CATHERINE KEENER/ HUGH LAURIE/ JANE FONDA/ MICHAEL CAINE/ BOB FOSSE/ BRANCA!!!!

   A FILHA DO MEU MELHOR AMIGO de Julian Farino com Hugh Laurie, Catherine Keener, Oliver Pratt e Leighton Meester
Tinha tudo pra dar muito errado. A história de duas familias amigas. Os pais fazem corrida juntos, as mães se visitam, tudo normal. Então a filha de uma dessas familias volta pra casa. E o pai de meia-idade da familia "amiga" começa a namorar com a garota. Vem a separação, o ostracismo, a pressão social. O filme começa mal, parece ser mais um filme gracinha e jovenzinho tipo Miss Sunshine. Mas não é. A forma como os dois ficam é muito simples e muito real. O casal funciona, parecem de verdade. O namoro dos dois faz com que tudo mude na vida de todos os envolvidos. A rotina das familias muda, eles têm de acordar. E me peguei torcendo para que o filme não brochasse, que fosse nessa linha, a mudança nascendo do inesperado. Mas não. No final, e vou contar, a menina sai perdendo. Ela não suporta a pressão e vai embora. Todos voltam ao normal, todos se dão bem, ela perde. O filme acaba sendo uma grande defesa do maior dos valores da América ( não, jamais foi a familia ), a amizade entre os homens. Os dois pais voltam a ser amigos, a camaradagem masculina vence. O filme tem atenuantes. A menina tem 24 anos, ou seja, longe da pedofilia. E o estilo é todo de "comédia familiar", apesar do tema é um filme doce. A atriz que faz a menina, Leighton Meester é apaixonante. Natural, linda, alegre. O elenco é todo ok, e o filme é bem melhor do que parece ( apesar dos defeitos aqui apontados ). Se o final fosse menos óbvio seria um filme bastante invulgar. Mas vale muito ver. Nota 7.
   PAZ, AMOR E MUITO MAIS de Bruce Beresford com Jane Fonda e Catherine Keener
Beresford não muda. Todos os seus filmes são assim: mais ou menos, legaizinhos, do bem, esquecíveis. Este é bem assim. O fim de um casamento. A mulher leva o casal de filhos para a casa da avó, para dar um tempo. Essa avó mora em Woodstock e é uma lenda lá. Hippie radical, ela vende maconha, pinta homens nús e namorou Leonard Cohen entre muitos outros. A filha odeia essa mãe doidona. Os netos são logo conquistados. Fumam, bebem, festejam. O filme tem de bom Jane Fonda, a beleza do lugar e o fato de nada ser tipo "hippie chic". A casa tem galinhas nos quartos e é de uma bagunça exemplar. Mas o roteiro é hiper-pobre. Nada acontece de errado. Não há atrito, não há erro. A gente sabe todo o tempo tudo o que vai ocorrer. Jane brinca de ser Jane Fonda. Alguém ainda lembra que em 1973 ela era uma Angelina Jolie perseguida pela CIA ? Famosíssima  e muito politizada, ela era odiada pela direita americana. Depois se casou, largou o cinema e passou a viver em função do marido ( que sonhava em ser presidente ). Toda uma geração a desconhece. Este filme serve apenas para quem já a conhece. Woodstock é uma cidade linda!!!  PS: que bela atriz é Catherine Keener! Nota 4.
   O PARCEIRO DE SATANÁS de Stanley Donen com Gwen Verdon, Tab Hunter e Ray Walston
O diabo vem a Terra e tenta um fã de beisebol. Se ele lhe vender a alma será rejuvenescido e se tornará o maior jogador da história do esporte. Ele aceita. O filme não é bom. Porque? Tab Hunter é um péssimo ator e o roteiro, baseado em show da Broadway, se perde. Fica chato até. Mas, quase ao final, um milagre acontece. Bob Fosse entra em cena e faz um número com Gwen Verdon. São três minutos da mais absoluta genialidade. É alegre, é sexy, é criativo, é esperto. Dá vontade de ver pra sempre. Grande Bob Fosse, um gênio! Fora isso, todo o resto é absolutamente falho. Bola fora do grande Stanley Donen. Nota 3.
   UM GOLPE PERFEITO de Michael Hoffman com Colin Firth, Cameron Diaz, Alan Rickman, Tom Courtney, Stanley Tucci.
Nos anos 60 era moda um tipo de filme que era chamado de "filme sofisticado pop". Falava de gente malandra, de gente bem vestida, mentirosa, cheia de tramóias e planos de roubos ou golpes mentirosos. Tinham trilha sonora chiquérrima, cenários vastos e atores bacanas e extra cool. Pois bem, todos esses filmes foram refilmados nos últimos quinze anos. Desde Charada até Get Carter, todos foram destruídos em refilmagens terrivelmente ruins. A única excessão foi Oceans Eleven, cuja versão de Soderbergh é muito superior a original. Michael Caine fez vários desses filmes "espertos" originais. Que eu me recorde, seis foram refilmados nos últimos dez anos. Michael Caine já foi reinterpretado por Jude Law, Matt Damon, Mathew McConaughey e agora por Colin Firth. O original deste filme é uma maravilhosa sacanagem. Cheio de humor, de malicia e muito chique. Tem ritmo, tem savoir faire, tem estilo. E faz rir. Esta versão, escrita pelos irmãos Coen, que devem adorar o original, foi malhada pela Folha. Esqueça a Folha! Apesar de estar a milhas do original, este filme faz rir, dá prazer e é uma gostosura. Firth está ótimo como um bobo que se acha infalível, Alan Rickman rouba o filme como a vítima e Courtney é um grande mito do palco inglês. Cameron está bem ( mas as mulheres realmente piraram....que corpo hiper malhado é esse??? ). O filme tem 3 ótimas cenas. E um final fraco. Vale ver. Nota 6.
   FOGO CONTRA FOGO de David Barrett com Josh Duhamel, Bruce Willis e Rosario Dawson
Sobre testemunha de crime que resolve matar o bandidão. Eis o tipo de aventura que odeio. Porque o estilo é "metido a arte". Tudo é escuro, sombrio, trêmulo, cheio de sons esquisitos. A gente nada vê, e acaba por nada mais querer ver. O filme é muito, muito ruim. Bruce Willis participa como um policial veterano. Nada faz no filme. ZERO!
   O EXPRESSO DE VON RYAN de Mark Robson com Frank Sinatra e Trevor Howard
Na Itália dominada pelos alemães, prisioneiros ingleses escapam de um trem que os levava para a Alemanha. O filme começa devagar, mas então ele acelera e não perde mais o rumo. É uma bela aventura de guerra, cheia de suspense e com boa produção. O final é amargo e pode desagradar. Eu gostei. Inclusive do final. A trilha sonora de Jerry Goldsmith é uma obra-prima. Feito em 1965, segundo a dupla francesa pop Air, este é o grande ano das trilhas de cinema. Ouça esta e entenda porque. Nota 7.
   BRANCALEONE NAS CRUZADAS de Mario Monicelli com Vittorio Gassman e Stefania Sandrelli
O primeiro Brancaleone é talvez a melhor das comédias de cinema. Este, feito cinco anos depois, não chega nem perto. Mas é um prazer rever Gassman nesse papel. Ele nunca teme o exagero, vai fundo na doidice inocente de Branca e exercita seu talento infinito. Amamos Brancaleone, mas agora não amamos o filme. A soberba criatividade do primeiro não se repete aqui. PS: a estrela Stefania Sandrelli... chega a doer de tão bela !!! Nota 5. 

