SOBRE A CASA DA JOÃO MOURA EM PINHEIROS

Voce olhava pelo portão alto e o que via?
Uma alameda ladeada por árvores altas que sombreavam o cascalho do chão. Depois um gramado e a casa que começava com uma escadaria de mármore branco e dava seu primeiro sinal em azulejos azuis e janelas de vidro colorido. Tudo ali era detalhe e a casa nos convidava a pensar e a ver. Formara gerações, histórias sendo vividas e pedindo para que as revivêssemos. Dava para se escutar as vozes das crianças que brincavam ao redor dos muros e a buzina de um Ford que passava sonolento pela rua.
Mas é hoje e o que importa é o que é visto neste momento. A casa quebrava a monotonia de ruas idênticas, descartáveis em sua procissão de prédios sujos, caixotes de concreto e sobradinhos aos pedaços. Ruas alinhadas ao acaso, postes intrusos e fios que embaralham a vista. Mas ao avistar aquele portão de ferro, alto e com a sombra de cipestres e pinheiros, voce parava e tinha o convite de reentrar numa narrativa. A casa existia, se afirmava como história, dizia das mãos que a fizeram e dos olhares que a acariciaram. A música risonha de suas tardes de sábado em que as crianças se sujavam no quintal e folgavam antes do banho na banheira rosa, e os chás da tarde em que a avó pensava nos chás de outro tempo. Missas de domingo e o leite entregue pela carroça com um cavalo negro. Nos quartos havia o som das tábuas do piso, elas rangiam e anunciavam os passos do pai de bigodes duros.
A rua se adormecia.
Hoje entre o lixo de papéis velhos e de carros sebentos, a casa sobrevivia lembrando a quem soubesse lembrar de que homens são uma história. Homens narram e quando deixam de narrar morrem. Mesmo que continuem a comer e a dormir, estão mortos. Homens sem história são carcaças. Um mecanismo de presentes sem fim, destruindo e fazendo, erguendo e desfazendo, esquecendo sem parar nunca de esquecer. As pessoas passam pela rua, agora, e não ficam. Suas vozes não permanecem. A casa permanecia. Nos lembrava de que alguma coisa deve perdurar. Testemunhas existem. Trazem a afirmação de que a vida agora poderia ser mais. Se a vida era mais sendo menos, ela agora poderia ser muito mais sendo um pouco menos. A casa cantava baixinho nas noites que de tão iluminadas destruíram as sombras.
Então agora eu olho o portão e o que vejo?
A alameda enlameada e as árvores como galinhas de granja que esperam a hora. Meus olhos percebem um monte de tijolos e mais nada. Tudo o que era contado se transformou em silêncio. A melancolia de histórias antigas estapeada e feita apreensão de novo decreto. O ar toma o espaço onde lembretes vicejavam. O cuidado de uma narrativa, agora violada. Marcas de rodas onde antes pés descalços se pertenciam.
O homem odeia a beleza porque ela o recorda seu triste fracasso. O fracasso humilhante de não saber ver. O homem que olhava e nada ouvia naquela casa, obteve sua suja vingança. Reduziu a nobreza à altura de sua insignificância. O caso não é mais o de não conseguirmos construir a beleza, a coisa piorou, e hoje não sabemos amar a beleza. Aquele monte de tijolos é como uma antiga princesa estuprada e caída numa rua qualquer. É como o riso de dentes podres de um rufião vingativo.
No lugar da casa me dizem que será feito um shopping center.
Ando lendo John Banville. Pode colocá-lo entre os três maiores autores vivos. Ele sente como eu.
     

