Red Hot Chili Peppers - Yertle the Turtle - nozems-a-gogo



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FREAKY STYLEY- THE RED HOT CHILI PEPPERS ( A DÉCADA DE 80 COMEÇAVA A DEFINHAR EM 1985 )

   Eu ouvi muito este disco ( e o seguinte dos caras, o que tem Fight Like a Brave ). Devo ter escutado umas mil vezes em três anos. Mas vamos a uma historieta....
   A década de 80 começou a mil. Em 1980 o que rolava era new wave e ska e deixa eu dizer o que era isso. Ska voce sabe, é aquela delicia, musica pra pular a vida inteira; e new wave nada mais era que um pop adrenalinizado, isso porque após uma bela safra entre 70/74, desde 1975 que a música pop tava uma mixórdia sem tesão e bem deprê. Tinha o funk e o disco, mas tou falando de música de branquelos. Então a new wave recuperava o pop do fim dos anos 60 e dava um mix com a urgência do punk e mais uma dose de cinismo wit. Tudo embalado com luxo e bom humor. Ok? Mas tudo isso durou muito pouco tempo e já em 1983 a coisa tava muito estranha. Um monte de bandas se achava a última bolacha do pacote, ou pior, posavam de salvadores do planeta. Até que...
  Na época eu ainda não tinha preguiça. Lia a Rolling Stone gringa, a Trouser, a Spin e a MM. Andava com um bando de modernetes que amavam se vestir de preto e escutar Bauhaus, Dead Can Dance e Cocteau Twins. Eu e eles viviamos numa hiper deprê de luxo e pensávamos estar em Berlin 1930 ou Tokyo 2030. Até que um dia eu mostrei pra eles o que eu disse ser o "som do futuro". Era o segundo disco dos Red Hot, o tal de Freaky Styley. Eles acharam que eu estava brincando e riram, todo mundo sabia que o som do futuro era Laurie Anderson !!!! E que no ano 2000 todo mundo ia vestir um tipo de terno de plástico com gravata que muda de cor. E vinha eu dizer que o futuro era uma banda de americanos, logo americanos!, que vestiam bermudas e camisetas!!!! E tênis!!! Que coisa mais antiga!!! Ninguém em 2000 irá ser assim!!! Não tenho o menor pudor em dizer: eu acertei povo! Disse que a moda do futuro seria toda baseada naquilo que os skatistas usavam em 1985 e que a coisa mais moderna de então era essa mistura geral, essa geléia de funk com punk com psicodelia e surf; skate com HQ mais rap e solos de guitarra. Riram, pensaram que o que viria seria um tipo de frieza Kraftwerk.
   Freaky Styley me absolveu de meu amor, que continuava em 1985, mas escondido, pelas coisas hippies, pelos doidos de Venice Beach, pelas tatoos e pelos cabelos compridos. O disco explodiu na minha cabeça e me liberou para ser maloqueiro de novo, para ser preto e branco e amarelo, para me jogar. Eles não tinham vergonha, não faziam pose e não tentavam ser artistas. O melhor, não sofriam, celebravam. Eles anteciparam o começo da década seguinte e racharam a geladeira de cristal da década de 80. Com eles, e mais a chegada do rap, a década Armani  começava a terminar. De repente o Duran Duran pareceu muito velho e eu, que aos 19 me sentia com 35, agora aos 21 me sentia com 15.
   George Clinton produziu o disco e de tudo que eles gravaram é de longe o mais negro. Tem até cover de Sly Stone. Flea nunca tocou com tanto groove, suas linhas de baixo são de fazer qualquer um se balançar inteiro. Anthony Kiedis nem tenta cantar, é grito e rap todo o tempo. Eles não fazem balada, nada de violão, e os metais são aqueles de James Brown: Fred Wesley e Maceo Parker. Impossível dizer qual a melhor faixa, mas eu adoro Catholic School, Yertle The Turtle, American Ghost Dance.... Foi ao som delas que grafitei meu quarto, mudei de amigos, voltei a brincar com meu velho skate ( um fracasso ), fui pra rua e crei um grupo de teatro beeeeeem relax na faculdade. Eles tinham atitude e foi com eles que percebi que na história do rock o hype do momento é sempre inglês, mas depois de uma década é na América que as influências sobrevivem. ( De Velvet a Iggy Pop, passando por Neil Young, Talking Heads, MC5, Television, Strokes, Beastie Boys, Nirvana, Pumpkins, Sonic Youth e um vasto etc ), que o rock inglês sempre "parece" moderno, mas o novo sempre vem de uma banda da América que pouca gente conhece.
   Quando chegou 1990 o skate ditava a moda e sexy passou a ser tudo ligado a esportes radicais, então esses mesmos amigos usavam seus tênis Adidas e vestiam camisetas da Quiksilver. Estavam ouvindo Husker Du e Pixies. O mundo dá voltas e eu fazia questão de lhes recordar aquilo que eles falaram de Freaky Styley: que era tosco, brega e "coisa de americanos". Sempre desconfie de bandas modernas eu lhes dizia, de agora em diante o futuro será das ruas e das praias e não mais das cabeças de alguns novos Bowies. O futuro não nascerá no triste quarto de algum artista inocente, mas das coloridas doideiras mestiças das ruas sujas e de portos perdidos. Freakey Styley me anunciou tudo isso e até hoje, em que não mais me interesso por "novas bandas únicas", quando sem querer noto alguma coisa que parece realmente jovem, livre, descompromissada, é ao espírito de Freaky Styley que peço conselho.
   Ouça e pule muito, hoje ele não mais parece original claro, foi copiado por vinte anos, mas sinta o groove, o humor, a mistura de gêneros.... é um clássico, um fertilizador. Enjoy it.

