VELEJANDO O BRASIL- GERALDO TOLLENS LINCK

   Estrangeiros quando conhecem o Brasil, principalmente australianos e americanos, estranham o fato de como os brasileiros ignoram o mar. Não estou falando da praia, falo do mar. O brasileiro adora ficar sobre a areia, torrando ao sol, jogando bola ou bebendo, mas ele não faz nada com o mar. Esses turistas se surpreendem. O brasileiro, e 3/4 de nós moramos à beira-mar ( até 100 km de distãncia é beira-mar ), não mergulha, não surfa, não faz esqui e não navega. Franceses, americanos, australianos, alemães e suecos têm o mar como amigo, irmão e o usam como o melhor dos playgrounds. O brasileiro, que tem mar que não acaba mais, o ignora. Prefere o asfalto.
´ É como se o mar não fosse nosso. Como se o Brasil terminasse na beira da areia e as águas fossem terra estrangeira. Se temos a tendência histórica de ver a terra brasileira como algo fora de nossa posse, o mar é então um continente "do outro", dele não queremos saber. Dessa forma, todo navegador de águas brasileiras logo percebe que 90% dos veleiros e iates que ele cruza são de navegantes estrangeiros. Europeus deslumbrados, australianos aventureiros e americanos livres. Brasileiros ficam na areia.
  Lojas náuticas, iates clubes e clubes de mergulho ainda são vistos como coisa de imigrante rico. Não há país no planeta que ignore de forma mais estúpida aquilo que ele tem de mais precioso, o mar. Pessoas que deveriam estar adquirindo saúde, experiências e independência no mar, preferem gastar tempo e dinheiro em bares de cidades grandes e academias de malhação fechadas. Burrice.
  Linck sai do Rio Grande do Sul e margeia a costa até o Oiapoque. Leva um ano no percurso. É um livro escrito em 1977, e dá dor no coração ler a descrição que ele faz do mais belo litoral do mundo : Aquele que liga Bertioga a Angra dos Reis. O trecho antes de São Sebastião é descrito como "virgem", sem dono, um paraíso de praias desertas, de rios de cristal e cachoeiras magníficas. Pescadores e aventureiros vivendo à beira mar. Linck diz que nada é mais belo que esse trecho de mar, que atinge seu apogeu na Ilha Grande e em Angra. No caminho ele vai falando de piratas que lá viveram, de descobertas e dos peixes e pássaros. O barco é descrito em seu cotidiano, nas noites de estrelas, nas manhãs quentes e nas tempestades sem fim. Voce se sente dentro do barco, navegando, indo história adentro, vendo os fortes dos holandeses em Pernambuco, os areais do nordeste, a foz do Amazonas, os sons das ondas e as dicas sobre navegação. 
  Indios ainda havia no nosso litoral, e jangadas, assim como ermitões alemães e franceses. Linck prevê que se o homem for sábio, lá por 2007 não se usará mais petróleo no mundo...Mal ele poderia adivinhar que em termos de energia não mudamos nada desde 1977.
  Um delicioso livro ideal para o verão. E que além de dar prazer, nos faz pensar naquilo que podemos viver e não percebemos. Na liberdade que podemos ter e ignoramos. No que de melhor possuimos e esquecemos. Rumo ao mar, Brasil !

Dorival Caymmi "O que é que a bahiana tem"



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Maracangalha - Tom Jobim e Dorival Caymmi



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O REI DA RAÇA. ( ORGULHO DE MEU PAÍS ).

