CORAÇÃO, CABEÇA E ESTÔMAGO- CAMILO CASTELO BRANCO

   Interessante como formamos opiniões preconceituosas sem perceber. Eu pensava ser Camilo Castelo Branco um grande chato. Um romântico à novela das seis. Um meloso autor vencido e datado. Pensava.
   Então devo ler Camilo. Assim como tive de ler Sá de Miranda, Bocage, Lorna e Vieira. Alexandre Herculano também. Todos portugueses, todos para mim inéditos. Não gostei apenas de Sá de Miranda, ilegível. Mas estou querendo falar de Camilo.
   Silvestre Silva é o nome do "heroi". Ele manda a um editor as suas memórias e esse editor as publica. Temos então o relato de Silvestre e os comentários do editor. Esse editor nos mostra as mentiras e os erros de Silvestre. E Camilo narra tudo. Ironia sobre ironia sobre ironia. Tem mais... Silvestre é um inocente. Como um tipo de Quixote, ele crê naquilo que lê. Sivestre lê romances e acredita que a vida é um conto cheio de paixão e de heroísmo. Se dá mal. Apaixona-se dúzias de vezes e sempre faz papel de tolo. Vê em toda mulher uma pureza que nenhuma delas tem. Vê nos outros rivais que eles não são. Rimos de sua pseudo-saga. O que ocorre é vulgar, banal; o que Sivestre vive é para ele trágico.
   Toda essa parte corresponde ao coração, a primeira parte da vida de todo homem, a época em que tudo é sentimento e impulso. Vem a cabeça depois. Aqui temos  a dúvida, a indecisão e o desejo de saber a verdade.  Sivestre se mete na politica, ama com a cabeça, pensa demais, se enrola e fracassa em tudo o que faz. Escreve em jornal, pensa em revolução. Cai.
   E vem a felicidade possível: o estômago. Silvestre se enamora de uma moça grande, farta, do campo. Uma moça que cozinha bem, que cuida dele, que o apoia. Silvestre cria sua filosofia: a felicidade só pode vir do estômago porque é ele o mais importante. Tudo fica bem quando a barriga está feliz.
   Minha mestra me ensina que o romantismo é sempre irônico, o autor está sempre falando algo que jamais sabemos se é a sério ou se é uma irônica construção. Nunca devemos ler um romântico ao pé da letra. Outra coisa. Portugal odiava a mania francesa de ser ditadora em tudo aquilo que se referia a arte. A relação de Portugal com a França era péssima ( no Brasil não se sabe, mas Napoleão matou 25% da população do país. ) Dessa forma, quando Camilo fala do coração e da cabeça ele fala da França, do romantismo francês e da racionalidade francesa. O estômago é Portugal, o campo, a rapariga simples, a comida e o vinho.
   Breve, vivo, fácil de ler, alegre e engraçado. Tudo aquilo que eu imaginava que Camilo não fosse. Vale!

Filme Sophia de Mello Breyner Andresen - Parte 2 de 2 ( ELA DIZ AQUI A MAIS BELA DESCRIÇÃO DO QUE SEJA ETERNIDADE... )



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CRENÇA NO IMPROVÁVEL, O AMOR.