SHERLOCK HOLMES- ARTHUR CONAN DOYLE ( O MUNDO VITORIANO )

   Watson está calmamente tomando chá com sua esposa. Um mensageiro chega e lhe avisa que seu amigo, Sherlock Holmes o convida para ir ao Sussex, desvendar um caso de morte. A esposa permite que ele se ausente e então Watson parte. É ele que irá nos relatar a aventura. As histórias de Conan Doyle, em sua maioria, começam assim. E a cada vez que lemos esse inicio invariável ( já devo ter lido quarenta histórias de Holmes ), sentimos renovado prazer. Porque? Eu não sei e nenhum fã de Holmes saberia dizer.
   Li gente comentar que seria o encanto da Londres vitoriana em seu apogeu. As carruagens, o fog, as pedras no calçamento, as damas em perigo. Outros dizem que é a forma como Holmes desvenda o crime. Ele quase nada faz de físico, raciocina, segue aquilo que é dado, não imagina nada, apenas deduz sobre as bases do real. É um pensamento matemático, hiper-racional. Tudo o que ele olha são números que formam uma equação.
   Eu prefiro crer que o motivo principal do sucesso de Doyle é a criação da personalidade de Sherlock Holmes. Ele é um solteirão que toca violino, fuma cachimbo, aplica cocaína na veia e lê romances vitorianos. Segundo Watson, Holmes é fraco em filosofia, razoável em fisica e excelente em quimica. Com esse perfil, que une rigor e excentricidade, o que nos resta a não ser admirá-lo?
   Descobri seus livros tarde na vida. Só após os 40 anos comecei a ler. O primeiro foi o Estudo em Vermelho. Logo na terceira página o virus já me contaminara: era um Holmesmaníaco. O que me prende não é o desejo de desvendar o crime, não é a escrita clara e simples, elegante, de Conan Doyle, o que me prende é o prazer em estar no mundo de Sherlock Holmes. Eu gostaria de conhecer o grande homem, de ser amigo de Watson e de correr num fiacre com eles. A vida vitoriana, uma ilusão criada após a segunda-guerra, uma ilusão formada de chá quente, poltronas de couro e lareiras acesas, uma fantasia que continua a vender mobilia e filmes de amor, um mundo ideal que foi inventado em contraposição aos horrores reais demais dos últimos 70 anos, esse mundo é que seduz. O mundo vitoriano que nos deu de Peter Pan a Virginia Woolf, de Alice em seu país das maravilhas a My Fair Lady, mundo que pensamos sempre como reino de excentricidade temperada com humor e conforto, seguro. Mundo que nunca existiu ( o mundo vitoriano era na verdade um universo militarizado e silencioso ).
   Sherlock Holmes faz parte desse universo. Lê-lo é comungar dessa fé. E eu digo, se a Londres de 1900 não foi exatamente o que lá está, que me importa? Que se creia na lenda!

Incredible String Band - Keeoadi There



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THE HANGMAN'S BEAUTIFUL DAUGHTER- THE INCREDIBLE STRING BAND ( NO MUNDO SECRETO DAS FLORES )

   Na Londres hype de 1968, Beatles eram tão velhos como Byrds ou Dylan, o que era muito in e só para poucos privilegiados eram os sons obscuros que bebiam nas fontes da canção folclórica das ilhas Britânicas. Essa corrente ia desde o pop meio fool de Donovan Leitch até o Fairport Convention e passava por Caravan, Steeleye Span, Pentangle e por que não? Traffic e Van Morrison. Todos têm em comum o desprezo pelo pop, a vida campestre, o excesso de drogas naturais e o absoluto fracasso nas paradas americanas. E lógico, um bando de fanáticos seguidores em Canterbury, Sheffield e Glasgow. Fãs que se espalharam logo por toda a GB e mais Holanda, Alemanha e França. O que fazia deles impossíveis para países fora da Europa é seu aspecto muito medieval, muito raiz celta, sem nada de africano.
   Dentre todos esses nomes, a Incredible String Band é a mais pura. Ingênua inclusive, hippie. A trilha sonora de 68/72 é ISB. ( Eles inclusive tocaram em Woodstock e ficaram no chão da sala de edição. Foram cortados do filme, como o foram The Band, Johnny Winter, Creedence Clearwater e Grateful Dead. Penso que o que foi cortado é mais excitante que o que restou ).
   Aviso para quem quiser escutar este disco que ele não é nada fácil de ouvir. Todas as canções começam perdidas, vagas, desagradáveis e de súbito, depois de um minuto ou dois, brilham e crescem se tornando maravilhosas. Se existissem ciganos ingleses seriam os ISB. Na capa do disco vemos árvores feias ao fundo num outono gelado. Sentados nas folhas caídas, dez pessoas muito ciganas...ou talvez leprechauns. Veludos sujos, chapéus esquisitos, mantos coloridos, máscaras da Oceania, um cachorro, duas crianças, barbas, cabelos sujos. O som é exatamente isso, rico, uma obra de complexa beleza acústica, quase sem nada de elétrico, plácido, perdido, enigmático.
   Joe Boyd produziu o disco e devo dizer que Boyd produziu tudo de melhor que essa turma acima fez. Em 1985 Joe Boyd produziu o disco mais viajante do REM, Fables of Reconstruction. Michael Stipe sempre foi fã deste album. Vamos ao disco.
   Antes devo dizer que o ISB é formado por Robin Williamson e Mike Heron. Os dois continuam juntos até hoje. Na alma de seu som há sempre uma procura pela pureza. Eles ansiam pela infância, por encontrar a fonte da inocência. Shelley, Keats, Burns podem ser sentidos em seu som, mas William Blake está mais forte nas entrelinhas. O ISB tem a mesma comunhão com a Lua e o profano, e procura saudosamente uma reunião, reencontro com o paraíso. Eles cantam as estrelas, a brisa da noite, a água dos lagos e dos riachos, as névoas da madrugada. É impossível ouvir este disco de dia, ele é madrugada, silêncio, vela acesa, janela sem paisagem, é das sombras, mas sem medo, sem susto, a noite é dos mistérios e os mistérios para eles são bons.
    Koeeadi There é o nome da primeira música. Tensão no inicio, tensão que logo se resolve. Surge a beleza após a dúvida, e depois vem a alegria. A música faz com naturalidade esse circuito: tensão dúvida, beleza e alegria. E então vem o sonho bom. Lewis Carroll habita este espaço. Se voce penetrar este labirinto, cuidado, voce pode não mais sair.
   The Minotaur's Song. É um hino de humor. Maravilhosa, foi usada pelo genial Monty Python como base de sketch. Uma sinfonia hippie espetacular.
   Witches Hat. Começa hesitante, triste, mas então ela brota como vegetal ao som de uma flauta. Outra voz vem ao fundo, tudo começa a girar e a fazer sentido, lentamente a canção se ilumina, torna-se Lua no céu. O que começou vago afirma-se, brotam magias, uma obra-prima doida, uma aula de som acústico.
   A Very Cellular Song. Voce sente o frio. A neve e o gelo. E então voce percebe que é uma canção religiosa! A luz vem em meio ao escuro do frio e da Lua negra. William Blake está aqui. Mas também John Donne. É a velha Inglaterra.
   Mercy I Cry City. Uma afirmação de crença e de força. A alegria desliza, voa em meio a esta música. Vem uma gaita e a musica cai na estrada. Tem algo de festa aqui, de ciranda, de tempo que é celebrado. Linda.
   Waltz On The New Moon. Uma vela na noite. Um local nú. Sombras de árvores na janela. Harpas na canção, e anjos. É uma canção perigosa, ela pode realmente te tocar fundo. Então algo se ergue, a chama da beleza se faz irresistível. Não temo o ridiculo em falar que existem fadas nesta canção, e poesia e flores e sementes alucinógenas.
   The Water Song. Órgão e flauta. Água. Sons de água. Mas nunca o mar. São córregos. Ele canta a água. A fluidez, a cor e o cheiro, que existe, da água. A vida que é sempre e só, a água.
   Three Is A Green Crown. O pecado. Uma prece verde. Como andar sózinho no mato, de noite. Tudo fala com voce, mas voce não quer escutar. As copas são vivas, as folhas falam.
   Swift As The Wind. É a única que não consigo penetrar. Para mim ela estraga a perfeição do disco. Muito oriental ela desanda e quebra a sequência. Mas há quem veja nela a raiz do disco.
   Nightfall. O nome diz tudo. Reflexão. Respiração. Beleza que eleva.
   Este é o disco dos ciganos do norte. Ele é como uma promessa e uma prece. De cristal.
  

