz um western original. Um homem conduz uma bando de 100 mulheres, através de território de índios e clima hostil, até a Califórnia, onde irão se casar com um bando de pioneiros. O filme, sem nenhuma trilha musical, capta e amplifica os sons da viagem: rodas, cavalos, panelas, vento, vozes. Tudo fica como um tipo de documentário de ficção. Nada tem muita ênfase. As coisas acontecem, sem preparação, pouca cinematografia. Um filme que fracassa, é pouco interessante; mas ao mesmo tempo é um triunfo, Wellman consegue fazer acontecer. O filme é o que ele quis que fosse, um anti-western. Nota 6.
   O SOLAR DE DRAGONWYCK de Joseph L. Mankiewicz com Gene Tierney, Vincent Price, Walter Huston e Anne Revere.
Mankiewicz foi um privilegiado. Seu primeiro filme já é uma produção classe A. Após dez anos como produtor e roteirista, ele começa sua carreira de sucesso na direção com este prazeroso filme sobre maldição, sedução e diferença de classes. Daí para a frente ele ganharia quatro Oscars e faria mais de cinco clássicos do cinema ( A Malvada entre eles ). Gene, a mais linda das atrizes, é uma ambiciosa filha de agricultores que em 1844 vai morar com um primo rico. Lá ela irá cuidar da filha desse primo. Mas ele logo se torna viúvo e se casa com ela. O primo é feito por Vincent Price. E é este filme que definiu seu futuro. É hipnótica a sua atuação. Ele se equilibra bravamente entre o sublime e a canastrice. A voz sempre majestática, o olhar pura maldade. O filme, uma diversão sem fim, é clássico dos clássicos. A ver e rever sempre. Nota 9.

O OLHO IMÓVEL PELA FORÇA DA HARMONIA- WILLIAM WORDSWORTH. O POETA DA NATUREZA.

   É um grande chavão dizer que Wordsworth é o grande poeta da natureza. Mas nada pode ser mais verdadeiro que isso. O inglês funda o romantismo inglês, e se na Alemanha ser um romântico significa ser um místico e na França ser um revolucionário, nas ilhas ser romântico é amar a natureza. E nisso ninguém se compara a Wordsworth.
  Romancistas, filósofos, dramaturgos, contistas, cronistas, historiadores...e poetas. São os fazedores de versos aqueles que mais amamos. Nossa relação com eles é a mais visceral. Admiramos romancistas, nos exaltamos com filósofos, mas nos apaixonamos por poetas. E são eles os símbolos das nações. Goethe, Dante, Camões, Whitman, Hugo, Pushkin, cada um é a alma de um país ( Único adendo é a Espanha que tem Cervantes como sua alma maior ). E eu sou fiel a meu amor, Yeats é meu poeta, alma da Irlanda. Mas Wordsworth é tão grande quanto o irlandês, se não for ainda maior.
  Ele leva a alturas abissais a relação do homem com a natureza. Esse amor apaga a dor porque apaga o individualismo. Nega o tempo, faz do presente a eternidade. O homem só é feliz na natureza. Reação a transformação do industrialismo, a fuga dos camponeses rumo às cidades, o poeta canta e dá luz àquilo que ele intuía: o fim de um mundo. O poeta é aquele que faz a memória viver. Como ele diz: O poeta olha para trás e para a frente. ( Não olha o agora ).
  Ele canta a criança também, essa invenção romântica. Criança antes era apenas um aprendiz de adulto. Aqui ela se torna um ser sábio, alguém que sabe mais que o homem. "A criança é o pai do homem". Outra missão do poeta, fazer da criança uma presença constante e central.
  Wordsworth é o mestre de Whitman. Ambos cantam a estrada aberta. A diferença é que o americano vive na América, claro, e isso significa mais espaço aberto e a fé na democracia. O inglês, europeu sempre, é mais cotidiano, mais voltado ao passado, tem um traço de saudade que inexiste em Whitman. Ambos são curativos, saudáveis, otimistas, confiantes, vivos.
  Wordsworth é um de meus cinco poetas favoritos. Eu amo seu modo simples de falar, as imagens que só ele vê, a ligação que ele estabelece com a água, o céu e as pessoas do campo. Ele caminha e sente e canta e vive. Se maravilha, recorda, sonha e canta mais. Percebe como uma criança, sente a novidade, continua, persiste. E assim nos reabilita.
  Na bela tradução de John Milton e de Alberto Marsicano, este é um livro precioso.