   Era um verão triste. Fim de mais um romance, solidão e vontade de não estar onde se está. Janeiro de 1987? Ou seria 88? Era tarde de absoluto tédio. Então na TV tem uma entrevista com Caymmi. E eu lá queria saber de Caymmi?
  Ia mudar de canal, mas antes olhei a cara de Caymmi e resolvi dar uma chance pra entrevista.
  O homem tava de branco e com uma malinha na mão. E se falava da mania que ele sempre teve de andar com aquela malinha. O que há na malinha? Ele sorri. E ninguém no mundo sorri como Caymmi sorri. E então, na beira do mar, ele toca O Mar.... e eu recordo que num verão sublime, em 1973, eu ainda criança, cantara O Mar na praia de Santos. A letra estava no meu livro de português. ...Quando quebra na praia é bonito....
  Virei fã e sorri durante toda a entrevista. Salvou meu verão ruim. Ter 70 anos e ser Dorival Caymmi... nada pode ser melhor. Espero chegar lá...
  Todo país tem um cara que sintetiza o gênio da raça. Não falo do cara mais criativo ou importante, falo do melhor. O ser que é tudo aquilo que a nação tem de mais particular, de mais secreto, que é só dela. Caymmi é o Brasil em seu melhor. Tudo de bom que ainda se imagina ser o Brasil, é na verdade lembrança de Caymmi. Numa biografia que li sobre ele ( livro dado de presente por meu amor num dia de namorados caymmiano ), Caetano diz que as músicas de Caymmi parecem não ter autor, parecem ter existido desde sempre, como se fossem parte do lugar, coisas criadas pela natureza. Dorival Caymmi é a natureza do Brasil em seu melhor. Ele é a Serra e a praia.
   Ele cresceu ouvindo sambas e Debussy, roda de capoeira e Ravel. E apesar do pai músico, aprendeu a tocar violão só. Em 1938 já era rei na Bahia, foi pro Rio e em meses era rei do Rio e do país. O QUE É QUE A BAIANA TEM? Estourou com Carmem Miranda nos EUA. Foi convidado por Disney em pessoa a ficar por lá. Não aceitou. Tempos mais simples e menos ambiciosos, não queria ficar longe do mar e dos amigos. Algumas músicas de Caymmi rodam o mundo. MARACANGALHA tem versões em alemão, em francês e até existe uma gravação israelense.
   Dizem que Caymmi é preguiçoso, lento, que compôs pouco. É verdade. Levou oito anos para finalizar uma música. Mas suas letras são depuradas ao extremo. Cada sílaba é cuidadosamente casada à melodia. EU VOU PRA MA RA CAN GA LHA EU VOU, tudo matemáticamente ajustado, a sonoridade da letra percutindo na boca, sendo parte do ritmo. O MAR QUAN DO QUE BRA NA PRA IA É BONI TO É BO NI TO.
  Acabo de reouvir EU VOU PRA MARACANGALHA, o quarto disco de Caymmi. Sambas baianos malemolentes, a rica tessitura de arranjos com violinos e metais, vocais de fundo quentes e malandros. E a voz grave, articulada, solar de Dorival Caymmi. Voz que causou espanto nos anos 40 por não ser um "vozeirão", por ser natural. Como são naturais VATAPÁ ( UM BO CADINHO MAIS...), 365 IGREJAS, O SAMBA DA MINHA TERRA ( QUEM NÃO GOS TA DE SAM BA, BOM SU JEI TO NÃO É ), SAUDADE DA BAHIA ( AH QUE SAU DA DE EU SIN TO DA BA HIA...AH SE EU ESCU TA SSE OQUE MAMÃE DI ZIA ... )  e a estupenda ACONTECE QUE EU SOU BAIANO.  Todas essas canções, inexplicáveis, parecem ser parte do folclore nacional, são como o Corcovado e o Pantanal, estão lá, imensas, invencíveis, eternas, filhas de Deus. Voce as escuta e lembra de quem voce é, de onde vem e onde está. Pandeiros macios, o violão cheio de marés e sais, a voz que parece de pajé, de gurú e de irmão mais velho que sabe tudo. Os pescadores e as moças bonitas, os fins de tarde e a noite sem fim, a comida e a Bahia...É tudo tão bonito que até dói. Mas é dor boa, dor de beleza, dor de amor. Um disco que nos ensina a viver relembrando o que na verdade sempre somos.
   EU VOU SÓ EU VOU SÓ EU VOU SÓ....
   Li ontem no jornal que no futuro todos viverão sós, serão auto-suficientes e ensimesmados. Esse já é meu mundo. Ah... Quanta saudade teremos da Bahia... Ah se escutassemos o que mamãe dizia....
   Dorival Caymmi nunca mais. O Brasil era um bairro e vinte ruas. A rua Rio, a rua Bahia a rua São Paulo... Todo mundo se conhecia, se visitava, se via. Mulher, Mar e Canção. Eu realmente amo esse tal de Caymmi. O risonho, feliz, malandro e muito zen Dorival. Que os deuses do mar e do tempo me concedam a graça de ser cada vez mais próximo a sua verdade.
  

