TRÊS CONTOS- HENRY JAMES

OS QUATRO ENCONTROS. James, dentre outras coisas, é o grande autor da impotência, dos planos que dão em nada. Neste conto, o narrador encontra moça que sonha em conhecer a Europa. Isso é uma obsessão para ela. No segundo encontro ela está na Europa e os outros dois encontros prefiro não os contar. James, mestre supremo, leva a história com sua costumeira sutileza, logo visualizamos o narrador, a moça, o ambiente e os outros três personagens decisivos. Uma frase de James exibe sua argúcia: " As pessoas viajam, a maioria, não para encontrar algo de novo, mas apenas para confirmar o que já sabiam."
O DISCÍPULO mostra o lado quase gótico do genial autor anglo-americano. Um professor se envolve afetivamente com jovem aluno e acaba por ser explorado pela decadente família "nobre" do tal aluno. Aqui surge outro aspecto de James, o enredamento da vida, o modo como nos vemos em situações insolúveis sem saber como entramos nessa cilada. Sentimos grande desconforto ao ler esse conto, nos revolta a mansa passividade do professor. Mas é o menos memorável conto do livro. O mais perfeito é O MENTIROSO, uma curta obra-prima de elegante prosa. Fala de um famoso pintor, que em jantar reencontra uma ex paixão. Ela está casada com simpático coronel, homem famoso por seu vicio: a mentira. O narrador passa o conto tentando descobrir se a esposa do mentiroso partilha seu vicio. Aqui é demonstrado outro talento de Henry James, o estilismo, a escrita refinada, bem pensada, cuidadosa. Essa habilidade do autor se transfere ao leitor em prazer de ler. Ninguém me dá maior prazer em leitura.
Bela introdução para novos possíveis leitores desse mestre das letras. Usufrua.