O FILME MAIS IMPORTANTE DA MINHA VIDA

  Se Martin Scorsese diz que o filme que mudou sua vida foi THE RED SHOES de Powell, visto aos 9 anos; e se Woody Allen diz que o seu foi O SÉTIMO SELO visto aos 12; qual foi o meu?
  RASTROS DE ÓDIO de Ford salvou a minha vida, mas a questão não é essa. ALL THAT JAZZ me revigorou, A RODA DA FORTUNA destruiu meu preconceito...Mas qual filme entrou em minha alma e lá se instalou? Qual que modificou meu gosto, minha direção e expandiu assim minha existência?
   É certo e claro que quanto mais jovem, mais voce pode se impressionar. Se voce tiver a sorte de ser exposto a algo de realmente poderoso. Toda uma geração despertou com STAR WARS. E eu?
   Meu filme foi visto na TV, com péssima imagem e em clima de magia. A lembrança é tão antiga que eu pensei por muito tempo ter sido um sonho. Achei que o filme que vi não existia, que fosse algo que eu sonhara. Recordava de lagos, fadas dançando, um homem apaixonado que era enfeitiçado e virava bicho, lembrava desse homem chorando ao ver seu reflexo no lago. Lembrava de névoas, de um bosque e de um menino mau. E sabia ter visto essas imagens com o rosto quase encostado na TV, sózinho. Porque em casa acontecia uma festa, era Natal e os adultos comiam e falavam. Mas eu, enfeitiçado, me hipnotizava com aquelas imagens.
   Por décadas elas foram um enigma para minha alma. Era um filme? Um sonho? Eu tentava reviver aquela sensação. Fazâ-la presente em mim. Não deixar com que ela se fosse.
   Então em 2008 eu compro um DVD e lá está o filme! SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, do alemão Max Rheinhart, feito na Warner em 1933. Três horas de imagens deslumbrantes. As fadas, o lago, o menino mau...todos lá estão! O menino era Mickey Rooney! O homem que virava bicho era James Cagney! E a fada musa que para sempre me seduziu era uma lindíssima Anita Louise!.... Esse não é o melhor filme que já vi. Mas ele é o mais importante. Fez com que eu visse desde muito cedo aquilo que o cinema poderia ser. E me deu uma fascinação, para sempre, pela imagem. Mostrou ao muito jovem- eu que o sublime existia e que a imaginação é mais verdadeira que a solidez.
   Aos 15 anos eu vi O MENSAGEIRO e descobri minha sina. Mas essa é uma outra história...