Sylvester - You Make Me Feel Mighty Real (Promo Clip)



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A MAIS ODIADA DAS MÚSICAS

   Tom Smucker dá uma versão perfeita do porque de a disco music ter sido a mais odiada das formas musicais. Sim meu menino inocente, voce pode odiar rock progressivo, country, axé ou funk do Rio, mas saiba que em 1978 as pessoas faziam cerimônias para a queima de vinis de discoteque. Num estádio de beisebol, em Cleveland, milhares de fâs do The Who levaram toneladas de discos e os destruíram. Odiar disco music era uma atitude politica, voce era o tanto de ódio que tinha.
   Entrando na adolescência, comigo acontecia algo de muito esquizo. Eu amava rock como jamais amei de novo. Vivia para ele. Mas ao mesmo tempo, e morrendo de vergonha, eu adorava SATURDAY NIGHT FEVER, aprendia passos de disco e me sentia feliz ao escutar YOU AND I ou DISCO INFERNO. Vergonha, vergonha, vergonha...
   A versão de Tom Smucker a tanto ódio é certeira.
   Primeiro: Disco é o primeiro tipo de música, surgida desde o nascimento do rock, que nada tem a ver com o meio rural. Não tem nenhuma raiz aparente em blues ou country, é urbana, tem cheiro de asfalto, neon e calçadas.
   Segundo: Tudo no rock e derivados sempre teve a marca do sofrimento e da raiva. Nada no disco é triste ou raivoso. A alegria no rock sempre tem um jeito de "paz após a tempestade", na disco essa alegria se parece com puro hedonismo. É uma alegria desde sempre. Quanto a raiva, até as canções de amor no rock têm algo de superação do ódio, na disco não existe ódio, o amor é apenas sexo e sexo é celebração. Essa alegria da disco music é insuportável para o rocknroll.
   Terceiro e mais importante: A disco nasce do gueto urbano, num meio que mistura negros, chicanos e gays. O rock sempre foi negro, mas o que os brancos amavam é que eram negros revoltados, sofridos, segregados, aqui, como no funk de Sly Stone, há uma negritude feliz, sem raiva, e mais estranho, misturada. A disco music é a primeira música a misturar raças e sexos, a pregar a promiscuidade total. Isso para o rigido e crispado mundo do rock era inaceitável.
   Quarto: Smucker diz que a atitude básica do rock é sempre a do macho selvagem. É um comedor enlouquecido ou um macho impotente, mas a visão é sempre centrada na potência. Vikings, cowboys e poetas boêmios, não importa a máscara, a atitude diante das mulheres é sempre a do conquistador. Na disco isso não existe. É surpreendente, mas aqui o homem se feminiliza e tenta seduzir sem conquistar. Ele nunca pega uma mulher, ele a envolve.
   Em 1980 comemoraram o aparente fim da disco e não perceberam que ela era pra sempre. Os discos com versões de meia hora se tornaram os remix de sempre, o euro-disco se transformou em Madonna e suas clones, a ênfase na dança e na boate se fez o mundo das raves, e a mistura de raças e sexos fez nascer o pop de agora e de sempre.
   Se o punk acelerou e fez simplificar o rock ( mas sendo ainda rock ), a discoteque ignorou todo o rock e deu vida a um novo mundo. Lembrou a todos que música é pra dançar e pra celebrar. Lembrou que ela é festa da taba, da aldeia, é voodoo. Dando toda a ênfase em baixo e arranjos, ela se fez inimiga dos cintura dura e dos cabeças pensantes. Só podia ser eleita inimiga.
   Como tudo que vende muito e se faz sempre presente, toneladas de lixo foram produzidas. Mas em meio a todo aquele material insuportável, existe muita coisa genial e que dura desde então, é música de altíssimo nivel. O que me faz lembrar de uma história.
   Em 1977,  Eno e Bowie viviam em Berlin onde começavam a pensar em gravar. Um dia Eno liga para Bowie e pede para ele sintonizar a rádio .... Bowie sintoniza e Eno lhe diz: "-Preste atenção nisso...esse é o som do futuro". O que Eno e Bowie ouviam era I FEEL LOVE de Giorgio Moroder com Donna Summer.
   Nunca um músico teve um palpite tão certeiro.