   É lógico que o amor não existe. O que chamamos de amor é uma invenção artificial, mera fantasia criada por poetas. O que existe e pode ser provado é a excitação do sexo e o desejo de procriar. O que nos une a alguém é nossa vaidade e nosso medo de estar só.
   Mas o amante continua amando apesar da lógica.
   É lógico que Deus não existe. Criação artificial, fantasia de gente infantil com medo da vida e do vazio que é o mundo. Vaidade e medo, apenas um consolo.
   Mas o homem de fé continua acreditando.
   Digamos que voce seja dono de um carro. E que voce saiba tudo sobre esse carro. Como ele funciona, de onde ele veio, como ele deve ser guiado. Voce até mesmo leu um manual de direção. E sabe imaginar a sensação de dirigir.
   Mas digamos que voce nunca dirigiu.
   Esse é o erro básico de ateus falando sobre religião. Leram tudo sobre ela, sabem o que é e como funciona. Até mesmo imaginam o que seja a fé. Mas jamais estiveram dentro dela. Sabem toda a teoria, desconhecem qualquer tipo de prática. Seus textos, para quem conhece o que seja fé, são irrelevantes.
   Escrevo isto porque Marcelo Coelho me surpreendeu com um texto extremamente superficial. Ele fala sobre um grupo antirreligioso inglês que anda escrevendo nos metrôs: "Provávelmente Deus não existe. Então, pare de se preocupar e aproveite a vida."
   O que seria aproveitar a vida? Coelho fala de Francis Spufford, um autor inglês que rejeita esse grupo. Diz que a frase é tipica daqueles que têm o mercado como religião.É a fé da propaganda: Joguemos fora o que é velho e sejamos felizes!!! Coelho também acha a frase idiota, mas se perde ao mostrar, para ser fiel a sua fé no ateísmo, afinal, intelectuais são proibidos de crer, que um deficiente crer no bondoso Deus seria também uma crueldade. Deus bondoso? Desde quando? Jesus tentou ensinar a bondade. Tentou e foi traído. Deus não é bondade. Ou maldade. É o todo. Essa ideia é inalcansável para aquele que só leu o manual.
   Esqueçamos o texto de Coelho e vamos a frase. Ela diz, "pare de se preocupar..." Mas não são os ateus que se preocupam com Deus? Crentes não se preocupam com Deus. Eles obedecem dogmas. Não se preocupam. Aproveitar a vida. O que é aproveitar a vida? Ateus aproveitam a vida? Como e porque? Não crer em Deus é aproveitar a vida? Que tipo de vida? É outro conceito tipico de quem nunca esteve dentro da fé e apenas a conhece em imaginação. Para esses, ter fé é ser limitado, quando na verdade não ter fé é deixar de ter uma das maiores possibilidades que a vida oferece, a crença na própria vida. Naquilo que ela tem de eterno, de atemporal, e sim, de mágico.
   Voltando a Coelho.
   Ele diz que se pode viver sem crer. Será? O amor é tão "improvável" quanto Deus, e crer no amor é viver mais completo. Há quem creia em Marx, em Darwin ou em Freud. E como ocorre com as religiões, essa crença ajuda o fiel a suportar a vida e a perceber algum sentido na confusão. Me parece que viver sem crer é impossível. O completo descrente não existe. E toda crença é improvável para quem não crê.
   A grande questão nunca é colocada por qualquer e por todo ateu:
   Se Deus existe ou não é irrelevante. O que importa é crer no improvável. Ter a força de acreditar em algo que é improvável, essa é a graça da fé. E é esse tipo de sentimento que é incompreensível aos ateus.
   Gostaria de colocar outra questão.
   Porque existe uma militância antirreligiosa? Qual seu objetivo? O que incomoda tanto em toda religião?
   Termino falando do texto de Pondé de segunda-feira ( mal escrito esse texto...)
   Pondé fala de intelectuais como seres especialmente arrogantes. Todos eles com suas quedas por ditaduras, pensamento único, todos pensando ter a chave da verdade única.
   Concordo. Intelectual, por mais que isso lhes doa, é como padre: Está sempre no púlpito pregando. Anda pela rua em silêncio de igreja, ou falando e nunca escutando. Dono da verdade única. O padre é o primeiro intelectual da história do ocidente.
   Bem... Pondé então critica os marxistas e os cristãos, que têm a mania de explicar tudo pela sua crença e a desprezar quem não compactua com ela. Verdade. Mas Pondé espertamente "esquece" de evolucionistas e de psicanalistas, seitas que também crêem poder explicar tudo por uma única e "genuína" fé. Óbvio que aqui faltou honestidade a Pondé. Se é para criticar intelectuais, vamos criticar todos, inclusive a si-mesmo.
   Pondé coloca a culpa da decadência da família e das relaçõea afetivas nas costas de sociólogos e sexólogos. "Esquece" que essa decadência começa com os antirreligiosos. A igreja foi a base da familia, do poder do pai e da comunidade. Quando Deus foi morto a familia morreu junto. Pondé culpa as aulas de educação sexual...Ora, quando essas aulas são instituídas a familia já se fora, já era perdida.
   Ele chora também a transformação do bandido em vitima. Culpa o marxismo por isso. ( Não sou marxista, mas Pondé o demoniza tanto que dá até vontade de ser um fã de Fidel...), a culpa tanto pode ser do marxismo, que sim, viu o bandido como vitima e vingador, como da incompetência da autoridade, que ao mostrar sua desorganização e suas corrupções, deixa os bandidos menos bandidos.
   Pondé critica os que sobem em púlpito e bradam a verdade. Mas o que ele faz? O que fazem aqueles "pensadores" que vão ao café filosófico? ( Aliás nunca vi café por lá. Muito menos filosofia. Deveria se chamar Água e Alunos ).
   O que faço eu aqui a não ser expor, vaidosamente, minhas teorias chupadas de tudo aquilo que li? E que talvez eu nem tenha entendido...
   Respeito o intelectual que não tem certezas, assim como o artista que não funda movimentos. Por isso é que me interesso por religião e abomino igrejas.
   Voltando a crença. Sim  Marcelo Coelho, voce está errado. Todos precisamos de crenças para viver. E na verdade essa crença é a fé no amor. Precisamos nos unir por amor a alguma coisa da vida. Seja improvável ou não. Seja o amor ao sexo, ao dinheiro ou a filosofia e a arte. Mas entenda, por ser improvável, o amor se expande em amores improváveis. Ilimitados.
   Amar a Deus seria então amar tudo aquilo que é divino e improvável, secreto e incomunicável: a vida.

