PERDEMOS AS RUAS E AS JANELAS ESTÃO VAZIAS

   Cada época tem sua preocupação. Se essa preocupação já foi politica, religiosa e artísitica, hoje ela é social. Social não no sentido politico, não como ideia de futuro, mas antes como sintoma. Violência e solidão. Essas as duas grandes questões do tempo. Violência sem tática, sem ideologia e sem consequência, ato gratuito. Terror e absurdo. E a solidão verbosa de redes sociais e de ruas desertas de gente e cheias de coisas.
   Ando com um amigo nas ruas de um bairro que conheço desde 1973. É domingo de noite e são apenas oito horas. Faz bom tempo. Andamos por cerca de uma hora entre sobrados e praças. De repente percebo que não cruzamos por uma só pessoa. Chegamos ao extremo absoluto do nascimento de nossa cultura. Gregos viviam na rua e na praça. O inferno seria o exilio. Casas só para dormir. Hoje vivemos esse inferno. Nossa vida se faz entre paredes. ( Domingo a noite era hora de gente se despedindo no portão. De senhoras na janela olhando a rua e falando: Boa Noite!, crianças, eu, jogando bola e reclamando de ter de entrar, namorados na praça ). Pior: não escutamos uma só voz vinda das janelas das casas. Nenhuma. Luto? Terá morrido Roberto Carlos? Ninguém discute, briga, comenta a TV, ri. Nada. Silêncio quebrado por um ou outro carro que passa.
   Há gente no shopping center. Muitas. Houve um tempo de muita gente na praça e na rua. Lugares nossos, grátis, de familia. Agora nosso lugar não é nosso, é dos lojistas. O centro de nossa cidadania é um centro comercial. Se em 1973 me falassem que nosso futuro residia entre mercados e lojas de sapatos eu daria risada. Não andamos mais pelas ruas aos olhos dos vizinhos e de nossas mães. Andamos em galerias comerciais aos olhos dos seguranças e de câmeras de video. Liberdade? Onde?
   Bem, as ruas da Vila Madalena talvez estejam cheias. Ou a Paulista. Mas elas não são também um tipo de shopping? Galerias ao ar livre onde andamos entre apelos por consumo de cerveja e de comidinhas? Locais onde temos de ir para "viver"? Liberdade? O que é ser livre hoje?
   Falamos então de outras coisas. Uma delas é a relação do cara inquieto com o mundo atual. Fácil para mim perceber dois tipos de "consumidor" ou "apreciador" de arte. Tem aquele que só assiste filmes de agora e ouve bandas novas. Esse é o consumidor de produtos frescos. O passado é morto para ele e o futuro coisa de nenhuma preocupação. Ele engole apenas o pãozinho quente, o iogurte na validade e nada quer com conhaque. Sua rebeldia é aquela dentro do agora. Nos conformes. Da época. O cara inquieto critica sempre o agora. Fato fácil de verificar: todo artista que mereça consideração, desde que o mundo é mundo, tem uma relação crítica profunda com o agora. Ele nunca nasceu na hora certa. Pensa no passado e deseja o futuro. Daí sua afinidade com livros obscuros, filmes antigos e músicos de raiz. Ele firma os pés nos tesouros guardados e tenta dar o salto ao futuro, pulando o agora. Creia: Um homem envolvido com o aqui e agora cria produtos descartáveis. O tempo os engole. Sua criação, sua mente se deixa rodopiar nas miríades de musas apelativas de 2013. No passado selecionado ele acha o ponto firme, fora do agora, para se criar.
   Amizade é um tesouro. Cada amigo é um mundo. Tenho amigos que me fazem virar poeta grego, tenho amigos que me fazem ser palhaço. Outros me dão o dom da familia e alguns trazem-me filosofia.
   Dessa conversa nas ruas ficou uma pergunta: Porque um bom filme faz com que eu repita, sem ter consciência, todo o gesto e modo de meu pai vendo o mesmo filme? É possível ser inteiro sem a reconciliação com sua origem? De onde nascemos?
   A rua continua vazia.