BURT LANCASTER/ GEORGE CLOONEY/ EWAN MCGREGOR/ BURT REYNOLDS/ KIM NOVAK/ CHRISTOPHER PLUMMER

   SERVIDÃO HUMANA de Ken Hughes com Laurence Harvey e Kim Novak
Baseado no famoso livro de Somerset Maugham, eis um filme onde tudo dá errado. O diretor teve todas as chances em sua carreira e nunca as aproveitou e Harvey é um dos piores atores da Inglaterra. A história fala do jovem estudante de medicina que se apaixona por uma mulher falsa e interesseira. Ele procura ver só o lado bom dela, mas isso se faz cada vez mais dificil. O filme é completamente desinteressante, chato, arrastado. E tem um visual muito feio. Kim Novak, a deslumbrante beleza de Vertigo e de Pic Nic, está irritantemente deslocada. Não é papel para ela, força um sotaque cockney tolo. A carreira dela começava a desabar. O filme é nada. Nota ZERO.
   A FILHA DA PECADORA de Lewis Allen com Lizabeth Scott, John Hodiak e Burt Lancaster
No recente livro de entrevistas de Scorsese, ele e o entrevistador elogiam este obscuro filme de 1947. É um dos mais esquisitos filmes que já vi. Com certeza muito adiante de seu tempo, ele se parece com coisas que Douglas Sirk faria dez anos mais tarde e tem ecos de Almodovar e de Lynch. A história já é bizarra. Uma garota rica e mimada, que tem relação estranha com a mãe divorciada, se enamora de misterioso e durão forasteiro. Esse homem vive a anos com um "amigo", amigo este que cuida dele e morre de ódio da tal garota. Lancaster, em começo de carreira, é um policial impotente. Como a censura rígida de 47 deixou passar este filme é um mistério. É óbvio que os dois forasteiros são gays, como é claro que a garota não gosta de homens. O diretor foi sempre de classe B, mas aqui ele faz um filme perturbador e de colorido maravilhoso ( Charles Lang ). Mary Astor, no papel da mãe rouba o filme. Lancaster já tem todo o jeitão do astro que viria a ser: o sorriso vibrante, a postura elegante, a simpatia esfuziante. Nota 7.
   COLOMBIANA de Olivier Megaton com Zoe Saldana
Produzido por Luc Besson, é um filme de Jason Statham sem Jason Statham. O que faz com que não tenhamos nínguém para torcer. Tem tudo aquilo que Besson sempre usa: velocidade nas cenas, gente com cara de HQ, ambientes sombrios e metálicos. Mas a mocinha é um zero e os vilôes não nos dão raiva. Ah sim... fala sobre tráfico na Colombia e menina que vai vingar o pai. Nota 1.
   OS DESCENDENTES de Alexander Payne com George Clooney
Procurei mas não achei uma só crítica que demonstrasse ter entendido o filme. Visões ralas, superficiais, tolas até. A maioria dos criticos, assim como o público, começa a só entender o que é explicito. A forma dissociada do conteúdo é algo que desapareceu da critica. Quando topam com um filme como este, discreto, elegante, todo centrado no formato e não no conteúdo, os criticos se perdem. Preguiçosos, não se dão ao trabalho de pensar. O filme de Payne é primoroso. Uma aula de bom cinema, ele evita todas as armadilhas do óbvio e jamais cai na tentação do modernismo afetado. Sabe mostrar e sabe conduzir. Clooney brilha em papel sem grandes lances. É um homem perdido. Me causa espanto ninguém ter falado do fato de termos um conjunto de personagens adultos. Aqui ninguém parece personagem de cartoon ou tipo de manual de casos psiquiátricos. Gente, gente como eu e como voce. Isso ainda existe. Nota 9.