The Red Shoes (ballet) 1948 part2 720p



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Secret Cinema presents The Red Shoes



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O CINEMA ROMÂNTICO DE VIGO, OPHULS, GONDRY, LUHRMAN, WRIGHT....

   Tenho uma preguiça enorme, assistir O Gatsby de Luhrman aumenta essa minha indolência. Detestei Moulin Rouge e achei Romeu e Julieta bacaninha. Mas admiro Luhrman mesmo assim. Como admiro Gondry, apesar de achar que nenhum de seus filmes tenha dado certo. Quero muito ver o novo, porque gosto de Boris Vian, um tipo de Serge Gainsbourg mais velho e menos pop. Luhrman, como Gondry, como Aronofski, é um romântico. Eles criam mundos dentro do cinema. Seus filmes não se preocupam com utilidade, verdade ou realismo, eles criam. E por desejarem criar, erram muito. Falam de sentimentos. Ou pelo menos tentam isso. E não se sentem censurados. Vão até a breguice extrema. E daí?
   O que lhes faz falta são melhores roteiros. Tiveram o azar de nascer num tempo que não lhes dá bom material para trabalhar em cima. Quando topam com bom roteiro, acertam; quando não, fazem apenas pastiche, ou looooongos video-clips. Em comum, todos são fãs do cinema hiper-romântico de Cocteau, Ophuls, Vigo e principalmente de Michael Powell. Todos esses mestres trabalharam com roteiristas de gênio. E todos criaram o apuro visual de Gondry e etc. Cocteau com cenários de sonho, Ophuls com seus movimentos de câmera à valsa vienense, Vigo com a poesia de seu mundo lunar e Powell na criação de universos irreais.
   O jornal The Guardian publica matéria sobre Powell. Diz que no cinema inglês, ele é o único que pode ser comparado a Hitchcock e a David Lean. O cinema de Powell não se interessa pela alma do personagem ( e nisso ele é o oposto de Bergman ), mas sim no mundo que cerca esse personagem. A contemporaniedade desse cinema se revela aí: o cinema de Powell, como o mais moderno cinema que hoje se faz, fala do meio e não do ser, do lugar e não do homem, da ação e nunca do pensamento. É cinema puro, visual, espetacular e muito romântico por ser uma busca pelo ser diferente.
   Um depoimento de Scorsese. Ele diz ter visto THE RED SHOES aos 9 anos. Uma cópia estragada. E diz Martin que esse filme mudou sua vida. THE RED SHOES fez na criança Marty a certeza de querer criar, de querer ser artista. Hoje, em 2013, Scorsese se dedica a restaurar todos os filmes de Powell. Todos.
   Em 1975 era Michael Powell o mais esquecido dos mestres. Na época do hiper-realismo, os filmes de Powell pareciam fake. Foi então que Scorsese foi se encontrar com Powell na Inglaterra e lhe contou sua história de amor a seus filmes. Não só ele. Spielberg, Coppolla, De Palma, Schrader, o diretor inglês ficou abobado ao saber que os jovens diretores dos EUA eram seus fãs. Coppolla lhe deu emprego, consultor de roteiros e Scorsese organizou uma mostra de seus filmes em NY. Quando os anos 80 começam, Michael Powell tem seu nome reabilitado. Para sempre.
   J.G.Ballard também conta que os filmes de Powell despertaram nele a vontade de escrever. E ainda se diz que T.S.Eliot, cujo filme favorito era o TRONO MANCHADO DE SANGUE de Kurosawa, amava os filmes de Michael Powell também. Eles são poesia, claro. Dizem tudo falando pouco. Sugerem. São pura música.
   Agora, 2013, época de cinema em crise, onde em vinte anos mal se produziram vinte filmes eternos e absolutos, os filmes de Powell, revistos e revistos, restaurados e estudados, analisados e copiados, dão, aos diretores que tentam ainda algo de diferente, a esperança de um dia acertar. Joe Wright tentou isso em ANNA KARENINA e foi terrivelmente mal entendido. A suntuosidade da forma em função do sentimento. Só que lhe faltou a coragem de ir mais longe no sentimento, erro que Powell nunca cometeu ( seus filmes são cheios de emoções ). É como se hoje se copiasse a forma e se tivesse medo do sentimento. Why?
   O motivo é claro: Não dá pra ser romântico e ser cool ao mesmo tempo. Cool é assistir os filmes de Vigo ou de Ophuls, cool é ter o visual rico e onírico de seus filmes, mas não seria cool crer, como eles, no amor ou nos sentimentos "quentes". Para salvar a imagem cool, se fica no meio do caminho.
   Interessante saber que O TOURO INDOMÁVEL foi feito com dicas visuais de Powell ( ele morreu em 1990, casado com a editora de Martin ), e que há um filme de Martin que é seu sonho de fazer um filme à Powell ( A ERA DA INOCÊNCIA ).
   Para finalizar, no festival de Cannes de 2009 foi exibido em grande gala, a cópia restaurada de THE RED SHOES. Para a crítica, foi a melhor coisa do festival.
   Novo, belíssimo, emocionante, enigmático. Romântico pois.
  

