WILD PLANET - THE B'52'S, HEDONISMO PORQUE A VIDA É CURTA, BABY

   Felizmente as pessoas tão se tocando e essa banda começa a ter o reconhecimento que merece. Eles sempre foram ótimos! Basta voce olhar o video acima, 1978, os começos da banda. Repara na empolgação do público!!! Fred, Kate, Cindy, Ricky e Keith sempre souberam aquilo que queriam, dar prazer. Conseguiram. Mas o som desse grupo, a sonoridade de seus dois primeiros discos continua a ser única. Há um segredo nesses discos, e esse segredo está todo na guitarra.
   Em 1980, quando na loja de discos do Iguatemi o vendedor nos empurrou esse LP importado, garantindo que iríamos virar fãs ( eu e meu irmão ), o B'52's era completamente desconhecido por aqui. Fomos pra casa, botamos pra tocar e nos apaixonamos. Era diferente de tudo o que eu escutava até ali. Não era punk, não era rock clássico, nada progressivo, nem funk, nem soul ou reggae. E entre as bandas novas não lembrava Cars, Blondie ou Gary Numan. O que era aquilo? Era Sci-Fi barato, daqueles com pratos de papelão fazendo as vezes de disco voador, e era falsamente simples como Beach Boys mas com a coisa sexy da disco e mais surf bands e girl groups. Mas mesmo dizendo todas essas influências ainda não era isso.
   Três cordas de guitarra e todas afinadas em graves. Um teclado espacial, de filmes de Ed Wood, um baixo, quando há baixo, de soul music e mais uma batera de new wave, pra dançar. E as vozes... O REM chamou Kate Pierson quando quiz expressar alegria e Iggy Pop quando quiz cantar o amor jovem. As vozes femininas são colegiais, variam entre o histerismo, a alegria e a ansiedade de um sábado de noite. E o cara se chama Fred Schneider. Tive um amigo que virou gay por causa dele. Foi numa noite no Madame Satã. Ele começou a cantar imitando Fred. Soltou a franga e se descobriu. Porque pouca gente se ligava que eles eram uma banda gay. Do tipo ursinho Puff e Bambi. Fofos. Mas com bastante pimenta e batida de limão pra fazer descer.
   Dancei muito com eles. Não soltei a franga, mas devo ter chegado bem perto. Na época não se dançava calado, dançava-se cantando alto. Então tome os "uh uh uhs" do B'52's. A gente sabia que eles não eram tão "relevantes" como Clash ou tão "artisticos" como o PIL, mas e daí? Era bom pra caramba. E era verão. Foi um verão deles e mais o primeiro disco dos Pretenders. E ainda Emotional Rescue, Another One Bites The Dust, Ramones e Kurtis Blow. Jorge Ben, Pepeu e Dadi. Superman no cinema e uma tal de Aninha no coração. Do cacete. ( Mas no Objetivo logo surgiram uns caras "bem informados" pra me dizer que B'52's era medíocre, que eles não sabiam tocar. Que bom era Supertramp e Pink Floyd ).
   Do primeiro acorde veloz, até o último, viajante, o disco inteiro, o segundo da banda, é absolutamente perfeito. É dos poucos sem nada de excessivo, nada sobrando, o pique não cai. Claro que tem momentos acima do perfeito. Dirty Back Road é uma obra-prima de clima, de ritmo, de timbre. Runnin Around é empolgante, excitante, adrenalínica. Devil in My Car é um dos hinos da época e de sempre, Fred dando um show em seu estilo único. Quiche Lorraine era cantada por uma ridicula banda que eu tive. Pra nós era "Quem Sou Eu" no refrão Quiche Lorraine. Strobe Light é uma festa-frenesi... e sei lá mais o que.... Não é disco pra ficar descrevendo, é pegar e dançar, é fórmula de prazer.
   Antes de postar isto eu dei uma rápida olhada no Facebook e vi uma noticia sobre vale-tudo, uma propaganda de faculdade, um post sobre silicone e outro sobre uma Ferrari. Daí agora eu penso em Funk-do-Rio, Lady Gaga, Adele e as superproduções de Beyoncé e que tais.... sei lá, acho que tá sobrando força, agressividade, ambição, profissionalismo. Tá faltando B'52's. ( E até mais que eu vou ouvir de novo ).

ELA É CARIOCA -RUY CASTRO ( A FILOSOFIA DO PRAZER SEM LUCRO )