AMOR À QUEIMA ROUPA É UM DOS MEUS FILMES

   Em 1995, num vhs, assisti este filme seis vezes em 3 meses. E ainda escrevi uma peça baseada no filme. ( Só Brancaleone e A Vida de Brian também mereceram essa duvidosa honra ). Em 1995 cinema era pra mim uma coisa muito secundária. Não havia ainda acesso aos clássicos e após a chatice do cinema feito em 1985/1990 eu havia desistido. Cinema era coisa morta.
   Mas um amigo me deu a dica e vi o filme. Lembro exatamente da hora e do dia. E do que senti: uma enorme alegria. O filme era jovem, pop, esperto, muito inteligente, e o melhor, possuia falas e persoangens inesquecíveis. Tive a certeza de que o cinema americano renascia. E ele renascia como uma mistura de rock, cartoon, western, filme noir e cultura pop; ele renascia com o melhor da América.
   Há uma cena nesse filme que deixou os criticos com a pulga atrás da orelha. Eles diziam como podia um roteirista iniciante escrever um diálogo tão bom. E ter a ousadia de prolongá-lo ao extremo. É a cena com Dennis Hopper e Christopher Walken. Hopper apanha e chama Walken de negro. A conversa se estica, flui, a bola passa de um para o outro, a violência ameaça, o humor surge, e tudo se resolve na hora exata. Aqui nasce o estilo Tarantino, uma mistura de Godard com Hawks com Huston e com Leone. Tudo temperado por um cara que cresceu amando toda a cultura popular dos 70's. Foi maravilhoso encontrar então a voz da MINHA Geração nas telas. Ele amava o que eu amava, tinha visto o que eu vira. E desde então ele nunca me decepcionou.
   Na sequência assisti Assassinos por Natureza, Pulp Fiction ( um dia escrevo sobre ele ), Um Drink no Inferno, Fargo, Ed Wood. E pensei: o cinema renasceu! E ele fala a minha língua ( em 2000 eu perceberia que esse renascimento era marginal. O grosso continuaria dividido entre apelação rimbombante e artistazinhos sem nada pra falar de novo ).
   Tarantino odeia este filme. Claro, Tony Scott destruiu quanto pode do roteiro. Luzes azuis de publicidade de luxo, musiquinha de synth ao fundo, manias de estética chique...mas o roteiro é tão forte que mesmo assim ele sobrevive. Na sequência viriam os Cães de Aluguel.
   Preciso falar da história? Alguém não o viu? Ter mais de 30 anos e não ter visto este filme é não ter entendido nada do que seja o melhor cinema desde então. Uma louca e luxuriante festa pop onde se coloca tudo o que importa no mundo de hoje: violência, sexo, consumo e sonhos tolos. Tudo com a ironia de quem sabe que nada disso tem peso. Tudo é parte da fantasia.
   Já que voce conhece a história prefiro falar dos personagens.
   Samuel L. Jackson morre no começo. E dá pra notar que ele já é o cara.
    Val Kilmer faz Elvis. Virou mania na época imitar a mão que aponta: "Confio em voce Cara!"
   Gary Oldman está inesquecível como o trafica que pensa que é negro. De dreads, calção, sujo, cicatriz e um sotaque ridiculo.
    Brad Pitt faz um super maconheiro. Nunca esteve tão bonito. É um maconheiro muito real. E gosto de pensar que Tarantino o deixou guardado para ser futuramente o cara que domina Bastardos.
    Christopher Walken é um mafioso italiano. Elegante, frio e que tem o diálogo maravilhoso com
     Dennis Hopper. Sublime. É impressionante a quantidade de atores cool.
    Christian Slater faz o herói. Um caipira sonhador que se revela eficiente em sua ação. O óculos a Las Vegas foi item caçado por amigos meus.
    E tem a musa Patricia Arquette. A mais deliciosa das musas de Tarantino. Uma Monroe de rocknroll.
    Slater, que é a voz de Tarantino, fala à um produtor de cinema, que os filmes de 1993 são um lixo. Que o Oscar só premia lixo. Que bom era Rio Bravo, The Good The Bad The Ugly, Amargo Regresso... digo agora que O bom é Tarantino, mas o cinema prefere dar atenção a Batmans, Harrys e Vingadores. Quando não a posudos filósofos da insignificância.
     Não revia o filme a mais de 15 anos. Revi ontem. Adorei. Não envelheceu, claro, mas já é peça estranha no cinema de agora. Ninguém mais faz esse tipo de cinema. Pena.
     PS: Para arrasar, tem 2 Hearts de Chris Isaak nos créditos finais. Lindo.
     Devo dizer ainda que se centenas de filmes são muito melhores que True Romance ou Pulp Fiction ( filmes como Rio Bravo por exemplo ), True Romance é meu, é da minha geração, tem as minhas referências e meus gostos. Assim como Lebowski, Wonder Boys ou Quase Famosos, tenho a sensação de que eles falam por mim. E isso é muito bom.