KIAROSTAMI/ BINOCHE/ DEPARDIEU/ BECKER/ GROUCHO/ SCORSESE/ CLAIR/ DASSIN/ ROSSELINI

CÓPIA FIEL de Abbas Kiarostami com Juliette Binoche e Willian Shimell
Eric Rhomer ( de quem gosto ) fez filmes em que as pessoas falam e "nada acontece". Mas Rhomer tem um segredo: seus personagens são gostáveis. Torcemos por eles. Um americano ( quem? Linklater? ) fez um filme em que um casal conversa. É uma versão teen de Rhomer. Aqui temos Kiarostami fazendo uma versão adulta de Linklater ( se não for Linklater, sorry... ). Binoche continua bonitona. Shimell é ok. Mas o filme é um pé no saco! Motivo: os dois são detestáveis! O crítico de arte é de uma frieza nojenta e Juliette faz a típica divorciada amarga. São reais? Sim, são. O jogo de ocultamento/revelação é bem sacado? Sim, é. Mas e daí? Tudo se perde ( inclusive uma atuação perfeita de Binoche ) numa antipatia, uma chatura insuportável. Quando o personagem feminino desaba ao fim do filme, tudo de pior num relacionamento e num certo tipo de cinema cabeça vem a tona. É duro! Mas vale uma notinha pela atuação de Juliette. Nota 3.
DUCK SOUP de Leo McCarey com Margaret Dumont e os Irmãos Marx
Após o porre de sentido, de relevância e de seriedade vazia de Kiarostami, nada como a falta de senso de Groucho, Chico e Harpo para nos salvar. Este é o filme "politico" dos Marx. Freedonia que é governada por Groucho e entra em guerra "porque o campo de batalha já foi alugado". Amar os Marx é saber que viver é não fazer sentido. Nada neles faz sentido, nada. Seus filmes são carnavais sem enredo e comissão de frente. Duca! Nota DEZ!!!!!!!!!!!!
QUEM BATE A MINHA PORTA? de Martin Scorsese com Harvey Keitel
É o primeiro filme de Martin. Começou a ser filmado em 1965, e foi encerrado só em 68. Todo o seu estilo já está aqui: câmera em movimento, retrato de jovens perdidos, música pop. Impressiona o fato de que é um filme ainda moderno, lembra o estilo de Tarantino, Ritchie e vasto etc. Como todo novato Scorsese erra ao dar mais valor às imagens que ao roteiro, o filme às vezes se perde em sua história. Mas é uma refrescante visão de um imenso talento em seu nascimento. Nota 6.
O CÍRCULO VERMELHO de Jean-Pierre Melville com Alain Delon, Bourvil e Gian Maria Volonté
Por falar em Tarantino... Mais um dos filmes vigorosos de Melville. Mundo de ladrões, policiais e cabarets baratos. É um filme frio, duro, com uma contida violencia sempre latente. Delon é perfeito nesse papel de bandido sem alma. Melville foi um gigante, seus filmes jamais envelhecem. Virilidade em dose cavalar. Nota 7.
A BELEZA DO DIABO de René Clair com Gerard Philipe e Michel Simon
Finalmente vejo um filme em que o talento de Philipe me é exibido! Para quem não sabe é ele o grande mito do teatro e cinema francês. Morreu jovem... Aqui ele faz Mefistófeles, numa adaptação, em ritmo de farsa, do mito de Fausto. Simon é outro ator de gênio e é um prazer vê-lo em seus pulinhos de diabo bem-humorado. Clair, um dos cinco gigantes da França, tem o amor sincero pela poesia onírica do cinema. Sabia filmar sonhos e delirios. É uma obra invulgar, solta, febril e irreverente. Mas às vezes ela se perde em sua ambição. Clair era maior quando mais simples. De qualquer modo, é maravilhoso que filmes como este sejam lançados em dvd. Nota 6.
MINHAS TARDES COM MARGUERITTE de Jean Becker com Gerard Depardieu e Gisele Casadesus
Gerard Depardieu quando quer é um grande ator! A prova está aqui, neste filme que passou em nossas salas em Abril e que quase ninguém viu. Porque filmes tão bons quanto este são tão pouco vistos? Porque são adultos? Ou porque não são sensacionais? Não apelativos? É um filme discreto, elegante, simples, solar e muito feliz. Tudo o que hoje não dá ibope. Depardieu é um "burro", um homem de inteligência limitada, um bronco. Ele conhece uma velhinha que ama ler e os dois se tornam amigos. Nesse processo ele não se torna mais inteligente, mas adquire confiança em si. Tudo no filme funciona. Os amigos do bar, a namorada jovem, e principalmente a relação de Depardieu com a mãe não-maternal, mostrada em flash-back. O modo como Depardieu fala e se move, suas mãos imensas e suas hesitações são trabalho de gênio. Eu não gostava muito dele, mas este filme mudou meu conceito. É também um dos raros filmes de agora que consegue mostrar a verdadeira França e o verdadeiro francês. Espero que os americanos não o refilmem. Fariam do personagem central um viciado ou um caso psico, e da velhinha uma louquinha tarada. Fariam desta pequena jóia um filme "sensacional". Jean Becker é filho de um dos meus diretores favoritos, Jacques Becker. Os filmes que ele tem feito ultimamente são todos assim: maravilhosos. Veja!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Nota 9.
O RETORNO A CÂMARA 36 DE SHAO LIN de Lau Kar Leung com Gordon Liu e Johnny Wang
Produção do mitico estúdio Shaw Bros. Liu, espetacular, faz comédia como um mentiroso que se torna mestre de Kung Fu e salva trabalhadores de patrão cruel. Kill Bill é dedicado a Liu, um mito chinês. Lutas fantásticas num filme que dignifica o cinema pop. Os chineses viam o cinema como circo, como festa. É isso que temos aqui, uma festa. Nota 7.
ALEMANHA ANO ZERO de Roberto Rosselini
Em 1947, em ato de coragem, Rosselini foi a Berlin, filmar a vida na cidade vencida. O filme sempre irá impressionar: Berlin é um imenso lixão, onde pessoas esfomeadas vendem o que possuem. Temos aqui um ex-nazista, moças prostitutas, ex-professor pedófilo, velho agonizante. E principalmente um menino perdido, retrato da Alemanha de então, que rouba, foge, tenta se comunicar e acaba por matar seu pai. É um dos filmes mais tristes já feitos. O cinema de Rosselini continua a ser influência num certo tipo de cinema de hoje ( os iranianos, os palestinos, os africanos ), é cinema da pobreza, da crueza, e da ausência de emoção. Rosselini tenta ficar a distância, observa e não se envolve. O que salta aos olhos hoje é o absurdo de destruição que se fez em Berlin, creia, a cidade ficou completamente destruída. Nota 7.
PROFANAÇÃO de Jules Dassin com Melina Mercouri e Anthony Perkins
Primeiro: Dassin é um super diretor! Seja em policiais ou em dramas, seja em comédias ou em noir. Aqui ele pega a história de Fedra e a coloca na Grécia moderna, no mundo dos milionários armadores ( Onassis? ). Melina é a esposa de rico armador que se apaixona por seu enteado. Perkins, o jovem e frágil ator de Psicose, faz o enteado. A trilha é de Mikis Theodorakis, maravilhosamente trágica. Dassin vai fundo na tragédia grega, sem medo e sem pudor. O que vemos é a destruição de todos pela força da paixão cega. Mas a habilidade de Dassin é tanta que o filme nunca perde ritmo, suas imagens e sua edição dando suspense ( e nervosa beleza ) ao todo. Melina nasceu para esses papéis: seu rosto é máscara de tragédia. Anthony Perkins traz o desamparo de menino mal amado. O filme é poderoso. Nota 8.