   Prédios de quatro andares, um bairro onde todo mundo se conhecia. Tinha o clube mais exclusivo do Brasil ( o Country. Fundado por ingleses, 480 sócios desde a fundação. Sabia que um dos sócios foi um ex-campeão de Wimbledon? E que esse cara, chamado Bob é o fundador do Bob's ? Essa é a espécie de pioneirismo que digo ser nativa de Ipanema, foi a primeira lanchonete do Brasil. O Bob original a vendeu em 1979 ). A gente lê esse livro e fica sabendo do primeiro bar-do-Rio que existiu, esse tipo de bar que hoje em SP tem um em cada esquina,  aqui chamado de bar pra "gente bonita", gente tipo Ipanema, né? O povo lá era bonito, e bem educado. Ruy lista as escolas do bairro e quem estudou onde e com quem. Vai de diretores de cinema a jogadoras de volêi ( Jacqueline e Isabel, claro, do tempo em que vôlei era esporte de gente educada ). Lógico que é um povo da elite, privilegiados. Mas em Higienópolis também havia muita grana, mais até que em Ipanema, só que em Higienópolis, Pacaembu ou Morumbi se criou o que? Existe uma "Garota da Alameda Franca"?
   O Brasil era isolado, periférico e não tinha a menor vergonha disso. Não queríamos ser como Miami ou igual a Londres. Tudo bem, até tinha uma certa paixão pela França, mas os franceses da época queriam ser como o Brasil, o que igualava tudo. A gente olha pra música brasileira hoje e pensa: O que é isso? Deve ter gente boa, mas eu falo daquilo que toca no rádio, daquilo que vai ser a trilha sonora deste tempo. Tem como alguém dizer que a coisa melhorou? Não sou fã de Bossa-Nova, mas Tom Jobim, talvez o músico mais elegante do século, já dizia que o Brasil nunca mereceu a Bossa-Nova, que pra se entender a BN tem de se ter uma namorada e andar de barco. Eu sempre senti isso. Que Ipanema era um tipo de Brasil ideal, um país platônico, belo, inteligente, limpo e engraçado. Não podia durar.
  Ipanema de verdade dura de 1950 até 1968. E com muito boa vontade dá pra esticar até 1979. Depois é o crime, a especulação imobiliária, a droga pesada, a pura barbárie. O começo em 1950 : Reuniões em casas abertas a noite toda. Amigos que iam às casas de outros amigos, coisa de cem pessoas, e ficavam bebendo, ouvindo música a noite toda. Depois iam para a areia dormir. Nessas reuniões de uma juventude ociosa e ansiosa, nasciam planos de fazer musica, cinema, teatro e Tv, ou carnaval, revistas e viagens. Daí vieram alguns botecos, alguns bares, e depois as primeiras lojas. E o sucesso. Ipanema se torna a praia mais famosa do mundo. O fim em 1979: a tanga de Fernando Gabeira e o Circo Voador. Gabeira, guerrilheiro perigoso, volta do exílio. Uma multidão vai o esperar no aeroporto. Ele surge de pantalonas coloridas, camiseta justa e se dizendo bissexual. No dia seguinte está em Ipanema com uma microsunga de croché lilás. Ao mesmo tempo o Circo Voador era construído pelo pessoal do ASDRÚBAL TROUXE O TROMBONE. A trupe havia crescido tanto desde 1974, que montaram uma tenda nas areias de Ipanema e abriam a coisa das sete da manhã às onze da noite. Shows, peças, capoeira, aulas, tudo que fosse criativo e alegre. Logo foram despejados. A Ipanema de então, 1979, eu já me recordo. O verão de 79 para 80 foi talvez o mais alegre da história do Brasil. Basta pensar nisso: os exilados voltavam, as revistas eram agora sem censura, filmes liberados, um otimismo pleno de que tudo seria bom pra sempre, a onda da saúde e de se "transar o corpo numa boa", surf e skate começando a virar moda, era instituída a "psicanálise tropical" por Eduardo Mascarenhas, sol sem medo de câncer de pele, droga só maconha, Joãozinho Trinta e uma onda de musicas "desencanadas" e programas de TV criativos e sem nenhuma vergonha. Mas o melhor de tudo: o Brasil criava, copiava muito pouco. Foi um verão em que me entupi de Jorge Ben e de Moraes Moreira ( em 1984, meu ano mais snob, morreria de vergonha desse verão ), de praia com Coca-Cola e de Carnaval ( até hoje recordo a Portela daquele ano ). A gente sentia um puta orgulho de ser do Brasil. E ainda dava pra saber que todo domingo tinha Zico, Júnior e Adilio jogando e se eles jogam o prazer tá garantido. Se hoje a palavra chave é SUCESSO, em 1979 ela era PRAZER.
   E ainda agora me dá uma estranheza quando algum amigo me pergunta o porque de eu fazer tal coisa. Jamais me passa pela cabeça que alguma coisa deva ser feita para se ter sucesso. As coisas são feitas por prazer, não é? O sucesso é fazê-las tendo prazer, não? Essa filosofia, tão estranha para os filhos dos anos 80 é básica para os que não negaram 1979. Ruy Castro é de 1969, ele sabe disso. A vida não é para se fazer alguma coisa com um objetivo de ganho. O ganho real é fazer por prazer. Isso era Ipanema.
   É um prazer ler então os perfis desse povo que fez esse momento de brilho. Tom, Danuza Leão, Daniel Más, Arduino Colasanti ( esse é meu ídolo ), Domingos Oliveira, Leila Diniz, Arnaldo Jabor, Eduardo Mascarenhas, João Saldanha, Gerald Thomas, Carlinhos, Elizabeth Gasper, Vinicius, Rubem Braga, Paulo Francis, Cazuza, e mais 300 nomes de artistas, pescadores, bares, boates, lojas, esquinas, gatas, gatos e gaiatos. Uma festa, nossa Paris anos 20, nossa New York anos 50.
   Um tesão de livro, e se voce quer ter prazer, leia com vagar, ao sol, com um chopp do lado, uma musiquinha de fundo, e uma menininha, bonitinha, passando bronzeador. É um livro inútil, sem objetivo, sem nada de ambicioso, meio bobo. Mas e daí? Ele é bonito e é um prazer. Entendeu?

Asdrúbal Trouxe o Trombone



leia e escreva já!

Frank Sinatra & Antonio Carlos Jobim (1967 )



leia e escreva já!