HIGIENÓPOLIS, IMPRESSÕES SEM FOCO

   Eu vestia um tipo de paletó de couro que era uma geladeira ambulante. Comprado por minha mãe, na loja Garbo, ele tinha a dureza de uma armadura e a frieza de uma casa de janelas quebradas. Eu me encolhia na rua lateral ao cemitério. Sentia o vento gelado de maio. E como fazia frio naquele maldito lugar! Um frio sujo, fuligenoso, grudento, mesclado a fumaça dos carros e ao suor do corpo encapotado. Meus lábios rachavam e eu puxava a pele e fazia com que eles sangrassem. Minha língua tinha áftas, minha garganta doía. O cabelo, longo, despenteado, sujo, a mochila de lona rabiscada com o nome de "hendrix". Espinhas na cara e um lenço sujo que eu levava no bolso para assoar meu nariz sempre vermelho e entupido. Nunca fui tão feio. Nunca tão infeliz. Lá era Higienópolis.
   O muro do cemitério parecia nunca terminar e então eu via a entrada do Mackenzie júnior. Eu fora parar naquele colégio por influência de meu professor, o mesmo cara que hoje, trinta anos depois, ainda me influencia ao ponto de me fazer ser professor. O ano anterior fora feliz, brilhante, maravilhoso. Mas agora, no primeiro colegial, longe de meu bairro, nesse detestável Higienópolis, eu desabava. Solitário, eu me deixava andar pelo bairro estranho, o sol gelado na cara, longe das meninas bonitas que lá moravam e dos amigos esnobes de suas ruas vazias. O bairro era feito de sombras as sete da manhã. Uniformes mackenzistas nas ruas e velhinhas passeando com cães. Estranho lembrar que naquele tempo eu pouco ligava para cães. E também nada via de bom nos casarões. Eu os temia. Me deprimia a velhice do bairro. Todo ele me lembrava um cemitério. Em suas ruas ainda se viam casas sem muros, imensas, com suas janelas art-déco e mármores italianos. Hoje eu sei o que sentia, hoje eu saberia, mas aos 16 anos eu estava perdido. Andava então.
   Sentia respeito pela biblioteca do Mackenzie, com suas madeiras escuras e o cheiro de papel se desfazendo. Mas a Mario de Andrade me intimidava. Deprimido, eu a sentia como um hospital. A arquitetura das Clínicas. Aliás ir de casa até lá era uma excursão ao inferno: passava por três hospitais e três cemitérios. Ida e volta. Argh!
   O bairro era esnobe? Penso que sim. Hoje eu me divertiria, na época, caipira, sentia medo. No Mackenzie de então só se podia entrar de sapatos, tênis eram proibidos, assim como jeans. Alguns conhecidos da minha classe se reuniam para um chá. No apartamento em estilo Oscar Wilde de um deles, tudo era branco, tapetes, paredes e sofás. A porcelana portuguesa era rosa e branca. O que eu fazia lá? Minhas referências eram então Jimi Hendrix e Mick Jagger! Chá? Só se fosse com whisky! Hoje sei que provávelmente a culpa não era do bairro, eu andei com a turma errada. Andei? Melhor dizer, fugi da turma errada.
   Aconteceram manhãs em que andei pelo bairro inteiro. E era fácil se perder nele. Não havia nada para quebrar a monotonia das ruas. Casas, prédios sóbrios, árvores, e algumas poucas farmácias e padarias. Parecia que a gente não estava no Brasil. Buenos Aires ou Montevideo talvez. É estranho lembrar que as calçadas não tinham buracos e dava para se andar de olhos fechados. De certo modo era o que eu fazia. Aquele foi um ano em branco. Triste dizer que nessa minha história em bairros de São Paulo, história que vai do Caxingui a Paulista, do Brooklyn ao Itaim-Bibi, Higienópolis é uma sombra, manhã fria e um desfilar sem fim de casas fechadas e exageradas. Recordo então que não consegui tirar uma nota maior que seis em todo o ano e que fui reprovado já em agosto. Um desastre!
   Mas eu posso salvar algo desse ano... Porque no âmago de todo esse azedume flácido, eu sentia a certeza de um amor inflado. Me apaixonei pela menina mais esquisita da escola, uma loura espinhuda e magra, que em minha mente romântica era a encarnação de Anita Pallemberg em Higienópolis. E eu, ao som de Their Satanic Majesties Request, seria seu Brian Jones difamado e destrutivo. Nunca em minha vida, antes ou depois, fui tão rocknroll. Andar pelas ruas de lá era cantar baixinho: No Expectations e Paper Sun. Estava só, mas posso dizer que aquela sombra foi minha iniciação ao sublime.
   Por isso eu odeio não só Higienópolis como a Consolação. Para mim eles serão sempre frios e embalados em fumaça e couro duro. Mas é lá que ficou um resto, algum nó não desatado, uma chance esquecida, uma canção ainda em andamento. Higienópolis é minha sombra. Terra de meus vampiros, do medo da perdição e dos desafios perdidos.
   Preciso um dia lá voltar.

AO LONGO DO RIOCORRENTE- RICHARD ELLMANN, WILDE-YEATS-JOYCE-FREUD-ELIOT

   Coletânea de ensaios sobre autores do período 1890/1910, o que une os autores estudados, Yeats, Eliot, Joyce, Pound e Freud é seu amor pelo simbolismo, a criação e o uso de símbolos arcaicos, utilizados para dar luz ao "desconforto diante da vida material". Dessa forma, todos eles criaram uma espécie de mitologia particular, ferramentas para dar sentido àquilo que os aturdia.
   Richard Ellmann, americano, biógrafo e excelente crítico, foi professor em Yale e Oxford. É dele a icônica biografia de Oscar Wilde e também as definitivas sobre James Joyce e Yeats. O modo de abordagem de Ellmann propõe uma nova visão, que se ignore os chavões grudados ao autor e que se perceba, sem medo, a verdade óbvia. Verdade que foi esquecida com o tempo. A montanha de estudos banais feitos sobre cada um desses autores perpetuou certos fatos que reduziram sua complexidade. Foi tatuado em Yeats o perfil de autor folclórico, cantor de fadas e de heróis, exotérico espiritualista, nacionalista iralndês. O livro tem três textos sobre o poeta e mostra o quanto esse perfil é redutor ao extremo. William Butler Yeats sentia o desconforto da "vida imperfeita", mas jamais foi um exotérico como o foi Mallarmé. A linguagem de Yeats é sempre centrada na vida material. Ele não cria códigos cifrados, enigmas de sentido obscuro, como faz o francês. Yeats, sempre apaixonado pela vida dos sentidos, tenta encontrar o sagrado na carne, a perfeição na vida. Toda sua produção nada tem de abstrata-pura.
   Muito conhecida é a história do amor de Yeats por Maud Gonne. O amor do poeta pela rebelde iralndesa, o amor do puro espirito pela mulher de ação. Bobagem! Ellmann entrevista Maud Gonne e nota que os dois chegaram a ser amantes. Assim como a vida de Yeats foi repleta de casos sexuais. Fascinado pela vida sensual, Yeats procurava separar as duas vidas possíveis: a da perfeição, que seria possível apenas na arte e na alma, e a vida bela porém imperfeita da carne. A luta entre essas duas forças se trava em toda sua obra. Uma luta sem vencedor ou vencido.
   Ellmann escreve o mais belo capítulo do livro ao visitar a casa de Georgie, a esposa de Yeats. Já octogenária, os dois remexem nos arquivos, brincam com objetos, recordam. Muito mais jovem que Yeats ( ele se casou apenas aos 52 anos e manteve casos até o fim ), Georgie era o oposto do poeta. Ela se mostra uma mulher firme, decidida, teimosa. E uma inteligente leitora do marido. Segundo Yeats, ela lhe deu paz, conforto, e opiniões brilhantes sobre poesia, ocultismo e filosofia. O que se depreende da vida do poeta é sua sorte. Yeats viveu uma vida rica. Plena, maravilhosa.
   O livro vai nesse objetivo. Todos os analisados ( com exceção de Freud ), foram amigos. Ou no mínimo se encontraram por algumas vezes e se influenciaram. Oscar Wilde começa o primeiro capítulo. Sua influência por toda a inteligência do final do século XIX é gigantesca. Dele deriva Yeats ( que se apaixonou pela casa de Wilde quando o visitou ainda muito jovem ), de Yeats vem Pound e de Pound Joyce. Pound foi secretário de Yeats e amigo de Joyce. Joyce foi fã de Yeats e depois o negou. E Eliot foi discípulo e crítico de todos eles. Foi um momento muito interessante. Ellmann demonstra a conciência que todos tinham do período. 1900 foi um marco. O velho é jogado fora de forma deliberada. Eles escrevem que o cinetificismo do século XIX não mais lhes serve. Que o positivismo, o realismo, são passado-morto. Tudo agora é novo. Freud se encaixa nesse contexto, Seus textos são parte desse simbolismo, tentativa de demonstrar a falencia da razão pura. Embate entre carne e alma, limite e desejo, imperfeição e perfeição, belo e feio, Apolo e Dionísio.