   TODA FORMA DE AMOR ( BEGINNERS ) de Mike Mills com Ewan McGregor e Christopher Plummer
É o filme que provávelmente dará a Plummer um merecido Oscar de coadjuvante. A não ser que o mito Max Von Sydow estrague sua festa. Plummer faz um homem de 75 anos que assume sua condição gay após a morte da esposa. Ewan é o filho desse homem, que sofre com o câncer do pai. Um cãozinho comenta o filme. Uma ruiva esquisita se torna o amor desse filho. Weeellll..... eis um filme que é a cara destes tempos frouxos. Ele é tristinho, fofinho, bacaninha, delicado, moderninho e antenadinho. Tem até hospital e imagens que lembram clips de cantores folk. Ewan fala baixinho e ama a menina como se tivesse 12 anos ou menos. Já a mocinha, tão alternativa, vive como se fosse uma fadinha num mundo tristonho. Milhares de filmes são como este. É feito para os fãs de Michel Gondry. Mas ele tem duas coisas que o salvam da absoluta chatice. O cão, que é a coisa mais inteligente do filme, e a atuação de Plummer. O pai se torna o único humano viril de todo o filme. Ele sabe escolher, sabe decidir, luta para ser feliz. É um homem de outra época em tempos de cinzas passivos e flores pálidas. Ah geração Morrissey..... O filme serve como retrato da atual geração de vampiros bonzinhos que infesta o planeta e de filmes fofinhos e docinhos que são como coisas de outro planeta para alguém como eu. Devo estar muito velho, esses seres me são completamente incompreensíveis. Seu modo de falar e de viver são como lingua marciana pra mim. Nota 4.
   ENCONTROS E DESENCONTROS de Alan J. Pakula com Burt Reynols, Jill Clayburgh e Candice Bergen
Burt leva um pé na bunda de Candice, que é uma cantora bem sucedida e bonita. Deprimido, ele conhece Jill, um tipo de Annie Hall de Boston. Burt fica na dúvida quando Candice volta. O roteiro é de James L. Brooks. E ele é que deveria ter dirigido. Brooks é o cara que na TV fez Mary Tyler Moore, Cheers, Taxi e os Simpsons. No cinema dirigiu Laços de Ternura e Melhor é Impossível, campeões de Oscar. Pakula era um diretor triste. O filme é todo escuro, silencioso, travado. Jill Clayburgh era a atriz da moda em 1979. Uma Diane Keaton mais feinha. Burt tentava se tornar um ator "sério". Pra quem não sabe, na década de 70 ele e Clint Eastwood eram os astros campeões de bilheteria. Com Charles Bronson e Steve McQueen formavam a nata dos atores de ação. Nos anos 80 seriam suplantados por Harrisson Ford, Bruce Willis e a dupla Stallone/ Schwarza. Este filme, completamente chato, não fez de Burt um "novo" ator. Nota 2.