RIO

   Quem tem menos de quarenta anos vai achar esquisito, mas o Rio pra mim será sempre lugar de aristocracia. A cidade onde as pessoas são mais educadas, mais interessadas em arte e onde se valoriza mais a educação e a beleza da vida. Eu sei, sei que estou errado, mas essa é a cidade que existiu até 1982, juro que é verdade!
   Mas o mundo muda, as coisas pioram e melhoram e o Rio mudou porque o Brasil mudou. Estou relendo "Ela é Carioca", pra mim é o melhor livro do Ruy Castro, uma enciclopédia, com verbetes e tudo, sobre Ipanema, e só Ipanema. Eu cheguei a conhecer o fim dessa idade de ouro carioca, e ler esse livro me dá uma grande alegria e ao mesmo tempo uma sensação de que aquilo tudo foi um sonho, nada de verdade. Caraca, eu tou ficando velho!
    Todo mundo queria ser carioca nos anos 70, tanto queria que quem não podia odiava o Rio com uma paixão de amante cornudo. Namorar uma carioca era ser invejado por todos os amigos. Passar um fim de semana lá era in e todas as girias elegantes nasciam em Ipanema. Assim como a moda. Da Company à Richards todas as marcas bacanas vinham daquelas areias. E que moda!!!! Muita pele morena, muito cabelo queimado, muito adereço, muita roupa branca e nudez total. Um verão que era pra sempre. Séculos antes de sertanejos, calypsos e axés, música nascia no Rio, seja samba, bossa, romântico e até rock. São Paulo tinha Rita Lee e a Bahia tinha um monte de baianos...que moravam no Rio.
    O que mais sobressai, e Ruy fala disso, é que havia um culto à beleza. Um hedonismo saúde total. Todos queriam ser bonitos, queriam coisas bonitas e belo era a saúde, a pele escura e um jeito de leveza natural. Sem maquiagem, sem retoques, sem remédios. Daí o culto ao Rio, a praia, a nudez sem operações e botox. Indios civilizados. Luxo, calma e muita volúpia.
   A gente acreditou naquilo tudo. Lembro de carnavais em que senti estar no melhor lugar do universo em todos os tempos. Que o Rio era o exemplo do máximo dos máximos. Muita alegria, muita festa, e tudo muito free. Dava pra crer na felicidade, que é muito mais que alegria. E como toda aristocracia, o Rio tinha centenas de duques, condes e rainhas. Gente que parecia nunca trabalhar, cujo único motivo de vida era ser "carioca". A anos-luz da influência protestante do trabalho-como-dignidade-humana, ser um come-dorme era motivo de orgulho. Playboys detonando dinheiro, deslumbradas queimando heranças... e daí? Como esse povo era bonito!!! E como se vestiam bem!!! Era um despojamento chique, uma simplicidade equilibrada que dava dor de cotovelo em paulistas e gaúchos.
   O Rio tinha a praia e não precisava mais nada. Milênios antes dos arrastões. Sol e choppe e carnaval e reveillon ( ainda se falava muito francês ), e ainda o deboche e o domingo no Maracanã. A vida como a arte de se brincar e rir de tudo.
   Mas veio a década de 80 e a coisa quebrou. O medo do sol, o medo da favela, o medo da aids, o medo do desemprego, o medo de ser ridiculo, o medo do medo. O feio então se tornou um bem, o sério se fez confiável e o que era bonito se fez inutil. A aristocracia morreu ou foi relegada a papéis de palhaços. Desandou o Rio, desandou Ipanema, e o Brasil passou a ter sonhos mesquinhos, o maior deles o de ser Miami.
   Este livro, que é mágico, lindo, colorido, eufórico e belo é uma ode de amor a Ipanema, ao Brasil, a tudo.