SOBRE O INFINITO, O UNIVERSO E OS MUNDOS- GIORDANO BRUNO, A PAIXÃO PELO ILIMITADO

   Bruno foi queimado em Roma, 1600. Sem abrir mão de sua crença, Bruno olhou para os céus, tendo a plena certeza de que tudo é infinito. Porque o Papa tanto o detestava? O que havia de tão terrível em sua filosofia? Ele jamais deixa de crer em Deus, jamais abraça a fé protestante. Qual seu pecado?
   Ele foi monge e abandonou a igreja quando desenvolveu sua filosofia ( da qual já falo ). Sua vida passa a ser uma viagem constante: Suiça, Alemanha e Inglaterra. É na ilha que ele escreve sua maior obra, "Sobre o Infinito". Pensando que a Itália já fosse segura, ele vai à Veneza, dar aulas para um nobre. Traído, é entregue a Roma, condenado e queimado vivo.
   Giordano Bruno foi um homem típico da renascença. Ele unia ciência a arte, magia a religião, filosofia e poesia, bem-viver e bem-pensar. Em si havia a sede de saber e de fazer. O homem renascentista é sempre um homem de ação, um insatisfeito que faz coisas. Um pensador que mede a vida pelo tamanho do homem. E para Bruno, tudo era infinito. Espaço, criatividade, Deus, a memória, tudo infinitamente sem forma, sem tamanho e sem volume.
   Em seu livro, escrito em forma de diálogo, Aristóteles é atacado. E com ele, toda a filosofia da idade média cai por terra. Bruno afirma que se Deus é onipotente, então seu poder é ilimitado. Se seu poder não tem limites, então ele só deseja e só pode criar o que não tem limites. Não haveria sentido em que um Ser ilimitado criasse algo limitado. Portanto o universo é infinito. Mais que isso, existem infinitos sóis e infinitas Terras. Gente em outros mundos. O universo é infinito e dentro dele existem mundos finitos. Todo esse pensamento é radicalmente contrário ao que se difundia na era medieval. Bruno afirma ainda que nada termina, as coisas se transformam. O que é será sempre sob outra forma. Não existe alto e baixo, todo lado que se olhe é infinito. A Terra não é o centro privilegiado do universo, ela é apenas um dos mundos possíveis. Mundos vários, vida que muda, universo sem fim e sempre vivo.
   Mas Bruno não desvaloriza o homem. Para ele, a mente humana é tão infinita quanto a mente divina. Na imaginação, na sensibilidade, o homem atinge o infinito. Deus está em todas as coisas, inclusive na mente do homem, mente que é sem forma e sem fixidez como é o universo. O homem tem a obrigação moral de usar essa capacidade divina de sua mente. Em seu espírito vive o infinito e a infinita capacidade de criar e de entender.
   Vale dizer que o volume começa com uma carta que Bruno envia ao ilustríssimo senhor de Castelnau. Poucas vezes em minha vida li algo de tão belo, de tão nobre e de tão alto grau de sabedoria. E é isso que mais se sente ao ler Bruno: Quando Roma fez arder a carne daquele homem, se queimava um nobre, um justo, um ser privilegiado.
   " Daí sucede que não arredo pé do árduo caminho...."
    Giordano Bruno é infinito.