SOBRE A PORNOGRAFIA ( O TAL LIXO SÉRVIO )

George Lucas disse em 1973 que é muito fácil criar Sensação: basta filmar um gatinho sendo esmagado ao vivo. Criar emoção é bem mais complicado.
Isso explica, à perfeição, o que é o cinema de hoje e para onde caminhamos. Esse filme sérvio de horror que a Folha reporta hoje ( 18/07 ) é, na verdade, exemplo de nosso futuro. Cenas de sexo misturadas com horror. Tira-se do sexo seu lado bom: sensualidade, prazer, libertarismo; e rouba-se do horror aquilo que ele pode ter de bom: suspense, emoção, surpresa.
O mundo está se reduzindo a grande bazar onde vale tudo para ser o camelô da vez. Se transar com feto ou matar um bebê "funciona", então é válido. Dar à isso um verniz de denúncia política é papo furado para captar a atenção dos meninos inteligentinhos. Na tese de George Lucas podemos dizer que o gatinho esmagado "representa o esmagamento das inocências". Bláaaaah!
O mundo globalizado, onde todos os cinemas são americanos, todos os times jogam à italiana e todas as músicas são novaiorquinas, traz a apatia e o tédio. Para tentar vencer esse estado mineral se usa o caminho da sensação sensacional: porradas e choques elétricos na letargia.
Triste civilização que precisa de cacetadas para se sentir viva.

CONSIDERAÇÕES SOBRE DEZ MINUTOS DE TV EM 1982.( FUTEBOL, CARROS E CIGARROS )..

Tento não falar sobre o futebol, minha intenção é falar de um momento do país, momento em 1982, demonstrado pela propaganda. Mas não resisto e falo: um time de homens que não se preocupa com cortes de cabelos e sobrancelhas lapidadas. Turma de gente que ainda se parece com os caras do buteco ou da esquina... Era um time mais bonito...
Em 1982 a ordem no Brasil, saindo da repressão, era só uma: hedonismo. Politicamente demos com os burros n'água, Tancredo morreria em 85 e Sarney instituiria o vale tudo. No futebol o jogo ingênuo seria enterrado e a época do jogo de resultados valeria para sempre.
É engraçado ouvir Luciano do Valle ainda com voz e é fantástico observar o jogo destravado, sem tosqueira. Vêm as propagandas:
Bamba, tênis. Dançarinos. Nada de esporte radical. Eles rodopiam em disco. Hedonismo puro. Hedonismo de desbunde. Depois o Fusca. Um desenho infantil, corações. Nada de futurismo, nada da fria eficiencia do mundo cinza, apenas corações e infantilismo. Coca-Cola. Na praia. Praia que tem uma abundancia de sorrisos. Hedonismo de sorrisos, ainda não se fez a ditadura dos tanquinhos. Continental mostra um jogo. Aí o contraste se exarceba. Em 2010 se falava em TIME DE GUERREIROS, neste anúncio de 1982 todo o destaque é dado ao drible e ao jogo de pés. Caráter do Brasil. El Gol, é anúncio que marcou época, carro que é um touro. Nada de jovens frios com seu jeito de robot, apenas emoção quente e solar. Hollywood: esportistas fumando???? Eu sei o mal que havia nesse tipo de propaganda. Mas o que quero dizer é que me parece estranhamente saudável um mundo que exibe o esporte como um grande foda-se... Hedonismo de novo, velejar é um prazer, nada competitivo aliás.
É necessário repetir uma giria antiga que é usada na peça da Coca: curtição. Curtição é usufruir com prazer, usufruir com o espirito do foda-se. Nossos anúncios não pregam mais a curtição, eles pregam a hiper-eficiencia, e pior, nosso futebol não é feito para ser curtido, é exibição de egos eficientemente propagados.
O mundo da curtição jamais voltará. Mas caraca! Um pouco menos de seriedade e eficiencia!
PS: e não deixa de ser interessante uma copa sem o patrocinio de um banco e de cerveja.

Intervalo Copa 1982 - Brasil x Argentina (RBS - Rede Globo Porto Alegre ...



leia e escreva já!

Handbags & the Gladrags - Rod Stewart



leia e escreva já!

SERIA UMA PENA SE VOCÊ NÃO ESCUTASSE....HANDBAGS AND GLADRAGS, ROD STEWART, SIM! ELE JÁ FOI GRANDE!