LORD JIM- JOSEPH CONRAD

   Teodor Korzeniovski nasceu na Polônia. Sedento de vida, foi à marinha francesa, depois à inglesa. Aprendeu tão bem o inglês que se tornou para muitos o melhor autor moderno da língua. Lord Jim é ao lado de Coração das Trevas seu mais famoso livro. Considero Nostromo o mais fascinante, mas vamos à Jim.
   Em tempos, hoje, de capitão italiano omisso, o mote de Lord Jim vem a calhar. Jim é um jovem inglês que serve como segundo imediato numa velha embarcação. Ela transporta centenas de peregrinos muçulmanos. Numa noite quente e que ameaça chuva, Jim vê a parede do porão do navio ceder, avisa o capitão. O capitão foge com a tripulação em bote, e após titubear, Jim se junta aos fugitivos. Os peregrinos são abandonados a própria sorte. Os náufragos são resgatados, mas quanta ironia! o velho barco não afunda e os peregrinos são encontrados perdidos no mar. Jim e todo o resto vão a julgamento.
  Quem nos conta a história é Marlow, velho marujo que conhece e se apieda de Jim no julgamento. Então, no livro, jamais saberemos dos pensamentos de Jim. Veremos esse jovem personagem pelos olhos de Marlow. Após o julgamento, Marlow faz amizade com esse torturado Jim e lhe arruma emprego. Mas Jim foge desses trabalhos sempre que descobre que seus companheiros sabem de seu passado. Ele é visto por todos como um tipo de tolo, pois seu crime não foi tão grave assim.  Aqui faço uma pausa em minha narração e passo a tentar explicar Jim.
  Jim é um romântico. Típico jovem do fim do século XIX, ele ansia por aventura. Dá a si-mesmo um rigido código de honra, de moral. Na noite do acidente a vida lhe pega desprevenido. Diante da morte ele fraqueja e foge. Jim desde então não pode mais viver. Ele se encolhe e passa a perceber que não é aquilo que gostaria de ser. Pior que isso, ele é algo que ele despreza. Lord Jim joga com várias ideias perturbadoras: a vida como barco sem rumo, a alma como depósito de escuridão insuspeita, nosso próprio ser como algo desconhecido a nós mesmos.
  A longa cena do naufrágio é a melhor do livro. Conrad, mestre do sutil, mostra nuvens negras, ferrugens, lamentos, ondas, orações, somos envoltos no medo, na escuridão, no buraco. Pois bem... quando é julgado, Jim irrita e surpreende a todos. Ele deseja punição. Toda a tripulação parte para longe, cinicos, na tentativa de reerguer a vida. Não Jim. Jim carrega a vergonha.
  Na parte final, Marlow lhe arruma um dos piores trabalhos possíveis ( Jim quer o pior ), administrar os negócios de um tal de Stein numa ilha isolada no Indico. Em meio a nativos hostis, enfrentando um encarregado traiçoeiro, Jim, estranhamente conhece a paz. Lentamente ele se torna um tipo de lider das tribos, de figura tabu, de grande irmão branco. Encontra inclusive o amor.
  Mas Conrad é sempre um pessimista e na figura de um ambicioso ladrão europeu, o destino encontra Jim. Seu mundinho isolado e perfeito se desmorona, mas não ele. Quando morre Jim está redimido. Ele purgou sua culpa, se esquece do que errou.
  Joseph Conrad escreve aventuras, sempre. Ele conhece aquilo que narra. Conhece o mar e sabe o efeito que ele causa nos homens. Sabe onde ficam as ilhas, as correntes e como são os portos. Ele viu vários Jims e vários Marlows. Mas, apesar de narrar uma aventura, seu texto nunca é fácil. Conrad é um estilista, se exibe. Seu texto se enrola em pensamentos, em abismos de ideias, em descrições de estados de alma. Não é do tipo de autor que descreve salas e paisagens; é do tipo que disseca motivações e medos. Por isso seus livros pouco se prestam ao cinema. Popular como é, ele foi pouco filmado. Apocalypse Now de Coppolla só muito de leve é Coração das Trevas, e há um Lord Jim de Richard Brooks com Peter O'Toole que já assisti e não gostei. ( Pauline Kael dizia que em Lawrence da Arábia O'Toole fizera Lord Jim ).
   Ler Conrad é sempre uma experiência profunda. Ele nos coloca dentro de Marlow e ao lado de Jim. Estamos no barco que parecia afundar, vivenciamos aquele engano. Juro que senti cheiro de mar enquanto o lia.