RAYMOND CHANDLER E O ADOLESCENTE EM NÓS

   Raymond Chandler cresceu como um almofadinha. Um menino mimado que estudou na Europa. E então, surpreendentemente, se viu na maturidade como pai de Marlowe, um dos detetives durões da literatura noir. Chandler era o oposto de Marlowe. Marlowe era aquilo que Chandler imaginava que seria o "ser um homem". E nessa atitude adolescente reside o fato de ele ser tão importante até hoje. Ele dá voz ao sonho de QUASE todas as gerações mimadas do pós-guerra. Escreveu aquilo que todos nós imaginamos ser a real vida do homem urbano de ação. Uma rede de ladrões, prostitutas, falsas virgens, ricos sacanas e solidão estóica. Tudo bobagem. A realidade de Chandler é tão real quanto o cinema de Tim Burton. O que eles criam é bom, muito bom, mas é irreal. Chandler trabalhou o sonho de adolescentes de 1945. Burton, com seus filmes que são todos como quartos vitorianos de bebês insones, deu imagem ao sonho ruim de teens de 2000.
   Hammett é muito mais sólido que Chandler. Porque Dash esteve lá. Foi detetive e foi parte da sordidez. Chandler tem um pé na tradição inglesa do conto de detetive. Ainda há algo de mental nele, de puramente dedutivo. O problema é que Chandler é fraco em lógica. Seu mistério nada tem de tenebroso. A solução do crime é sempre frustrante, não se produz o "Ah!" de Conan Doyle. A arte de Chandler reside em sua descrição. Acabamos por penetrar e fazer parte do ambiente que ele descreve. Após ler Chandler nos sentimos muito mais machos. Intuitivamente ele tocou no nervo adolescente de todo proto-homenzinho urbano. O desejo de ser um cafetão, um jogador de poker de beira de porto, um velho marujo, enfim, um cara frio vivendo em perigo, um cara com história pra contar.
   Esse tipo de ideal está hoje quase extinto. Mas foi lei em várias décadas. Penso que foi substituído pelo ideal do homem saudável. Nada de cafetão, jogador ou marujo. O cafetão lembra aids, o jogador lembra cigarro e doença mental e o marujo é um velho com câncer de pele. Mas entre 1945 e 1985 essa ideia do homem marcado, meio sujo e muito estiloso era o objetivo. Chandler ajudou a criar esse ideal.
   O cinema adorou. Chandler escrevia ao estilo "cortes e sets". Pedia por um ator tipo Bogart ou Lancaster ( na verdade ele sonhava com Cary Grant, o que mostra a diferença entre Hammett e ele ).  Quando Marlowe surgiu nas telas na pele de Humphrey Bogart estava completo o feitiço. Todo homem com cojones seria Bogey.
   Autores policiais continuam a seguir a trilha de Chandler. E de Hammett, Cain, Goodis... Irônico é pensar que o melhor autor no estilo noir acabou sendo Patricia Highsmith, uma mulher....
   Ler Chandler hoje é lembrar de uma masculinidade perdida. Fria, sórdida, cheia de bebida, fumaça e ruas escuras. E que traz embutida uma nobreza modesta, a sensação de um dever que será cumprido. É um mundo que nunca existiu. Mas a qualidade de uma época não seria medida pela ilusão criada?

SINDBAD, O TERRESTRE

    Sinbad O marujo; desse todos já ouviram falar. Mas Sinbad, o Terrestre foi esquecido. Pois acabo de o ler. Escrito na mesma época, por volta de 780/800 de nossa era, e talvez composto pelo mesmo autor, temos aqui, como no outro Sinbad, o dominio do maravilhoso. Tudo pode acontecer. Mulheres viram pássaros, cavalos voam, o tempo corre, reinos malditos e reinos do bem, magos e demonios. A diferença do outro Sinbad é a de que este é muito mais sofrido, muito mais poeta e se trata de um adolescente dominado pela paixão.
    Ele é enganado por um velho alquimista e se vê deixado em montanha, para ser devorado por pássaros. Escapa e começa aí sua saga. Ele cruzará a China e atingirá o Japão, reino que na época era considerado o mais misterioso do mundo. A paixão o move. Se apaixona por princesa ao vê-la de banhar. Interessante ver que o amor dos dois é flagrantemente sexual. Nada disfarça o caráter carnal do amor de Sinbad, ele quer o corpo da princesa e a rapta para poder a seduzir. Quando eles se separam o que ele sente é a nostalgia das pernas e do sexo dela.
   O livro se passa na rota da seda, estrada que ligava a China ao mundo árabe. O comércio mandava na região, a salada de linguas e de religião. O islã, movimento ainda recente, é reafirmado em cada aventura, e costumes arcaicos são revividos. O mais encantador sendo o da vizinhança. Se voce encontra alguém na estrada deve servir essa pessoa, pois foi Deus quem a colocou em seu caminho e portanto voce tem uma divida com ela. Várias peripécias do livro se pautam por esse costume.
   É interessante também tomar contato com um mundo onde os sentimentos explodem livremente. As pessoas sofrem até desmaiar, choram por semanas e se jogam á vida sem exitação. Há uma absoluta crença na vida, as coisas não são postas em dúvida, tudo é aceito e vivenciado. Sinbad viaja, e como viajante se joga à vida que se oferece.
   Ele amadurece nesse caminho, os anos passam, tem filhos e acaba por voltar a seu país ( o Iraque ), onde a mãe o reencontra. Viajamos com ele, em meio a poesia amorosa e de saudade, vemos o que ele vê.
   Belo livro de uma coleção de textos antigos da Martins Fontes. Vale muito procurar.