Entre 1969 e 1975, todo ano, a crítica inglesa elegia alguém como o "futuro do rock". Se em 1975 esse futuro se chamava Bruce Springsteen, em 1969 seu nome era King Crimsom. Assim como nos outros anos foram Bowie, Roxy Music e Sparks. E durante todo esse tempo, a molecada proletária de Newcastle, Bristol ou Manchester tinha ouvidos apenas para dois nomes: Slade para as bebedeiras e Rod Stewart para ficar no quarto ( e beber às vezes ). Esqueça o Rod Las Vegas de agora, creia-me, até seus trinta anos ele foi O Cara.
Foi jogador de futebol e coveiro e em 67 tirou a grande sorte, entrou para o Jeff Beck Group. Estouraram, ele, Jeff ( estrelaça ) e Ron Wood no baixo. Mas a banda terminou às vésperas de tocar em Woodstock ( chamaram o Ten Years After para os cobrir ). O disco AN OLD RAINCOAT WONT EVER LET YOU DOWN é o primeiro solo de Rod. Vendeu pouco, hoje é um clássico. Porque?
Leio uma velha crítica da Rolling Stone que entrega o motivo: Rod foi nessa época o único compositor/cantor que realmente sabia cantar o MOMENTO DECISIVO. O momento em que um garoto mata aula pela primeira vez, em que uma menina divide seu lanche no recreio, um velho penteando o cabelo e se lembrando do passado, um cego cruzando a rua e sendo ajudado por um estranho, o flagrante de um bandido, o primeiro porre, a dor do primeiro chute na bunda...Rod cantava todos esses temas, e o principal, sua voz tinha o dom para cantar isso a grande altura. Era uma voz que chorava, que se lamentava, que seguia avante e principalmente, dava coragem a quem o escutava. Se houvesse uma voz HERÓICA, essa seria a voz do jovem Rod.
Mas em 1975, milionário, ele sai da Inglaterra e vai morar em LA. Loiras e carros passarão a ser seu único assunto. Muitos dizem que a mudança de Rod, ao deixar seus fãs proletários desiludidos, abriu o caminho para o punk rock. Pois é...
O disco de 69, seu primeiro, com Ron Wood no baixo e guitarras, começa com uma versão lenta de Street Fighting Man, e o que posso dizer é que ela NÂO é pior que a original. Ela é enevoada, mais inglesa, mais contida. Em seguida vem Man Of Constant Sorrow e aí a coisa pega. Numa de minhas crises essa foi um hino. Ela realmente te tira do poço. E dá a certeza de que se o rock precisasse de um Keats, esse seria Rod. Blind Prayer é quase um blues e dá pra ver o que Ron seria se jamais tivesse ido aos Stones. Handbags vem agora, mas falo dela no fim.
An Old Raincoat se tornou depois um hit em shows de Rod. É uma celebração. Change a Thing é uma ambiciosa tentativa de progressivo e Cindys Lament continua a saga. O disco fecha com Dirty Old Town, que é dirty e não ficou old. Weeel... é hora de falar de Handbags.
Ela se inicia com um oboé e entra um piano. É uma canção. Uma das coisas que não consigo entender é como um cara de 16 anos pode hoje viver sem canções de amor no rádio. Canções, não falo de R and B mela cueca, não falo de choradeiras de meninos ao piano, nem de mocinhas e seu violãozinho, falo da canção de amor sem neurose, da canção doce, viril, de voz potente e alta, a canção de menestrel, exaltando o amor, a canção que dá vontade de amar, que desperta a saudade de amores idos. Handbags é isso e é mais.
O período 1969/1979 é considerado o momento auge da canção de amor. Não por acaso é a época de Paul MacCartney, de Roxy Music, de Elton John e de Stevie Wonder. Tempo de Paul Simon, Eagles, Queen e um monte de one hit makers. Rod foi rei nesse universo, Handbags é de seus cumes ( mas não o único ).
Ouço essa canção e vejo diante de mim todas as meninas que amei um dia. E as manhãs em que acordei com a certeza desse amor. A canção rola por dentro de nossas veias e não nos dá o desespero de amores falidos, mas sim a saudade do mel do amor de verdade. Rod tinha isso: a dor vinha, mas sua voz sempre fazia tudo valer a pena. Nunca foi voz pequena.
Ouvir essa canção hoje é um privilégio. O tempo passa, Rod fica cada dia mais Dean Martin, mas seu lugar em meu coração é reservado.

O MOINHO SOBRE O RIO- GEORGE ELIOT ( REVOLUÇÃO INDUSTRIAL X ROMANTISMO )