SODERBERGH/ JACKIE CHAN/ TONY CURTIS/ ROBERT RODRIGUEZ/ BRAD PITT/ OLIVIER

   VIVO PARA CANTAR de Frank Ryan com Deanna Durbin
Em 1999 Haley Joel Osment, eu juro, foi chamado de gênio. O menino do Sexto Sentido era tido como "o maior talento infantil da história do cinema". Anna Paquin recebera a mesma dádiva alguns anos antes e na época Matrix era considerado na Set "o maior filme da história dos filmes". Nada como o tempo para colocar tudo nos eixos. Matrix é encalhe de sebos, Paquin luta por papéis na TV, e Joel.... sei lá. Atores infantis costumam quebrar a cara quando crescem. Judy Garland, Natalie Wood e Jodie Foster são os únicos que tiveram como adultos o mesmo sucesso de crianças. Roddy MacDowall também teve uma boa carreira adulta, mas como criança ele era bem mais. Deanna Durbin foi uma big star aos 14 anos. Cantava e tinha uma imagem simpática, calorosa, do bem. Mas aqui, já adulta, dá pra se notar a proximidade do fim. Ela se tornou "comum". Sem grande diferencial. Sabiamente ela largou o cinema e foi viver na França. Poupou seus fãs de assistir seu ocaso. Ela era ótima, mas este filme é um lixo. Nota 1.
   O ESCUDO NEGRO DE FALWORTH de Rudolph Maté com Tony Curtis, Janet Leigh, Herbert Marshall e Barbara Rush
Finalmente lançam este DVD no Brasil!!! Um dos mais reprisados filmes da Sessão da Tarde dos anos 70, é surpreendentemente bom. Maté foi um grande diretor de fotografia. Começou com Dreyer e foi para Hollywood onde dirigiu alguns filmes médios. Este é seu melhor. Tony Curtis era lançado a época como a nova estrela da Universal. Ele funciona em aventuras muito bem. Faz aqui um tipo estourado, meio bronco. O filme fala de jovem, estamos na idade média, que é o filho de um nobre arruinado sem o saber. Vai para a corte, onde é hostilizado por jovem nobre e ajudado por velho mestre de espadas. Eu não sei porque o filme me lembrou muito Star Wars. De qualquer forma, ele é alegre, movimentado, muito colorido. Boa amostra do antigo filme juvenil, do antigo filme "B", que hoje seria tratado como filme "A". Nota 7.
   EL MARIACHI de Robert Rodriguez
Eis o primeiro filme de Rodriguez, famoso na época por ter sido feito com a grana de um carro. Ele é pobre, claro, tem uma fotografia miserável, mas é cheio de ação, clima e promete aquilo que seu diretor faria em seguida. Filmes pop levados com leveza e rapidez. Vale conhecer. Nota 5.
   FÚRIA DE TITÃS de Desmond Davis com Judi Bowker, Laurence Olivier, Claire Bloom e Maggie Smith
Não se empolgue com os nomes veneráveis de Olivier, Bloom e Maggie Smith. Muito menos com os efeitos de Ray Harryhausen. É uma insuportável aventura mitológica sobre Perseu etc... Incrivelmente ruim, até os efeitos de Ray estão ridiculos. A magia que ele criava antes, aqui está perdida. O ator central é um dos piores já vistos. A câmera insiste em dar close de seu rosto e tudo o que ele faz é ajeitar os cachos dos cabelos e aumentar seu biquinho. Olivier é Zeus. Porque, ao fim da carreira, ele aceitava filmes tão ruins? Vaidade? Grana? Pior: este lixo foi refilmado no ano passado com o mesmo nome. Pra que? ZERO!!!!
   HORA DO RUSH 2 de Brett Ratner com Jackie Chan e Chris Tucker
O cinema americano não soube usar os talentos de Chan e de Chris. Assim como ocorreu com Jim Carrey, os executivos os rotularam de "astros para filmes ligeiros" e fim. Jackie Chan merecia aventuras mais caras, mais ambiciosas ( mas talvez nessas aventuras ele fosse sufocado em efeitos digitais ) e Chris merecia filmar mais, muito mais. Este filme, delicioso, é aquele que voce já sabe: os dois vão para Hong Kong, se envolvem com máfia e depois tudo se resolve nos EUA. Eu queria mais, mais lutas, mais piadas, mais duração. Mas é um filme legal para dias de tédio. Nota 6.
   SET UP de Mike Gunter com 50 Cent, Ryan Philippe e Bruce Willis
Muito rap, massacres, vida de cão na prisão, guitarras, tiros e mal caratismo. Que lixo é isto? Como é possível que uma coisa que já foi tão nobre como o cinema, possa agora, como uma rameira sifilica ou um traficante de veneno produzir algo tão do mal, com intensões tão ruins. Ele glorifica a bandidagem, a violência, a vida sem moral alguma. Depois não venham reclamar do rumo que o mundo toma. Bruce se especializou em pequenos papéis "especiais" de chefões do crime. Morro de saudades do "bom e velho" Duro de Matar. Ali tínhamos ação com boas intenções, humor e tiros, explosões e suspense. Nada disso aqui. ZERO!!!!!!
   PÁGINA OITO de David Hare com Bill Nighy, Rachel Weisz, Judy Davis e Michael Gambom
Bom filme inglês. Bill, sempre sério e elegante, é um velho funcionário da segurança britãnica. Ele descobre que o primeiro-ministro tornou-se conivente com a politica americana de tortura e combate ao terror. Mais que isso, que há uma outra agência de segurança dentro do governo, mais imoral, mais corrupta, para agenciar as coisas desse ministro. O filme mostra sua intenção: a Inglaterra é agora apenas um apêndice dos EUA. Bill Nighy é um agente à velha moda, ético, trabalha para o país, para o defender de inimigos e não para acomodar interesses globais. Amargo e com final dúbio, é um digno veículo para um bom ator. Rachel faz uma vizinha ativista da causa árabe. Seu papel, melhor do que parece, é que faz com que Bill se mova. Não sei se esse filme foi exibido aqui. Nota 7.
   ONZE HOMENS E UM SEGREDO de Steven Soderbergh com George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts, Elliot Gould e Andy Garcia
Revejo-o após dez anos. O filme tem poucas semelhanças com o original de Sinatra. O que fica de mais próximo é o aspecto cool da produção. Temos um fascinante desfile de roupas elegantes, cenários bonitos e figurantes bem dirigidos. A trilha sonora de David Holmes é exuberante, ninguém hoje faz trilhas sonoras melhores. Vejo o filme, excelente, e penso que ele é uma bela amostra daqueles filmes espertos feitos por volta de 1960, com seus ladrões amorais e seu clima chique. Nos extras do DVD, Soderbergh fala de Golpe de Mestre ( um espetacular filme com Paul Newman e Redford que ganhou melhor filme em 1973 ), e mais, atrás de Soderbergh há um poster de um filme: Bande a Part de Godard. Um filme com Anna Karina que trata de roubo. O que tem Bande a Part? É o nome da produtora de Tarantino e agora surge no escritório de Soderbergh...filme influente é assim que se revela... Voltando, dá pra notar um monte de furos no roteiro, o plano não é assim tão genial; mas a coisa é muito bem dirigida e tudo o que sentimos durante o filme é prazer. George Clooney está em casa, nasceu para esse tipo de papel. Mas Brad Pitt está ainda melhor. Seu rosto é pura diversão. É este filme que exibe melhor o tipo de filme pop que eu adoraria ver mais na Hollywood de hoje. Absolutamente sem erros. Nota 9.