A USP É O FIM

   Saindo da USP converso com um amigo de Minas Gerais. Decepcionado com a USP, ele fala de suas reclamações. Relato sua fala aqui. Ela é como a minha, como a de vários alunos com que falei e como a de alguns professores.
   A arquitetura da USP é um horror. Quadrados de concreto com avenidas onde correm carros. Isolada de tudo, quando voce sai da aula sua única opção é ir embora. Não há bares, lanchonetes, vida nas ruas. Tudo lá clama por pressa. Tudo se parece com uma estação, um escritório ou uma fábrica. O encontro fortuito é impensável e nada convida ao convívio.
   Aulas em lugares dispersos. Como não existe a turma 1A ou 1B, mas sim salas onde são dadas as aulas onde voce se inscreve, a sua turma nunca se forma. A menina que voce conversou hoje na aula de sintaxe, só será vista de novo na semana que vem, na mesma aula. O amigo do grego com quem voce começou uma amizade em abril, em agosto estará em outra turma, e voce não mais o verá. Isso faz com que mesmo no quinto ano tudo pareça estar "no começo", as amizades não se firmam.
   Professores dizem que isso é proposital. Se a USP causa algum barulho mesmo com essa solidão, imagine se existisse um clima mais propício a união e ao convívio.
   Meu amigo fala que SP inteira é assim. Tudo pede pela pressa, tudo é feito para a rapidez. Não há acaso ou encontro. Voce pode andar meses pelas ruas e não cruzar um só amigo.
   Eu tenho o espirito da USP. Vou com pressa e saio com pressa. Hoje conheci uma menina que estava lendo Wodehouse no corredor. Imagine! Wodehouse! O autor de Jeeves, o rei do humor inglês. Ela até já viu a série da BBC, com Hugh Laurie. Pois bem, quando a verei de novo? Provávelmente daqui a meses. E toda a relação terá de começar do quase zero, mais uma vez.
   Inexiste na USP o chato da sala que te acompanha por dois ou quatro anos, inexiste a menina da frente por quem voce fica caidão. Voce vê hoje a tal menina e só Deus sabe quando ela virá de novo.
   A USP exemplifica o iluminismo ao extremo: construção eficiente, tempo usado racionalmente, ambiente silencioso, nada de acaso ou de superficial. A coisa funciona para um dado fim.
   A USP é o fim.

DO JEITO MAIS FÁCIL ( ATENDENDO AO PEDIDO DE UM CASAL DE AMIGOS )