Ser mulher em 1840. Mulher possuidora de inteligência viva e de ansiosa energia. Assim foi Mary Ann Evans, nome verdadeiro de George Eliot. E assim é Maggie, heroína deste monumental romance. A autora foi criada em forte ambiente religioso. Passou a duvidar de tudo e tornou-se escritora. Na vida afetiva precisou enfrentar a má fama de se unir a um homem casado e pai de duas filhas. Evans/Eliot não é uma artista do estilo, seu brilho é o do pensamento, da criação de tipos. Como Maggie, menina pela qual todo leitor irá se apaixonar.
Pois Maggie nasce "com pele e cabelos de cigana", em mundo onde ser pálido e louro é a lei. É o interior da Inglaterra, mundo de moinhos e da classe média ascendente. Mais que pele e cabelos morenos, Maggie é uma força da natureza. Ela é curiosa, ela é viva, ela está sempre em movimento. A primeira parte do livro, centrada na infância de Maggie, e em seu irmão Tom, teimoso e corajoso, no pai desastrado que a adora e na mãe tola e ingênua, é forte e poética como poucas coisas já lidas. As primeiras 200 páginas voam, passam em amor pelos personagens de Maggie e Tom, mas também em encantamento pelos parentes sovinas, invejosos, moralistas, dogmáticos. O pequeno mundo movido a negócios, a dinheiro aplicado, a rendimentos.
O centro do livro é a terra. Todos lutam por ela. O homem, pela primeira vez em toda a história, percebe que seu mundo não mais lhe pertence. As coisas mudam, são destruídas, paisagens se vão. Não existe mais a continuidade, e esses seres, agitados e saudosos, se movem nesse mundo incerto, que teima em negar o passado, em se transformar. O trauma que a Europa viveu então se faz notar pela violência de suas revoluções, guerras e movimentos mentais. E neste livro se nota pela destruição de todos os sonhos de Maggie.
George Eliot é cruel com Maggie? Como poderia ser se Maggie é ela mesma? Mas nada dá certo para aquela adorável menina. Seu tempo é tempo feito para gente que não é como ela é. Maggie nega o amor, se perde e passa toda a vida ansiando pela volta a infãncia. Eliot traduz assim o romantismo de seu tempo: saudades da infância européia, onde todo recanto era sem dono, toda árvore era sua companheira por toda a vida e cada estação seria sempre exatamente como fora a anterior. Maggie sabe que esse mundo fora destruído. Mas ela passa pela vida crendo em sua volta.
Há um momento em que George Eliot se deixa perder. Quando Maggie se divide entre dois amores o livro perde originalidade e se torna mais um romance de amor sofrido. Mas isso logo é resolvido e o final é de trágica e bela verdade. Eles tinham de terminar assim, não poderia haver outro fim.
Mary Ann Evans sabia, e diz isso várias vezes, que a grandeza da Inglaterra estava firmemente construída sobre a teimosia dos compromissos familiares. Famílias negociavam com famílias e lutavam pela manutenção de seus bons nomes e de sua fortuna. O inglês era um ser de pensamento sólido, imutável, limitado e sem temor. Esse modo, sem imaginação, de avançar sempre e de manter a palavra dada, segundo Eliot, levaria o país ao poder mundial. Mas faria de Maggies e Toms vítimas de um mundo feito pelo e para o dinheiro.
Seiscentas páginas que poderiam ser mais. George Eliot foi uma grande mulher.

BRASILIA, UM LUGAREJO DE ALTAS BANCADAS

Numa sala imensa, um homem "especial", fala para seus camaradas. Esse discursante está longe deles, bem longe, detrás de uma imensa bancada, ao alto, em posição "superior".
Os outros estão lá embaixo, escondidos detrás de imensas poltronas, perdidos no vazio de um salão imenso. Impossível haver lá um "olho no olho", um cara a cara.
Esse é nosso congresso. Sua disposição arquitetônica já traindo o espírito da casa. Aliás, desenho feito por arquiteto bem pouco democrático. Espaço feito para discursos ao vazio, para conchavos detrás de sombras, imensamente oco.
Em outro lugar....
O ministro discursa em posição "inferior". Ele fica em piso mais baixo que seus companheiros. Se coloca ao centro, todos os outros estão quase encostados nele. Fala cercado, de pé, e escuta apupos, vaias, perguntas feitas por quem está "acima" e próximo.
Me causa admiração sempre que vejo o congresso inglês. O ministro tendo de enfrentar os congressistas no olho a olho, cotovelos quase encostados, o ministro de pé em meio aos companheiros. Vaias e adendos, perguntas feitas a todo momento, com educação, mas na proximidade.
Só irei acreditar no Brasil no dia em que o congresso for reformado. Em que se derrubar aquela ridícula e ditatorial bancada. Precisamos dessa "Bastilha".