TYRONE POWER/ HENRY FONDA/ ROBERT RODRIGUEZ/ JERRY LEWIS/ BRUCE WILLIS/ DEANNA DURBIN/ RED DOG/ LANTERNA VERDE

   PRIMEIRO AMOR de Henry Koster com Deanna Durbin e Robert Stack
No começo da década de 30 todos os estúdios de Hollywood, com excessão da MGM, estavam no vermelho. Reflexo da crise de 29 e dos salários absurdos dos deuses do cinema silencioso. A Paramount, que foi a companhia mais ameaçada, foi salva graças a De Mille e aos musicais de Jeannette MacDonald. A Warner se salvou com seus filmes de gangster com James Cagney ou Edward G. Robinson, a Columbia se safou com os filmes de Frank Capra, a Fox com westerns baratos e temos a Universal que deveu sua salvação a filmes de monstros, tipo Drácula e Frankenstein e a descoberta da estrela juvenil Deanna Durbin. Eu nunca havia visto um filme dela, este é meu primeiro. Deanna me conquistou só com um olhar. Ela não é bonitona ou glamurosa, é comum, banal, simples, mas é simpática. O que a define é uma simpatia doce, sem nada de forçado, anti-artificial. Voce olha pra Deanna e sente uma imensa vontade de a proteger. Dizem que foi ela quem criou essa coisa chamada de "teen americana", que antes dela adolescente era pequeno adulto. Não sei e não creio muito nisso. O que interessa é que este filme, uma atualização da história de Cinderela, é muito agradável, gostoso de ver, encantador até. Ele é como um bom sofá, uma lareira, um amigo, nos dá paz, tranquila fruição. Existe algum tipo de filme hoje que ainda procura ser essa coisa calma, plácida e feliz? Deanna Durbin foi uma das maiores estrelas dos anos 30. Começou aos 14 anos sempre em filmes que exibiam seus dotes vocais ( ah, ela canta divinamente ). Quando começou a ficar adulta teve a inteligência de largar o cinema, casou-se e foi morar na França. Viveu mais de 90 anos, e espero que tenham sido anos muito felizes. Deanna mereceu. Nota 7.
   DÚVIDAS NO CORAÇÃO de Sidney Lanfield com Tyrone Power e Sonja Henie
No cinema hiper pop dos anos 30, quando surgia um campeão do esporte logo se pensava em transformá-lo em star. Assim foi com Weissmuller como Tarzan, com Buster Crabbe como Flash Gordon, Esther Willians e suas piscinas musicadas e com a campeã de patinação Sonja Henie, uma norueguesa muito má atriz, mas que por ter uma imagem tão sorridente e pouco pretensiosa, deu muito certo por alguns anos. Aqui ela é uma professora que sem querer se torna uma estrela do cinema. O legal do filme é que ele mostra o processo de construção de uma estrela: os romances forjados, a falsidade das biografias. Tyrone Power ao contrário de Sonja, foi uma estrela no cinema do começo ate´sua morte nos anos 50. Tyrone era um ator apenas razoável, mas era bonito, elegante e podia tanto ser um industrial de Boston como um cowboy do Texas. Seu rosto, meio latino meio irlandês ( na verdade ele era totalmente irlandês ), comportava uma gama imensa de caracteres. Aqui, bastante jovem, ele faz um tipo que James Stewart faria alguns anos depois, o jovem ambicioso e atrapalhado que se revela um bom coração. Um filme que se deixa ver, exemplo da linha de produção dos anos 30/40. Nota 6.
   BLOQUEIO de William Dieterle com Madeleine Carroll e Henry Fonda
Fonda tinha uma caracterísitca que às vezes me irrita: ele era sério demais. Parece que tudo nele tinha de ser relevante, comprometido, nobre. Em filmes como O Jovem Lincoln ou Consciências Mortas esse modo de Henry Fonda ser, casa a perfeição com a obra. Mas em outros filmes esse seu jeito bom demais, correto demais parece fora de lugar. Este filme, uma bagunça esquisita, uma produção sem rumo, que fala sobre a revolução espanhola, é muito desagradável. Madeleine, que era um atriz deliciosa, é uma espiã dos fascistas, Fonda é um comunista que luta pela  causa. O filme, feito durante a própria revolução, termina com um apelo ao mundo. Fonda se volta ao público e pergunta: Onde está a consciência do mundo? A mensagem do filme é clara, o mundo deixou que a Espanha fosse massacrada, mal sabia o mundo que a consequencia seria Hitler. Que a Espanha era um campo de treino para o exército nazi. Mas em que pese sua visão e o fato de Dieterle ser um ótimo diretor, as coisas aqui são tão sérias e tão politicas que a diversão vai pro espaço. Nota 4.
   O QUINTO ELEMENTO de Luc Besson com Bruce Willis, Gary Oldman, Chris Rock, Ian Holm e Milla Jovovich
Claro que já vi este filme N vezes. E após alguns anos o revi nesta semana. E mais uma vez me diverti. É uma comédia juvenil ao estilo dos seriados bobos dos anos 40. Nada é sério e tudo é uma fantasia sem compromisso com nada. Toda produção de HQ deveria ter este espírito. Besson dá um belo visual cafona a tudo, é um futuro colorido, gay, festivo, purpurinado. Gaultier cuidou do visual e se percebe em sua mistura de cafonice com luxo tecno espacial. Os efeitos digitais aqui ( 1995 ) ainda não haviam dominado toda a produção, então há algo de humano neste mundo brilhoso. Bruce Willis sabe unir tudo, sabe ser engraçado e heróico ao mesmo tempo. Ele tempera o filme com olhares de ironia e atitudes de bronco. Inteligente, ele sempre foi um ator muito mais inteligente do que os críticos perceberam. Chris Rock faz um DJ baseado em Prince. Comediante maravilhoso, até hoje ninguém entendeu porque sua carreira não engrenou. Talvez ele seja amoral demais. Asssistir este filme bobíssimo é como ver um grande desfile de escola de samba ou um belo jogo de futebol, uma baita diversão. Nota 7.
   MOCINHO ENCRENQUEIRO de Jerry Lewis