   Se nossa alma tem dois impulsos conflitantes, e eu acho que tem, um nos dirige para o Maior, o Grande e o Incontrolável; enquanto outro nos empurra para o Seguro, o Certo e o Provado. Os dois dificilmente convivem juntos ao mesmo tempo e nossa vida é um jogo de cintura em que tentamos equilibrar a ambos dentro de nós e ao nosso redor. Como passei a maior parte de minha vida dentro do Seguro e admirando de longe o Maior, assustado com os riscos que o Descontrole significa ( antes isso se chamava Neurose, hoje não sei ), falar do mundo seguro é sempre entediante para mim. É como descrever um auto-retrato. Falar do mundo da insegurança, o mundo sem mapa de retorno, isso me excita.
   Desde sempre o Ocidente tem vivido fases de maior predominio de um ou de outro. No Oriente essa divisão é desconhecida. Lá, o Incontrolável mora dentro e fora dos Rituais Religiosos, Rituais que conseguem unir um extremo auto-controle com uma entrega absoluta ao Grande e Inclassificável. Mas não tema, não é de religião que falo aqui, embora deva dizer que nossas religiões ocidentais tendem sempre a um Materialismo Pobre e Vulgarizante. ( Atenção, o Judaísmo é puramente oriental ).
   Se o romantismo foi o grande momento da tomada de poder pelo Irracional, e se em suas consequências se encontram desde o surrealismo até os hippies, punks e terroristas ocidentais, devo falar com tristeza que hoje nossa acomodação é tamanha que tentamos conhecer o Absoluto do Sublime sem sair de casa. Possível sempre foi, alguns poetas conseguiam ter essa experiência com absinto ou com um poema lido no quarto. O problema é que agora se tenta experimentar o sublime sem nenhum tipo de risco. Sem risco a saúde, a mente ou a condição social. Sinto dizer, viver essa experiência sem a presença do Medo é impossível. Pois é o medo que quebra as portas e destrava as correntes e sem ele voce prova o sabor mas nada se modifica. Voce fuma mas não traga. Bebe e cospe. Goza fora.
   Meu jovem casal de amigos ( 16 anos ), pede que lhes fale do hippismo. Romanticamente eles acham que esses anos foram de bela revolução e que estão extintos, como fadas ou pássaros Dodos. Bem, o hippismo continua vivo e saudável. E saibam que na verdade nada havia de novo nele. Talvez houvesse só um fato novo, em 1966 a TV espalhou a coisa, antes não havia TV. Sex, drugs e rocknroll podia ser o lema de todo romântico desde sempre. Basta trocar rock por jazz ou ópera ou poesia.
   Claro meus jovens que havia hippies e hippies. Americanos eram filhos de Walt Whitman e Thoreau, os ingleses de William Blake e Shelley. Desse modo os americanos eram voltados a estrada, a comunhão entre os homens, a vida campestre, ao amor grupal e a drogas naturais. Os ingleses eram mais noturnos, cultuavam a magia, o satanismo e drogas alucinógenas. Eram mais fatalistas, o estilo visual era mais século XIX. Mas mesmo dentro desses dois grupos havia a divisão entre radiciais e otimistas, machistas e libertários, alucinados e politizados. A questão que importa hoje é: Onde vive esse espírito agora em 2013?
   Está diluído e domesticado em livros de espiritismo ou em horóscopo de jornal? Nos filmes "bem loucos" ou nos cantores sofridos com seus violões tristes? Claro que não! Isso tudo é pastiche, cliché, produto. E a regra número UM de todo movimento romântico é: FAÇA O NOVO. Compreende?
   A Microsoft nasce como utopia romântica assim como a Internet. O que elas vieram a ser não nega a força que as criou. Já o Facebook NUNCA teve nada de utópico ou de romântico, nasce como coisa prática, certa, sem riscos, sem fantasia. Coisa pensada para um fim, e tão somente para esse fim. Fim que é alcançado. O pensamento de Bill Gates e de Jobs sempre foi ingênuo. Genialmente ingênuo. Romântico.
   Portanto não procure hippismo ou romantismo numa banda que se parece com The Beatles ou com Bob Dylan. Esses caras serão anti-românticos por negarem risco e originalidade. Voce encontrará isso em alguma mistura ousada, algum experimentalismo arriscado, numa vaia ou num estranhamento. Tristeza também nunca foi garantia de romantismo. Todo romântico experimenta uma genuína alegria em criar.
   Colocar um poster de Jimi Hendrix na parede nada significa hoje. Adoro Hendrix e consigo ouvir o seu velho som COM OUVIDOS NOVOS. Mas ele significa o mesmo que Beyoncé ou Franz Ferdinand, mais do mesmo. Um ótimo MESMO, mas é um MESMO.
   A realidade engoliu Hendrix como engoliu Paul e Mick. E se ainda é emocionante ver Paul cantar ou ver o The Who pular, isso NÂO significa que eles ainda sejam sublimes. Tudo neles é conhecido, tudo neles foi explorado, estudado, analisado, divulgado, compreendido. O mistério se foi e sem mistério, magia, segredo, não existe romantismo.

O PRELÚDIO, WILLIAM WORDSWORTH....SEM PALAVRAS...