LET'S GET IT ON / MARVIN GAYE



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LET'S GET IT ON- MARVIN GAYE, NASCER/TRANSAR E MORRER

   Para Marvin Gaye, sexo é vida e viver é transar. Todo o resto é sombra e pó. Se em WHAT'S GOIN' ON, disco anterior, Gaye analisava a luta das ruas, aqui ele prega a paz do sexo. Em tempo, nos anos 80 WHAT'S foi considerado pelos ingleses o maior disco já gravado.
   LET'S GET IT ON é sedução do começo ao fim. Lembro de um crítico que disse em 1995 que ainda não nascera uma mulher que resistisse ao apelo sexual de Marvin Gaye neste disco. A voz, sempre no cio, se enrola no corpo da mulher, a embala em camas de violinos, guitarras, baixos sinuosos, percussão, gemidos e multidões de notas. Música de motel? Muito mais que isso. Gaye leva a música ao sexo e sabe que isso é mais que cama e lençol, é questão existencial. Ele tem o talento para isso.
   Bryan Ferry, Rod Stewart, David Bowie, Rolling Stones... todos tentaram ser Marvin Gaye. Todos erraram o alvo, mas conseguiram no processo refrescar seu som. Ferry criou aquele tipo de som cheio de detalhes, miríades de instrumentos transitando pela canção e correndo ao redor da voz, Rod se pacificou e se fez um tipo de sedutor insaciável, Bowie se enamorou da dance music e rearranjou sua carreira e os Stones ficaram ainda mais negros com Jagger incorporando o falsete a sua voz. Nenhum deles conseguiu ser Marvin Gaye. Ferry não tem voz pra isso, Rod não tem finésse, Bowie é frio demais e Jagger se exalta onde deveria ser elegante. Mas tiveram todos a percepção de entender que em Gaye havia, mais uma vez, um caminho a ser seguido. A geração dos anos 80 também se apaixonou por seu som. De Paul Weller á George Michael, uma legião de branquelos ingleses sonhou em ser Marvin Gaye.
   A maravilhosa beleza do som negro.... As pessoas, inconscientemente centradas em sua raça ( não é bem racismo, é algo muito mais profundo ), ficam falando bobagens do tipo "qual o melhor cantor", "qual o cara mais influente" etc e tal. E se esquecem de que o melhor cantor nunca foi Plant ou Rod ou Paul ou Roger ou Van. Sempre foram os negros Ray Charles, Otis Redding, Wilson Pickett e Marvin Gaye. E que o cara mais influente é James Brown, mas poderia também ser Sly Stone ou George Clinton. A coisa é lógica, a opinião de um critico que se "esquece" dos artistas negros não tem valor. Perto do poder transformador que o Rap possuiu, coisas como Brit-Pop e Grunge são apenas surtos de saudades. E nada é menos saudosista que o som dos blacks. Eles não têm do que ter saudade.
   As pessoas inclusive erram ao dizer que os rivais dos Beatles eram os Beach Boys ou os Stones. Paul MacCartney já disse em "N" entrevistas que os discos que os "assustavam" eram aqueles que a Motown produzia às toneladas. Eles ficavam bestificados com os arranjos, os vocais, e Paul cita James Jamerson como o melhor baixo do planeta ( James é o cara do som de Gaye ). Mas tendemos a esquecer disso, e voltamos a falar a ladainha de Beatles X Beach Boys.
   A Motown tinha além de Marvin, Aretha Franklyn, Stevie Wonder, Temptations, Supremes, Miracles, Smokey Robinson, e quando os caras de Liverpool terminaram soltaram um tal de Jackson Five. Comandada por negros, era uma gravadora hollywoodiana, luxuriante, chique, e muito sensual. Nela, Gaye, casado com a filha do dono, era o Rei. Desde 1962 lançava hit sobre hit e era regravado por Van Morrison, Who e Stones. Aliás, o primeiro disco dos Beatles tem faixa da Motown.
   Acabei me alongando e deixei de falar do disco em si. LET'S é da fase cabeça da Motown, de quando os artistas da casa se lançaram em aventuras mais autorais, tocados que foram pelo clima barra pesada do começo dos anos 70. Após este disco Gaye começaria uma lenta decadência. Cocaína, depressão e falência financeira. Seu público descobriria Al Green como o novo Marvin Gaye ( Green era excelente, mas nunca foi Gaye ). Em 1984, de volta ao sucesso e prestes a ser feito o gurú da nova geração inglesa, Marvin Gaye foi morto pelo próprio pai...
   Em 1986, num número da revista Bizz, citava-se uma matéria britânica em que se dizia que o pop havia deixado apenas seis coisas que viveriam para sempre. Marvin Gaye era um dos seis. Ouvir seus discos é ser feliz.
PS: Cometi um erro nesta postagem que faço questão de não apagar. Aretha Franklyn e Otis Redding NÃO eram da Motown!!!! Eles eram da Stax, gravadora do sul dos EUA que foi o outro lado da música negra da época. Se a Motown era Hollywood ( luxuosa, sexy, glamourosa ), a Stax era mais "crua". O som da Motown tem como marca registrada os arranjos "ricos". A Stax dava ênfase maior a bateria e guitarra. O engraçado da história é que esse som "crú" da Stax, que a princípio parece mais "negro", era na verdade feito por alguns músicos brancos com origens country ( gênios como Steve Cropper e Duck Dunn ). Já o som da Motown, que poderia parecer mais pop, é 100% black.