FEBRE DE BOLA- NICK HORNBY

   Este é meu livro favorito de Hornby. Alta Fidelidade foi lido logo em seguida a um fora que levei, não tinha como ter boas lembranças dele. Grande Garoto eu gosto bastante ( talvez seja o melhor ), mas me identifico muito com o cara que narra esta "saga", que é Nick, aqui escrevendo seu primeiro livro. Ele é 7 anos mais velho que eu, e como aqui nos brasis sempre estivemos dez anos atrás, acabamos eu e Nick sendo da mesma geração. Ou voce nunca notou que nossa década de 60 foi a de 70, a de 70 foi a de 80 e nossos anos yuppies foram no governo FHC, em plena década de 90?
   Em 1968, o jovem, o muito jovem Nick Hornby, aos 11 anos, é levado pelo pai a um jogo do Arsenal. Contra o Stoke City. Os pais dele haviam se separado, ele estava down, e cansado de ir nas visitas do pai a zoos, lanchonetes e cinemas. No futebol ele descobriu um mundo insuspeito até então. Um mundo de homens, de palavrões, de multidões. Das enormes massas de torcedores de então. Mas foi somente alguns jogos mais tardes que ele se tornou um obsessivo, um fanático pelo Arsenal. E foi numa muito dolorosa derrota. Para o Swindon, exatamente o jogo que postei abaixo. Nick chega a uma conclusão: ninguém vai ao futebol para ter prazer. Futebol não é uma diversão, um passatempo e muito menos uma arte. Só pensa isso quem não torce. Voce sofre num jogo, tem medo, e JAMAIS espera que seu time jogue bonito, o que voce quer é vencer, vencer sempre. Jornalistas e intelectuais falam do jogo artístico, uma besteira!!!! Se futebol fosse uma arte voce vibraria ao ver Zidane exibir sua arte e destruir seu time. NÃO! Futebol é outra coisa.
   Cada capítulo do livro é um jogo e cada jogo é uma lembrança daquilo que ele vivia. O colégio, a faculdade, os primeiros amores. O futebol muda, o mundo muda, Nick admite nunca ter mudado. O futebol, como o rock, faz da pessoa um eterno crianção. Ele continua sendo o garoto que chorou ao perder uma final contra um time da segunda divisão.
   Ficamos sabendo o que é o futebol inglês. Hornby se lamenta de ter se apaixonado logo pelo Arsenal. Porque não o Tottenham, um time que tem fama de jogar bonito sempre, ou o WestHam, que é considerado um time de gente especial. Mas não, ele foi gostar do time que sempre teve a fama de ser violento, defensivo, maldoso, o mais odiado time da Inglaterra, o Arsenal. E lá vai ele, indo a Plymouth, debaixo de chuva e frio, numa noite de quarta, para ver um jogo que nada vale. Porque? Pra que? Ele admite, é uma obsessão e seu time, um perdedor na maior parte do tempo, é sua paixão.
   Highbury com seus cantos, suas ruas, as brigas. A raiva do Chelsea, do Leeds e do Tottenham, os amigos de torcida, as gozações nas derrotas, a raiva da seleção inglesa ( os ingleses têm o costume de abominar sua seleção, torcem apenas pelos clubes ), os sotaques de cada cidade, cada bairro, cada canto de Londres e dos subúrbios. Os times medíocres do Arsenal, as várias humilhações.  E as mudanças.
   A explosão da violência nos anos 80, violência que obrigou a mudanças, a diminuição das multidões, as grades de segurança, as câmeras. Nada disso havia em 68, as torcidas se misturavam, disputavam espaço e onde cabiam dois se metiam quatro. ( Eu cheguei em 1981 a ir a um Morumbi com 135.000 pessoas, sei o que é isso...e posso dizer? Era puro suicidio, mas era very fun ). Nick Hornby diz que o futebol tem matado seu verdadeiro amante, e sem ele não pode haver esporte. Ele explica. O sonho dos times agora é fazer do futebol um tipo de teatro, ingresso caro e super conforto. Mas há um problema: esse tipo de "show da Broadway" comporta apenas um tipo de torcedor vip, que enche o estádio num United e Liverpool, mas que jamais irá até Newcastle ou Cardiff para acompanhar seu time num jogo de segunda rodada. Sem o povo fanático teremos apenas a copa dos campeões e mais nada. ( E os ingressos em 1969 custavam a metade de um ingresso de cinema ). Outra coisa. Entre 68 e 88 o campeonato inglês teve como campeões: Liverpool, Arsenal, Leeds, Nottingham Forest, Manchester United, Aston Villa, Derby County e Everton. Oito campeões diferentes!!!!  Se a tendência se mantiver, teremos apenas um campeonato de quatro times: United, Liverpool, Arsenal e Chelsea. O que fará com que todas as outras torcidas se encolham, os estádios fiquem às moscas e toda a atenção se volte apenas para dez ou onze jogos ao ano. Isso não é futebol de verdade!!! Dez anos nessa rotina destruirá qualquer chance de que Forest ou Villa voltem um dia a contar. ( Acho esse processo irreversível e chatíssimo! A linha de títulos seguidos do United tirou a graça de um campeonato que era tão imprevisível quanto o brasileiro ).
   Ao final do livro, Hornby já quase quarentão, começa a perceber que seus hábitos mudaram. A idade faz com que ele queira conforto, mais segurança e menos apuros. Mas fica um gosto nostálgico, saudades dos passes de Brady e mesmo das jogadas ridiculas de Ian Ure. Pra quem como eu, gosta muito de futebol e cresceu vendo suas transformações, é obrigatório.