   Abre os olhos e vê a luz invadir o quarto. Imediatamente o som dos pássaros toma seus ouvidos e voce pensa: - Eu não conheço esses pássaros! Sim, hoje, homem adulto, voce pensaria, se os notasse, -São Pardais, tão só vulgares Pardais! Mas então, naqueles tempos idos, voce saberia sem "o saber", que cada um dos Pardais é um Novo Pardal, completamente único e original. Daí seu interesse por todos eles. E lá fora, naquela manhã Única, voce os batiza. Confirma cada um deles como um Ele.
   O café sobre a mesa é mais um café. E enquanto se é servido voce brinca com a colher. Ela agora é uma catapulta e voce lança bolas de pão, em Fogo. à muralha da Mantegueira. Exércitos de invasores fazem aquilo que sabem fazer, Saqueiam a manteiga. Quando sua mãe impede a nova Bola de Fogo de ser lançada, bem, voce e seu irmão começam a tomar café como se agora fossem Dois Piratas. Migalhas são jogadas ao chão por Barba-Negra, que se serve de imensas canecas de Rum e engole nacos de Carneiro como se fossem Bolinhos de Chuva.
   Mas é lá fora que se faz a coisa.
   Todas as pessoas na rua são conhecidas e possuem um nome, mesmo que João seja para voce "O Menino da Bicicleta" ou que Lucinha seja agora "A Mais Linda com as Pernas Nuas". Todas as ruas levam ao Novo, e todas as Ruas lhe são conhecidas. Porque voce conhece a eterna Transformação que é a condição da Vida Bem Vivida. E ninguém te ensinou isso, voce Sabe. ( Um dia, terrível dia, vão te dizer que a vida é uma fórmula, que a morte é um destino e que tudo é como é... ). Mas voce Sabe, naqueles Tempos, que tudo o que os Homens Grandes pensam é Confusão Pra Passar o Tempo. E gente como Voce, Pequena, Sente que a Vida é Mais.
   As Nuvens Falam e a Tempestade tem um Caráter. Cada Pedra na Estrada de Terra tem uma fala em seu Teatro. Sua Mente Cria sem parar para pensar. O Medo, absoluto e imenso, toma todo o Universo quando voce olha uma ratazana morta no meio do lixo. E esse Pavor se transforma em esquecimento ao olhar uma Pipa que se solta da linha e voa a esmo por entre os Eucaliptos que não a capturam. Um bando de moleques corre pela Pipa e voce se lembra de Tom e Huck.
   Voce ainda não aprendeu o Tempo e essa Manhã lhe parece pra Sempre.
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   Walt Whitman pegou muito de Wordsworth. Ambos se soltam na estrada e vivem o olhar sobre as coisas. Ambos nos deixam um gosto de felicidade na alma quando descrevem as coisas. Agradecemos ao Mundo por ter dado luz aos dois Gigantes. A diferença é que o americano é voltado ao futuro, o inglês ao passado. Whitman de nada tem saudade, ele crê na vida que virá. Wordsworth lamenta o que se perdeu, ele vive feliz por poder recordar.
   Os lagos, as montanhas, so bosques. Wordsworth procura a solidão para lá se enamorar das sensações que a natureza lhe dá. Ele consegue ter instantes de Sublime por poder ainda acessar sua infância. Infância que não é inocência, é criação e conhecimento. O poeta procura a Surpresa e procura mais que isso AQUILO QUE NÃO PODE SER DITO POIS ESTÁ FORA DA LINGUAGEM. Para isso ele caminha: sobe morros, rema em lagos, adormece em relvados, fala com camponeses, se perde na neve. Anda por toda a Grã-Bretanha, mas também pela França, pela Alemanha, sempre a pé. E é feliz.
   Tempos finais, as fronteiras começavam a se fechar. Wordsworth se aterroriza com Londres: "Como podemos viver onde não sabemos os nomes de nossos vizinhos? Isso é impossível!!!" Bem-vindo à modernidade Wordsworth...
   O poema, longo, escrito na parte final de sua vida de 80 anos, narra sua vida. Infância, Oxford, viagens a pé. É uma obra-prima e é um prazer. Poema solto, sem rima e sem metro, quase prosa. Caça ao Sublime, acerta o alvo várias vezes.
   Tem de ler.