MUITO TEMPO ATRÁS O MUNDO ERA ASSIM...

    Ser triste era um charme. Já era uma tristeza fake, mas olhos lacrimejantes e poucas palavras eram sinal de beleza. Bowie, que era um tipo de juiz de elegância, dizia que a beleza só era possível onde morasse a tristeza. Dizia, porque ele faz agora o que, inteligente que é, deve fazer: sair de cena; e em época de hiper-exposição, faz-se o silêncio... Mas voltando a meu tema...
    As pessoas modernas de então tinham de ser deprimidas e tinham de fazer terapia. Todo mundo frequentava analistas. E todo mundo tinha mapa astral. Essas pessoas nunca saiam em fins de semana. E essa é uma das mudanças que mais me assombram: as pessoas modernas saem sexta e sábado!!!! Se saía às terças, quartas e quintas. Os outros dias eram para a ralé. Tanto que nos fins de semana tudo era mais barato. A gente dava risada de quem marcava saídas sexta-feira.
   Amigos marcavam pré-balada em casa. Voce ia à casa de alguém e bebia lá. Ou fazia outras coisas. Ás vezes até terminava de se produzir. Mesmo heteros davam uma importância imensa ao visual. Armani, St.Laurent, Yes Brazil, Forum, Soft Machine ( era minha favorita ), Ellus, e um monte de marcas "do Rio" que sumiram. Ah...esqueci da Benetton!!! Então voce ia na casa do amigo e ouvia música ( Bowie ) enquanto bebia e se aquecia para a noite. Aliás, não se usava a péssima palavra "balada". Balada era tomar droga em grupo ou ir viajar à praia.
   Se ia muito à casa de amigos. Conversava-se muito. Conversas de seis horas eram coisa banal. E o assunto era sempre o eu emocional. Qual a minha praia, pra que eu existo, onde devo me achar. Como eu disse, ser triste era chique. A cocaina mandava e era considerada droga de rico, coisa hollywoodiana. O povão ia de maconha e cola. Ninguém tinha 200 amigos virtuais, então eram uns 20 amigos do peito. Se telefonava muito, onde se conversava por horas e em natáis e aniversários se enviava cartões. Eu mandava flores para meninas. Com cartões românticos. Sinceros. Espero que alguém os tenha guardado.
   Um disco era para se ouvir inteiro, lado um e lado dois. Lia-se a ficha técnica. O nome do engenheiro de som era muito importante. A música era levada muito a sério. Ao tirar o celofane do vinil voce tinha a sensação de estar desvirginando uma sacerdotisa grega. O cheiro de disco novo era como incenso. O lançamento de novo clip era cerimônia compartilhada com os 20 amigos.
   Na minha faculdade tinha gente que via espiritos. Tinha gente que havia morado no mato sem comunicação com ninguém. Tinha gente que tomava LSD para ver um deus. Todo mundo era meio louco. Não a loucura do toc ou da deprê, era a loucura da esquizo. A cidade parecia um manicômio.
   Alguns amigos usavam cabelo roxo e outros calças rosa com sapatos azuis e vermelhos. Isso não seria nada demais não fosse o fato de que eles transformavam esse visual em politica. A ideia de um novo mundo.