AGORA EU FALO DA INGLATERRA PARA NICK HORNBY

   Se no seu ótimo livro Hornby elogia o Brasil, deixa agora eu elogiar a Inglaterra.
   Os brasileiros vão me xingar mas em 1970 a Inglaterra não deveria ter perdido. Ela teve mais chances de gol e um zagueiro brasileiro deveria ter sido expulso. Um empate seria justo e o saldo de gols resolveria a chave e quem teria de pegar a Alemanha nas oitavas. Assim como em 2002, em que num jogo bem pior que o de 70, o Brasil venceu os ingleses na sorte. Mas Nick Hornby sabe que o azar combina com o futebol inglês. Com o verdadeiro futebol inglês, e creia-me, isso ainda existe.
   Eu odeio, abomino o Manchester United e mais ainda o Chelsea. Por um motivo simples: eles transformaram o futebol britânico numa competição entre os donos de clubes. Como diz Hornby, as multidões de 100.000, 130.000 loucos-insanos dos anos 30/70 foram substituidas por 50.000 confortáveis torcedors vip. Mais que isso, o jogo se tornou uma bolsa de apostas onde as contratações são mais noticia que os jogos. Jogadores mimados, técnicos-burocratas, acionistas ávidos por lucro, torcida selecionada. Las Vegas. O futebol que era tipo Small Faces ou The Who, virou George Michael ou Beyoncé. Bonito, clean e frio. Voce investe 100 milhões e leva a taça. Quem gastar 20 não leva nada. Um mercado de ações com público.
   Postei um jogo em Highbury, 1969. O campo absurdamente lotado. Aquela multidão de cabeças brancas em meio a escuridão da arquibancada. Dá pra ver o lugar onde Nick ficava então, aos 13 anos de idade ( ele estava nesse jogo ), o lugar dos "estudantes", junto a bandeira do corner, na altura do chão. Eles viam só os pés dos jogadores, apertados, xingando todo o tempo, com uma sensação de júbilo na cabeça. E aguentavam o grotesco Arsenal, com seu jogo de chutões e correria, de gols tomados por pura estupidez. Um futebol feio, mas profundamente emocionante. Apaixonante. Dionisíaco.
   Em 1976 assisti a meu primeiro jogo inglês ao vivo. Não sei que Tv transmitiu, sei que era um sábado ( aos domingos não se jogava futebol nas ilhas, era o dia sagrado do cricket ), o que sei é que Ray Clemence era o goleiro e o jogo foi em Wembley hiper lotado. Inglaterra e Escócia? Me lembro que o jogo era a antítese do futebol que se jogava no Brasil da época. Aqui o jogo era lento, pensado, armado e malicioso; lá em Londres o que vi era um futebol muito corrido, instintivo, sem qualquer armação e levado na empolgação. Chutes do goleiro ao ataque e chuveirinhos, montes de carrinhos, e uma quantidade absurda de gols perdidos. A bola pingava nas duas áreas, sem dono, livre e solta, e ninguém a colocava pra dentro. A bola era matada no joelho, os passes eram rápidos e sempre "pra correr", o meio campo não existia ( parece que descrevo o futebol do Brasil de hoje ). No rosto de cada jogador, em meio aos cabelos sujos, às costeletas mal feitas e as camisas sem patrocinio, havia determinação, vontade de dar o sangue, luta. E risos ( não era futebol Felipão ). Os jogadores riam muito e Hornby diz que o futebol inglês dos 70 é considerado o auge dos cantos engraçados das torcidas. O Brasil todo detestou aquele jogo. Eu adorei cada chutão.
   Desde então, e para sempre, times como Tottenham, Aston Villa, Newcastle e Ipswich Town ( tem time mais inglês que Ipswich Town? ), se tornaram meus times. E principalmente o Arsenal.
   No futuro eu iria ver o Arsenal se tornar um time francês com tipo de jogo francês e resultados à francesa. Mas ainda era melhor torcer pelo Arsenal que pelo hiper-profissional United ou o artificial Chelsea. Havia uma história tosca naquela camisa. Uma torcida de patinhos feios.
   Acho que é isso que tenho pra dizer. E saiba Hornby, que aqui as coisas caminham igual. O estilo próprio do país também foi pro espaço e desde 1982 caminhamos para a "Milanização" de todos os clubes. Nossa opção não foi pelo Ajax ou pelo Barcelona, foi pelo Milan e Juve. Deveria ter sido pelo Brasil mesmo. Assim como fico triste ao ver que o estilo inglês só se mantém em times mais pobres, o estilo Brasil só existe em uns poucos jogadores e nunca em um clube ( o mais brasileiro dos times, o Flamengo, a anos é uma bagunça indefinida entre um passado de toque e classe e um "futuro" à la Grêmio ).
   É isso.
   PS: Vai Arsenal !!!!

1969-03-15 Arsenal vs Swindon Town



leia e escreva já!

NICK HORNBY E O FUTEBOL DO BRASIL

   Estou relendo Febre de Bola de Nick Hornby. É tão bom quanto eu lembrava. Falo do livro inteiro em outra postagem. Esta é só pra falar de um momento do livro. Quem leu sabe, Febre de Bola é um livro em que Hornby divide sua vida ( o livro é uma auto-bio ), em jogos do Arsenal. Cada jogo é um momento em sua vida.
   O Arsenal, um fracasso na década de 60, tem seu espirito. É time tosco, de jogo feio, grotesco, de jogadas ridiculas. Não ia falar disso agora mas falo: que Arsenal é esse? Tem uma hora em que ele diz que o Chelsea era o time dos artistas, a arquibancada cheia de stars, de modelos, de jovens alternativos. E do outro lado o Arsenal, um bando de sujos abnegados. O que quero dizer é: Na globalização existe um Arsenal? Na verdade não se tornaram todos o mesmo? Milans ou Bayerns, todos são times sem espirito. Weeelll..... Como brasileiro, o que me emociona mais é ler o que ele escreve sobre junho de 1970, Brasil x Tchecoslováquia. Transcrevo trechos para voces....
   "Até 1970, quem tinha a minha idade, ou era pouco mais velho que eu, sabia mais sobre Ian Ure que sobre o maior jogador do mundo.  A copa do mundo de 1970 inaugurou uma nova era do futebol. O esporte sempre fora global, no sentido de que ele era jogado em todo o mundo, mas em 1962 quando o Brasil fora bicampeão no Chile a TV ainda era um luxo e não uma necessidade. E em 1966 Pelé fora expulso da copa pelas botinadas dos portugueses. 1970 é na verdade a primeira copa em que se dá o confronto Europa x América do Sul testemunhado pelo mundo inteiro.
   Quando a Tchecoslováquia abriu o placar, David Coleman na BBC comentou: "As previsões sobre o Brasil se confirmam", ele falava sobre a defesa desleixada do Brasil. Nos 80 minutos seguintes tudo o que ouvíamos falar sobre aquele time também se confirmou. Igualaram numa falta batida por Rivellino em que a bola veio descaindo, virando e deslizando ( alguma vez eu já vira um gol de falta? Não lembro de nenhum ). ..... Venceram por 4 x 1, e lá na nossa vizinhança ficamos literalmente assombrados.
   Não foi só pela qualidade daquele futebol, foi pelo jeito como eles encaravam as firulas mais engenhosas e desconcertantes como se fossem tão funcionais e necessárias como um lateral ou um escanteio. .... até a maneira brasileira de comemorar os gols, uma corrida de quatro passos, um pulo no ar, a mão para o alto, era esquisita, engraçada, invejável, tudo ao mesmo tempo.
   ....num torneio que forneceu dúzias de superlativos- o melhor time de todos os tempos, o melhor jogador de todos os tempos, até os melhores gols perdidos de todos os tempos- tivemos duas contribuições próprias, a melhor defesa de todos os tempos ( Banks contra Pelé, claro ) e o melhor e mais elegante desarme de todos os tempos ( Moore contra Jairzinho ). É significativo que nossa contribuição a esse carnaval de superlativos se deva à excelência defensiva, mas não importa- durante 90 minutos a Inglaterra jogou tão bem quanto o melhor time do mundo. Chorei depois do jogo....
    De certa forma o Brasil estragou a festa de todos nós. AQUELE TIME REVELOU UMA ESPÉCIE DE IDEAL PLATÔNICO QUE NINGUÉM, NEM OS PRÓPRIOS BRASILEIROS, SERIA CAPAZ DE ATINGIR NOVAMENTE. PELÉ PENDUROU AS CHUTEIRAS, E NAS COPAS SUBSEQUENTES ELES SÓ MOSTRARAM PEQUENOS LAMPEJOS DAQUELE FUTEBOL, COMO SE 1970 FOSSE UM SONHO SEMI-ESQUECIDO QUE UM DIA TIVERAM DE SI-MESMOS.
   Um sonho semi-esquecido que tiveram de si-mesmos... é preciso que venha um inglês doido por futebol para nos lembrar desse sonho.
   Neste mundo em que só um único time tenta jogar diferente, bonito, voces podem, brasileiros chatos, estar pensando: Ora, não foi tudo isso.... E eu recordo da final com a Itália. Alguém já viu alguma final em que a seleção perdedora, após um 4x1, corre para os adversários, e como fãs pede por favor uma camisa, um autógrafo?
   Nick Hornby, louco pelo Arsenal, lá nos frios bancos da zona norte de Londres, escreveu o que foi uma visão de sonho para ele. Cabe a nós aplaudi-lo.