Guru Jazzmatazz "When You're Near"



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ADEUS ÀS AULAS TRISTES

   Foram meses estranhos. Muito estranhos. Logo na primeira aula eu já avisei a professora: Falar do movimento romântico era doloroso para mim. E eu preferia não ter de revisita-lo. Mas revisitei. E doeu.
   Estranha figura essa mestra. Eu a detesto. Porque ela é radicalmente contra toda forma de religião. É radicalmente de esquerda. E ultra-feminista. Mas também a admiro. Porque ela é romântica. Fala da maior revolução mental que o planeta viveu, a de 1780/ 1790, época do nascimento da coisa, pela primeira vez a razão é colocada em xeque, pela primeira vez cada homem se sente no direito de pensar por si-mesmo. Nasce o individualismo, a criatividade é colocada como dom soberano. Pela primeira vez a solidão não é vista como danação e vergonha, mas como privilégio e desejo.
   Rousseau anda em seu bosque e sente o que é Bom. Wordsworth anda pelos lagos ingleses e encontra o céu. Junto aos lagos Wordsworth se livra do peso da vida e reencontra sua infância. Vê sem julgar, observa como se nunca tivesse visto. Livre.
   Mas nas aulas o que temos é Alvares de Azevedo...o mito da mulher pura e inacessível, as loucuras nos cemitérios, as putas. Ah meu Deus, como dói lembrar!!!
   Porque eu fui um dos idiotas! Fui o tonto da familia, que andava no sitio, aos 18 anos, sózinho, botas na lama, tentando respirar de novo o ar dos meus livres 8 anos de idade. Fui o romântico ao extremo, que ficava doente na cama, com febre, e lia Hugo e Bronte sonhando com suas meninas pálidas e doentias, chorosas alucinações. Madrugadas solitárias e insones, a luz de velas, me sentindo o único romântico sobre a Terra. Eu disse que fui esse idiota!
   Conseguia esquecer o mundo e viver só para mim. Conseguia ignorar minha familia. Sonhar todo o tempo. Então eu sei o que foi esse romantismo. Conheço o prazer inenarrável do sofrimento procurado. Meu sangue sabe do sabor doce do êxtase do alivio. Nada nessas aulas são coisas novas para mim. Eu já sabia que a infância funda e cria a poesia. E que saber brincar é saber criar.
   Todos esses nomes me são conhecidos! Essas sensações provocadas me são passadas. Eu sei que a arte é a grande fonte de alivio. Um alivio de sacrificio. Já fui o inimigo.
   E se passaram esses quatro meses. Essas 32 aulas. Essas 96 horas.
   Adeus mestra, adeus romantismo, adeus lago, adeus criação.
   Ou não?

JIM CARREY/ HERZOG/ DENNIS QUAID/DUSTIN HOFFMAN/ TOM COURTNEY/ BRUCE WILLIS

   GRANDES ESPERANÇAS de Mike Newell com Ralph Fiennes e Helena Bonham-Carter
Pra que mais uma versão da obra de Dickens? Houve uma péssima em 1999 de Alfonso Arau com Ethan Hawke, e a versão genial de David Lean num preto e branco maravilhoso. Esta, feita em 2012, nada moderniza, ao contrário da medíocre obra de Arau. Mas é um filme frio, sem nenhum interesse. Nota 2.
   DURO DE MATAR I de John McTiernan com Bruce Willis e Alan Rickman
Caso dificil de ocorrer: um filme em que tudo está no lugar certo. Bruce nasceu para esse papel. John McLane, um tira fora de lugar e que não procura a ação, ela tomba sobre ele. Mais importante, ele se machuca, se cansa, sente dor. A ação não cessa, mas ao mesmo tempo temos bons diálogos e bons atores. É um filme que diverte e até empolga. Detalhe: é a sétima vez que o vejo. Sempre me pego envolvido. Nota? DEZ!
   DURO DE MATAR II de Renny Harlin com Bruce Willis e Franco Nero.
É aquele do aeroporto. Quase tão bom quanto o primeiro, não leva um dez porque não mais se trata de uma surpresa. Mas caramba, quanta diversão! E para quem o vê pela primeira vez ( te invejo ), há uma bela reviravolta. Relaxe e goze. Nota 8.
   VIAGEM INSÓLITA de Joe Dante com Dennis Quaid, Martin Short e Meg Ryan
Envelheceu bastante. Numa produção Spielberg, vemos a saga de um homem que é minituarizado e injetado dentro do corpo de um bobalhão. O jovem Dennis Quaid tinha uma alegria que contagia. É legal também ver a jovem Meg Ryan. Short, que vinha do SNL tem o filme para si. Nota 5.
    O INCRÍVEL BURT WONDERSTONE de Don Scandino com Steve Carell, Steve Buscemi, Olivia Wilde, Alan Arkin e Jim Carrey
Este filme sobre uma dupla de mágicos de Las Vegas é muito muito muito ruim. Odiável, ele pode ser considerado um dos piores filmes que já vi. Uma comédia podre, sem graça, chata. Jim Carrey está perdido, dá pena. Nota ZERAÇO.
   O ESPIÃO QUE ME AMAVA de Lewis Gilbert com Roger Moore, Barbara Bach e Curt Jurgens
Grande sucesso, música famosa com Carly Simon, resultado flácido. Barbara Bach, senhora Ringo Starr é a mais bela das Bond Girls. Mas o filme se ressente de um vilão melhor. Richard Kiel com seus dentes de aço tem várias cenas de humor. Moore está a vontade, é um Bond engraçado. Nota 6.
   O QUARTETO de Dustin Hoffman com Tom Courtney, Maggie Smith, Billy Connolly, Pauline Collins e Michael Gambon
Um filme belíssimo dirigido pelo grande Dustin Hoffman. Em tom leve e amargo, colorido e triste, se conta a vida de um bando de ex-estrelas da ópera que vivem num asilo de luxo. Eles montam um show e ao mesmo tempo vemos o reencontro de dois ex-amantes. O filme, com bela sensibilidade, mostra as dores, as fragilidades e a, porque não?, coragem da terceira idade. Os atores são todos brilhantes. E é emocionante ver Tom Courtney, ator dos mais emocionantes da velha tradição britãnica, compondo um músico melancólico e mesmo assim idealista. Uma aula de olhares, de gestual e de pequenos sentimentos. Dustin teve a sabedoria de deixar seus atores à vontade. Lindo filme! As fotos nos créditos finais chegam a provocar lágrimas. Nota 9.
   O ENIGMA DE KASPAR HAUSER de Werner Herzog
É uma obra-prima. Um bebê é abandonado em porão e lá mora por toda a vida. Sem conhecer gente ou aprender a falar, é resgatado já adulto. Herzog mostra a educação desse homem-besta e aproveita para criticar a sociedade, a ciência e a razão. Mas, sem ingenuidade, ele sabe que a saída não é a volta a natureza. O filme, cheio de cenas complexas, belas, ricas em símbolos, é marcante. Nota DEZ.