PARA ENTENDER UM ROMANCE, O TEMPO E UM LIVRO

Primeiro a lenda. Começamos a nos tornar civilizados com lendas cantadas à fogueira. Mistura de religião com fato, cantos. Depois os épicos, feitos de heróis que dão orgulho ao povo e ensinam como ser cidadão. E vem a escrita.
Revelador o fato de que começamos pela poesia. É em verso que nossa consciência se revela ( ou inconsciência? ). Poesia que fala de deuses, depois de história e só então se cria o Ego.
O ego se firma e reafirma no drama teatral. No palco nós vemos o outro e tomamos ciência de nós-único. E muito tempo depois, a poesia provençal terminará o trabalho, nos dando a certeza de que o ego é feito para o amor.
Observe: já estamos em Dante, cinco mil anos de cultura ocidental, e nada de romance. Escreve-se poesia, filosofia, história, lenda, canção, conto picaresco, mas o romance como o conhecemos, não.
Vem a prosa, Boccaccio e depois Cervantes. Mas não são romances. A trama não é romanesca, os personagens não evoluem, a ação não leva adiante, resumindo: o tempo ainda não é linear.
Lendo o Quixote, o Decameron ou Canterbury Tales, percebemos que a história narrada não vai adiante, não corre. Os personagens nascem como se "fora do tempo". As coisas não mudam, acontecem aventuras, mas nada anda. Não é o romance. Mas é a prosa. Prosa com alma de poesia, atemporal. Quase nada é descrito, as coisas estão e permanecem como são.
Mas, na Inglaterra, por volta de 1740, textos começam a falar de homens que nascem e se modificam ao correr do enredo. Não se escreve sobre um herói extra-temporal, se conta uma linear saga no tempo. Começo-meio e fim. Personagens e ambiente. Forças sociais. Tempo que tudo modifica. Robinson Crusoe, Tom Jones, Clarissa. Defoe, Fielding e Richardson, no centro do capitalismo nasce o romance.
A paisagem muda sem cessar. As relações mudam. As cidades matam o atemporal. Os recantos familiares são destruídos. O homem se torna cão sem dono. O romance procura dar um sentido a esse terremoto. Ele dá linearidade ao que é irracional.
O século XIX é o auge do romance. E não por acaso é também o auge da ilusão racionalista. A maestria do romance mora toda neste século ( como também, e não por acaso, o apogeu da sinfonia ). Flaubert, Balzac e Stendhal na França; Eça e Camilo em Portugal; Hawthorne, Melville e James nos EUA; Turgueniev, Dostoievski e Tolstoi na Rússia; e principalmente Hardy, Dickens, Bronte, Thackeray, Stevenson e essa magistral Eliot na Inglaterra.
Tudo o que entendemos por "um bom livro" reside nesses autores. De Jonathan Frazen à Naipaul, passando por Harry Potter e Paulo Coelho, o que sentimos ser "um romance" é criado aqui. Bellow, Updike, Amis, Ellroy, todos têm a visão da narrativa como linha no tempo, modificações, personagens que crescem, desfechos.
O pesadelo do século XX desacredita o romance. A dúvida se faz e o sentido se esfacela. Joyce, Proust, Borges, Calvino, Sebald, tentam ir contra a linearidade, o enredo, o tempo. Para eles a questão é: como crer em romances se a vida é irracional? Balela! A vida deles é um romance. Eles escreveram romances sobre alguém que tenta sair do "grande romance do tempo". Falharam. Mas que bela falha!!!!!
Estou lendo George Eliot. Apesar do nome ela é uma mulher. Mary Ann Evans. Muitos a consideram a maior autora inglesa. Concordo. Lê-la é um prazer. Voce mergulha no ambiente, se apaixona pelos personagens e pensa estar vendo a vida mais viva que a própria vida. O segredo do grande romance está aqui: os personagens. Eles devem nos conquistar. Lendo Eliot voce se vê em amores com eles. E há aqui a melhor e mais bela descrição da infância possível.
Quando o mundo chega em George Eliot há um apogeu de uma longa saga. De Homero à Eliot. O que vem depois tem de ser diferente. Porque?
Um professor da USP me disse que após Victor Hugo é impossível para um francês fazer poesia. O fim da rima se deve a incapacidade de se tentar ser melhor que Hugo. Pois é isso. Após George Eliot ( e Tolstoi e Stendhal e Henry James ) é impossível se escrever um romance linear melhor que os deles. O romance se torna então farsa ou crítica, se torna uma outra coisa: best-seller diluidor, crítica modernista ou quebra-cabeça pós-tudo. Mas o grande romance, a história que cria seu próprio universo, e criando dá sentido a vidas sem sentido, esse romance é coisa do século XIX.
É uma benção ainda podermos os ler.

É BOM SER HOMEM ! É BOM PRA #@%##$!!!!!!

André Barcinski nos traz uma matéria com James Ellroy. Não sei se é verdade ou tipo, mas Ellroy diz não saber nada de facebook ou internet ou o diabo a quatro. Justo! Ele diz que para se escrever bem não se pode ficar conectado. Verdade. Tenho amigos que deixaram de escrever após o facebook. Escrevem suas besteirinhas na rede e esquecem de seus sonhos do "grande livro que vou escrever". A internet é um anti-deprê, um consolo para escrevinhadores frustrados. Como eu.
Eu escrevia muito melhor antes de meu blog ou do facebook. Me concentrava mais, elaborava melhor, tinha menos ansiedade. A caneta e o papel não são SIMPLES saudosismos. Eles são calmos, quietos, não elétricos. Na internet voce acaba se dispersando entre amigos, noticias e correspondência. A inspiração se vai. Não há espaço morto, silêncio interno, atemporalidade.
Ellroy diz não ler nenhum autor vivo. Na verdade não lê mais nada. E nem vê filmes. Sua narrativa ele a deve a Beethoven e Bruckner. Bom.... Todo bom autor escreve musicalmente. Stendhal era puro Mozart e Tolstoi é Beethoven. Mas acho dificil um escritor não ler. Todo autor é um viciado em letras, em texto, em palavras.... Mas é um prazer ver um autor tão pouco intelectual. Show.
James Ellroy é um homem homem, e esse texto casa com o texto de Pondé, texto que fala do homem homem, o homem não feminino, raça em vias de desaparecimento.
O homem compreensivo ( conheço alguns ) daqueles que ama a mulher "enquanto gente", é brochante. Mulheres com homens assim são poços de frustração. Pondé diz que a mulher deseja sim, embora às vezes envergonhada, ser um objeto ( de vez em quando ), ser tratada como ser desejado, ser diferente do homem, ser-fêmea, que deve ser protegido, tomado, cercado, dominado.
Meninos criados por pais de rabo de cavalo, que meteram em suas cabeças coisas como : "mulheres são como nós", "Respeite-as enquanto humanos", podem fazer o que? Tratá-las como irmãzinhas. Esses meninos têm aquele rostinho inofensivo, aquela voz suave-sonsa que tanto enxameia as ruas de toda cidade. As mulheres inteligentes, liberadas, se envolvem com esses tipos democráticos, e depois de dois anos se vêem, coitadinhas, ansiando pelo cafa da padaria ou o jogador de futebol da praia.
E o menino, que tolinho, se vê trocado pelo quarentão de barba suja ( " Porque? Porque?" ), ou pelo adolescente tapado caiçara.
No meio da beijação noturna, das azarações de verão, tudo o que elas querem é uma mão suja de graxa, uma boa pegada e o olhar de quem as vê como objetos magníficos para serem roubados.
O resto é consolo....