Um amigo escreveu reclamando da critica que fiz a Jerry postagens atrás. Acho que não deixei claro que gosto muito de Jerry. Cresci vendo seus filmes na TV. Tardes em que eu, meu irmão, minha mãe e minha tia chorávamos de rir vendo seus filmes. Para mim, então, os criticos franceses estavam certos, Jerry era um gênio. O cara produzia, escrevia, interpretava um ou dois filmes por ano, e sempre era engraçado. Os americanos iam ver seus filmes, mas achavam risivel os franceses, Jerry na América era apenas um humorista, jamais um gênio. Pois bem, vendo seus filmes agora percebo que as duas visões são corretas e erradas. Jerry não era apenas um humorista, era um muito criativo cineasta. Seus filmes são criações de uma mente original. Então, sim ele é um autor. Mas ao mesmo tempo ele erra muito. Demais até, e piadas que poderiam ser excelentes são estragadas por sua ambição sem freio. Minha critica é a de que Jerry hoje não tem graça, mas, sobrevive como um diretor original e cheio de boas ideias. De qualquer modo, este filme, sobre um empregado de estúdio de cinema, nos dá a chance de ver a Paramount em seus interiores e tem ao menos uma piada hilária, a cena no elevador é muito boa. Nota 6.
   RED DOG de Kriv Stenders
Nos anos 70 um cão se tornou famoso no norte da Austrália. Era um cão sem dono, que vagava por meio continente e que era adotado por toda cidade. Essa história real foi filmada em 2010, produção australiana que ganhou prêmios locais. É óbvio que não passou no Brasil, mas vale muito a pena baixar. Todo mundo sabe que sou louco por cães. Mas me revolta a ruindade da maioria dos filmes com cachorros. Eles humanizam os bichos, fazem com que eles falem, tenham expressões faciais de humanos, se tornem crianças espertas ou pior, santos sofredores. Não é este caso. Red Dog é todo o tempo um cão. Nada de gracinhas, nada de olhares de gente. O filme, passado entre mineradores do sertão, é como cinema um filme muito bom. E em seu final, sem apelar muito, é profundamente emocionante. Não me recordo de filme com cachorro melhor que este. É ao mesmo tempo um filme estradeiro, uma comédia sobre broncos, uma descrição de uma região do mundo que ninguém conhece e uma lição sobre amizade. Adorei. Nota 8.
   O INCRIVEL HOMEM QUE ENCOLHEU de Jack Arnold
Clássico cult de sci-fi. Baseado num conto de Richard Matheson, acompanhamos a saga de  um homem que ao sofrer radiação no mar, começa a encolher dia a dia. O filme é muito, muito triste. O desespero do pobre sujeito nos desespera. Não há cura e ele se torna um anão, um boneco e logo um inseto. Até o final do filme, belissimo, em que ele chega ao nivel das bactérias e encontra a paz. Dá sim pra chamá-lo de pequena obra-prima. Não faz a menor concessão, nada ali pode o salvar. Filme barato que é hoje um dos gigantes de seu tempo. Nota 9.
   WINTER, O GOLFINHO de Charles Martin Smith com Harry Connick Jr., Ashley Judd, Kris Kristoferson e Morgan Freeman
Smith foi ator nos anos 80, Conta Comigo por exemplo. Tem se revelado um muito bom diretor. Sensível sem nunca parecer apelativo. É outra história veridica. Aqui é sobre golfinho ferido que é ajudado por equipe de aquário na Flórida. Há menino timido que encontra seu lugar no mundo, mãe abandonada, doutor bonachão. Tudo cliché, mas nada disso atrapalha a beleza das imagens e o encanto da história. O golfinho verdadeiro está vivo e pode ser acompanhado pela internet. A proteção animal é uma das melhores coisas do nosso mundo tecnológico. Se voce tem filhos este é o filme certo! Nota 7.
   LANTERNA VERDE de Martin Campbell com Ryan Reynolds
Vou falar do porque dos efeitos digitais me incomodarem. Vejo um stuntman dirigir um carro num filme. Me emociono e fico ligado. Vejo um carro digitalizado correr, não consigo atingir o mesmo nivel de adrenalina, Porque? Preconceito meu? Tenho uma teoria. Quando vejo uma cena de luta em filme chinês, ou Statham numa cena de carros, sei que ali há um limite. O limite humano. E a emoção está em ver até onde vai esse limite. Mesmo que existam efeitos digitais ali ( e os há ), a ênfase é na habilidade do homem. Existe suspense porque existe um limite. Isso não ocorre, nunca, em filmes cem por cento em digital. Tudo pode acontecer, e se tudo pode acontecer não existe um limite a ser desafiado. Em Os Eleitos, obra-prima de Philip Kauffman sobre entre outras coisas aviões, vemos Chuck Yeager voar. Ele sobe e sobe e sobe e nosso nervos enlouquecem. Aqui sabemos que o piloto Hal Jordan pode voar até o sol, e daí? Ele pode vencer um destruidor de mundos como quem dá um chute numa bola.  O bom do filme é o visual do espaço, mas o que dizer de uma aventura sem emoção? E ainda com todo aquele cliché de herói que se humaniza, de bandido que é enlouquecido pelo poder, de menina que ama o cara mas não admite isso....quantos bocejos!!!! E de humor, de fantasia pura, de inesperado, nada.... Nota 2. ( há piores ).
   A BALADA DO PISTOLEIRO de Robert Rodriguez com Antonio Banderas, Salma Hayeck, Steve Buscemi, Quentin Tarantino, Joaquim de Almeida e Danny Trejo
Adoro Robert. Adoro a trilha sonora, adoro as cores, as mulheres, a loucura, o humor escrachado, a atitude rocknroll. E adoro esse lado humorista de Banderas, um ator que nasceu para ser engraçado e que pouco encontrou papéis a sua altura. Ele pode fazer uma coisa que é das mais dificeis, ser engraçado e ao mesmo tempo sedutor, ser ridiculo sem perder a elegancia. Nesta terceira revisão o filme me lembrou muito Yojimbo de Kurosawa. Aliás, acho que Yojimbo se gravou no sub-consciente de Rodriguez e Tarantino. Salma nunca esteve tão bonita e o filme é uma deliciosa diversão. Explosão de sangue, elegancia e muito sol. Nota 7.
  