MÚSICA DE CINEMA

   Em 1962, MOON RIVER de Henry Mancini, em 63, CHARADE, em 64 MY KIND OF TOWN com Sinatra, 1965 tem WHATS NEW PUSSYCAT de Bacharach com Tom Jones, em 1966 temos BORN FREE de John Barry e ainda ALFIE de Bacharach, em 1967 vem SOMENTE O NECESSÁRIO de Mowgli e ainda THE LOOK OF LOVE de Bacharach, 1968 tem THE WINDMILLS OF YOUR MIND de Michel Legrand e em 69 RAINDROPS KEEP FALLIN ON MY HEAD, 1970 tem LET IT BE dos Beatles e em 1971 o TEMA DE SHAFT, 72 tem THE MORNING AFTER e ainda BEN com Michael Jackson, em 1973 temos THE WAY YOU WERE e ainda LIVE AND LET DIE  de MacCartney. Em 1974 WE MAY NEVER LIKE THIS AGAIN e em 1975 I'M EASY e ainda o TEMA DE MAHOGANY com Diana Ross. 1976 traz EVERGREEN com Barbra Streisand e 77 YOU LIGHT UP MY LIFE e NOBODY DOES IT BETTER com Carly Simon. Em 1978 vem LAST DANCE com Donna Summer e mais as músicas de GREASE, e em 79 IT GOES LIKE IT GOES. Vem 1980 e temos FAME e ainda NINE TO FIVE com Dolly Parton. Em 81 TEMA DE ARTHUR com Christopher Cross e ENDLESS LOVE com Lionel Ritchie. 1982 tem UP WHERE WE BELONG com Joe Cocker e ainda IT MIGHT BE YOU  de Tootsie e o EYE OF TIGER de Rocky III . Em 1983 WHAT A FEELING de Flashdance mais MANIAC. 1984 é um absurdo: vence I JUST CALL TO SAY I LOVE YOU com Stevie Wonder, mas ainda há TAKE A LOOK AT ME NOW com Phil Collins, GHOSTBUSTERS com Ray Parker, FOOTLOOSE com Kenny Loggins e PURPLE RAIN com Prince.
  Em 1985 SAY YOU SAY ME com Lionel Ritchie e THE POWER OF LOVE de De Volta Para o Futuro e em 1986 TAKE MY BREATH AWAY além de GLORY OF LOVE de Karate Kid e em 1987 THE TIME OF MY LIFE de Dirty Dancing, em 88 veio LET THE RIVER RUN da Secretária de Futuro e em 1989 a música da Pequena Sereia... E de repente, o fim.
  Desde então nós temos a música de Titanic ( Celine Dion ), uma do Guns para um filme do Schwarza e só. Vem Pulp Fiction com sua trilha de sucesso mas toda com músicas velhas e fim. O cinema deixa de tornar big hit uma canção feita para aquele filme específico. Temos velhos rocks e pops regravados, rearranjados, revividos, mas não sucessos de rádio nascidos em um filme.
  É claro que essa lista não se preocupa com qualidade, falo de sucesso. A primeira música citada é a vencedora do Oscar daquele ano, e a que cito depois esteve entre as 5 finalistas de então.
  Poderia ainda citar um monte músicas de James Bond que não chegaram a concorrer ou ao tema da Pantera Cor de Rosa, que também nunca foi indicado. O que aconteceu? Será que até na canção de um filme a preocupação  é tanta que só se joga no já testado????