NICOLAS CAGE/ DORIS DAY/ COCTEAU/ BERGMAN/ MANOEL DE OLIVEIRA/ JOE WRIGHT/ GABIN

FÚRIA SOBRE RODAS de Patrick Lussier com Nicolas Cage e Amber Head
Barulho e corpos decepados. Mulheres nuas em cenas não-sensuais. Machismo a enésima potência. E Cage no meio daquilo tudo. Adoro filmes de ação sem cérebro. Sou fã de Jason Statham e fui de Bruce Willis/ Mel Gibson. Mas filmes de ação precisam de leveza, de algum humor. O que vemos aqui é grosseria pura e nada de emoção. Video-game em que voce não joga, assiste e engole. Estamos no ponto mais baixo do cinema. Nota ZERO.
A TEIA DE RENDA NEGRA de David Miller com Doris Day, Rex Harrison e Myrna Loy
Um elenco superior para um filme comum. Doris é esposa aterrorizada por telefonemas anônimos. Rex é seu marido e Loy uma amiga. Tem classe, mas o roteiro não se distingue por nada de especial. Serve para fãs de Hitch que gostam de conhecer suas imitações ( meu caso ). Doris, uma atriz sempre subestimada, segura o papel. Nota 5.
INVERNO DA ALMA de Debra Granik com Jennifer Lawrence
Por entre toneladas de entulho, bando de zumbis esfomeados e drogados vaga sem destino e sem nada para se ocupar. Uma menina deprimida vai à procura do pai em meio a esse mundo lixo ( que não é o meu ). É só isso. Um filme perfeito para quem confunde arte com depressão, ou que mostrar a verdade é mostrar gente zumbi. Se voce viajar grandão no filme, voce até pode imaginar que há ali a constatação do fim da figura paterna/deus e dos restos de coisas tentando ocupar esse vazio. Vazio que é inescapável. Mas o filme é realmente tão rico? Ou ver isso é empurrar sentidos que ele não merece ter? A atriz não atua, apenas fica zanzando pelo set. Foi dificil ficar acordado. Nota ZERO.
A BELA E A FERA de Jean Cocteau com Jean Marais e Josette Day
Para se avaliar um clássico é preciso vê-lo mais de duas vezes. Na primeira vez em que vi este filme ( 1991 ) chamei-o de obra-prima. Na segunda vez ( 1999 ) apenas de um excelente filme. Agora o considero um filme interessante, bonito ( a foto é de Henri Alekan ) mas nada de tão grandioso assim. Nosso gosto se apura com o exercicio do olhar e do escutar. Em 91 o que eu conhecia de cinema? Bom..... A história é aquela do desenho Disney. Claro que numa chave mais adulta. Cocteau, para os meninos que não sabem, foi poeta, coreógrafo, pintor, diretor de cinema e escritor. Bom em todos esses ramos, genial em nenhum. Amigo de Picasso, Matisse e toda a turma boêmia da Paris 1920/1940, seus filmes sempre possuem um visual rico, sonhador, poético. Mas também apresentam sempre algo de flácido, suave demais. É o caso. Nota 6
SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA de Manoel de Oliveira com Ricardo Trêpa
Se Clint Eastwood viver mais vinte anos terá a idade que Manoel tem hoje. Um milagre! E tomara que Clint ( e Woody ) consigam. Manoel de Oliveira é pouco apreciado em Portugal. Seu sucesso vem da França e da Espanha. Fácil saber o porque: ele expõe aquilo que os portugueses não gostam em si-mesmos. Aqui ele pega um conto de Eça e faz um filme de uma hora, apenas. E que filme é esse? Uma radiografia sobre a facilidade com que um amor nasce dentro de uma pessoa, e a mortal capacidade que esse amor tem de se escapar. Se amar é fácil, perder um amor é mais fácil ainda. O filme nada tem de trágico. Aliás, nada tem de emocionante. A paixão é exposta como coisa fria. E o fim é ainda mais frio. As cenas nunca são bonitas, são precisas, simples, naturais. É um tipo de cinema diferente, distante, de cenas longas, nada espetaculares. Em meio a tanta bobagem é um alivio. Mas por outro lado, há uma ostentação cultural, um pedantismo que chega a irritar. De qualquer modo, quando um ator recita um poema de Fernando Pessoa ( Alberto Caieiro ) faz-se a luz. É uma cena maravilhosa. Manoel de Oliveira não é de nosso tempo. Seu filme parece ter sido feito por um contemporâneo de Machado de Assis, Proust ou Thomas Mann... E ele o é. Nota 6.
O SÉTIMO SELO de Ingmar Bergman com Max Von Sydow, Bibi Andersson e Gunnar Bjorson