Movie Trailer - 1993 - True Romance



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Motley Crue - Girls, Girls, Girls [HD]



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ROCK OF AGES- CADA GALERA TEM O FILME QUE MERECE.

   Eu estive em 1987, e ao contrário do que diz o filme, 1987 foi um lixo! Só no século XXI tivemos anos tão ruins como 87. Para voce ter uma ideia, nesse ano Bon Jovi era a maior banda do mundo, e seus concorrentes atendiam por nomes como Whitesnake, Poison, Def Leppard e o velho U2 eterno. Eu em 1987 me entupi de The Cult, Inxs e John Mellemcamp. Como voce pode ver, foi um ano lixo. Aerosmith sempre foi bom, e retornou triunfalmente nessa época. Claro, todos eram clones de Steven Tyler e Joe Perry.
   Se ganhou dinheiro como nunca antes e nunca depois. Ainda se comprava vinyl, e o cd já existia. Foi o auge do show em estádio. Aliás, nunca a América nadou em tanto dinheiro. Os russos tentaram acompanhar e quebraram. As roupas das bandas exibem isso, o exagero de Eu Posso e Eu Acredito em Mim: Engula-me! Tudo era grande, cabelos, carros, shows, drogas e peitos.
   Ok, ok, era divertido pacas! Mas eu duvido que voce consiga ouvir um disco do Journey inteiro agora.
   Históricamente, a parte mais real do filme é quando ele mostra a moda das boy-bands. Em 1988 elas tomam conta de tudo e a gente ouvia mais uma vez: O Rock Morreu. Bem...na verdade desde 1982 não era o rock a coisa mais interessante, era outra viagem. Kraftwerk, Prince, Madness, Style Council, Public Enemy. E os endiabrados Red Hot Chili Peppers, a melhor coisa e totalmente estranho no ninho.  Era por aí que voce achava o que valia a pena. E os campeões de venda eram Michael Jackson e Madonna.
   Então em 1988 explodem os boys band e o acid-house, fim do rock. Necas! Guns and Roses seguram a onda. Mais um filho do Aerosmith. Wellcome to the Jungle me deixou de quatro! Mas creia-me, o rock só voltou a ser dominante em 1993, Nirvana.
   Eu tava lá, eu vi. Em 1987 voce ligava a tv e era um monte de Sade, Sting, Simply Red e argh, Mariah Carey!!!! E as bandas do filme, já em seu ocaso. Foi um excelente ano pros esportes, o surf e a NBA no auge e o skate em seu crescimento monstruoso. Mas ninguém merecia ter de conhecer o disco solo de David Lee Roth!!!
   Bem,,, eu adoro Lee Roth, o cara é O cara e os clips são ótimos, mas o Van Halen começa a acabar em 1987. E eles eram os melhores dessa galera. Foi em 87 que o rock começou a parecer velho, muito velho.
    O filme? Preciso falar do filme? É aquele tipo de filme tão ruim que é bom. E me comove ver Tom Cruise. Sei lá porque me comove!
    O período glitter teve seu filme. Os hippies têm vários. A disco teve Saturday Night Fever e a invasão inglesa de 1966 teve os Piratas do Rock. Cada época tem o filme que merece. A melhor época do rock teve o melhor filme: Quase Famosos.
    Até o Abba teve Mama Mia!
    E o rock poser farofa de 1987 tem aqui seu retrato. Exatamente como eles eram: vazios, bobos, divertidos e caipiras. Sem qualquer pretensão. E sem querer, hilários.