UMA ESTRELA CHAMADA HENRY- RODDY DOYLE

   Um casal, Melody e Henry têm um filho na Irlanda do começo do século XX. Melody aos 20 anos já parece velha. Miséria, filhos mortos, doenças, ignorãncia. Henry, o pai, é leão de chácara de um bordel. Ocasionalmente ele mata alguém. A arma que ele usa é sua perna mecânica. O Henry filho vai crescer em meio a guerra contra a Inglaterra. Essa é a trama geral deste livro, o mais ambicioso de Doyle, mas não o melhor. Paddy Clarke Ha Ha Ha é bem melhor.
   Mesmo assim este livro, apesa de seus erros, é obviamente obra de um grande escritor. O modo como ele descreve os ambientes tem a marca de bela observação, de humor hiper negro, de argúcia. Por outro lado não convence o modo como os persoangens pensam. Em meio a tanta sujeira e miséria eles pensam às vezes "bem" demais. Pode ser preconceito meu, de repente estou subestimando aquele povo, mas Henry raciocina demais para quem cresceu em tais condições.
   Muita gente se pergunta o porque de a literatura conseguir ser tão forte. Mesmo quando artes como a pintura ou o cinema se mostram em baixa, a literatura continua produzindo bons escritores e bons livros. Me parece que a explicação é a de que o homem tem uma necessidade vital de contar sua experiência, de criar personagens, de narrar. É ao lado da música a mais básica das artes. Mas ao mesmo tempo me incomoda essa falta de sutileza de Doyle, o modo como ele carrega na dor, as descrições de violência, de sujeira, de fedor. Pra que? Pra que repetir mil vezes a desgraça que já conheci, já entendi como foi, já me foi oferecida. Cansa a quantidade de camisas sujas, de mangas imundas e de narizes escorrendo. Isso não é um excesso de sensibilidade minha, é um excesso de bater na mesma tecla dele.
   Entre 1850 e 1900 a Irlanda perdeu um terço de sua população. Desse um terço, metade imigrou para a América, metade morreu de fome. Os irlandeses, vivendo num país sem solo e sem clima ameno, morriam tentando comer casca de árvore e capim. Os ingleses, patrões orgulhosos, estavam ocupados com a India para perder tempo com os "ignorantes e sujos" irlandeses. Este livro revisita esse universo. Mais um a fazer isso. São livros, filmes, músicas, poemas...creio que é chegada a hora não de esquecer, jamais, mas de diminuir a exploração dessa dor. Há o risco de se transformar a luta pela independência numa mera aventura ousada de um bando de "irlandeses doidos".
   Irlandeses não são doidos, não são sujos, não são geniais. São tão somente um povo que nada tinha de seu, que foi subjugado, pisoteado e tentou reagir como podia. Se pareceu doido, era de ira; se pareceu sujo era de fome e se pareceu genial, era uma forma de tentar sublimar a dor de nada ter. Existiram milhares de Henrys e eu acho, em que pese Doyle ser um belo escritor, repito; que eles mereciam um livro melhor.

PEANUTS COMPLETO ( DEVE SER DIFICIL CRESCER NO MEIO-OESTE )