RESNAIS/ BERTOLUCCI/ HATHAWAY/ TOTÓ/ MARIO MONICELLI

   SIMBAD E O OLHO DO TIGRE de Sam Wanamaker com Patrick Wayne e Taryn Power
Ray Harryhausen produziu e escreveu. E, claro, fez os efeitos especiais. Que não encantam. Ray foi perdendo o jeito conforme o tempo avançava. Seu apogeu se deu entre 1960/1964...aqui estamos em 1977... Nota 2.
   ADRENALINA de Neveldine e Taylor com Jason Statham e Amy Smart
Voces sabem: injetam uma droga num matador profissional. Sua adrenalina não pode parar ou ele morre. Então ele corre, briga, bebe cafeína, faz sexo e briga. O filme é hilário! Tem um milhão de efeitos e todos os vicios do cinema atual: é vazio, sem pensamento, anti-estético e grosseiro. Mas tudo é perdoado por sua falta de pose. Ele se sabe idiota e admite sua popicidade teen. Isso o redime. Como condenar algo que me deu hora e meia de prazer? Nota 6.
   MR.MAGOO  de Stanley Tong com Leslie Nielsen e Kelly Lynch
 Se não é a pior comédia da história...chega perto disso. Leslie era ótimo, mas este filme é uma roubada! Em tempo: Inácio Araújo falou esta semana da boa fase que a comédia viveu nos anos 80. Ele citou Steve Martin, John Candy, Crystal, Murray...Comédias que ainda eram humanas, ainda tinham personagens com alguma profundidade. Ele se esqueceu de Leslie Nielsen. Este filme? Esqueça! Nota ZERO
   POLICIA E LADRÃO de Mario Monicelli e Steno com Totó e Aldo Fabrizi
Seria Totó o maior humorista da história do século XX? Nascido como um nobre italiano, tornado ator, o rosto de Totó, sua voz, os movimentos de seu corpo, são das coisas mais elaboradas, mais encantadoras da arte do riso. Aqui ele é um malandro que vive de golpes. Aldo Fabrizi é o policial que o persegue. Estamos na Roma de 1951. Uma cidade inacreditávelmente pobre. O filme é todo entre lama e favelas. E seu povo. Um pensamento: o povo mais anti-americano do mundo nunca foi o russo. É o italiano. Vemos o porque neste filme. Há um orgulho em se burlar a lei, em não se fazer nada, um prazer no improviso, no diálogo cheio de duplos sentidos, na vagabundagem, na negação a produção e ao tempo como dinheiro. E ao final, o ápice do humanismo, o policial e o ladrão se reconhecem como atores de um mesmo drama, como faces da mesma verdade. Monicelli amava gente. Seu cinema é sempre um olhar amoroso a gente comum. A gente que luta para poder continuar a lutar. Este filme, em que pese o começo hesitante, é maravilhoso! Nota 9.
   VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA! de Alain Resnais com Pierre Arditi, Lambert Wilson, Sabine Azéma e Michel Picoli
Por quinze minutos o filme parece ser fascinante. Sentimos na tela a inteligência de Alain Resnais. Ele que é um dos mais intelectualizados dos diretores da história. Aos quase cem anos de idade, vemos nesses minutos a promessa de invenção. Como aconteceu com Altman, que morreu mais jovem que 99% dos diretores, Resnais nos provoca e promete. Mas então tudo se arruina. O filme morre em diálogos frios e em truques que se repetem. O tédio chega avassalador. Impossível suportar. Chato, chato e chato. Darei um 4 para Resnais? Ou sairei pela tangente da covardia do sem nota? Não, darei a nota: 3.
   TRAMA MACABRA de Alfred Hitchcock com Bruce Dern, Barbara Harris e Karen Black
É o último filme do mestre e eu lembro das críticas da época: péssimas. Os críticos tinham prazer em falar da pobreza do roteiro e da indigência das imagens. Well...visto hoje, neste tempo de roteiros pobres e imagens banais, este filme parece menos ruim. Mas continua a ser comum. Na verdade ele é como um bom episódio de alguma série de tv. Toda a primeira parte é bem chata, a parte final se encontra em ação interessante e bom suspense. O mestre havia morrido para o cinema em 1964 com Marnie. Deu um suspiro em 1972 com o ótimo Frenesi. Este deve ser evitado. Nota 4.
   EU E VOCÊ de Bernardo Bertolucci
Ainda não estreou aqui. Bernardo achou um jovem ator que tem a cara do Malcolm McDowell da Laranja Mecânica de Kubrick. E o filme é esse rosto. Confesso ser suspeito para falar deste filme. Eu fui aos 15 anos como aquele jovem. Ele usa cabelo longo e tem espinhas. Nas férias finge ir a excursão da escola. Na verdade ele se isola no porão de sua própria casa. Lá, com comida estocada, roupas e bebida, ele pensa poder ser feliz. Mas uma meia-irmã, junkie, surge e muda tudo. O filme termina ( ele é curto ), com David Bowie -Space Oddity. Bertolucci continua adolescente. Isso é emocionante. Ele olha para o garoto como cúmplice. Em 1968 ele filmou Partner, retrato do adolescente de então. Um filme esquizóide e hiper-radical. E desde então ele tem nos dado esses retratos de adolescentes e de seus tempos. Não sei se este jovem é um cara de 2013. Como falei, eu fui como ele e não fui/sou um adolescente de 2013. É um filme modesto, sem compromisso, franciscano, pobre. E que apesar de ter tanta coisa para me agradar me deixou entediado. Fácil saber porque. Se o garoto tem um rosto que funciona, a irmã é uma mala-sem-alça, feita por atriz limitada e pouco marcante. Quando ela surge o filme desaba. Já que o jovem me lembrou McDowell, bem que Bernardo podia ter conseguido uma "Maria Schneider". Nota 6.
   A LEGIÃO SUICIDA de Henry Hathaway com Gary Cooper e David Niven
Hathaway foi um dos grandes diretores de aventura do cinema. Nos anos 30, ele, Wellman e Curtiz criaram toda a forma, todo o molde que seria usado naquilo que até hoje é o filme de aventuras. Um herói solitário e nobre, a ação que irrompe súbita, as façanhas, o humor do amigo do herói, a "mocinha" que o ajuda, o vilão frio e trapaceiro. Esqueça a modernidade, este filme prega o colonialismo desavergonhadamente. Filipinas. Americanos ensinam os "nativos" a se defender. Cooper, sempre elegante e sempre com sua voz firme e o olhar alegre, é um médico que serve o exército. O filme tem assassinatos, doenças, rivalidades, brigas e emboscadas. A ação é muito boa. Uma bela diversão à antiga. Nota 7.