OS DESCENDENTES- ALEXANDER PAYNE

    Alexander Payne. É um diretor que acompanho desde 1998. Não faz parte do hype, portanto não tem a fama pop de Nolan, Fincher e Trier. Com Payne, nada de psicoses diabólicas, firulas de câmeras moderninhas ou temas ousadinhos. Payne conta histórias, de um modo elegante, adulto, simples. E voce sabe, ser simples é a mais dura das artes.
   Barcinski acertou ao dizer que este filme lembra os filmes dos 70's de Hal Ashby. A mesma sutileza. Mas como estamos em 2012, ele não tem a intenção reformista dos filmes da década da inquietação. Payne é um pacificador. Seus filmes são sempre do bem. Mas não o bem idealizado, é o bem que nos resta, o possível.
   Com os irmãos Coen, mais Tarantino, Curtis Hanson e PT Anderson, ele é dos poucos cineastas atuais que despertam minha curiosidade. Se Coen é o cineasta da surpresa e Tarantino o da diversão, Payne é o da finura. Veja este filme:
   Voce pensa que a mãe em coma será o centro do filme. E que teremos mais um lixo em que o pai ausente passará todo o filme em crise de consciência e a mãe será vista em flash-backs como um tipo de musa. Não. Payne, sem grandes alardes, inverte as expectativas. A mãe é apenas um objeto inanimado e o pai não é um homem ruim em crise para ser bom. A mãe é que errou e ele é apenas um homem tentando acertar. O mesmo sucede com as duas filhas. Pensamos que vamos ter de aturar mais um filme com uma pequena criança geniosa e chorona, não, a criança apenas vive sua vida de criança. E quando surge a adolescente achamos que haverá uma série de crises entre ela e o pai. Não, ela ajuda o pai. É assim todo o filme. Uma expectativa é não-confirmada, sempre. Mas tudo sem grandes lances autorais, sem tiques de "olha como sou criativo", sem frescuras de "artista".
   O centro não é a mãe, aliás. É a ilha. Ao contrário do que é dito, lá existe um paraíso sim. Eu amo aquela humidade, as plantas brotando de cada canto, a vida abundante. Mas assim como a mãe está morrendo, nós sabemos que todas as ilhas estão em coma. O centro do filme é a visão do imenso terreno que está a venda. É o paraíso. Quando a filha diz: -Mas eu quero acampar...", entendemos que a dor de Clooney pela infidelidade da esposa é supérflua. Essa raiva o moverá para fazer o certo. Não vender o paraíso.
   George Clooney é o grande ator deste inicio de século. Apesar de detestar seu apreço por politica, é um ator que tem tudo. Sabe fazer drama sem parecer patético e tem um dom fantástico para comédia. Dom que Payne também tem. O filme não tem uma só cena de pastelão, mas o diretor/roteirista consegue extrair humor das situações mais dramáticas. Além de tudo raras vezes eu vi neste século a morte ser tratada de modo tão adulto. Jean Dujardim tem uma atuação de mais "gênio" em O Artista, mas se Clooney for premiado nada haverá de injusto nisso.
   Destaque também para a maravilhosa trilha sonora feita de canções havaianas. São o contraponto daquilo que os homens vivem e daquilo que a ilha é.
   Delicioso, bonito, simples, elegante. Alexander Payne deveria filmar mais. Faz poucos filmes, mas todos são interessantes e discretos. Os dois primeiros são os melhores, mas este é o mais ambicioso. Elegantemente ambicioso. Alexander Payne ainda crê na vida.
   Sem familia, sem religião, sem aventuras e sem heróis, tudo o que fazia da vida uma experiência transcendente nos foi tirado. A única coisa que se colocou no lugar foi a ciência. Mas a ciência não pode nos ensinar a viver. No máximo ela nos ajuda a não morrer. Clooney é esse homem sem nada. Ele não sabe ser pai, não tem religião, nada percebe de aventuroso em seus dias e está longe do mundo de heróis. Tudo o que lhe resta é o frio caminho racional: deixar morrer, deixar vender. Mas mesmo assim, ao ser tomado pela ira, pela surpresa, pela dor, ele faz algo. E esse algo é a última das transcendências, ele protege a vida, nega o caminho óbvio, faz sua escolha.
   Como aconteceu no ano passado com O DISCURSO DO REI, as pessoas desacostumadas a pensar não irão perceber a complexidade embutida na simplicidade. Verão aqui como lá, apenas um filme comum, bem feito, quase banal. Mas se no filme de Tom Hooper e Colin Firth havia uma profunda reflexão sobre a fragilidade humana; neste filme de Payne e Clooney temos uma visão sobre tudo aquilo que ainda pode nos salvar.
   Em meio a crimes em série, heróis mascarados e efeitos sensacionais, é mais do que ótimo. É uma esperança.