COMO SE NASCE PARA A VIDA ( IMPRESSÕES SOBRE AULAS BASEADAS EM KASPAR HAUSER )

   Iluminismo? Não me faça rir voce e seu iluminismo! A razão ao fim pode tudo, é nisso que crê a razão, essa a crença iluminista. Maravilhosa razão! O que ela nos deu? Onde nos levou?
   Nesta aula não me contenho e digo minha "loucura": Eis: A escola nos destrói. Ela nos castra, nos amordaça, mata tudo aquilo a que fomos destinados. Esquizo condição deste que vos fala: Trabalhar para algo que é condenável. Mas não há volta: A Escola nos destrói mas não existe alternativa a ela e é pior sem ela. Porque o homem natural está morto. Sem a escola não haverá a volta a pureza-verdade-natural.
   A natureza foi morta. Animais viraram máquinas ou palhaços. Não podemos ver uma árvore como ela é. O que vemos é a ideia do que seja uma árvore. Eis a maldição da escola e da razão: Não podemos ver o que é. Vemos aquilo que fomos ensinados a ver. Não amamos. Sentimos uma coisa que aprendemos a chamar de amor. Enquadrados, domesticados, vivemos racionalmente. Razão que não existe. Cremos no inexistente. O que chamamos de razão é costume, domesticidade, castração.
   Uma criança brinca. E para ela uma maçã é viva. Como viva é a pedra e a floresta que grita. Se a razão nos fala que uma pedra não pode ser viva, uma criança nos recorda que acreditar na vida pressupõe vê-la em tudo. Porque quem está vivo vê a vida ao ver-viver. E vê sem ler. Olha.
   Mas nós matamos essa vida e a enquadramos em linhas retas na página de papel. E tudo o que aquela criança via-antes morre nessa linha-agora. E toda a vida que ela brincava cessa ao aprender que a vida é uma coisa.
   Quanta coisa no mundo não tem nome!
   Quanta vida na vida sem razão!
   E o iluminista, vomitando regras e ditando verdades, tudo em nome da razão que ele confunde com liberdade ( que asneira! ), morre seco  em suas aspirações ao bom e ao belo.  Kant matou todos eles! A razão nada pode saber. Ela só entende aquilo que ela própria constrói. Coisas da razão. Brinquedos de adultos.
   O sublime aterroriza a razão e o iluminista. O infinito, o vasto, o desmedido. A morte.
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   Foram aulas sobre esse filme sublime. Onde aprendi a raiz romântica de Herzog. E de Wenders e de Schlondorff.
   O ódio, sim, o ódio que eles têm da ordem, da regra, do comum, do burguês.
   Anões, anjos, bestas, doentes, velhos, macacos, o fora de lugar, o inutil, a criança. Isso que eles amaram.
   Kaspar nasce ao sair do porão. E indaga, brinca, incomoda, não aceita. Parte.
   Queres saber do sublime? Eis o filme.