O VENTO NOS SALGUEIROS- KENNETH GRAHAME, O LUGAR DA FELICIDADE

   Em seu ótimo livro, OS LIVROS E OS DIAS, relato em que Alberto Manguel fala dos doze livros escolhidos para simbolizar os doze meses do ano, O Vento Nos Salgueiros é colocado às alturas. 
   Finalmente encontro esse livro em edição nacional. Traduzido por Ivan Ângelo, editora Richmond, este livro é para as crianças anglo-saxãs aquilo que O Sitio do Pica-Pau Amarelo era para nós. Lugar de encontro, romance de formação, canto sobre o que seja ser criança, encanto e liberdade. A diferença é que os valores do livro de Monteiro Lobato remetem a familia, o livro de Grahame fala do maior dos valores vitorianos: a casa, o canto, o lar. Escrito em 1904, na era que nos deu o Peter Pan de Barrie, o que as aventuras de O vento podem dizer a um adulto de 2013? Segundo Manguel, uma magia de paz e de conforto. A obra tem um apelo irresistível, ela nos mostra aquilo que mais precisamos ter: proteção. 
   O livro é maravilhoso. Fala de uma Toupeira que resolve sair da toca e ver o mundo. O mundo, diga-se, de uma Toupeira, mundo bem curto e pequeno. Ela encontra o Rato D'Água e logo são amigos. Nesse encontro ficamos sabendo da casa onde vive o Rato. E então percebemos do que trata o texto. Da doçura do lar. De lareiras quentes e de de sofás macios. Das janelas e das portas. E da amizade entre seres comuns, banais até. Não há um herói. São seres com medo, com curiosidade e que têm o dom dos animais: sabem sentir as coisas. Esses lares são escolhidos por seu cheiro. 
   Momento de maestria ( e de simplicidade ) se sucedem. Há a tempestade de neve que surpreende os amigos. A casa do Texugo é encontrada e podemos sentir o alivio dos dois ao entrar na casa quente e tomar a sopa farta na mesa da sala. Um outro momento, esse tão forte em magia como aquele do lago em O LAGO SAGRADO de Atwood, acontece quando um filhote de Lontra é resgatado no bosque. Nessa busca o Toupeira entra em transe e é guiado por Pan, o deus grego da floresta. É um capitulo maravilhosamente bem escrito, deliramos no delirio do Toupeira,  páginas que nos fazem ansiar por mais cenas como essa. Pena, elas não surgem. 
   O final do livro traz as aventuras do Sapo, um aventureiro milionário, hedonista, viciado em carros, gastador. Confesso que é um personagem "menos bom". Não gostei do Sapo como adorei o Toupeira, O Texugo e o Rato. 
   Kenneth Grahame criou os personagens e suas aventuras de improviso, inventando tudo no quarto do filho, tentando fazê-lo dormir. Lançando esse material em livro, três anos mais tarde, O Vento Nos Salgueiros se tornou rapidamente um ícone da literatura infantil inglesa. Surgido na hora certa e no lugar certo, o livro faz parte do movimento que valorizou a infância e o lar, o conforto e a segurança na mente inglesa. De Alice à Peter Pan, de Roger Rabbit à Mogli, este é o momento chave das letras para crianças.
   Grahame descreve o lar do Rato pronto para o inverno. Comida, ordem, paz, quietude. Concordo com Manguel. Kenneth Grahame era um mestre na descrição do que seja o bem-estar. 
   Ler este livro é um grande "bem-estar".