SOM E IMAGEM ( DUBLAGEM E DESENHO )

   Uma pessoa razoávelmente inteligente costuma estar aberta a mudanças. Falo isso porque uma das coisas mais mal pensadas que já falei foi a de que o que mais me interessa num filme é a fotografia. Bem, pode até ser que vinte anos atrás eu adorasse sobretudo o visual de um filme, mas agora, amante que sou da palavra, são os diálogos que me fascinam. Talvez isso tenha surgido pelo fato dos diálogos serem hoje tão bobos em quase todos os filmes. Fácil exemplificar isso. Pegue um filme que tenha te impressionado. Agora tente lembrar de uma frase desse filme. Voce vai lembrar de imagens, de cenas gráficas, mas não de um diálogo. Claro que há excessões. Os filmes de Tarantino têm muito cuidado com as falas. Mas se voce pensar num roteirista inteligente, como Kauffman por exemplo, verá que sua criatividade é aquela do artista plástico e não do escritor. Ele cria imagens, no máximo climas, todos nascidos do visual, e não diálogos. Idem para Wes Anderson ou Sofia Coppolla. Cinema da França, Espanha etc é outro caso. Eles ainda falam. O sucesso na década de 2000 da Argentina se devia muito ao dom de falar.
   Os filme do futuro serão mudos. E cheios de barulho. Nesse sentido, os filmes de porrada dos anos 80 eram o futuro.
   Falo tudo isso para citar uma conversa que tive com uma amiga. Lembrávamos velhos desenhos e no meio do papo notei uma coisa: Décadas depois conseguíamos recordar diálogos desses desenhos. Estáticos, de animação tosca ( são da época "Linha de Montagem" da Hannah-Barbera ), as falas garantiam a diversão. As crianças que os viram adquiriam assim "ouvido para falas". A paciência de escutar. Muitos desses desenhos não tinham ação, e penso que para uma criança barulhenta de hoje, assistir a Manda-Chuva ou a Joca e Ding-Ling é o equivalente a um filme de Tarkovski para mim.
   Os dubladores eram geniais. A AIC São Paulo, a Odil Fono Brasil, eram fábricas de criação. Quem os viu se lembra das vozes. E das linhas de diálogo. Eu poderia ficar aqui citando centenas de falas que toda criança sabia. Foram essas frases que nos despertaram para a beleza da lingua e da memória.
   Já nos anos 90, eu acompanhei A Vaca e o Frango, Johnny Bravo, Eu Sou o Máximo e Pinky e Cérebro, e via em todos eles uma bela tentativa de resgatar a forma dos diálogos. Nesses desenhos se falava muito, e eram falas ótimas. Mas não consigo encontrar alguém que recorde um diálogo. Lembramos das músicas, dos caracteres, do visual, mas não das falas. Pena.
   O que me faz pensar não ser à toa que o filme do Oscar seja mudo. Por mais que eles explodam, murmurem, discursem e atirem, os filmes são todos mudos. Ou melhor, Ruidos que nada significam.