   Os criticos de cinema não falavam de filmes pop. Batman ou De Volta Para o Futuro eram ignorados. Critico falava de arte, bilheteria ou fofocas de ator não interessavam. Criticos eram metidos, arrogantes e adoravam fazer um escândalo. Metiam o pau sem dó. E chamavam de deuses a quem amassem. Os sentimentos eram exaltados.
   As casas noturnas tinham garçon. E ninguém pagaria o mico de fazer fila. Fila!!!! Ora, que humilhação!!! Em aviões, cinemas ou boates, voce tinha a mordomia assegurada. Espaço e alguém te servindo, isso era a mordomia.
   As profissões mais IN: arquiteto, artista plástico, fotógrafo e cineasta. Jogador de futebol NÂO era levado a sério, assim como artista de TV ou cantor popular. Ensaio de moda com jogador ou noveleiro, nem em sonho. Sim, foi tempo de extremo esnobismo. Asfixiante esnobismo. Regras de beleza e de charme a granel.
   Comprava-se muito menos livro, se lia mais. Escrevia-se menos, sabia-se escrever melhor. Havia vazio para pensar e para aprender. Se os cinco canais de TV não tivessem nada pra ver, se o cinema não exibisse um filme bom, voce era obrigado a não fazer nada. Então voce lia, ou ia à casa de um amigo, dava um telefonema, escrevia, pensava. Hoje voce se perde em 200 canais e nada vê. Ou fica zumbindo com a cara enfiada no Facebook.
   O mundo mudou muito e não mudou nada. Transava-se na mesma quantidade, mas era mais no carro e menos no motel. E não se usava camisinha. Voce ia numa corrida só, sem parada para higiene. Se beijava menos, se amava igual. Como não existia celular, se sentia mais saudade, e como não se podia mandar torpedo, se vigiava menos. Ficava-se ligado em pensamento, em sonho e em planos. Ainda havia a possibilidade da incomunicação. As suspeitas eram menores, pois quanto mais se está ligado mais se exige prontidão.
   Não se dava tanto valor a animais de estimação. Para se achar um petshop era uma corrida. Estacionava-se na rua e se passeava na rua. A molecada ia pra lanchonetes de rua aos domingos de tarde. E havia a experiência de sair de um filme e se cair na rua. O choque do filme com a escuridão da rua de noite, as sombras, o silêncio, o carro distante. Sorvete na rua, hot-dog na rua, encontro na rua. Cheguei a transar na rua. E jogar bola nos jardins, de madrugada, bêbado, na rua.
   Eu não vivi completamente esse tempo e acho que ninguém viveu. Todos estavam envolvidos com um eu tão profundo que não podiam ver a vida fora. Essa década é pra mim uma nebulosa triste, fria, cheia de amores imensos, sofridos, e de ícones heróicos, impossíveis. Não sei se hoje é pior. É mais futil, sem dúvida. E muito menos perigoso. Talvez a chave seja a de que em 1982 a adolescência mandava. Hoje somos crianças bem alimentadas, saudáveis e felizes.
   Adolescentes são egocentricos, são vaidosos, acham que sabem tudo e se preocupam com seu ser todo o tempo. Experimentam, tentam matar o mundo antigo, são ansiosos. Amam demais, choram demais e vivem tristes. E riem como malucos. Crianças dormem. E sonham. E brincam de ser adulto. Repetem tudo aquilo que os pais fazem. Sem saber o que aquilo significa.
   Acho que essa é a diferença. Adolescentes brincam de descobrir. Crianças descobrem a brincadeira.,