OZON/ FREUD/ BILLY CRYSTAL/ LANCASTER/ BORZAGE

   UMA FAMILIA EM APUROS de Andy Fickman com Billy Crystal, Bette Midler e Marisa Tomei
Avôs alegres e soltos e netos de vida programada e utilitária. Óbvio que os avôs irão salvar a vida chata dos netos. O roteiro nada tem de novo. Mas o filme se mantém ok. Porque? Billy Crystal é um tremendo comediante! E Bette Midler sempre foi uma diva. Tomei, ainda bonita, é a filha dos dois e mãe dos tais netos problemáticos. Nota 4.
   ANGÉLICA E O SULTÃO de Bernard Borderie com Michele Mercier e Robert Hossein
Um pavor! Este filme foi um hit na França dos anos 60. Tanto que foram feitas cinco sequências. Nos anos 70, na Tv Tupi, ele foi um dos primeiros a despertar minha "paixão" por um símbolo sexual. Lembro de assistir escondido, de madrugada. Visto agora é uma imensa decepção! Tem a pior trilha sonora da história, ação mediocre e nenhuma emoção. E Michele nem era tão bonita! Nota ZERO.
   FREUD ALÉM DA ALMA de John Huston com Montgomery Clift, Susannah York e Larry Parks
Existem momentos em nossa vida que são decisivos. Houve uma madrugada quando eu tinha 15 anos que foi assim. Na Globo passou, era segunda-feira, este filme no Corujão. Porque o assisiti? Uma bela crítica no JT. Fiquei abestalhado quando o vi. Tudo nele me enfeitiçou: o p/b genial e austero de Oswald Morris, a trilha sonora de Jerry Goldsmith, trilha que usa até mesmo música eletrônica-concreta. O romantismo rebelde do homem inovador contra tudo e contra todos, a incompreensão de seus colegas. O tom sofrido de Clift, numa atuação que joga em nossa cara um misto de inteligência e perdição. É um Freud sempre crível. A beleza dos pesadelos vienenses.... Lembro que não consegui dormir. Esperei minha mãe acordar para lhe dizer, às seis da manhã, que meu futuro se decidira: eu iria ser um psicólogo. Freud se tornou um de  meus ídolos por vinte anos. Depois percebi que meu ídolo era na verdade John Huston que fizera o filme. O filme passou esta semana em versão dublada na Cultura. Pensei em não o rever. Freud a muito se tornou um passado morto para mim. Mas não resisto. O filme volta a me enfeitiçar. E noto então que o que me seduzira fora a narrativa, a saga do intelectual contra o mundo, a saga da curiosidade em sua jornada e principalmente o soberbo e sublime clima vitoriano que o filme exala. Não me fiz psicólogo e não lamento isso. Me fiz um tipo de vitoriano. O filme antecipou sentimentos que eu encontraria em Henry James. Esteticamente é um primor. Huston, diretor de homens solitários contra seu meio, diretor dos derrotados, venceu. Nota DEZ!
   STREET ANGEL de Frank Borzage com Janet Gaynor e Charles Farrell
Gaynor ganhou o Oscar de atriz em 1929 por este filme. Que é um belo exemplo de filme silencioso. A câmera desliza, rola por ruas e fachadas, voa. Janet é uma moça sem lar que se une a trupe de circo. Há um bocado de alegria no filme. Uma alegria tristonha. Borzage foi um dos primeiros grandes do cinema americano. Os rostos são fascinantes. Nota 7.
   O ESPADACHIM NEGRO de Tay Garnett com Alan Ladd e Patricia Medina
Boa aventura medieval. Há ritmo na história chavão do ferreiro pobre que se disfarça de cavaleiro negro para se vingar de injustiças. Eu adoro filmes que usam espadas, muralhas e cavalos. Aqui temos tudo isso. Ladd não convence muito como herói medieval, ele é muito baixo e meio americano demais, mas a coisa funciona por causa de sua rapidez e falta de seriedade. Nota 5.
   DENTRO DE CASA de François Ozon com Fabrice Luchinni, Emmanuelle Beart e Kristin Scott Thomas
Tenho me "obrigado" a acompanhar o cinema atual. Tento ficar razoavelmente por dentro daquilo que rola nas telas deste século. E está na hora de confessar...não é fácil ! Tenho sido condescendente com filmes feitos de 2000 para cá. Quero gostar deles. Não os comparo aos clássicos. Os comparo com filmes de seu tempo. Mas, para ser sincero, isso começa a me enjoar. Quando entrei na era do dvd, passei três maravilhosos anos em que descobri 80% dos clássicos do cinema. Minha paixão foi lá em cima ! Que noites fantásticas ao lado dos filmes dos anos 30, 40, 50... Mas agora...É tudo tão pobre! Veja este filme: Um suspensezinho muito do comum que alguns críticos, e eu os entendo, colocam em alto posto. Não é um filme ruim. Apenas banal. Um aluno enrola um professor com redações que contam seu envolvimento com familia de amigo. É só isso. Devo dizer que o filminho cansa aos 40 minutos. Nota 3.
   BASTA, EU SOU A LEI de Burt Kennedy com Robert Mitchum, George Kennedy e Martin Balsam
Mitchum já era um veterano neste western que brinca com a velhice. Ele é um xerife que é aposentado por idade. Mas acaba por se unir a ex-rival e juntos eles salvam a cidade. Como se pode notar, o tom é leve, mas o tema é sério: a idade dos heróis, o momento em que o velho mundo dos cowboys morre e eles são afastados. Pode-se dizer que o filme fala também do fim do filme de western também. É um bom filme. Mitchum atua de seu modo distanciado. Kennedy está ótimo. Nota 6.
   APACHE de Robert Aldrich com Burt Lancaster
Dificil aceitar Burt como um apache. É um filme duro em seu começo. Vemos os apaches como judeus em campo nazista. Burt Lancaster é Masai, que foge a pé do exilio e volta a sua terra. Os brancos o perseguem. Aldrich foi um excelente e forte diretor. Sua filmografia é repleta de presentes dados ao público. De "Baby Jane" à "The Dirty Dozen". Ele se perde aqui ao esticar demais as cenas de romance. O filme cai e não se ergue mais. Pena. Nota 4.

O QUE É O CINEMA? - UMA VERDADE ESCRITA POR ANTHONY ROXY THE THIRD, EARL OF LADY TOWER'S FLAME

   Desculpem, mas a verdade é esta.
   Uma pessoa que não é muito amante de livros escolhe seus títulos pelo TEMA. Um livro que fale de seu trabalho ou de um lugar que ela quer conhecer ou um bio de um ídolo seu. Esse leitor NÂO está muito interessado em estilo. O que lhe importa é o que é DITO e não COMO é desenvolvido. Ele jamais irá se interessar por um livro sobre aquilo que ele não viveu ou viu. A ARTE passa a milhas de seu interesse.
   O mesmo como cinema. Há quem confunda um grande filme com um TEMA que lhe interesse. Desse modo é comum, banal e até vulgar ver psicólogos que acham Cisne Negro um grande filme, sociólogos que adoram Michael Moore e deprimidos que caem no conto do vigário de Von Trier. São bons filmes? Claro que não. São temas que apaixonam a alguns e esses alguns geralmente nada sabem de cinema. São pessoas incapazes de se interessar por um filme que não ESPELHE aquilo que ela vive. O que as seduz não é a ARTE do autor ou do roteiro, é apenas o tema. São analfabetas em termos de linguagem cinematográfica. 
   Nenhuma ARTE sofre mais com isso que a música. A maioria dos ouvintes é incapaz de apreciar música instrumental pelo simples fato de que a música sem palavras não tem um tema, um discurso. A extrema abstração musical nada lhes diz. Precisam que a música também reflita o mundinho onde vivem. Música em si não importa.
   Evito falar sobre ARTE com esses fariseus do mal-gosto. Sempre óbvios, serão fãs de filmes/ livros/ músicas que rodem sem parar sobre os mesmos assuntos. Pior, que sejam espelhos daquilo que eles são ou pensam ser. A LINGUAGEM da ARTE é um código sensível totalmente incompreensível a eles. Mais que isso, eles nem suspeitam de sua existência. 
   Por isso meu AMIGO, esqueça e fique frio.... Ou voce nunca leu algo sobre pérolas jogadas aos porcos?
   PS: Qualquer cinéfilo sabe. O verdadeiro nó que diferencia aqueles que sabem LER filmes daqueles que apenas percebem o óbvio está em Howard Hawks e Hitchcock . Filmes em que o tema não tem a menor importãncia, filmes quase abstratos em que o que importa é a combinação de ritmos, de imagens e de emoções. Eles nada tinham a DIZER, pois Hawks e Hitch não faziam livros. Eles faziam cinema puro, ARTE do movimento. Falavam por luz e sombra. Ação. 
   Sacou?