Quando temos diante de nós um filme como este, tudo o que podemos fazer é ajoelhar e bater palmas. O prazer em assisti-lo é inenarrável. Se voce não compartilha desse prazer, sorry, voce não sabe o que perde. Morte, história, coragem, jogo, estes os temas do filme. Bergman constrói cenas sobre cenas que nos ficam gravadas na cabeça como sonhos acordados. É, como diz Pauline Kael, o único filme medieval que parece ter sido feito na época. Bergman compreende o que foi aquele tempo. De certa forma, ele viveu seus conflitos em termos de culpas medievais. Foi um homem que enfrentou o dragão. Inescapável marco do cinema. Nota DEZ.
ARDIDA COMO PIMENTA de David Butler com Doris Day e Howard Keel
Doris está adorável como Calamity Jane, a heroína do oeste, com jeito e roupas de homem. Keel é um cowboy seu amigo. O filme, musical, mostra sua transformação em mulher atraente. É um musical de sucesso, mas não é um dos grandes. Em que pese o talento de Doris e de Keel, o filme tem uma encenação comum, pouca ousadia em seus números. È apenas uma diversão ligeira, da época em que se produziam filmes às toneladas. Nota 6.
GAINSBOURG de Joann Sfar com Eric Elmosnino, Laetitia Casta e Lucy Gordon
Um bom filme sobre um ícone. Sfar surpreende: caso raro de bio que não sente pudor em amar seu objeto. Serge é tratado como personagem de lenda, de conto de fadas. A encenação é rica, e suas canções estão lá ( La Javannaise é a melhor ). Bacana terem lembrado de France Gal, mas bem que podiam ter dado um jeito de colocar Anna Karina. A terceira parte, quando ele encontra Birkin, é a melhor. O encontro com BB é o pior resolvido. De qualquer modo, é obrigatório para fãs, para francófilos e para quem gosta de boa música. Para o resto será uma surpresa. Eric tem atuação de gala, mas Serge não era tão feio! Lucy é uma Jane convincente ( sim, se usavam saias tão curtas ) e Laetitia está longe da beleza de BB. Pena Claudia Schiffer não ser mais jovem.... A atriz que faz Grecco nada tem da esquisitice da musa existencialista. No mais, é um filme sobre um homem muito sexólatra feito de forma estranhamente pudica.... Sinal dos tempos.... Nota 7.
HANNAH de Joe Wright com Saoirse Ronan, Cate Blanchet e Eric Bana
Ainda não passou aqui este novo filme do excelente diretor de Desejo e Reparação e de Orgulho e Preconceito. Do que trata? Saoirse ( excelente ) é uma menina criada pelo pai ( Bana ) para saber se defender. Na verdade ela é parte de uma experiencia que não deu certo. Blanchet é a agente governamental que fez parte do projeto e que agora quer eliminá-la. Sentiram o drama? É HQ das mais banais. E o filme é esquizo até o osso. Wright, um talento enorme, trabalha com esse roteiro banal e faz misérias com as cenas. Não há um excesso de cortes, não há violência demais. Mas há a criação de um clima angustiante e principalmente, Wright consegue fazer um filme de hoje que se parece com futuro distante. Vemos aquele mundo sórdido, à Blade Runner, e percebemos que é nosso mundo, é agora. Um filme cheio de erros ( o pior é a trilha sonora vulgar ) mas que deixa se perceber o talento, grande, de seu diretor. Nota 6.
A TRAVESSIA DE PARIS de Claude Autant-Lara com Jean Gabin e Bourvil
Demorou mas virei fã de Gabin. Acho que precisamos de uma certa idade para gostar de seu jeito lento, duro, seco e mal-humorado. O chapéu de lado, o cigarro em toco, as mãos gordas. O maior mito francês em cinema. Aqui ele é um pintor bem sucedido que se envolve com o contrabando na segunda guerra só para ver como é. Ele ama a vida e quer conhecer esse lado de viver entre contrabandistas desesperados. Seu camarada é um apavorado e afobado pobretão, sempre nervoso e quase estragando tudo. O que eles contrabandeiam é carne de porco ( há a morte de um porco no começo que pode ofender alguns ). O filme, filmado nas ruas escuras de Paris, é uma diversão deliciosa. Assistimos com interesse a caminhada desses dois perdidos pela cidade tomada pelo medo e por soldados nazistas. E é lindo ver a Paris escura, fria, suja, pobre, da guerra. Nota 7.