Rod Stewart - Mandolin wind (live).avi



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GASOLINE ALLEY- ROD STEWART ( MULHERES, VIOLÕES E CHEIRO DE GASOLINA )

   Em 1970 Rod Stewart vinha marcando passo como uma jovem promessa que não conseguia estourar. Este é seu segundo disco solo e sómente em 1971 ele subiria ao topo com Maggie May, das poucas canções inglesas até 2012 a ficar em primeiro lugar na Inglaterra e nos EUA ao mesmo tempo. ( Muitos ingleses foram top nos dois países, mas não ao mesmo tempo. Como exemplo da época, Rocket Man de Elton John foi top 1 nos dois países, mas foi primeiro na Inglaterra em fevereiro de 1972 e nos EUA em agosto do mesmo ano ). Gasoline Alley é então o segundo disco de Rod a não dar certo. Paralelamente ele seguia nos Faces, banda que nunca deu certo em tempo algum ( falo em termos de vendas. The Faces eram do cacete!!!!! )
   Alley abre com a faixa Gasoline Alley e já arrepia em coisa de dois segundos. É violão e uma slide-guitar, puro clima de ruela suja e vazia, úmida. Rod dialoga com esse lamento da guitarra de Ron Wood. É tão sómente e apenas isso, um lamento, mas QUE lamento! Para esse tipo de canção sobre a dor é primordial ter convicção e voz. Por incrível que pareça, o Rod pobre e jovem tinha muuuuita convicção, tinha alma e tinha tesão. A voz voce conhece, com vinte e cinco anos de idade ele podia mover montanhas ou abrir o mar com um simples murmuro.
   It's All Over Now é uma festa na garagem, apenas o bom rocknroll de sempre. Mas a diferença é que a bateria soa como cavalo louco e os erros não são polidos. O disco inteiro tem um jeito de ensaio, de deixa rolar. Estamos longe da pasteurização.
  Nick Hornby naquele seu livro sobre canções favoritas diz que Rod não pode ser um completo babaca, pois ele gravou uma música de Dylan melhor do que qualquer outro cara. Não me lembro se a tal canção de Dylan é Only a Hobo, mas pode ser. Onde Dylan fez um lamento country crispado, Rod Stewart faz uma obra-prima de folklore britânico. A canção é levada ao interior da Escócia e ao escutá-la voce vai se sentir numa encruzilhada escura, com frio e sem saber pra onde ir. Há aqui beleza imensa, a beleza que justifica todo ato, a beleza que dura. Só isto vale uma carreira.
  My Way of Giving é dos Small Faces. Uma canção pop mal ensaiada e levada na empolgação, mas daí vem Country Comforts.
   Em 1970 existiam mais dois ingleses que não conseguiam estourar: David Bowie e Elton John. Elton escreveu esta Country Comforts. Uma balada que leva nossa imaginação pra longe. Não me lembro quem disse que o período entre 70/75 é o auge da canção dita romântica. É quando cantar amor perdido ou amor encontrado era fashion. Nesse ramo, Elton foi catedrático. Esta canção, estupenda, demonstra. Tem um refrão que nunca mais voce vai esquecer.
   Eu podia ficar um ano falando sobre Cut Across Shorty. É das minhas cinco canções favoritas. Uma sinfonia que usa apenas três violões, um baixo e um violino e mais uma bateria ensandecida. Ao final, Ron Wood detona um solo elétrico de matar. É uma música estranha, ela é vazia, oca, e ao mesmo tempo tem muita raiva, tem medo e é uma fuga. Mistura um tipo de romantismo século XVIII com puro e verdadeiro rocknroll. É profundamente adolescente em sua angústia e tem a alegria de um desafio. Musicalmente é um monumento ao som acústico, o modo como a bateria entra no inicio da canção é das coisas mais emocionantes já gravadas. Ouvi-la ao volante é sempre um prazer, um hino a liberdade. Mas ela é tanta coisa mais, é o rosto de uma menina ruiva, é carona na chuva, é uma faca enferrujada, é grito e é sol que nasce.
   Lady Day é uma pausa sweet. O disco todo tem pequenos detalhes inventivos que nos seduzem. Aqui, por exemplo, há esse violino que surge ao fim da canção que a modifica e a faz crescer e brilhar. Jo's Lament traz a síntese do disco: uma elegia acústica a beleza da voz, a alegria de se tocar, a eternidade do amor. É linda. E ao final You're My Girl, fecha o disco em clima de garagem e de bateria solta e a mil.
   Gasoline Alley em seu tempo foi um fracasso de vendas. Ninguém percebeu seu lançamento. Rod continuava a ser apenas o ex-cantor da banda de Jeff Beck. O tempo, único crítico infalível lhe fez justiça. Gasoline Alley continua brilhando e muito vivo.