CARTAS FILOSÓFICAS SOBRE O DOGMATISMO E O CRITICISMO- SCHELLING

   "Quanto mais afastado de mim está o mundo, quanto mais intermediários eu coloco entre ele e mim, tanto mais limitada é minha INTUIÇÃO dele. Tanto mais impossível aquele abandono ao mundo, aquela aproximação mútua..."
   "Dai-me mil revelações de uma causalidade absoluta fora de mim e mil exigências de uma razão prática fortalecida, e nunca poderei acreditar nelas enquanto minha razão teórica permanecer a mesma!"
   " Se tivéssemos de tratar apenas com o Absoluto nunca teria surgido uma controvérsia de sistemas diferentes. Somente por termos saído do Absoluto surge o conflito com ele, e somente por esse conflito originário do próprio espírito humano surge a controvérsia dos filósofos."
   "Como chegamos em geral a julgar SINTÉTICAMENTE?"
   "Como chego em geral a sair do Absoluto e a ir a um oposto?"
   " Por isso acredito também poder explicar por que para um espírito que conquistou sua liberdade própria, e que deve sua filosofia somente a si mesmo, não há nada mais insuportável do que o despotismo das cabeças estreitas que não podem tolerar nenhum outro sistema a não ser o seu. "
   Schelling funda o pensamento idealista-romântico. O EU se faz sua filosofia, a filosofia da liberdade. Em seu quarto de estudante, com seus colegas Hegel e Holderlin em conversas sem fim, funda-se a filosofia como ideia de porvir. Deus, o Mundo, o Infinito como coisas em constante e sem-fim construção. A vida sendo processo, ideia e criação ao mesmo tempo e para sempre. Funda-se o valor da modernidade: a Originalidade. A Imaginação como uma Realidade do Real Verdadeiro.
   Hegel logo levaria tudo isso a um outro rumo. O Conflito da História. E Holderlin se tornaria o maior poeta-filósofo da Alemanha após Goethe. Schelling não abriria mão de suas críticas a Espinoza e a Kant. Sua obra é um debruçar-se sobre releituras e mais releitura do Spinozismo e do Kantismo. 
   A intuição primeira, a intuição não aprisionada pelos sistemas dogmáticos, como força real do conhecimento do Absoluto. Absoluto sendo o Verdadeiro, a totalidade em sua vida enquanto é. A vontade de conhecer e o poder de conhecer. Intuição e Imaginação como dois caminhos que levam ao Absoluto. Romantismo. Arte moderna.
   O pobre mundo daqueles que lidam com sistemas únicos em oposição a rica existência daqueles que constroem múltiplos conhecimentos. Que não chega a um fim pois o Absoluto é o ato de fazer e não a coisa feita e acabada. Possibilidades ilimitadas. O Homem tem um poder de criação que transcende a vida e o visível. O homem é o Absoluto ao mesmo tempo que o conhece. Infinito. 
  Bruno e Dante comparecem em Schelling. A mente se abre ao perceber o fim de uma época. E vê o infinito. Schelling preenche esse infinito de Ideia e de Imaginação. O homem é um ser que cria sem parar. A vida é uma transformação infinita. Viver é imaginar dentro da criação. O Dogma único é um sistema que interrompe e asfixia essa Criação. 
   A Arte é a Verdade porque ela é Criação e Ideia ao mesmo tempo. A Arte não dogmática, a Arte aberta, inacabada, em criação. Processo que jamais se interrompe. 
   O romantismo vem daí. E nossa arte ( a que resta ) bebe nessa fluidez. Para quem vê poesia, Schelling é primordial.

A ILUSTRE CASA DE RAMIRES- EÇA DE QUEIRÓS. O ACHAMENTO DA RAIZ.