   Vale muito a pena gastar 300 reais na edição da LPM das tiras de Peanuts. São livros em edição de luxo, capa dura, dignos da obra de um dos caras mais influentes do século. Quanto mais eu leio sobre Charles M. Schulz mais eu o admiro. O livro 1 tem uma bio dele e melhor, uma longa entrevista feita em 1987. Apesar da melancolia que sempre o acompanhou, Schulz teve uma vida abençoada.
    Schulz cresceu na era da depressão, em St.Paul, naquele tipo de cenário com muita neve e muito gelo. O pai era um barbeiro, e os pais, que ele sempre adorou, estudaram apenas até a terceira série primária. Schulz cresceu muito inseguro. Sentia-se amado em casa, mas desamparado na escola. Achava-se feio, desajeitado e pouco inteligente. Mas tinha algum jeito em esportes com bola e desenhava bem. Foi office-boy e entregador. Tinha a fama de ser "pouco viril" na rua. Filho único. Então veio a grande tragédia, a mãe, ainda jovem, teve um câncer e ao mesmo tempo ele foi convocado para a segunda guerra. Na véspera do dia em que ele deveria partir, a mãe se despediu dele "para sempre". Schulz embarcou para o front logo após o enterro da mãe.
   O garoto "pouco viril" se destacou na guerra e se fez sargento. Chegou a liderar um pelotão de metralhadoras. Quando voltou aos EUA pensou: - "Se isso não é ser um homem não sei o que será". Publicou sua primeira tira num jornal local, foi despedido!!!! e conseguiu na sequencia ser aceito em New York!!! Chegamos ao trabalho de Schulz....
   Quem gosta superficialmente de quadrinhos não tem a menor ideia da importância de Peanuts ( nome que Schulz detesta ). Ele criou, sózinho, tudo o que se entende por tira de quadrinho moderna. É o primeiro a lidar com crianças como seres complexos, o primeiro a ser desenvolvido e criado em progresso, o primeiro a exibir neuroses, o primeiro a não ter o menor traço de heroísmo ou humor chulo... e poderia ficar até amanhã enumerando as ousadias modestas de Schulz. Mas talvez a principal criação seja a depuração, a extrema simplicidade do traço de Schulz. Todo grande artista almeja a pureza, o refinamento final, a simplicidade que diz tudo. Charles M. Schulz chegou nessa depuração, estágio a que só os grandes conseguem ir. E tudo sem grandes malabarismos intelectuais, Schulz chegou a sua arte pela intuição, pelo faro, fazendo apenas aquilo que desejou sempre fazer.
   Ao contrário de vários mercenários dos cartoons, Schulz nunca permitiu que Charlie Brown crescesse, mudasse ou seguisse os ventos da moda. Sempre fez questão de desenhar todos os cartoons ( Schulz trabalhava só, sem assistentes ), e nos desenhos de TV, exigiu a técnica de semi-animação, o que deixava os personagens iguais aos cartoons ( Charlie Brown se movendo hiper-animado é impensável ). Já bastante doente, em 2000, Schulz continuou desenhando seus cartoons todo dia. Menos em sua última noite. Pela primeira vez em 50 anos ele não conseguiu fazer Peanuts e foi deitar. No dia seguinte, sua última tira, feita um dia antes, foi publicada. Ao mesmo tempo em que essa tira, que ninguém sabia ser a última, estava nos jornais, Charles M. Schulz morria. Era o fim, para sempre, de novas tiras dos Peanuts.
   Recordo de um amigo na faculdade me avisar da morte de Schulz. Fui pra casa e li a matéria no jornal. Lembro com clareza que me surpreendi. Eu imaginava que Schulz ia viver para sempre. Chorei.
   Ele era o tipo de americano, filho de imigrantes, que fez a fortuna da América. Era econômico, idealista, modesto porém muito teimoso, trabalhador incansável ( ele nunca tirou férias em toda a vida ). Ia a igreja, agradecia a Deus por sua sorte, amava os filmes de John Ford e as aventuras passadas em desertos ou em selvas. Ouvia música country e lia Tolstoi.
   Charlie Brown em 1950 é muito diferente daquilo que veio a ser. Linus, Lucy e Schroeder ainda não existiam. Snoopy era magrinho e não pensava. E Charlie tinha um lado violento, adorava tirar uma da cara dos outros. Mas já tinha momentos de total deprê e era um zero nos esportes. Duas frases que eram muito repetidas em 1950 acabaram por ser abandonadas: ele era chamado pelas pessoas de "o bom e velho Charlie Brown", e "Eu também dou minhas risadas", que Charlie falava ao aprontar uma pegadinha com alguém. Nessas tiras uma das inovações de Schulz fica bem nítida, os personagens evoluem, não são figuras acabadas e prontas.
   Eis a primeria tira:
   Shermy e Patty estão na rua. Charlie Brown vem andando. Shermy diz: Lá vem o bom e velho Charlie Brown! No quandrinho seguinte ele repete: Sim senhor! O bom e velho Charlie Brown! No terceiro quadro ele fala novamente: O bom e velho Charlie Brown! E no último quadro, com Charlie já ido, Shermy diz: Como eu odeio ele!
   Falsidade, agressividade, isolamento, ingenuidade, pronto, eis a apresntação de Charlie Brown.
   Na terceira tira nasce Snoopy. Ele anda pela rua com uma flor na cabeça. Patty rega essa flor. Ela murcha. Apenas isso. Ainda não é O Snoopy, o cão que de todos os personagens é o único criativo, o único personagem que imagina saídas, que colore com fantasia seu mundo cinza; mas já é um Snoopy extra-cool, na dele, que tem sua vida de observador reservado das tolices dos outros.
   Em novembro de 1950 vejo a primeira tira que revela todo o gênio de Schulz. Nela, Shermy e Charlie Brown estão sentados na calçada. Nada é dito, eles olham pro chão. Por três quadros ninguém se mexe e ninguém fala nada. No fim, Shermy diz: "É...então....é assim que as coisas são!"   O que mais se pode dizer? Está tudo aí, em oito palavras, em duas figuras paradas. O máximo de concisão, de depuração, a simplicidade sendo atingida no alvo.
   As tiras logo foram adotadas pelos beatnicks, pelos hippies, pelos defensores dos direitos civis. Filósofos começaram a ver milhares de significados em Peanuts, artistas divagavam sobre mensagens ocultas. Snoopy e Charlie Brown se tornaram as duas figuras mais pop do planeta e até à Lua foram enviados ( a Apolo 10 tinha um módulo Snoopy ).  E em meio a tudo isso, Schulz continuou o mesmo. Trabalhando todo dia, rindo dos sentidos que os filósofos davam a toda frase dita pelos cartoons, fazendo a única coisa que ele realmente amava: desenhar.
   Percebo agora, escrevendo isto, que Peanuts também antecipa a infantilização do mundo. É como se hoje o máximo de maturidade que pudéssemos ter fosse aquela de Charlie Brown e Linus. Nas tiras de Schulz jamais apareceu um adulto. E nelas, um cão era rei. Intuitivamente, Charles M. Schulz previu nosso pequeno mundo de crianças/adultos desamparados e neurotizados.
   O que mais alguém deve fazer pra ser chamado de gênio?