Flying Burrito Brothers - Christine's Tune



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THE FLYING BURRITO BROTHERS, UM SONHO TRISTE DE CURTO OUTONO

   Eu ouvia falar de Flying Burrito fazia séculos. O tipo da banda cult que não fez sucesso algum em seu tempo ( apesar de ser uma banda pop ). O povo da época não aceitava esse tipo de grupo. Se tivesse surgido dez anos mais tarde teria estourado. Se fosse o tempo dos clips estouraria AINDA mais facilmente.
   Mas em 1969 ninguém do rock dito sério gostava de bandas que não eram "bem loucas". As opções eram longos solos de guitarra ou mensagens de revolução. Os Burritos não se enquadravam em nenhum dos dois casos. A outra opção era o pop do Creedence ou dos Beatles. Mas aí havia o problema Gram Parsons.
   Hoje, em que nos acostumamos com Eagles ou John Mellencamp, parece estranho, mas o público do rock em 69 abominava country. Um chapéu de cowboy ou o som de um banjo deixava seus longos cabelos em pé. Country era música de conservadores, de racistas e de velhos religiosos. Hank Willians, Johnny Cash ou Willie Nelson eram escutados por uns poucos hippies como pecado vergonhoso, e o povão do centro dos EUA, lugares como Iowa ou Arkansas não contava. Gram Parsons, apesar de nascido na Florida, de familia rica e moderna, mudou a coisa.
   Entrando nos Byrds em 1968, ele transformou uma banda que era folk-elétrico em country-elétrico. Fora dos EUA as pessoas colocam folk e country no mesmo saco. Nada a ver. Folk é esquerda, country era direita. Folk é Woody Guthrie e Dylan, violão e letras gigantes, country é banjo, rabeca e dobro, letras sobre familia, campo e Jesus. O que Gram fez foi pegar a musica country e botar maconha nela. As letras falam de herois da estrada, de gente perdida em encruzilhadas, de amores desesperados e de muita solidão. Tudo regado a marijuana e tequila. E vestindo seu famoso paletó,  folhas de erva desenhadas sobre fundo branco.
   Os Byrds resolveram ir tocar na Africa do Sul. Gram se recusou, apartheid ainda vivo. Fundou os Flying Burrito Brothers.  O disco de estréia é lindo como a Lua. Mas nada vendeu.
   Como acontece com várias bandas, apesar de não estourar foram escutados pelas pessoas influentes. Um monte de gente começou a gravar country não-careta. E logo Keith Richards se fez fã e amigo. Gram e Keith passaram a andar juntos e a influência de Parsons sobre o som dos Stones de então é imensa. Dead Flowers ou Sweet Virginia são puro Parsons e Wild Horses foi composta tendo Gram em mente. Indo para a carreira solo, onde sua proposta country foi ainda mais radicalizada, Parson ainda teve o tempo de lançar dois discos. Mas em 1973 foi encontrado morto. Overdose de heroína.
   Há aqui uma história típica da época, que poderia estar em filme dos Coen. Os amigos, sabendo que Gram queria ser cremado, pegaram o corpo do velório e o levaram pro deserto. Lá tentaram cremá-lo com gasolina e não conseguiram. O corpo não virava cinza, virava churrasco...
   Os dois discos solo são pra chorar. Tristes como fim de caso ou fim de tarde solitária. Alguns momentos dão a certeza de que Parsons era um super poeta, um artista superior. Estava pronto para tomar as paradas do mundo. Não houve tempo pra isso. Morreu com 24 anos.
   Os Flying são uma bela alternativa para estes tempos posudos. Eles são naturais. O fato de não terem estourado demonstra a riquesa de sua época. Ou a cegueira de um sistema. No clip que postei abaixo, que é uma gozação e Não demonstra o tipico som de Parsons, ele faz gozação a Mick Jagger. Imita os trejeitos de Jagger e cria uma cumplicidade com Keith Richards. Eu, assim como tantos outros neste século que já nasce velho, adoro Gram Parsons.