RABINDRANATH TAGORE

   Tagore foi tratado pela Europa, principalmente pelos ingleses, como uma espécie de messias. Ele era o poeta que anunciava a poesia nova, a poesia da alma. Tagore desfilava pelas cidades como arauto a anunciar a verdadeira filosofia da poesia do século XX. O poeta deveria voltar a ser o visionário, o homem encarregado de unir o mundo visível ao mundo invisível.
   Logo o Nobel lhe foi dado e Tagore se tornou cada vez mais inatacável. Contra a transformação do planeta, cada vez mais sólido e mecânico, havia o mundo de Tagore: a Índia. Promessa de espiritualidade. Ele caiu como benção sobre a alma de simbolistas, impressionistas e até mesmo dos modernistas. Tagore era uma espécie de homem do passado mísitico, vivo e entre nós.
  O tempo o colocou em esquecimento. A onda indianista dos anos 60 já o ignorou. Tagore de repente parecia comum. Esqueceram que para o ocidente ele foi o primeiro. Uma pena. Sua poesia continua sendo linda e sua filosofia ainda é sem falha. Ele fala do mistério. Um mistério compreensível. Não é hermético, é confiantemente sóbrio. Sábio.
  Compro este livro, uma coletânea de versos, e me deleito lendo poemas ao acaso. Sua voz canta e acalma. Atemporal.

CRÍTICA LITERÁRIA FREUDIANA, UMA AULA LINDA.