CARY GRANT/ KEN LOACH/ LUBITSCH/ INGRID BERGMAN/ GARBO/ NON

   DON JUAN de Alan Crosland com John Barrymore
O grande Barrymore faz o grande Don Juan. Enorme produção da Warner, cenários gigantes, milhares de figurantes. Cinema mudo pop, quem desejar se iniciar nesse tipo de cinema tem aqui um bom começo.
   FATHER GOOSE de Ralph Nelson com Cary Grant, Leslie Caron e Trevor Howard
Despedida de Cary Grant do cinema. Em 1964, ano deste filme, Grant tinha 60 anos e se achava velho demais para as telas. Ainda no auge da fama, ele encerra sua glória sem conhecer a decadência. Aqui ele faz um beberrão solitário, morador de ilhas isoladas nos mares da Austrália. Mas esse ranzinza é obrigado a tomar conta de ilhota na segunda-guerra. Por lá surgem alunas de colégio feminino e sua professora. O filme se deixa ver. Tem bons diálogos e consegue criar empatia. Mas o romance é forçado. Cary consegue ser elegante até neste papel desglamurizado. Vê-lo é uma alegria. Sempre. Nota 6.
   PARA ROMA COM AMOR de Woody Allen
Um dos filmes mais preguiçosos de Woody. O roteiro é pífio, os atores estão á toa, diálogos pobres, e o pior de tudo, nenhuma das histórias tem um mínimo de interesse. Uma delas poderia dar um belo filme, aquela do cantor de chuveiro. Mas é tudo travado pela falta de inspiração. Salva-se a beleza da cidade. Roma é uma mulher. Nota 1.
   SÓCIOS NO AMOR de Ernst Lubitsch com Miriam Hopkins, Fredric March e Gary Cooper
Delicioso. Num trem, uma mulher conhece dois amigos, um pintor e um escritor. Ela amará os dois, ao mesmo tempo, e todos serão amigos sempre. Ernst destila seu jeito alegre e fluido de filmar. O texto é de Ben Hecht baseado em Noel Coward. E os três atores são tudo aquilo que os anos 30 pediam: reis do charme. March tem talento e verve, Cooper foi o ator mais bonito da história do cinema. Ernst Lubitsch junta as partes com seu modo "vienense" de orquestrar.  Uma diversão admirávelmente alegre. Nota 9.
   VIAGEM À ITÁLIA de Roberto Rosselini com Ingrid Bergman e George Sanders
Casal viaja pela Itália. A crise entre os dois irrompe. Este filme, um absoluto fracasso em seu tempo, é tido hoje como uma das obras-primas de sempre. Rosselini filme on the road, há improviso, há desglamurização. É um filme adiante de seu tempo. Nota 5.
   OS SINOS DE SANTA MARIA de Leo McCarey com Bing Crosby e Ingrid Bergman
Ingrid foi eleita em 2010 a segunda maior estrela da história do cinema. Suéca, estourou com Casablanca e até 1949 foi a queridinha do público americano. Viam-na como a perfeição, a moça simples, culta e casada com um médico suéco. Mas em 49 ela conhece Rosselini, casado, e os dois abandonam seus lares para viver juntos. A carreira de Ingrid quase acabou. Voltaria triunfalmente em 1956, com Oscar por Anastácia. Aqui ela faz uma freira durona. Bing Crosby repete o padre de Going My Way. O filme é todo relax, sem grandes dramas. Parece filmado em ritmo de oração. Bem-humorado, assistimos ao cotidiano comum de gente sem nada de muito especial. McCarey foi um dos mais famosos diretores da época. Seu cinema anda meio esquecido hoje. Nota 6.
   ROTA IRLANDESA de Ken Loach
Um ex-soldado irlandês procura entender o que houve com um amigo que foi morto no Oriente. Tudo é uma trama de grupo que controla negócios no país árabe. Não é um dos grandes filmes de Loach, mas mesmo assim é um bom filme de ação. Os atores se entregam, a violência está no ponto certo. Ken Loach continua sua carreira de independência e de consciência social. É um mestre. Nota 7.
   SANGUE E AREIA de Rouben Mamoulian com Tyrone Power, Linda Darnell e Rita Hayworth
A história de um toureiro arrogante. O filme tem pouco touro e muito espanholismo da Fox. Tyrone convence como espanhol e como macho, mas o filme é enjoativo. Tudo é muito over, muito colorido demais. E pior, a Espanha se parece com um tipo de fiesta mexicana para turista. Nota 3.
   NON OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR de Manoel de Oliveira
Soldados em Moçambique. São os últimos dias de Portugal na África. Eles conversam. E cenas da história de Portugal são revistas. A história portuguesa é fascinante. Tem fatalismo, derrotas, vitórias impossíveis e desencantos às toneladas. O filme é surpreendentemente bom. Para quem odeia o cinema de Manoel, este filme pode fazer com que voce mude de ideia. Ou pelo menos vai te deixar acordado. Nota 5.
   O VÉU PINTADO de Richard Boleslawski com Greta Garbo e Herbert Marshall
Baseado em Somerset Maugham, tem as marcas do autor: exotismo e amor frustrado. Uma mulher se casa com médico. Mas logo ela se enamora de outro. O marido descobre e a castiga a fazendo o acompanhar a região chinesa onde o cólera domina. Todos sofrem, e o filme compensa isso com imagens de sombras e de beleza. Garbo é incomparável e isso pode não ser um elogio. Ela é grande, forte, masculinizada, tem um sotaque forte. Mas domina a tela, a ilumina. Eu adoro o melancólico Herbert Marshall. Um dos atores ingleses fetiche da época, com sua voz nebulosa e seus modos lentos e pesados. Nota 6.
  