The Flying Burrito Brothers - The Older Guys USTV (full version)



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Band À Part - Jean-Luc Godard (1964)



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BANDE À PART - JEAN LUC GODARD E ANNA KARINA

   Para se gostar de Godard em sua primeira época, aquela que vai de 1959 até 1965, fase que termina com o rompimento com sua musa, Anna Karina, é preciso se ter senso de humor. Isso porque seus filmes de então são desconstruções de tradições, leves reflexões sobre a absoluta liberdade de filmar e de viver. E se voce não possuir esse descompromisso e essa juventude libertária, nada feito. Voce vai procurar portos seguros nestes filmes-oceanos e nada irá encontar. Pensará então que este é um filme a deriva. Voce é que pensa como âncora.
   O filme foi feito em 25 dias e nesse ano Godard lançou 3 filmes. E meio.
   É sobre uma dupla de gatunos que envolve uma mocinha ingênua em crime. Roubarão a casa onde ela vive com a tia. Isso dito, o filme é tudo o que um filme de crime não deve ser. Ele divaga, se desvia. Quando surge a vontade de falar de um livro, se fala de um livro. Se há o desejo de dançar, se dança. E se surge o vazio de ideias, nasce o silêncio. Longe do realismo e longe de Hollywood, o filme é um quase nada, uma desconstrução que diz em alto e bom som: -Fazer um filme é uma brincadeira!!!! Nada há de sagrado nisto!!!!!
   Bem, se voce é Godard a coisa anda. O problema é que um monte de gente acreditou neste filme e passou a filmar tudo o que vinha à cabeça. Voce conhece o resultado...
   Quando vejo este filme sempre penso em meus jovens colegas de USP. O espírito do filme é o mesmo. Uma ingênua vontade de tentar coisas diferentes. Só que o filme veio 50 anos antes. E ainda é magnificamente jovem.
   Quentin Tarantino nomeou sua produtora com o nome deste filme. E em Pulp Fiction várias cenas são homenagens a o que vemos aqui. O papo furado dos bandidos no carro, a dança dos bandidos em uma lanchonete, a mocinha ingênua e de voz de criança, o jeitão relaxado e improvisado do filme inteiro. Aliás a cena na lanchonete é inesquecível. Ela nada tem de especial e incrivelmente tem tudo de que o cinema precisa. Antes eles fazem um minuto de silêncio por não ter nada de bom para dizer ( certos filmes deveriam ter duas horas de silêncio ), e depois improvisam a dança que é encantadora. O sorriso de Anna Karina ao final é deleite puro.
   É neste filme também que ocorre a famosa cena do Louvre, que é visto pelos três em nove minutos ( cena que Bertolucci cita em seu filme com Eva Green ). É outro improviso entre vários outros.
   Destaco também a fotografia natural de Raoul Coutard e esse é um segredo de Godard. Seus filmes naturais davam certo porque Raoul sabia filmar tudo em todo lugar com qualquer luz e em qualquer situação. Este filme é todo de rios sujos, ruas feias, árvores nuas, neblina e lama. Talvez o personagem mais importante seja esse ambiente úmido e pobre.
   Eu sou apaixonado por Anna Karina. Então prefiro nada mais dizer a não ser que Jean Luc Godard foi grande enquanto ela esteve a seu lado. Depois dela, o quase nada.
   Imperfeito, chato, rustico, improvisado e muito inspirador. Assistir este filme é injeção de vontade de criar. Godard não fazia grandes filmes, fazia peças de desejo de se fazer. Este filme dá esse desejo.
   Não é pouco.