   Uma aula soberba sobre crítica literária. O professor, o mais enciclopédico possível, nos dá uma visão do modo psicanalítico de se analisar a literatura. Para tanto, ele nos traduz termos germânicos, conta fatos da vida de Freud, e exemplifica as interpretações que o homem de Viena dava a certos autores.
  A aula é fascinante e percebo, com alegria, que superei a muito essa visão empobrecedora freudiana. Sigmund foi um grande cara. Mas seus problemas emocionais ( uma resistência doentia em baixar a guarda e aceitar os limites da razão ), além de um narcisismo que via em todos um espelho de si-mesmo, fizeram de suas teorias uma espécie de consolo racional explicativo para todos aqueles que temem a vida. Ele dá farrapos de teorias jamais provadas, joga hipóteses maravilhosamente bem engendradas, pílulas de liberdade redutora para os que morrem de pavor do não-explicável.
  Fã extremado de Goethe, ele sonhava em ser o titã do século XX. E ao mesmo tempo invejava Goethe por ser tão "alemão". De tudo que o professor disse, destaco dois temas dentre vários.
  Freud achava que o impulso criativo nascia de um sofrimento. A dor fazia com que um homem criasse. Essa é uma visão assustadoramente não-imaginativa. Freud tinha uma bela imaginação, mas ele acreditava que sua imaginação era a verdade. Pensava então que esse mistério, a arte, era um tipo de compensação. Incrível ele ter escrito tamanha tolice. Existem artistas felizes assim como existem infelizes que trabalham em banco. Glamurizar a tristeza é jogo feito por todos, artistas ou não. Há artistas que são absolutamente livres, há pessoas reprimidas que não criam arte ou fantasias. Difícil comentar uma teoria tão pobre.
  Pior é a teoria do "medo de ser enterrado vivo". Essa neura, que atacou Poe, Kafka e Chopin, dá ao sofredor a obsessão de se imaginar enterrado e acordando no caixão. Um pavor imenso. Freud dizia que isso era o medo de voltar ao útero, o medo de estar vivo num buraco....como diria Francis: Well....
  Existe uma outra tentativa de explicação que conto aqui:
  O medo de ser enterrado vivo é, lógico, medo de ser colocado dentro da Terra. Paralisado num caixão, no escuro, você não pode fugir, está numa armadilha. Escuro é contrário a luz, luz é sinônimo de razão, estar no escuro, preso, é como perder sua luz e sua liberdade, ou seja, a razão. Medo que nasce em pessoas que não aceitam sua condição terrestre, essa neurose joga na mente da pessoa a surpresa de se ver como é: terrestre, limitado, preso na vida que nasce do chão, joguete nas mãos do destino, falível.
  Contrária da volta ao útero, essa fobia é medo do futuro e do presente, sentir-se preso a sua condição amarrada, no escuro dos instintos. Nada de mamãe. Nada de infância. O contrário disso.
  Quero deixar claro que o professor falou, e muito, sobre as teorias de Sigmund e não a criticou, a crítica é minha. A aula era sobre teoria freudiana e não sobre crítica à essa teoria.
  Ele nos falou ainda sobre um sonho de Da Vinci, em que através dele Freud chega a conclusão de que ele era gay. E também uma lembrança de Goethe, em que lendo esse texto Freud descobre ser Goethe muito amado pela mãe. O doutor se via quase como um deus. Descobrir tudo sobre alguém que você nunca viu, analisar uma personalidade inteira via um simples fragmento escrito ( Freud nunca leva em conta a mentira da criação ), é mais que uma análise, é um milagre! Da Vinci era um tipo de rival de Freud, um gênio que queria saber tudo, e o vienense o desqualifica numa visão preconceituosa. E Goethe era sua anima, ele luta para ver coincidências entre os dois.
  Muito divertida essa aula.
  PS: Dedico este texto a meu amigo Léo.

STEPPIN' OUT (1966) by John Mayall's Bluesbreakers



leia e escreva já!

BLUESBREAKERS, MAYALL, CLAPTON, MCVIE E FLINT.

   Clapton is God.
   Foi por causa deste disco que essa pichação virou mania na Londres de 1966. E se a gente lembrar em 2015, que na época guitarra era aquela de George Harrison, Roger McGuinn e Brian Jones, todos ótimos, mas todos com cara de 1965, este disco, de 1966, mostra o porque do choque que Eric causou. É o primeiro disco "de guitarra" da história do rock.
   Porque mesmo o Yardbirds de Eric, e então de Jeff Beck, era banda de vocal e de harmônica. A guitarra era uma segunda ou terceira voz, notada só pelos mais freaks. neste disco ela se torna o centro, a estrela.
  Quem leu o livro de Eric sabe que ele é um iluminado. Sua estrada pessoal começou aqui, homenageando os mestres. O cara-pálida inglês tenta ser um negro do Mississipi. Inventa outra coisa. O grande herói da guitarra. Na sua cola vem Peter Green no Fleetwood Mac original, e Jeff Beck no disco Thruth. ( Hendrix é americano, e a América nego, é outra lenda ).
  Seria bom ouvir os 3 discos juntos. O disco de Eric abrindo todos os timbres e escalas do blues rock. O baixo de John McVie e a voz e teclados de John Mayall levando a banda com generosidade. É dançável e tem um dos top de todo o rock: Have You Heard About my Baby. De chorar. O disco faz com Layla e 461 Ocean Boulevard, os três grandes discos de Clapton. ( E também vários singles do Cream ). Depois o primeiro disco do Fleetwood Mac desenvolvendo a linguagem com maior agressividade e punch. E o disco de Beck, a cristalização do estilo. Tudo pronto então para a irrupção do big rock dos guitarristas dos anos 70.
  Eric viraria as costas a tudo isso. Sua estrada o levaria ao mundo mais clean, menos egocêntrico do rock amigável de The Band e J J Cale.
  Os 3 discos se ouvem muito bem neste tempo de salada geral. Aqui nasce o primeiro ingrediente. A mistura América e Europa.