AS MIL E UMA NOITES, O PRAZER DE ESCUTAR

   Imaginemos que não exista mais TV. Nem rádio, jornal e revista. Que todos os livros foram apagados e que a internet esteja extinta. Que todas as narrativas que acompanhávamos nesses meios se foram. Poderíamos sobreviver sem história nenhuma? A vida ainda seria "A Vida" se não mais fosse acompanhada como história? Se TV, rádio, imprensa e livros fossem um nada, mesmo assim continuaríamos necessitando de algum tipo de conto, de história, de narrativa. Imediatamente todos nós iríamos à fogueira para ouvir alguém contar seu conto. Provávelmente ninguém teria a habilidade de capturar nossa atenção, mas com o tempo esse hábito, mais que um hábito, essa necessidade humana voltaria a ser o que era nos tempos pré-imprensa. 
   Em que pese o maravilhoso e a criatividade sem fim das Mil e Uma Noites, o que esse monumento à mente do homem diz com mais força é o fascínio que aquele que sabe narrar exerce. Amamos quem conta a façanha do herói tanto quanto esse herói e nos enfeitiçamos por aquele que narra a história de um feitiço.
   As Mil e Uma Noites não tem um autor. É uma compilação de histórias. De onde vieram? India, Pérsia, Iraque ou Egito? Quem sabe.... o que se pode dizer é que foram colhidas por volta do ano 900 e vieram à Europa no século XVII. Logo se fizeram febre, moda, uma descoberta e uma influência. Lê-las hoje, 2012, é acima de qualquer outra consideração, um prazer. Porque? O que há de tão prazeroso nessa montanha de lendas?
   Um rei é traído por sua esposa. Desgostoso, ele resolve se vingar do gênero feminino sacrificando uma mulher por dia ( após passar a noite com ela ). Scherazade arquiteta um plano: contará a cada manhã uma história para esse nobre. Ele irá poupá-la, pois irá sempre desejar saber o que virá a seguir. Esse motivo, essa parte da obra todos conhecem. Mas a grande surpresa vem quando começamos a ler aquilo que Scherazade diz. Assim como o pobre rei, ficamos completamente nas mãos da bela mocinha. Precisamos saber onde termina aquela história, e quando ela acaba já estamos enredados na próxima.
   A artimanha usada por Scherazade é brilhante. Os contos são curtos, mas eles vêem enredados em histórias dentro de histórias. Por exemplo, se um homem encontra um pássaro numa floresta e esse pássaro se revela um emir da India, saberemos aquilo que esse emir tem a dizer, e dentro do conto desse emir virá outro conto contado por um personagem desse novo conto. São como caixas dentro de caixas dentro de caixas. Uma lenda leva a uma história que contém um conto e que enseja uma anedota. Mas tudo isso seria mera técnica se não fosse o brilho fértil de suprema criatividade.
   Tudo nessas narrativas são surpresas, Nada há de esperado, cada ato é uma invenção. As pessoas nunca são aquilo que parecem ser, os lugares se transformam sem parar, cada caminho leva ao horror ou ao maravilhoso. Ficamos deliciados, surpresos, admirados e ansiosos por mais e mais. Queremos que ela jamais termine sua narração. Precisamos de Scherazade.
   Livros canônicos são os mais dificeis de escrever sobre. Os elogios se tornam óbvios, falar de seus possíveis defeitos se torna pedante, ou pior, ataque gratuito. Como falar algo de relevante sobre Shakespeare, Cervantes ou Dante? E o que posso dizer mais sobre As Mil e Uma Noites? É um monumento à criatividade humana, ao maravilhamento, portanto à vida. Ler esse livro não é apenas "ler um livro", é como ter nas mãos um fenômeno da natureza, uma obra que não foi feita por um homem, uma obra que, assim como o mar ou as nuvens, sempre existiu.
   O que é, afinal, a principal característica da obra canônica. Ela nunca parece ser de uma época ou de um autor. Ela sempre parece ter se auto-escrito, sido parte dos homens desde quando eles se fizeram homens. É como se ela fosse o código genético do espírito, da inteligência, do saber.
   E se Hamlet ou Lear são o código genético da inteligência humana, As Mil e Uma Noites são o código da criatividade, do poder da imaginação, da criação sem fim. Que seja uma mulher a depositária desse dom maravilhoso, e que ela conquiste o rei não por sua beleza, mas sim por sua fertilidade mental, muito pode ser dito. Ela vence não apenas um homem, ela vence sua morte, vence a lei e derrota a vingança e o ódio. Com a simples habilidade de imaginar, fixar e contar. 

The Ultimate Steve McQueen Song



leia e escreva já!

STEVE MCQUEEN, O REI DO COOL ( O VERDADEIRO INVENTOR DO QUE CHAMAMOS DE HERÓI )