O TEMPERO DA VIDA- G.K.CHESTERTON

   É sempre um prazer encontrar um autor que pensa, em muitas coisas, mas é claro que não em tudo, como voce. Chesterton tem uma visão de vida que em muito se parece com a minha. Ele faz crítica dura a toda a modernidade, explica o porque de suas críticas, e ao mesmo tempo jamais cai em amargor. Fosse amargo Chesterton cairia em contradição, pois o que ele mais critica na modernidade é exatamente seu amargor.
   Chesterton tornou-se mania na Inglaterra de cem anos atrás com seus livros policiais em que o "herói" era o pacato Padre Brown. Por detrás da simplicidade desses livros havia a exposição da filosofia do autor. Chesterton polemizava com coragem, ele era anti-capitalista e anti-comunista, abominava Freud e as seitas religiosas, entrava em atrito com Shaw e Russell, não gostava de toda filosofia materialista.
   Este livro traz textos publicados na imprensa, de 1905 até 1935. Alguns depois fizeram parte de um programa de rádio que ele tinha na BBC. As ideias defendidas neste livro são excitantes e provocadoras. O que as prejudica é o fato de terem sido pensadas para a imprensa; suas teses mereciam um muito maior desenvolvimento.
   A escrita funciona porque os temas são sempre muito graves, mas o estilo é sempre bem humorado. Exatamente o contrário do que se faz hoje na imprensa, onde se escreve banalidade com enorme seriedade. ( E no cinema também. Histórias idiotas tratadas com rigor de um recém formado ).
   Mas de onde vem a ideia de Chesterton de que a modernidade fracassou? É muito simples, aliás, a tese que ele sempre defende é a de que tudo é sempre óbvio, os só-cabeça é que pensam sem parar, jamais descansam e acabam por pensar demais e por pensar mal.  A modernidade produz em sua maioria, poemas e romances sem esperança, sem sentido, sem porque e sem utilidade. Isso tudo ainda poderia ser redimido se fosse belo, mas além de tudo há a descrença na beleza. A coisa é lógica, um mundo e uma época que produz tanta desilusão é consequentemente uma idade de profunda tristeza. Para saber qual o nivel de felicidade de um povo basta olhar o que esse povo escreve, canta e pinta. A arte moderna oscila entre o desespero, a tristeza e a ansiedade histérica.
   Autores felizes como Dickens, Thackeray ou poetas como Shelley e Holderlin seriam silenciados na modernidade. Chesterton, cristão radical que é, diz que a era mais feliz da humanidade foi aquela que os materialistas mais abominam: a idade média. Por ter sido uma época em que o dinheiro ainda valia pouco, a produção ainda era de quem produzia e onde a carne e o espírito ainda conviviam em razoável harmonia.
   Há um texto em que ele fala de algo que me deu o que pensar. Falando sobre Darwin, ele diz que o darwinismo deveria se restringir só àquilo que é de sua competência, a biologia. Se Darwin vira filosofia aplicável a tudo, se o evolucionismo pode explicar tudo ( e é o que acontece hoje, em 2012 ), então a ética e a moral serão jogadas no lixo. Todo ato imoral e não-ético poderá ser desculpado como degrau evolutivo. O ladrão esperto de hoje pode ser o próximo passo da evolução. O mais forte e o mais bonito serão a ponta da evolução. Valores humanos e não biológicos, como moral, ética e arte serão negligenciados. Ou pior, entrarão na falsa lógica evolucionista.
   Na estrada da simplicidade, Chesterton fala das crianças e das mulheres. Mulheres e crianças sendo vistas pela sociedade masculina como seres pouco racionais, emotivos, intuitivos. Chesterton pergunta então, e porque crianças, mulheres e os pobres também, seriam os errados? Quem disse que a intuição feminina ou o mundo cheio de sentido das crianças é o "mundo falso"? A mulher como o humano que está totalmente ligado a natureza, dona do dom da vida, da alimentação, ligada a ciclos, a marés, a sonhos. E a criança, supersticiosa, que crê em magia, em azar, em sinais, em lugares sagrados e secretos. Os pobres, que vivem na simplicidade da conta exata, sabendo tirar muito do quase nada. Porque eles estão errados? Porque são vistos como fracassos, como tolos ou como fracos?
   Inspírados textos de Gilbert Keith Chesterton, que fala da divisão da vida moderna, vida que divide tudo em fragmentos, que desfaz casamentos eternos, que separa aquilo que separado perde todo o sentido.
   Num café da Espanha ele assiste a um casal e seu filho. O pai, que olha a criança com adoração, dá um gole de sua cerveja ao menino. A mãe ri, e dá outro gole ao filho também. O garoto então se senta no colo do pai e brinca com seu bigode. Lá não existe um Édipo que possa os fragmentar, não existe uma tolice americana que dite algo contra o álcool dado a crianças. O mundo moderno não vive ali, aquela familia é antiga como a vida, bela como o mundo, perfeita como o amor.
   É esse o universo que Chesterton defende. É esse o único mundo onde a felicidade pode existir. Todo o resto é brinquedo de cabeças sem descanso.