OS VESTÍGIOS DO DIA de KAZUO ISHIGURO, O preço de uma dignidade.

   Stevens serve sua excelência e se regozija ao tomar consciência de sua dignidade. Sua excelência, um grande Lord inglês, trava contato com vários políticos. Ele quer evitar a guerra. Mas Stevens sabe apenas vagamente do que lá acontece. O que lhe importa é deixar a prataria impecável. Para isso ele comanda uma equipe de 20 empregados. Bons tempos....ou não.
 O sistema de classes inglês foi bem tecido desde o século XV até o XX. Trabalhadores trabalham, líderes lideram. Quem deve pensar, pensa. O resto segue. Daí a admiração pela Índia. Os dois se viram em espelhos, um olhando para o outro.
 Ishiguro nasceu no Japão. Aos seis anos sua família foi para a Inglaterra e lá ficou. Ele é um autor inglês. Talvez. O narrador aqui é Stevens. Ele conta a história e vemos que ele conta aquilo que viu e sentiu: quase nada. Mas nós, que não somos Stevens, vemos mais. Muito mais. Pelas bordas da história escapam muitas coisas. E o leitor as sente. Esse é um modo japonês de contar. A maior parte fica de fora. Sugerida. Stevens é um samurai com espanador nas mãos. Rígido, chato, tolo, servil. Tenta aprender em livros a ser engraçado. Tenta aprender a ser humano. ( Seria esse o segredo do humor inglês...uma tentativa de se humanizar....)
 O livro, vencedor do Booker Prize de 1989, virou filme em 1992. Anthony Hopkins tem o papel de sua vida. Ishiguro é em 2015 o autor inglês central. O único que ficará clássico com certeza. ( Temos muitos outros ótimos. Mas Ishiguro é a aposta certa ).
 O mundo de Stevens começa a terminar em 1956, que é quando ele conta sua história. O sistema de classes termina e em seu lugar nasce o sistema americano, da competência. Um idiota com um grande nome é substituído por um espertalhão com dinheiro na mão. Stevens não sabe como servir a quem não liga para o brilho da prataria.
 Este livro é, com certeza, uma obra-prima.

O VICE REI DE UIDÁ- BRUCE CHATWIN

   Curto e objetivo. O estilo de Chatwin é assim, incisivo. Foi uma das maiores promessas dos anos 80, mas, que pena, morreu cedo. Ele corria mundo escrevendo. Seus livros são ambientados na Patagônia, no deserto da Austrália, na África...
   Ele veio ao Brasil para pesquisar a vida de um traficante de escravos de 1815. O livro começa por volta de 1940, enterro de um antepassado, povo africano que se acha brasileiro ( ser brasileiro é chic ). Se vêm como uma estirpe nobre, "quase branca". Herdeiros do grande vendedor de escravos.
   Então Chatwin narra a saga do tal "herói". Caboclo do sertão nordestino, duro, cruel, miserável, que acaba indo à "Ouida" ( Uidá ), na África, reino entre Nigéria e Costa do Marfim. Lá ele vende gente, mata, enriquece muito e morre de solidão. É acima de tudo um pária. Útil, mas sempre negado por portugueses, brasileiros e africanos.
   O livro revela em cenas cruas a crueldade mais abjeta. Todos são grandes tiranos, todos são assassinos sujos. O livro é feito de ironia, sangue e sexo. E morte, morte doentia.
   Lançado em 1980, abriu a melhor fase do jovem Bruce Chatwin. Sua obra-prima é no Rastro dos Cantos, mais ambicioso. Este chega perto em seu estilo rude e viril. Um belo livro.