   No documentário que vi ontem sobre Steve,  há o depoimento de várias pessoas que trabalharam com ele. Lawrence Kasdan nunca teve essa honra, mas, representante da nova geração, ele diz que TODOS os atores de filmes de ação de agora estudam BULLIT, filme de 1968 com Steve, estudam BULLIT centenas de vezes. Eles estudam o modo como Steve olha, o jeito de abrir a porta de um carro, a maneira de andar, de ouvir, e principalmente: como ser cool. De Daniel Craig a Hugh Jackman, de Jason Statham a Clive Owen, todos têm Bullit como sua Bíblia.
   Voce podia achar que esse cara fosse Clint Eastwood. Mas não é. Eu sou louco por Clint, então posso falar com conhecimento, Steve McQueen era um Clint melhor. Melhor como ator. Clint sempre parece falso. Há algo de irônico nele que o distancia de seus filmes, ele se torna frio demais. E além disso, seus momentos de raiva sempre parecem exagerados, quase caricatos. Mesmo assim Clint é sempre uma estrela, um carisma dos velhos tempos, do tipo Gregory Peck ou Gary Cooper. Steve ( e ambos nasceram no mesmo ano, 1930, se vivo Steve teria a idade de Clint ), era mais moderno. Ele nunca parece um ator da velha Hollywood, ele sempre nos lembra que estamos vendo alguém pós-Brando. E quando ele entra na tela a coisa explode. Seus olhos saltam do filme e invadem a sala. Steve McQueen entra em cena e não tem pra mais ninguém, ele roubou cenas de astros como Paul Newman, Frank Sinatra, Dustin Hoffman e Yul Brynner, sem abrir a boca, apenas estando em cena, sem fazer nada, sendo cool.
   A palavra cool, assim como a palavra elegância, tem sido raptada pela midia e transformada naquilo que o produto requer. Mas em sua verdadeira acepção, cool é Steve McQueen em THE GREAT ESCAPE ( cujo personagem se chama Cooler ). É o cara calado, só, que se fode e não perde a pose. Voce pode bater nele, prendê-lo, pressioná-lo ao máximo que ele vai se manter frio, não vai perder a postura. Mas a isso, Steve McQueen adicionou a sensação de que a qualquer momento ele iria explodir. Mas, e é isso que faz dele o rei do cool, essa explosão JAMAIS acontece.
   Ele foi rejeitado. Nasceu em interior pobre filho de mãe solteira. A mãe deixou-o com um tio e se mandou. Depois ela voltou quando ele tinha 15 anos. Steve roubou um carro e a mãe o delatou deixando-o numa instituição de correção. Aos 18 ele foi para os Fuzileiros Navais, experiência que ele adorou. Lá, conseguiu uma bolsa de estudos para qualquer curso que escolhesse. Ele escolheu o curso de teatro, porque era lá que as mulheres estavam. Vivendo em New York, livre, Steve arrasou. Ele transava com todas as mulheres que desejava. Mas logo conheceu uma bailarina ( Nelie ) que foi sua primeira esposa e mãe de seus dois filhos. No inicio muito mal ator, Steve aprendeu a olhar, a escutar, a usar seus olhos perturbadores. Entrou numa série de Tv e lá se tornou O Cara. No cinema, após várias figurações, faz um sci-fi cult ( A Bolha ) e num filme com Frank Sinatra, em papel pequeno, rouba a cena. ( Frank gostou dele, não se importou de ter seu filme roubado. Foi o encontro do rei do cool ( Steve ) com o inventor do cool ). Em 1960  veio outro papel pequeno, e outro filme em que todos só olhavam pra ele. E em 63 THE GREAT ESCAPE, um dos 3 filmes favoritos de Tarantino, e o evento que fez dele o ator mais famoso dos anos 60. Em meio a Paul Newman, Warren Beaty, Brando, Sean Connery, Peter O'Toole e Richard Burton, quem dava as cartas era Steve.
   Brilhou então em THE CINCINATTI KID, talvez o melhor filme sobre poker já feito, em NEVADA SMITH e no CANHONEIRO DO YANG-TSÉ. Em 68, Bullit. BULLIT é o filme de ação que cria o moderno filme de ação: poucos diálogos, história irrelevante, herói quase antipático, nada de gracinhas, aspecto de sujeira nas ruas e nos sets. Toda a ênfase vai para o clima e para as explosões de adrenalina. O filme, maravilhoso, tem a mais mítica das cenas de perseguição de carros e Steve está no auge de seu talento. A gente fica hipnotizado por ele.
   Em seguida veio Sam Peckimpah e o começo do fim. Drogas, sexo e bebidas. Steve rouba do dono da Paramount "apenas" a esposa. Ali MacGraw vinha do sucesso de Love Story e formava com Robert Evans o casal mais poderoso de Hollywood. No filme de Peckimpah ela e Steve se apaixonam. Foram morar juntos. Evans nunca se recuperou. E Steve ainda fez PAPILLON, onde rouba o filme do grande ladrão de filmes Dustin Hoffman ( Steve adorou Dustin. Achava-o o cara mais esquisito do mundo ), e INFERNO NA TORRE, onde a vitima de seu carisma foi Paul Newman. Dois big sucessos.
   O casamento com Ali durou apenas 5 anos. Em 1976 ele se casou pela terceira e última vez. Perdeu o interesse pelos filmes, se isolou com a familia ( familia é o que ele sempre desejou ter ). Em 1980 morreu de câncer. Eu ainda lembro da noticia no Jornal Nacional dada por Cid Moreira, em Outubro. Uma longa matéria sobre Steve.
   O cinema dos anos 80 perdeu Steve McQueen. Talvez ele tivesse feito filmes com Clint Eastwood, com Harrison Ford ou Eddie Murphy ( roubaria todos os filmes ). Certo é que quando morreu ele tinha a proposta de fazer RAMBO. Sim, esse filme poderia ter sido feito por Steve, o que faria do personagem uma coisa totalmente diferente. Steve McQueen, se vivesse tanto quanto Clint, estaria aqui hoje. Tarantino poderia o escalar, não precisaria tentar fazer de Travolta ou de Carradine aquilo que eles nunca foram. E o desenho CARROS poderia ter o personagem McQueen feito pelo próprio.
   Não falei da paixão de Steve pelas motos e pelos carros, de como ele adorava voar com essas motos e viver sempre no limite. Deixo a fala final para seu filho: "Meu pai viveu 50 anos. Cinquenta que na verdade foram cem."  De órfão a delinquente juvenil, de bad boy conquistador a doido dos anos 60, de super estrela do cinema a fazendeiro, de piloto de moto ( ele disputou provas ) a playboy, Steve McQueen foi várias coisas e sempre foi ele mesmo. O rei do cool.