   Portugal é uma tribo. Se voce quer entender o país deve ter isso em mente. O modo de pensar é o do clã e da tribo. Tudo é baseado em sentimento, naquilo que se vê e não no que se deveria ver. Portugal até tenta ser moderno. Crescer, pensar em termos de futuro, crer na produção sem fim, ser mais agressivo, competir. Mas não consegue e não quer. Os valores da tribo ainda são fortes. Ele crê no insubstancial. Preserva o costume. Sente. 
   Hans Magnus Enzensberger diz que num mundo mais humano Portugal seria protagonista. A nação se guia pelo coração e nunca pelo cérebro. Este livro de Eça, mais uma obra-prima desse gênio imenso, mostra isso com uma facilidade e uma fluidez que só o talento pode. Gonçalo, o nobre fidalgo do livro, membro de uma familia de mais de 1000 anos, não consegue ser altivo, orgulhoso, intocável como seu sangue pediria. Ele exita sempre. Lhe falta decisão, sangue frio, cérebro. Desce do cavalo para ajudar pobres, deixa-se dominar pelos empregados, chora com crianças doentes. E ama com paixão seus nobres antepassados, os cavaleiros em suas guerras medievais. Sonha com esse mundo de nobreza. Sofre com a vida moderna. Não tem lugar.
   Northop Frye dizia que existiam romances e estórias romanescas. O romance se veria preso a veracidade. O autor é dominado pelos personagens. Já o romanesco dá curso a criatividade do autor. Os personagens são tipos arquetipicos, símbolos. O que pauta o livro é a potência criadora. Eça consegue unir os dois mundos aqui. Os personagens, muitos, são símbolos e são "de carne e osso"; são reais e possuem a leveza do romanesco. Harold Bloom diz que Eça une Balzac a Stevenson. Bingo!
   Não pense ser este um drama! Há humor em cada linha. Eça, já em sua fase madura, encontrava a alegria. Casado, fazia as pazes com sua raiz. Começava a aceitar Portugal em si. Deixava a França de lado. O livro, passado entre os fidalgos, tem a todo momento a súbita presença de gente simples, pobre, comum. São os Manueis, os Josés, as Marias, povo aparentemente duro, forte, bravo, mas que se desmancha em lágrimas a qualquer momento. 
   Críticos marxistas tendem a não querer perceber que um autor é muito melhor explicado por sua vida intima, por aquilo que ele amou e por aquilo que ele leu, que pelas convulsões sociais. Óbvio que uma guerra muda toda uma vida, mas muito do que um escritor faz se deve àquilo que ele leu. Sua luta contra as suas influências. Eça amava Balzac. Mas ele jamais poderia escrever como o francês. Pois em sua lista entrava também Stevenson, Stendhal e Flaubert. Essa mistura ajuntada a sua biografia individual, filho rejeitado não-natural de familia rica, fez dele o que seus livros mostram. Um homem que caminhou do ceticismo amargo do Primo Basilio à paz serena de A Cidade e as Serras. Ele reencontrou Portugal. Sua raiz.
   Este livro, saga de um fidalgo tradicional, suas trapalhadas, sua falta de racionalidade, é um monumento.

PARA MEU AMIGO FABIO PAGOTTO- HARVEY E COLIN DAVIS

   Meu amigo Fabio Pagotto escreve no Facebook um texto lindo sobre o filme HARVEY. E para minha surpresa, uma galera enorme responde ao seu texto, entoando homenagens a esse soberbo e sublime filme de Henry Koster. Do que trata? James Stewart faz um frequentador de botecos. Sempre sorridente e otimista, ele tem a companhia de um coelho gigante, Harvey. Claro que o filme jamais mostra o coelho, o cinema em 1950 ainda tentava ser adulto. A familia, repressora, acaba por internar Stewart. É quando acontece a sua maravilhosa fala ( o roteiro, genial, é de Mary Chase ). Fabio transcreveu a fala inteira. Harvey é um pookah, espirito mítico da Irlanda que acompanha os bêbados e os ingênuos. Nessa fala o personagem de Stewart fala do coelho, da alegria da vida, dos amigos que ele e Harvey sempre encontravam. Impossível não se emocionar.
   HARVEY é um cult, foi o filme favorito de James Stewart ( um cara que fez mais de 20 graaaaandes filmes ), e percebo que manteve todo o poder de emocionar. Isso após 63 anos!!!
   Falando em Grande Arte, Colin Davis morreu. Se depender da Folha, isso é menos importante que a inauguração de uma loja. O Estadão deu meia página bem cheia. Falou quem ele era e o que fez. Davis foi parte da última grande geração de maestros. A geração de Abbado, Masur e Maazel. Últimos nomes de uma turma que estudou com os maestros ícones, aqueles que regeram no tempo de Strauss, Ravel e Mahler. Colin Davis teve a honra de redescobrir Berlioz e deixar obras primas em Mozart. Sua geração foi a primeira a saber usar os estúdios de gravação. Davis deixa mais de 300 albuns. Sabemos que o sublime se foi. 
   A vulgaridade manda no mundo como nunca antes. Blá!
   

TREZE À MESA- AGATHA CHRISTIE

    Alguém ainda lê Agatha Christie? Até os anos 80 todo o universo lia. Vendia em banca de jornal, em supermercado, em posto de gasolina. Viciava. As pessoas ficavam loucas tentando descobrir quem tinha matado, quem tinha roubado. Começavam a ler e iam num fôlego só, 200 páginas sem parar. Ufa!
    Agatha Christie era uma velhinha inglesa que escrevia no estilo Conan Doyle. Ou seja, Hercule Poirot, o detetive de seus livros usava a cabeça e nunca os punhos. Mas ele era diferente de Holmes. Era francês. Um gourmet e o principal: Poirot era famoso como detetive, uma estrela mundial. Christie escreveu 87 livros, todos best-seller e a maioria sobre Poirot. Teve ainda sucessos no teatro ( sua peça A Ratoeira ficou décadas em cartaz ) e no cinema. Assassinato no Orient Express virou filme de Lumet e outros livros foram filmados por gente como René Clair e Hitchcock. Poirot perambula pelo mundo dos ricos e belos e pensa, pensa e pensa, até chegar a conclusão do crime. Holmes observa e deduz, Poirot une pistas e faz uma narrativa. 
   Me deu raiva ler esse livro! Porque eu desvendei o crime logo no inicio. Mas então Christie me embaralhou e desacreditei da minha dedução. Para descobrir no final que o culpado era aquele que eu primeiro suspeitara. Uma delicia! É um prazer ler os livros de Christie. Prazer culpado, são literatura pop, livros fáceis para quem começa a ler agora. Bem... eu comecei a ler a quatro décadas, ler Poirot é um refresco, um flash-back gostoso. Belos diálogos, intrincado jogo de pistas falsas, humor negro, clima de ruas de Londres em 1933. Tá feita a diversão.
   Acho que ela nunca voltará a moda. Continuará juntando pó em estantes. Mas vale a pena. Junto com Leblanc, Simenon, ela faz parte daqueles autores de muito sucesso que foram subitamente esquecidos em meio a moda de duendes, cavaleiros e auto-ajuda. Pena.