VIVE, LOUIS, LUDWIG, MIA, KANDINSKY

   VIVE LA FÊTE tocou em SP. Tenho um amigo que criou uma boa definição sobre 99% das bandas de 2012: Compõe bons covers. O VIVE abusa da chupação sobre o sublime VISAGE. Bom, pelo menos eles têm bom gosto em suas cópias. A maioria plagia lixo.
    Mia Couto transbordou simpatia no Roda Viva. Pena os entrevistadores variarem entre uma bobissima atitude blásé, tipo "Somos de um país maior" ( E há quem ainda pense que só a América tem arrogância ), e algumas tietes vazias. Mas o gajo tirou de letra. Esperavam discurso contra Portugal, não veio; esperavam traumas sobre a raça, nada a declarar. Couto é doce, sóbrio, poético e falou uma coisa lapidar: "Comecei a desistir da biologia ao perceber que explicava a vida pela poesia e não pela biologia". Ah sim, ele é biólogo. Que belo sotaque!
   Louis Malle tem justa homenagem em SP. Malle é melhor que Godard e Truffaut? Posso dizer que Malle não fez nenhuma obra-prima, mas também percebo que seus filmes são mais profissionais, mais atemporais, caem mais no gosto daqueles que esperam do cinema algo de "bem feito". Malle sobrevive melhor que os mais radicais. Mas atenção! Os filmes de Malle nada têm de careta ou de banais. Ele filmou em 1971 o incesto sem culpa, em 1977 a pedofilia sem discurso. Ele não tem obras-primas mas tem uma grande quantidade de filmes excelentes. E nenhum filme ruim. Mesmo Black Moon tem seu charme doido.
   Ando estudando pintura e começo citando uma frase de Wittgenstein que sintetiza toda a arte feita de 1910 em diante: "Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar."  Wittgenstein começou como um tipo de linguista e terminou descobrindo que a lingua é apenas um código que nos é imposto. Ela não revela a vida, a vida é que foi compactada para caber na linguagem.
   Pois eu não sabia o que era o abstracionismo. Rothko, Mondrian, Malevich, toda a pintura abstrata é uma tentativa de se capturar aquilo que está além do concreto, da linguagem da imagem, a pintura sentida como religião. Kandinsky e uma frase de Wittgenstein, outra vez ele: " O mundo é tudo o que é o caso". Caso: natureza e sociedade, as estruturas da religião, da arte e da ciência. Todos os atos, todo pensamento, toda emoção e toda imaginação. A pintura abstrata se apropria do todo, do caso. Olhar uma tela e ver nela aquilo que ela te faz sentir. Experimentar.
   Mas o mundo agora não é abstrato. Muito menos é impressionista ou surrealista. A cidade acostumou-se a guerra. Entramos nela suavemente. Toques de recolher não nos ofendem, aceitamos. A arte que criou este mundo está toda no expressionismo.

MORTE NA CATEDRAL- T.S. ELIOT

   Talvez as pessoas tenham hoje vergonha de gostar de Eliot. Gostam, mas vem sempre um "porém..." Why?
   Eliot dizia ser anglicano, monarquista e clássico. Ou seja, dizia crer em Deus, escolher a rainha e amar o período da arte clássica. Americano de St.Louis, como aconteceu antes com Henry James, Eliot foi mais inglês que qualquer inglês. Isso não é raro. Filhos de ex-colônias costumam ser mais metropolitanos que os naturais da metrópole. Além do que, Eliot era filho de uma familia rica dos USA. Seus antepassados podiam ser encontrados no navio que trouxe os peregrinos ingleses.
   Ele começa como modernista radical e logo cedo lança o poema símbolo do século XX, THE WASTE LAND, imagem de niilismo absoluto. O mundo para Eliot é um monte de fragmentos sem sentido. Quando aos 40 anos ele se converte á religião, o mundo passa a lhe parecer conjunto de fragmentos com sentido oculto. Em que pese a fama de Waste Land, que eu venero, a crítica atual prefere sua fase tardia, aquela de 4 QUARTETOS. Em 1948 Eliot ganha seu Nobel, justo. Falece em 1965.
   Mais que seu conservadorismo ( que não se reflete em sua arte sempre moderna ), o que irritou a crítica foram suas opiniões sobre poetas e romancistas. Eliot foi crítico muito lido e atacou Lawrence, Yeats, Wells e Shaw. Poeta, crítico, dramaturgo, conferencista. Eliot domina as letras inglesas entre 1922/1960.
   CRIME NA CATEDRAL fala do assassinato de Thomas Beckett, bispo de Canterbury, em 1170. Thomas foi o grande amigo do rei, Henrique II, mas ao ser alçado pelo rei ao bispado, passou a levar a religião "MUITO A ´SERIO",  obedecendo apenas a Deus. Logo o rei passa a tramar sua morte. Essa história foi usada num dos maiores filmes ingleses da história, BECKETT, que não se baseia nesta peça. O texto de Eliot, curto, litúrgico, tentativa de se fazer um novo Ésquilo em plena época de segunda guerra, tem uma beleza linguística genuína. Os poucos personagens ( Thomas, um coro, tentadores e soldados ), falam com poesia, declamam com precisão. Nada há de choroso, Thomas Beckett jamais pede nossa pena. E, de forma desconcertante, ao final os assassinos se explicam a nós. É uma peça fria, seca, ou seja, clássica.
   É a melhor peça de Eliot.

ENSAIOS- OSCAR WILDE

    Tudo o que vale a pena saber não pode ser ensinado.
    O trabalho é o refúgio daqueles que não têm nada para fazer.
    A ação é o último recurso dos que não sabem sonhar.
    A beleza revela tudo porquê não exprime nada.
    A natureza é a matéria que luta por converter-se em espírito, a arte é o espírito que se exprime sob as condições da matéria.
    São cinco frases de Oscar Wilde tiradas de O CRÍTICO COMO ARTISTA. Há como corrigir algo em sua escrita ou em seu pensamento? Eu não sei se Oscar foi um grande escritor. Talvez não. Compará-lo aos grandes de seu tempo é injusto com Oscar. Mas ele foi inteligente, excessivamente inteligente, incomodamente inteligente. Aliás, uma das suas frases diz que o mundo odeia o gênio. TUDO AQUILO QUE É ACEITO O É POR MEDIOCRIDADE. Nos tempos modernos claro. Oscar sabia que o popular dos gregos ou da renascença é o genial de hoje.
    Comprei uma edição digna de Oscar Wilde. Capa de couro preto, detalhes em ouro, folhas de papel Bíblia made in Yorkshire. Toda a sua obra em 1200 páginas. 60% eu já havia lido, do que nunca li começo pelos ensaios.
    A DECADÊNCIA DA MENTIRA discorre sobre a falta que a mentira faz ao mundo. Não a mentira do político ou do advogado, mentiras que são "mentiras aceitas como mentiras", mas a mentira que de tão mentirosa se torna verdade. A arte, para Oscar, e para mim, só vale quando é mentirosa. Arte que imita a realidade? Não é arte, é jornalismo. Jornalismo feito para agradar os sem gosto. Arte é mundo de mentira, fantasia absurda, imaginação extremada, criação. Essa arte se dirige aos artistas. ( Nosso mundo é tão tolo que até aquilo que poderia ser pura fantasia tenta ter ares de verdade. Homem-Aranha se acanha e mostra a verdade de Peter Parker e o Batman luta para ser simbolo da angústia do mundo real...Blá!!! )
   A grande sacada de Oscar é perceber que essa fantasia cria a vida material. Sim, a imaginação cria a matéria e nunca o contrário. Como???? Te irritas ó pobre filisteu???
   Simples explicar: Nós vemos aquilo que selecionamos e é a arte que seleciona antes de nós. Veja São Paulo. Se voce está cheio de arte expressionista voce verá uma cidade cinza, feia, expressionista, se voce é impressionista verá luz e cor, e se voce anda no mundo de HQ moderna, verá em SP uma metrópole de bandidos e prostitutas. A arte te dá como ver, o que ver e o que procurar. Lembro que após assistir TODOS DIZEM EU TE AMO vi SP como lugar romântico e de sonho. De forma mais profunda, HAMLET criou gente Hamletiana e FAUSTO os Faustianos. Não foi a natureza ou a história que os criou, foi Shakespeare e Goethe, sózinhos e com sua mentira. A arte cria o mundo que virá, então esses filmes "geladeira" com seus tipinhos flácidos, mortos, imbecis, cria um mundo de gente lesma- de- luxo. Assim como filmes catástrofe preparam o clima para a destruição de civilizações. O rock criou o mundo de 1968.
    Outro ensaio que leio é PENA, LÁPIS E VENENO onde Oscar cria um escritor e fala de sua vida. O dandismo impera no texto, retrato de um autor-assassino que vive apenas pela beleza e pela preguiça.
    Depois temos O CRÍTICO COMO ARTISTA em que ele diz que a crítica é mais importante que a arte. Como???? Ora, é muito mais dificil entender a arte que fazer arte. Com um detalhe, todo grande artista é um crítico. O que o faz criar é o desejo de criticar o que existe em seu tempo. Essa vontade critica nasce antes da criação.
    Quanto ao mediocre, ele faz arte e nada critica.
    Ler Oscar é uma critica a nós-mesmos. É um dos autores, poucos, que nos melhora como gente.